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Festival Cultura Digital.br (2): um balanço geral e subjetivo

Foi diferente do ano passado. Nem melhor nem pior, mas diferente.

Em 2010, a Cinemateca, com sua beleza cuidada a pão de ló, e São Paulo, com sua ordem e praticidade às vezes fria, tornaram as coisas mais geométricas, para remixar a metáfora da Estética do Frio de Vitor Ramil.

Este ano o palco do agora Festival Cultura Digital.br foi o Rio de Janeiro – mais precisamente o MAM, às marges da baía de Guanabara. E o Rio é o clichê brasileiro: a malandragem, a desordem, a beleza incontestável e a espontaneidade convivendo juntas, as vezes num caos insuportável por sua ineficiência e as vezes num mesmo caos maravilhoso pela sua fricção – seguida de combustão – criativa.

O Festival este ano teve um pouco desses dois lados do caos, embora o lado bom do não previsto se salientasse mais que o da bagunça. A seguir, um panorama geral e subjetivo em alguns parágrafos e fotos sobre os dias 2 e 4 de dezembro de 2011, no MAM-RJ.

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Pátio do MAM-RJ à noite

O local escolhido como sede do Festival se revelou uma boa surpresa – pelo menos para quem desconhecia o MAM. Uma das principais obras modernistas do país, erguida em 1948 em projeto do arquiteto Afonso Reidy, o museu é, na verdade, um grande parque aberto, com pátio repleto de verde que se estende até a baía de Guanabara.

Com seus metros e metros de gramas e sombras de árvores para sentar debaixo, é um lugar convidativo, que muitos cariocas costumam frequentar espontaneamente no final de semana. Aliado a isso o fato de que o MAM é encravado no centro do Rio, a algumas quadras da Cinelândia, têm-se uma mudança quase radical de cenário para o evento no ano passado, a Cinemateca, espaço deveras bonito mas ermo e fechado.

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O Ônibus Hacker foi o grande xodó do Festival – se tu preferir, foi o destaque “hype” da programação, como bem apontou este infográfico que circulou no O Globo sobre a programação do evento.

[Caso tu ainda não conheça, aí vai: o ônibus é um projeto da comunidade Transparência Hackday e é, neste 2011, um dos maiores cases de crowdfunding no Brasil, com quase R$60 mil arrecadados via Catarse]

O busão teve sua chegada festejada na quinta à noite, promoveu oficinas e mini-cursos e, o principal de tudo, foi a atração turística do Festival. Todos que lá estiveram quiseram dar uma conferida nos seus interiores e ver de perto o que ali se passava. Inclusive Gilberto Gil, embaixador do Festival e que muito circulou pelos aposentos do MAM, acompanhado de Claudio Prado, Jorge Mautner e Nélson Jacobina, como mostra a foto abaixo.

Ainda que em fase embrionária, sem muitos apetrechos nos seus interiores, o busão destacou-se também por sua versatilidade. Nele que foi projetado a transmissão ao vivo dos jogos das rodada final do Brasileirão 2011, auxiliado pela internet wifi de 10 gigabits oferecida pela RNP e a Proderj e por aqueles sites que sempre “pirateiam” a transmissão dos jogos de futebol no Brasil.

Diga-se que o sinal não foi dos melhores, caía nas horas mais importantes, mas serviu para juntar pelo menos umas 30 pessoas a volta e ecoar alguns gritos de torcida rivais – caso de Corinthians e Palmeiras, que tinham o maior nº por ali. A foto abaixo dá um panorama geral da coisa.

Final do Brasileirão 2011 live at Festival Cultura Digital.br

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Sala onde ocorreu a Mostra de Experiências

A Mostra de experiências foi a única atividade no MAM realizada num lugar totalmente fechado – no caso, a Cinemateca do museu. É a que teve o maior número de projetos do exterior, de China a Holanda, passando por Estados Unidos, Colômbia, Inglaterra, França, Japão, Estônia, México, além de projetos de inúmeros locais do Brasil.

