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O Futuro é Cooperativo

Dois eventos na próxima semana pretendem discutir uma das mais promissoras “saídas” para um futuro digital menos distópico. O primeiro é a Conferência Internacional de Cooperativismo de Plataforma – Rio 2022, que reúne uma série de ativistas, pesquisadores, trabalhadores brasileiros e internacionais no Museu do Amanhã entre os dias 4, 5 e 6 de novembro. E o segundo é o ciclo de eventos “O Futuro é Cooperativo“, organizado pelo Sesc Avenida Paulista, com uma programação ampla de debates, oficinas, cursos – e também lançamento do “A Cultura é Livre” presencial, dia 10/11, 19h30, em que eu estarei na mesa relacionando a cultura livre com o cooperativismo de plataforma e outras discussões tecnopolíticas junto de Giselle Beiguelman e a cantora e compositora Letty.

 


Como podemos construir uma economia digital cooperativa engenhosa e assertiva no Sul Global – uma economia que foi super explorada e extraída pelo colonialismo de dados e trabalho do Norte Global? O que significa para as cooperativas escalar enquanto aderem aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU? Organizações Autônomas Descentralizadas (DAOs), blockchains e outras tecnologias distribuídas tão em voga ajudarão essas aspirações de crescimento e abordarão questões de governança? Organizado pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro – ITS , ITS Rio, e o Platform Cooperativism Consortium, sediado na The New School, em Nova York, a conferência vai ter a participação de Trebor Scholz, diretor do Institute for the Cooperative Digital Economy Platform Cooperativism Consortium, principal divulgador do conceito de cooperativismo de plataforma pelo mundo, a partir do livro de mesmo nome, lançado no Brasil pela Editora Elefante – e tema de BaixaCharla #4, em 2019; James Muldoon, professor de ciência política na Universidade de Exeter e coordenador de pesquisa digital no think tank Autonomy, autor de “Platform Socialism: How to Reclaim our Digital Future from Big Tech“, entrevistado pelo DigiLabour aqui; Anita Gurumurthy, fundadora e diretora executiva da ‘IT for Change’, onde lidera pesquisas sobre economia de plataforma, governança de dados e IA, democracia na era digital e estruturas feministas sobre justiça digital; Rosana Pinheiro-Machado, antropóloga e cientista social, professora da Escola de Geografia da University College Dublin e pesquisadora principal do projeto “Flexible Work, Rigid Politics in Brazil, India, and the Philippines” do European Research Council; os já conhecidos por aqui Rafael Grohmann, líder e criador do DigiLabour, hoje Professor Assistente de Estudos de Mídia com foco em Estudos Críticos de Plataformas e Dados na University of Toronto Scarborough (UTSC); e Rafael Zanatta, Diretor da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, e que já nos ajudou na entrevista com Nathan Schneider sobre o tema em “O Futuro da Economia Será Compartilhado?“; entre muitos outras pessoas – veja aqui a programação completa.

Participo de uma mesa no segundo dia do evento, sábado 5/11 às 14h, chamada “The Brazilian Artists Who Are Helping Themselves“, onde vamos discutir, por diferentes perspectivas, como as abordagens baseadas em bens comuns têm sido adotadas por cooperativas e outras organizações culturais. George Oates, diretora executiva e uma das fundadoras do Flickr, fala sobre “Como você pode ajudar a preservar bilhões de fotos“; Victor Barcellos, do ITS e também um dos articuladores do evento, investiga como as cooperativas de plataforma podem melhorar as condições de trabalho dos artistas no país em “Equity for Brazilian Artists: A Critical Study of Platform Coops“; Miguel Said Vieira argumenta que as cooperativas podem se tornar mais impactantes e inclusivas ao compreender e empregar estratégias baseadas no comum, na fala chamada “The Power of Commons-Based Strategies for Cooperatives in the Global South“; e eu falarei a partir de uma aproximação da cultura livre com o cooperativismp, tentando buscar inspirações e lições da cultura livre (e também do Creative Commons) para formação de cooperativas de plataforma no setor cultural: “Can Free Culture Save the Day for Platform Coops in the Cultural Sector?“.

