BaixaCultura

Uma voz do presente

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“Escuta Wado, bicho! Esse cara é completamente contemporâneo! Escuta!”, foi o primeiro elogio que ouvi sobre a obra do cantor e compositor catarinense, mas a conexão ruim é a verdadeira inimiga da cultura livre e depois de ouvir o elogio levou ainda algum tempo até que eu conseguisse baixar seu primeiro disco, O Manifesto da Arte Periférica (2001), encontrado solitário numa comunidade de orkut.

Tempo o bastante pra que eu me tocasse do melhor: não apenas o primeiro disco, toda a obra de Wado até aqui tá disponível pra download, desdo Manifesto, passando por Cinema Auditivo (2002) e A Farsa do Samba Nublado (2004) até Terceiro Mundo Festivo, lançado este ano e em processo de divulgação, com shows até agora realizados do Pará a SP, passando por Pernambuco, Ceará, Distrito Federal, Bahia e Alagoas, onde o cantor reside há quase dois anos.

Na verdade, pra onde voltou há quase dois anos. Nascido em Santa Catarina, com oito anos de idade Wado se mudou pra Maceió, e lá viveu o bastante pra chegar a gravar os dois primeiros discos. Depois disso, dois anos e meio no Rio + um ano em São Paulo.

A volta pro nordeste coincidiu com outra mudança, essa na discografia do cantor: o ingresso no independente. Com um primeiro disco lançado pelo selo Dubas [do compositor Ronaldo Bastos] e os dois seguintes pela Outros Discos, Wado primeiro jogou Terceiro Mundo Festivo na rede pra somente em seguida lançar o produto material, sem selo mesmo.

wado

Perguntado, ele associa tanto o uso da internet quanto a entrada no independente à necessidade de renovação criativa. “Eu tava me reconstruindo, tentando não me repetir. Me pareceu uma boa estratégia”, ele me diz no msn e eu respondo que acredito ter funcionado. Mas voltando um pouco. Como é que os primeiros discos [que têm selo] foram parar na rede? As gravadoras liberaram, e tal? “O que rolou foi que os contratos acabaram. Os contratos estão mais curtos hoje em dia, geralmente com dois anos o disco volta pra mim. Daí chegou uma hora que era tudo meu novamente e eu postei tudo no site”, e se tu [como eu] não fazia idéia dessa mudança nos contratos com gravadora, o compositor explica: “os contratos começam como padrão, mas quando tu não tá mais no primeiro disco dá pra negociar uns detalhes”.

Baixo então disco após disco e sem procurar encontro aquilo de que me haviam alertado, a contemporaneidade da voz, da palavra e do som do artista, profundamente pessoais [pra mim o nome disso é sotaque, nos discos de Wado até os timbres dos instrumentos o têm.] ao mesmo tempo que sempre sensíveis ao outro, ao fora, ao que não é umbigo. É isso para mim a ‘arte periférica’ de Wado: um olhar e um modo de se relacionar com as coisas mais do que um tema. Uma sensibilidade que fala só do que lhe emociona, e que refinada se emociona com coisas que mal vemos. Um carteiro de favela empenhado na ingrata tarefa de vencer as ruas fora de catálogo bebe com coração tranquilo sua cerveja no final do dia. Pé que dá fruta é o que mais leva pedra, e uma raiz é uma flor que despreza a fama. Meu corpo escuta o groove com os poros e pensa, o groove introduz leveza na subversão sonora.

E escuto então isso tudo e penso no dilema do artista contemporâneo, ou melhor, no dilema contemporâneo do artista, construir trajetória, batalhar grana, tocar em Paris e produzir o próprio show, gravar o próprio trabalho e procurar trabalho. É aí que dou uma boa olhada no meu próprio entusiasmo e penso, que beleza, nada é tão simples quanto parece, nada se reduz ao tamanho gigantesco de nossos entusiasmos, e sou obrigado a segurar minha própria onda quando escuto de Wado que voltar pro centro é uma possibilidade, que “voltar é pra ter mais visibilidade”. Que nem tudo são flores no 3º mundo apesar da festa e que mesmo a decisão de descer pro sudeste novamente não depende só do seu talento ou do que sua voz tem a dizer de nós. Que é preciso ainda se “preparar pra poder trabalhar com outras coisas por lá, eu não consigo viver só de música”.

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Até a permanência no independente e a distribuição livre do seu trabalho na internet, esses dois enormes entusiamos do declarado fã que sou, não têm futuro certo. Da internet os frutos, segundo o compositor, têm sido mais shows vendidos, melhor distribuição e até, imagine você, mais vendas de disco [“depois de ouvirem as pessoas querem a coisa fisicamente também”]. Eu acho massa. Mas ele mesmo não tem certeza se seguirá na trilha recentemente aberta e tá tranquilamente aberto a negociar contrato com gravadora. “Acumula muita função pra mim, ter de ser artista, gravadora, produtor. Essas porras todas”, né?

É assim que nem tudo é festa no 3º mundo festivo e que apesar da festa, dos quatro excelentes discos [baixa logo, maluco!], do enorme talento, da singularidade de sua proposta e da disposição em seguir fazendo o melhor nas condições dadas, sejam elas quais forem, o futuro do artista periférico é que nem morar de aluguel: provisório e em permanente mudança.

E Wado nem reclama. “A vida tá boa”, ele diz, e eu penso no quanto isso fala sobre sua música, que se fosse pra dizer do que se trata ao invés de escrever este texto eu diria isso, é trilha sonora pra vida boa, pra dançar a lição do samba: dançar a vida boa quando a vida não tá fácil, que a vida mesmo nunca é.

[Reuben da Cunha Rocha.]

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