O cadáver do aceleracionismo
Benjamin Noys, que cunhou o termo “aceleracionismo” há mais de dez anos, escreveu um interessante balanço sobre o destino desse “movimento”, texto publicado no E-flux em novembro de 2025 (e que é o prefácio da nova edição de seu livro “Malign Velocities: Accelerationism and Capitalism“. Noys questiona por que revisitar o cadáver do aceleracionismo, já que o movimento parece ter se esgotado como vanguarda. Ele observa que “o aceleracionismo, se morto, permanece como um espectro assombroso presidindo sobre a paisagem cultural”, uma vez que as questões sobre o papel da tecnologia na cultura e na mudança política não desapareceram. Em suas palavras (tradução minha):
“Se o aceleracionismo é um movimento de vanguarda, na mesma linha do Futurismo, então, como muitos desses movimentos, ele parece ter se esgotado. Isso não é necessariamente algo a ser lamentado, mesmo por aqueles que o abraçaram. Os futuristas italianos viam seu movimento da velocidade como algo que deveria se tornar obsoleto pelas forças que eles desencadearam. De um ponto de vista cultural e político muito diferente, Guy Debord, líder dos Situacionistas nos anos 1960 e 70, pensava que o papel das vanguardas era desaparecer uma vez que seu trabalho estivesse concluído. O pró-aceleracionista poderia até argumentar que o aceleracionismo cumpriu seus objetivos, colocando os debates sobre tecnologia e mudança no centro das discussões, e agora pode deixar o campo com honra”.
Noys argumenta que, embora as paixões do momento aceleracionista tenham esmaecido e as plataformas que sustentaram seus debates (blogs e Twitter) tenham decaído, os debates sobre IA e grandes modelos de linguagem mostram que as questões permanecem urgentes. As redes sociais de hoje — dominada por bots, memes, IA e monetização — perderam sua carga utópica, deixando para trás uma cena mais esparsa e mais corrosiva. O fracasso do aceleracionismo em persistir no momento atual revelaria, segundo Noys, sua “falta de engajamento crítico com a tecnologia”. O que, por sua vez, levanta a questão de como devemos nos engajar com a tecnologia, seus potenciais e seus perigos, algo que de fato não parece consistente nos aceleracionistas, mas em espaços de ativismo como o nosso, guiados por princípios de transparência, software livre e redes distribuídas, sim.
O que parece estar claro, hoje, é a persistência do aceleracionismo de direita. Como comentamos neste post, a visão do aceleracionismo de direita (o agora chamado “aceleracionismo eficaz”, é usar a tecnologia para sustentar e espalhar a consciência humana (ou o que quer que substitua essa consciência) por todo o universo. Diz Noys: “tomando emprestadas ideias de Nick Land e da ficção científica, o e/acc quer criar o desenvolvimento desregulado da tecnologia, especialmente a inteligência artificial, para nos permitir transcender o que William Gibson chamou de “a carne”. Aqui podemos ver que o aceleracionismo converge com o mercado capitalista, e a noção distópica das corporações como seres sencientes emergentes, encontrada em Gibson, é invertida na promessa de um futuro radicalmente novo”.
Noys afirma que, mais uma vez, o Futurismo italiano pode oferecer um aviso salutar sobre o destino do movimento aceleracionista. O fato de que o Futurismo foi um movimento cultural heterogêneo – com suas tendências niilistas, anarquistas e proto-fascistas – obscurece o compromisso central de uma política estética do mito, que transforma a tecnologia de uma realidade social em uma força mítica. Diz Noys: “A necessidade de entender a tecnologia, e especialmente o controle da tecnologia (o que costumava ser chamado de “controle dos meios de produção”), corre o risco de desaparecer em um movimento que só oferece a pseudo-solução de se fundir com a tecnologia”.
Analisar o aceleracionismo é entender o que tem acontecido nos últimos dez anos, especialmente na discussão tecnopolítica. Noys afirma, e nós concordamos, que foi um movimento muito restrito, desconhecido por grande parte das pessoas – apenas um ponto minúsculo em relação a todas as questões e forças reais que moldaram esses anos. Mas, continua ele, “as formas como o aceleracionismo reencenou gestos do passado, ao mesmo tempo que prometia novos futuros tecnológicos utópicos para a era das redes sociais, ainda me parecem reveladoras. Ele representou algo das forças e trabalhos reais e sua expressão ideológica neste período. Se precisamos, como Hegel sugeriu, de compreender o nosso próprio tempo em pensamento, isso inclui entender onde podemos pensar que ele se desviou. É por isso que ainda acho que vale a pena traçar as velocidades malignas do aceleracionismo e as suas mutações”.


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