 

 

O cooperativismo é o nome que damos para a produção e administração de negócios em que o poder de decisão é distribuído entre os trabalhadores e trabalhadoras, que fazem parte de uma cooperativa. Enquanto conjunto de ideias e práticas organizadas, tem sua origem no século XVIII e XIX, na Europa, como uma alternativa política e econômica ao capitalismo que eliminasse o patrão e o intermediário e concedesse ao trabalhador a propriedade de seus instrumentos de trabalho e a participação nos resultados de seu próprio desempenho. Socialistas utópicos como Robert Owen e Charles Fourier, por exemplo, criaram cooperativas de produção no século XIX. No século XX, o cooperativismo se complexificou; ganhou força dentro do capitalismo, com a formação de cooperativas gigantescas, passou a ter diferentes categorias (de trabalho, consumo, de crédito, agropecuária) e diferentes práticas. No Brasil, se aproximou com a economia solidária, prática econômica que visa a criação de estruturas de gestão que não estejam baseadas na desigualdade e exploração dos trabalhadores e onde os que produzem são considerados os proprietários do empreendimento em questão, não havendo distinção entre patrões e empregados, com a distribuição igualitária dos ganhos entre todos os membros da empresa. Aqui encontrou a contribuição de Paul Singer, que defendia, como professor, intelectual e membro do governo brasileiro (foi o criador e durante muitos anos o itular da Secretaria Nacional de Economia Solidária – Senaes), que a economia solidária poderia aproveitar a mudança nas relações de produção provocada pelo grande capital para lançar os alicerces de novas formas de organização da produção, à base de uma lógica oposta àquela que rege o mercado capitalista.

Unindo esses princípios com o mundo digital, o conceito de cooperativismo de plataforma tem se colocado como uma alternativa à chamada economia de compartilhamento que se compromete com princípios democráticos e transparentes para os trabalhadores e seus clientes. Assim como o cooperativismo tradicional, o de plataforma não propõe soluções rápidas para problemas complexos, mas mostra que é possível reproduzir tecnologias como as de plataformas de entretenimento e mobilidade urbana de modo realmente colaborativo, na contramão da uberização do trabalho. Em resumo: é uma ideia/prática que busca unir importantes reivindicações de trabalho digno (cooperativismo) com novas (ou nem tanto) discussões sobre tecnologias livres e autonomia e cria uma oportunidade rara de fazer um futuro tecnopolítico menos capitalista e distópico, como já comentamos em “Cooperativismo de plataforma & tecnologias livres: alimentando a (now) topia”; Falamos também de sua importância para o trabalho via aplicativos em “Breque dos Apps e as alternativas para o trabalho digitalizado“, quando do principal breque dos Apps até aqui, em 2020; e também do Plano de ação para Cooperativismo de Plataforma no Brasil, carta criada a partir do seminário sobre cooperativismo de plataforma e políticas públicas realizado em junho em Porto Alegre, em junho de 2022.

A programação do “O Futuro é Cooperativo”, organizado pelo Sesc Avenida Paulista, teve uma série de cursos, oficinas e discussões importantes para o tema, “Como Construir uma Plataforma de Trabalho Coletiva?”, “Cooperativismo na América Latina: Uma história de resistência”, “Trabalho Cooperativo nos Dias de Hoje”. Ainda teremos dia 17/10, às 19h30, a exibição do documentário “Paul Singer: Uma Utopia Militante“, de Ugo Giorgetti, que versa sobre a vida e obra de Paul Singer, grande articulador teórico e prático da chamada economia solidária, que no Brasil se aproxima e por vezes se confunde com o cooperativismo.

Também teremos, por fim, na quinta feira 10/11 19h30 um lançamento (presencial) do “A Cultura É Livre”, onde vamos distribuir o livro (gratuitamente, cortesia da co-editora Fundação Rosa Luxemburgo) e debater sobre direito à cultura e o compartilhamento de conhecimentos, a importância dos softwares livres e sua relação com a cidadania e a democracia, além de uma reflexão sobre o atual cenário da produção cultural atual frente grandes plataformas de entretenimento. A querida Giselle Beiguelman, autora do texto da contracapa do livro, estará conversando comigo e Letty, cantora e compositora, sob a mediação de Fernando Mekaru, sobre todos esses temas e muitos outros correlatos que sempre surgem.

 

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