Funcionava de um modo semelhante aos congressos acadêmicos, com cada pessoa/grupo apresentando sua experiência em 15 minutos, só que sem o espaço para o debate, já que as experiências eram muitas e o tempo para isso pouco. Nessa estrutura, a mostra era como um grande mosaico de coisas, em que o púbico assistia e, se gostasse muito ou quisesse trocar uma ideia com  o palestrante da vez, procurava a pessoa em questão ao final da apresentação.

No último post apontamos alguns projetos que nos pareceram interessantes, e foi uma pena que conseguimos ver apenas alguns dos citados e falar com alguns dos envolvidos. Boa parte dos projetos apresentados merecem um post a parte, e é por isso que deixaremos para as próximos semanas para comentarmos um pouco mais de cada um deles. Enquanto isso, tu pode ter mais uma noção do que ali ocorreu nesse relato de Daniel Castro, monitor do streaming do lugar. Aliás: em breve, todos os vídeos deste espaço (que foram transmitidos ao vivo pela rede) estarão disponíveis no site do culturadigital.org.br.

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Fachada do Odeon na abertura oficial do Festival, na sexta 2 de dezembro

O Cine Odeon, maravilhoso cinema incrustado em plena Cinelândia, foi palco das Palestras, reservados aos nomes conhecidos da cultura digital, da literatura e da cultura em geral.  Não estivemos na maioria dos debates do Odeon, e, confessamos, também ouvimos pouco falar deles; das pessoas com quem conversamos, ouvimos ótimos comentários do velho conhecido Kenneth Goldsmith, do UbuWeb e de Hughes Sweeney, do National Film Board of Canada, que realiza os documentários interativos mais fantásticos do planeta, auxilados por uma estrutura que, infelizmente, só países como o Canadá parecem ter condições de ter hoje.

[Sweeney organizou alguns vídeos no Festival para a chamada Mostra Tudo, e a Revista Select compilou alguns desses num post. Olha lá]

Assim como a Mostra de Experiências, as Palestras serão subidas para o site oficial, e esperamos vê-las para sacar o que rolou de legal nelas. Particularmente, queremos entender o que Paulo Coelho falou de pirataria e se ele, assim como o pessoal do Festival no guia de programação, também confundiu pirataria com copyleft, uma falha infelizmente comum.

Momento vergolha alheia na abertura do festival

A Sergio Mamberti, do MInC, coube ler a carta de Ana de Hollanda

A palestra de Abertura do Festival, na noite de sexta-feira, merece um comentário à parte. Iniciou com algum atraso, o que deixou impaciente o público que lotava os mais de 500 lugares do Odeon. E começou mal, com uma mesa composta de representantes da Petrobras, RNP, MAM, Secretaria de Cultura do RJ, MinC, além de Rodrigo Savazoni, diretor geral do Festival, e Ivana Bentes, professora da UFRJ (mas que não se sabe porquê esteve ali, ainda mais sendo a primeira a apresentar o Festival). Uma politicagem que, ainda que compreensível pelos arranjos feitos para a realização do Festival, se mostrou longa e desnecessária para a abertura de um evento.

O auge da coisa toda foi mostrar um vídeo de Eliane Costa, gerente de patrocínio da Petrobras. Ela comentou um pouco sobre a importância do festival e, a certa altura, falou que não estava presente ali por ter ido à França iniciar seu doutorado na Sorbonne. Perguntas de boa parte do público: que diabos eu tenho que ver com isso? Por que esse vídeo está sendo mostrado aqui, na abertura do festival, espaço dos mais nobres?

Na sequência de Eliane, aconteceu o momento mais polêmico da noite. Sérgio Mamberti, atual secretário de Políticas Culturais do MinC, leu uma carta de sua chefe, a ministra Ana de Hollanda – e por tudo que a gestão de Ana fez com a cultura digital neste ano, era mais que esperado que  haveria vaias da plateia na simples menção de seu nome.

