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Faulkner hipertextual

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Começou do óbvio: queria ler O Som e a Fúria (ou The Sound and the Fury), 3º romance de William Faulkner, um dos grandes da Literatura Americana do século XX. A iniciativa veio por dois motivos principais: de tanto ouvir Faulkner ser citado por muito dos escritores que mais li na vida até hoje, especialmente Juan Carlos Onetti e Julio Cortázar; e por ler este trecho da entrevista de Cormac McCarthy à Rolling Stone Latino América, em fevereiro de 2008, capa com o Radiohead:

“Faulkner solía decir que comenzó El Sonido y La Furia con una única imagen de una chica en un árbol mirando a através de una ventana el funeral de su abuela, y otra chica mirando los húmedos armários donde se habían estado jugando. Sólo era esa imagen, que problablemente provenía de su infância. Uno piensa en esa imagen. Sale El Sonido y La Furia inevitablemente de esa imagen? Bueno, yo creio que no”.

Daí a procurar o livro foi um pequeno passo, que logo se tornou em uma tremenda busca, dada a dificuldade de achar o livro nas bibliotecas (da UFSC e da UFSM e em algumas públicas), livrarias (Saraiva, Cultura, Cesma, e outras menores) e mesmo em livrarias virtuais. Na internet, resolvi então procurar pela versão original, em inglês, e como quarta opção da busca, apareceu esta baita edição em hipertexto do livro, que reproduzo a capa aqui abaixo.

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Edição em hipertexto não é nem parecido com aqueles PDF’s que baixamos. E esta é extremamente bem cuidada: tem uma introdução geral – explicando o porquê do livro ser especialmente  interessante para uma leitura hipertextual -,  um guia de leitura para cada um das quatro partes principais da obra e, o supra-sumo desta edição, uma série de links (localizados à direita do texto principal) que tornam a leitura hipertextual completamente diferente de um outro tipo de leitura. Trata-se de quatro tópicos contendo ensaios críticos, intertextos (com outras obras, sejam de Faulkner ou de outros escritores), gráficos com estatísticas sobre os mais variados dados acerca do livro e links para outras páginas sobre Faulkner.

(O detalhe é que todo esse cabedal de informações pode ser acessado ENQUANTO tu lê o livro, o texto principal no centro da página e o complemento numa janelinha à direita, como a imagem abaixo indica)

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Não há dúvida que se trata de outro tipo de experiência de leitura; podemos ler, em uma mesma tela, ao mesmo tempo, o livro e a sua obra crítica, o livro e um gráfico da cronologia dos acontecimentos do livro, o livro e referências pessoais da vida de Faulkner enquanto escrevia o livro. É possível, inclusive, alterar a estrutura da obra, onde a sequência original (não-cronológica) dos capítulos pode passar a ser cronológica.

As possibilidades de leitura que esta versão hipertextual dá são tantas que muitos vão achar que elas alteram e até estragam a apreciação da obra – na medida em que os hipertextos “guiam” nossa imaginação por diversos caminhos, ela não trabalha tanto quanto se estivéssemos lendo a versão original impressa do livro, onde os vazios são preenchidos, para bem ou para mal, única e exclusivamente por nossa capacidade de imaginar e fazer referências.

Acontece que não é pelo motivo de que ainda não estamos acostumados a ler literatura desta forma que devemos deixar de tentar entender como que essa nova leitura vai se dar. Existe muita gente por aí buscando entender isso, e outros tantos fazendo literatura assim – e mais outros tantos fazendo um misto de jornalismo e literatura sobre isso, como meu caro amigo Augusto Paim neste blog aqui.

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Mas eu confesso: ainda não me acostumei. Tanto que finalmente comprei uma edição  – bonitaça e um tanto cara, essa aí acima da Cosaic & Naify – de O Som e a Fúria, em português, e é nela que leio e a cada página me embasbaco com o impressionante talento de Faulkner em construir a história dos Compson e de Yoknapatawpha County através de tantas vozes diferentes, usando tão absurdamente bem o fluxo de consciência, e me pondo tantas dúvidas que, desde já, tentam se disfarçar de admiração para que só assim consigam se esconder atrás da absurda racionalidade que busca respostas para tudo, inclusive e principalmente pra aquilo que não deveria querer saber.

[Leonardo Foletto]

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