Quem tem medo de hacker?
Laboratório Hacker na Câmara dos Deputados, que inaugura hoje, promete ser o posto mais avançado de influência política de uma cultura fundamental na internet
Você ainda se assusta quando ouve o termo “hacker”? Acha que eles são seres exóticos, madrugadores diante de uma tela preta de código alimentados a pizza e coca-cola que quando menos se espera descobrirão todas as suas senhas, apagarão todos os seus arquivos, rodarão scripts que vão “raspar” todos os seus dados na rede e ainda escreveram mensagens engraçadinhas em cores berrantes na tela de seu computador ?
Se você está lendo esse texto provavelmente não acha nada disso, embora algumas das ações escritas acima são mesmo corriqueiras no mundo hacker (descubra qual/quais e ganhe um doce!). Já não é de hoje que o termo perdeu aquele nefasto significado de “piratas de computador” que filmes e jornalistas usavam e abusavam na década de 1990 até pouco tempo atrás, para falar dos “perigos” da internet. Com a onipresença da tecnologia digital e o “big data”, hoje dá até pra dizer que o hacker está mais pra herói do que vilão – é aquele que, armado com dados abertos e conhecimentos avançados de linguagens de programação (mas não só; conhecimento de qualquer coisa pode servir para “hackear algo”) ajuda a sociedade a entender como funciona para, então, agir nela com eficiência e transparência.
Uma das mais importantes provas desse “hackeamento” simbólico do termo acontece hoje, junto ao todo-poderoso Congresso Nacional. Lá vai se dar a inauguração “oficial” do Laboratório Hacker, um espaço aberto de encontro de hackers diversos para a troca de conhecimentos sobre transparência, dados abertos, políticas públicas, cultura livre e o que mais caber no caldeirão de assuntos que interessa aos hackers (e a sociedade). Durante todo o dia de hoje (18) e amanhã (19) serão realizadas atividades sobre estas temáticas, com a participação de gente de todo o Brasil, além da apresentação das competências e objetivos do LabHacker, planos de trabalho, conversas sobre como funcionará o laboratório, palestras e conversas com deputados – até o presidente atual da casa, Henrique Eduardo Alves, estará no espaço, às 11h da quarta feira 19 (confira aqui a programação completa dos dois dias).
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Uma referência fundamental para entender que diabos é este tal hacker é o livro de Steven Levy, “Hackers – Heroes of the Computer Revolution”, publicado em 1984 nos Estados Unidos e em 2001 no Brasil. Nele, Levy analisa o período de 1958 a 1984 para dizer que os primeiros hackers surgiram a partir da década de 1950, primeiramente dentro do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e depois na Califórnia, quando professores e alunos passaram a usar o termo para descrever pessoas com grande habilidade técnica na informática, que aprendiam fazendo, através da prática, e se tornavam excelentes programadores e desenvolvedores de sistemas, mas não raro péssimos alunos – muitos nem chegavam a terminar a graduação.
Estes hackers – alguns dos que Levy cita são Steve Jobs e Steve Wozniak, criadores da Apple, e Ken Willians, um dos primeiros desenvolvedores de games – são (ou foram) autodidatas, apaixonados pela solução de problemas a ponto de varar madrugadas na resolução de algo que não tivesse funcionando. Com esta determinação é que foram se convertendo em excelentes programadores de sistemas e desenvolvedores de hardwares, e, com isso, personagens importantes no desenvolvimento da informática e da internet que hoje conhecemos.
É do trabalho mais recente da antropóloga Gabriella Coleman, de 2013, uma das mais precisas definição de hacker: “computer aficionados driven by an inquisitive passion for tinkering and learning technical systems, and frequently committed to an ethical version of information freedom”. Como principais características do grupo, a pesquisadora traz a subscrição a ideais de liberdade de acesso à informação, que levam a uma ética de compartilhamento, e a apropriação de tecnologias, no sentido de compreender seu funcionamento e desenvolver a capacidade de modificá-las, para benefício próprio ou coletivo. Coleman chegou a estas características a partir de um estudo etnográfico com hackers envolvidos no movimento open source e as apresenta no livro “Coding Freedom: The Ethics and Aesthetics of Hacking”, recém lançado e disponível pra download de graça.