Em resumo bem simplificado, a carta lida por Mamberti dizia que a atual gestão do MinC não “rompeu” com a cultura digital como alguns falam, e que ela, a cultura digital, teve avanços sim em sua gestão. A resposta de uma parte da plateia foi “Ministra do ECAD!”, seguida do coro “Não, não nos representa!“, o que causou algum constrangimento entre todos.

No fim das contas, há de se salientar a coragem de Sérgio Mamberti em ler até o fim a carta – justo ele, já um senhor de idade, muito simpático e mais alinhado aos avanços digito-culturais do que a ministra Ana.

O poderoso Benkler solito no palco

… e num papo arretado com Gil

Depois da abertura oficial, lá pelas 21h e pouco, iniciou a conferência de abertura propriamente dita, de Yochai Benkler, um dos principais teóricos do digital e autor de livros fundamentais como “The Wealth of Networks” e “The Penguin and the Leviathan“, que defendeu muito dos preceitos da internet livre e animou muita gente a fazer o mesmo.

Uma frase muito tuítada proferida na palestra, dita em resposta ao revelação de entrevistador Gilberto Gil, deu o tom da fala: “Manteremos a liberdade na internet? Benkler: Not if we don’t fight“.

[Leonardo Foletto viajou ao festival para participar da cobertura colaborativa].

 
Créditos fotos: Aloysio Araripe (1), Bruno Fernandes (2, 3,4, 5, 6, 8, 9), Rafael Vilela (12) e Pedro Caetano (10, 11, 13) da ótima equipe de fotógrafos do Festival (fotos disponíveis no Flickr oficial do evento) e Leonardo Foletto (7).

Comments:

  • Rodrigo Savazoni

    Léo,

    Belo relato.

    Vamos ao debate.

    E é óbvio que quero apontar alguns problemas nessa tua narrativa parcial. Você, como muita gente, confunde política com politicagem, e, às vezes, a soberba te afasta da percepção da realidade. Sigo com meus pontos.

    1. É óbvio que quem produziu o Festival conhece a diferença entre pirataria e copyleft. E também a disputa semântica sobre as duas paradas. Marcar posição em cima disso é necessidade de auto-afirmação. Mas passa. Pode crer que passa. Paulo Coelho usa a expressão pirataria. Daí o jogo feito. O maior vendedor de livros do mundo, tratando isso. Quais os limites? No mínimo, é curioso. Era por isso que estava ali.

    2. Sobre a fala da Eliane Costa. Assista de novo. Assista a maior instituição patrocinadora da cultura dizer que o caminho é investir nas redes culturais. Assista o maior financiador de cada coisa que foi produzida no cinema, na música erudita, nas artes reconhecidas e no patrimônio edificado, reconhecer que a política cultural deve percorrer outros rumos. Você realmente acha isso pouco? Realmente não percebe que esse foi o dínamo de uma virada na perspectiva de como se pode viabilizar a cultura no país? O Teatro para Alguém, projeto que é seu objeto de ensino, é vencedor do PPC da Petrobrás. Quem mais tá pondo grana nisso? Apostando nisso? Diz aí…

    3. Era uma cerimônia formal de abertura. Tava chata. Não precisava entrar. Cumpriu um papel, de reconhecer quem bancou essa parada, num ano em que houve uma desarticulação orquestrada pela POLÍTICA (politicagem, brother, eu te explico o que é). Teu recorte acaba na vaia, como, aliás, é bem típico de quem crê no jornalismo. Não se estende ao momento da festa, onde fizemos do Odeon um palco para fazer um híbrido entre os participantes do Festival e da ocupação da Cinelândia – que infelizmente foi desmontada este domingo, último dia em que estávamos no MAM. Talvez, naquela festa, tenha rolado o último ato rebelde desta rebeldia, e você não comentou. Foi massa. Eu gostei. Muita gente gostou.

