Cultura digital não é o problema
Um trecho de uma fala de Mark Fisher sobre smartphones trouxe à tona novamente o debate sobre sua obra, mas com uma interpretação um tanto equivocada. Mattie Colquhoun, fotógrafa/ escritora inglesa especialista em Mark Fisher e editora do ótimo Xenogothic, critica como as pessoas têm usado Fisher apenas para reforçar um pessimismo paralisante sobre a cultura digital, ignorando que suas críticas eram sempre direcionadas ao “ciberespaço capitalista” — não à cultura digital em si.
O texto argumenta que o problema não é o digital, mas como o capitalismo colonizou e restringiu as potencialidades da internet nas últimas décadas. Mattie relembra que a internet dos anos 2000 e início dos 2010s era mais livre e criativa, sendo apenas recentemente que se intensificou seu uso para “reforçar modos de subjetividade, dessocialização e trabalho alienado”. A resposta não deveria ser o “decrescimento digital” ou o viver offline, mas sim lutar pela reconstrução de um ciberespaço emancipatório.
Como explica Mattie:
“É claro que a Internet nunca foi uma utopia, mas devemos ao menos estar conscientes da maneira pela qual seus potenciais foram ativamente restringidos por uma classe de bilionários com medo da livre circulação de informação. A resposta a isso, no entanto, não é a retirada; assim como a retirada da sociedade em geral também não é possível (ou desejável) offline. O que buscamos escapar são as Leis de Cercamento Digital de vários governos; devemos redirecionar nossa atenção para as forças que moldam várias estruturas de sentimento, em vez de tomar esses sentimentos como “verdades” puras e subjetivas”.
Em ‘Touchscreen Capture‘ — um ensaio publicado na sexta edição da noon, revista sul-coreana de arte contemporânea, dedicada ao tema do ‘pós-online’, em 2016 — Mark Fisher diz:
“uma armadilha colocada pelo capitalismo comunicativo é a tentação de recuar da modernidade tecnológica. Mas isso pressupõe que o bombardeio frenético de atenção é a única modernidade tecnológica possível, da qual só podemos nos desconectar e nos retirar. O realismo capitalista comunicativo age como se a coletivização do desejo e dos recursos já tivesse acontecido. Na realidade, os imperativos do capitalismo comunicativo obstruem a possibilidade de comunização, usando o ciberespaço realmente existente para reforçar os modos atuais de subjetividade, dessocialização e trabalho árduo”.
O texto (de Mattie) fecha alertando que Fisher pensava no que fazer a respeito, não apenas em lamentar. A cultura digital jovem, especialmente a que emergiu durante a pandemia, “nativas digitais, profundamente imersas em suas maquinações”, oferece vislumbres de outras possibilidades – ainda que não saibamos exatamente quais hoje, em 2025. O recado final de Colquhoun é importante: “Mark foi o primeiro grande pensador da era digital, com a maior parte de seus escritos permanecendo online. Ele nunca pensou que a cultura digital era em si o problema, cancelando lentamente o futuro; o capitalismo é o responsável pelas crises digitais do presente, e sua reivindicação de monopólio sobre a digitalidade é um desenvolvimento recente, embora Mark tenha previsto isso com grande clareza. Mas suas críticas eram apenas um diagnóstico; não uma prescrição. Ele pensou muito sobre como responder, e imagino que ele teria odiado ver seu trabalho se tornar um fardo barato para a impotência reflexiva contra a qual ele lutou por duas décadas”.
Ao final, Mattie lembra, defendendo Fisher: the problem isn’t ‘digital culture’; the problem is capitalism.


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