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Voltando ao Laboratório Hacker: vale lembrar que apesar de hoje ser a inauguração “oficial”, ele está em pleno funcionamento desde janeiro, tendo já realizado duas reuniões (abertas) para discutir o funcionamento do espaço e sua função junto a câmara. Ele também não nasceu “do nada”; é fruto de articulações diversas que já acontecem faz alguns bons anos, especialmente a partir de congressistas e pessoal “.gov” com integrantes da Transparência Hacker, uma comunidade de cerca de 1500 hackers, jornalistas, acadêmicos, ativistas, designers, programadores, advogados que trabalham em prol de transparência pública e dados abertos.
Um dos pontos-chaves para a criação do Lab se deu nos dias 30 de outubro a 1 novembro de 2013, quando foi realizado o 1º Hackathon da Câmara dos Deputados. “Hackathon”, pra quem não é familiarizado com o termo, é como se costuma chamar maratonas de desenvolvimento de ferramentas/aplicativos/sites com dados, normalmente públicos, em um tipo de prática que tem se espalhado no mundo inteiro a partir das políticas de transparência e “open data” adotadas por diversos governos no mundo (outra hora eu talvez fale um pouco mais disso por aqui). No caso do hackathon da câmara, 27 projetos – selecionados entre 99 inscritos – levaram cerca de 45 hackers para os aposentos do Congresso Federal para trabalhar na produção de ferramentas com os dados abertos disponibilizados pela Câmara. Os três”vencedores”, que ganharam 5k cada para tocar em frente seus projetos, foram O “Meu Congresso Nacional“, que acompanha de perto os dados das movimentações dos Deputados e Senadores no Congresso Nacional; .”Monitora Brasil”, um serviço para celulares que serve para que o eleitor acompanhe as atividades dos deputados; e o Deliberatório, jogo de cartas criado a partir da simulação dos processos legislativos da Câmara.
Nos dias do hackathon, um momento útil pra entender o processo foi o tete-a-tete com o já citado Henrique Eduardo Alves e o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), mediado por Daniela Silva, integrante da Transparência Hacker. No vídeo acima, que mostra esse encontro, ali pelos 12min e 40s, Pedro Markun, também integrante da THacker, questiona o deputado: ‘transparência não é só dado aberto, mas também processo político. E abertura de processo político é muito mais difícil de fazer do que abertura dos dados. Se a gente quiser mudar realmente a cultura, vamos precisar de algo permanente”.
É a deixa para Henrique Alves elogiar a atitude do hacker e se comprometer, publicamente, na manutenção desse espaço permanente. “Eu vou determinar o diretor geral da câmara que, encerrado esse trabalho, nós possamos ter um movimento permanente do hack dessa casa”. Ali ganhava corpo o Lab, uma ideia que tem sua origem também num rascunho de lei sobre a criação de um “hackerspace” na Assembléia Legislativa de São Paulo, ideia por sua vez “jogada” por Markun no Facebook no dia 3 de outubro.
Com um laboratório permanente de hackers no centro do poder nacional, o desafio agora é que ele busque transformar também os processos legislativos, tornando-os, no mínimo, mais transparentes e participativos – atendendo inclusive uma das principais demandas reivindicadas nas ruas desde os protestos de junho de 2013. Afinal, quem (ainda) tem medo de hacker?
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Paradoxos do Brasil brasileiro: no mesmo dia que inaugura o LabHacker está marcado, finalmente, para votação na Câmara o Marco Civil da Internet, a “Constituinte” da internet que deveria garantir os direitos de quem usa a internet no Brasil. Deveria, porque a versão proposta em 11/12 do ano passado prevê a coleta em massa obrigatória de metadados (informações para identificar, localizar e gerenciar os dados) de pessoas não suspeitas. Segundo o art. 16, qualquer funcionário administrativo, policial ou membro do Ministério Público pode requerer os chamados logs de aplicação, que são os metadados dos serviços que você frequenta na Internet. Na explicação de ativistas que acompanham as discussões do marco faz anos, isso significa que se criaria no Brasil legislação que permita vigiar todos nós, assim como a NSA faz com cidadãos de todo o mundo, sem que para isso tenha que se ter uma suspeita razoável. O relator do projeto, deputado Alessando Molon (PT-RJ), diz que não fará nenhuma alteração neste artigo. Será que vai acabar nossa privacidade de vez na rede?
[L.]
Foto: EBC
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