    Desculpe qualquer virulência. Você é parceiro. Alguém que esteve conosco inclusive participando da equipe, por isso merece tratamento direto, olho no olho. Vamos à boa discussão. Cada um com seus argumentos.

    Bacio,

  • baixacul

    Rodrigo,

    Vamos lá. Legal tuas provocações, acho que são sempre saudáveis.

    1) Quanto a questão do copyleft: claro que todo mundo da produção sabe a diferença, conheço vocês e sei que sabem. Mas acho que o marcar posição nesse caso é mais no sentido de esclarecer mesmo, um trabalho que, se não formos nós quem vamos fazer, quem será? Recentemente, participei de um doc de um tcc de fim de curso de uma faculdade de São Paulo que tratava justamente de copyleft e creative commons na cultura. Eles entrevistaram muita gente da área editorial, da música, até mesmo o João Marcelo Bôscoli da Trama, e uma das perguntas que faziam é: copyleft é pirataria? Eu me espantei com a pergunta, porque não imaginava que o pessoal confundisse as coisas. Mas confundem, eles me disseram, especialmente quem não é da cultura digital – que é muita gente. A partir dessa situação, fiquei com isso martelando na cabeça, “não dá mais pra confundir essas coisas”. Por isso notei a frase no guia. E por isso acho importante esclarecermos a diferença.

    2) Quanto a fala da Eliane Costa, eu não acho que ela esteja equivocada nem nada, mas só achei fora de lugar mesmo. O pessoal tava com a expectativa de uma coisa, e aí vem um monte de patrocinador falar. Legal, importante mostrar quem apoia isso, fundamental mesmo, mas cortou um pouco o clima. Só isso. Talvez eu devesse ter ficado do lado de fora, esperar passar essa parte. Tenho dificuldades de entender o mundo da política, não por soberba mas por ignorância mesmo, e adoraria uma diferenciação clara entre ela e politicagem 🙂

    3) O fato de terminar nesse ponto, com o Benkler, foi um recorte, realizado mais por questões subjetivas (de terminar o relato, para não ficar tão grande, etc). A festa depois foi maravilhosa, subverteu mesmo muito do que se viu dentro do Odeon. Talvez devesse falar mais dela, como contraponto ao final algo soturno. Farei isso no próximo post que planejei sobre o festival.

    Mas tche, vamos conversar, olho no olho, pela CCD. As colocações foram pontuais, coisas pequenas que achei importante, mas que de maneira nenhuma mancharam a ótima visão que eu (e creio que todos) tive do Festival, um evento muito, mas muito legal, que é fundamental que continue por muito mais anos.

    abraço
    Leonardo

  • Rodrigo Savazoni

    Léo,

    Vamos sim. Como sempre. Conversar é o que fazermos. Conversação é o que defendemos. Daí porque resolvi escrever. Porque com você cada segundo de debate vale a pena.

    Vou elaborar melhor sobre a diferença entre política e politicagem. Agora tenho de correr para a Universidade. Mas a primeira, eu diria, mobiliza as forças (o poder) para um fim maior, a segunda encerra o poder em si. Ou seja Política é > Politicagem é = ou <.

    Dá uma sacada de novo no vídeo da Eliane e pensa se aqui não está expresso, para além de toda a parafernália institucional, que também acho cansativo, um programa para a cultura brasileira: http://vimeo.com/32925557

    Bacio,

    Rodrigo

  • baixacul

    Hola Rodrigo,

    Acho que entendi a diferença do politicagem. No caso, eu não quis usar num sentido de “falcatrua” que, talvez, em Brasília o termo tenha mais – e tu que morou lá sabe disso. Usei num sentido de “arranjo” político, mas aí é uma questão de semântica que talvez não valha a pena discutir. O fato é que só por ter provocado essa conversa contigo já valeu, tanto pra mim quanto pros que aqui viram ela.

    abraço!

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