Jornalismo gonzo por Warren Ellis
O jornalismo não escapou ao movimento geral da profissionalização do mundo, e seu caso específico é o de um campo que num passado não tão distante abrigou fartamente figuras com porte de artista, verdadeiros escritores que agora mortos cedem suas cadeiras nas redações para funcionários sem vigor nem violência [isso sem contar as exceções]. Porte nesse caso diz respeito à grandeza duma produção textual desovada em jornais e revistas ao invés de livros muitas vezes por puro deboche ou consciência histórica [pra quê falar para 100 se se pode falar para 1000, consigo ouvir Paulo Leminski perguntando, enquanto pensa sobre a grandeza da cultura de massa], como é o exemplo, no Brasil, de um Torquato Neto, corajoso colunista de jornal, poeta morto inédito em livro.
É só questão de tempo até que meu texto esbarre no nome de Hunter S. Thompson, exemplo extremo de coragem textual associada a inacreditáveis níveis de irresponsabilidade e chapação. Thompson está no grupo de autores que me é mais caro, aquele que inspira amizade mais que admiração, e quem sabe não seja isso que Warren Ellis tenha em mente ao homenageá-lo como inegável modelo para seu personagem mais adorável, Spider Jerusalem, o jornalista da série Transmetropolitan.
A premissa da série é a mesma de qualquer ficção cyberpunk: usar o futuro, onde alta tecnologia e baixíssima qualidade de vida coexistem, pra falar do presente. Nesse caso, um futuro como qualquer outro, cheio de violência urbana, fanatismo religioso, corrupção, pobreza, e o agravante de que o único resquício de dignidade, correção e ética é um paranóico jornalista que pra piorar é viciado em…bem, tudo. Drogas, armas, violência, pornografia e a metrópole: apenas lá ele consegue escrever, escrever segundo o credo anunciado já na primeira edição: “the typewriter’s a gun. Show’em some steel”. É essa máquina de escrever que aponta pro mundo, em busca de um valor que não é preciso chegar no futuro pra considerar deslocado – a verdade dos fatos, e tal. Mas sem heroísmo ou inocência, o personagem de Ellis é tão matador quanto caricatural em sua quixotesca busca e seu destino não é muito melhor que o dos corruptos que tanto aporrinha.
É assustador que alguém com tantos acertos como Warren Ellis não hesite em afirmar ser Transmetropolitan seu melhor trabalho, mas é tão assustador quanto faz sentido. Considero mesmo uma aula de jornalismo acompanhar, por exemplo, a cobertura das eleições presidenciais americanas feita por Jerusalem, em que ele põe em prática a máxima do próprio Thompson, segundo a qual a objetividade jornalística serve apenas para mascarar os dilemas e conflitos humanos, a verdadeira matéria de que são feitos os textos, ou pelo menos os que importam.
Não é difícil encontrar as 60 edições da série [que durou cerca de cinco anos] pra download [talvez seja difícil encontrar todas as edições em português]. Aqui é um bom lugar, e há três comunidades Transmetropolitan no orkut, busca lá que tu acha. Também recomendo uma lida nessa entrevista aqui do Warren Ellis, em que o escritor fala sobre meia dúzia de coisas interessantes e atesta sua fé na ficção extrema como um meio de falar sobre seu próprio tempo, no fim das contas ele mesmo um tempo pra lá de extremo.
[Reuben da Cunha Rocha.]
Comments:
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Nossa, muito foda o texto e sem dúvida Transmetropolitan é um dos melhores quadrinhos que já li! uma grande aula assim como o palestina de joe sacco.
abraços.