BaixaCultura

Retrospectiva e expectativa Cypherpunk

Capa de Wired de maio/junho de 1993 com cypherpunks mascarados (reza a lenda que Timothy C. May e Eric Hughes estavam presentes)

Com mais de trinta anos desde sua gênese, o ideal dos cypherpunks ainda germina sobre gerações de criptógrafos, programadores e ativistas

Tal qual o movimento da cultura livre, que se reuniu nos anos 2000 para confrontar a perseguição judicial daqueles que baixavam conteúdo em sites P2P, os Cypherpunks ganharam notoriedade quando se organizaram para responder a uma ameaça  – no caso, feita por mecanismos regulatórios da criptografia nos Estados Unidos, entre o final dos anos 1980 e início dos 1990. A união para problematizar legislações (e também atos vigilantes de governos e empresas) foi uma feliz ocasião para reunir grupos de pessoas que discutiam as implicações políticas das técnicas, especialmente aquelas relacionadas com a proteção da privacidade – naquela época já era possível prever muitas (se não todas) as implicações vigilantes de uma rede mundial de computadores como a internet.

Eram, sobretudo, programadores, hackers e engenheiros de software e hardware, alguns influenciados por escritos tecno libertários que viam as  tecnologias  da informação como um acréscimo de poder ao indivíduo que aumentaria a liberdade pessoal e poderia radicalmente reduzir a força do estado-nação. É interessante pensar como o libertarianismo cypherpunk dialoga, ainda que pontualmente, com o que Richard Barbrook e Andy Cameron chamaram de “ideologia californiana”. Timothy May, por exemplo, autor do “Manifesto Criptoanarquista” (1992), foi leitor de Ayn Rand e refletia, em alguns posicionamentos políticos, parte da sua filosofia centrada em um certo individualismo que, anos mais tarde, resultaria em um ultraliberalismo e a aberração chamada anarcocapitalismo (os hoje famosos ancaps).

Ainda que houvesse essa tendência individualista e anti-estatal, o fato é que os cypherpunks também souberam ser um sistema de natureza tecno-social com bastante elasticidade, que soube se adaptar em diferentes contextos sociopolíticos desde o fim da década de 80 até os dias de hoje. A ponto de agregar, além de pessoas e coletivos, também outras formas de “ação política”. Tecnologias podem ser cypherpunks, como o The Onion Router (Tor), o Pretty Good Privacy (PGP) ou o WikiLeaks; articulações sociais podem ser cypherpunks, como as criptofestas em dezenas de localidades do mundo e as diversas mobilizações da sociedade civil de defesa dos direitos conexos à criptografia na rede; e pessoas podem ser cypherpunks através de ações cipher-ativistas, como aqueles/as que se dedicam, em redes colaborativas, a oferecer oficinas sobre o uso de ferramentas de criptografia, organizações que defendem a criptografia em processos judiciais ou indivíduos que alimentam o GitHub (e o GitLab) com linhas de código que tornam mais resilientes arquiteturas de segurança com criptografia.

“Manifesto Cypherpunk” no original, em inglês

Na visão de Tim May exposta em “Manifesto Criptoanarquista”, a criptografia de chave pública foi tão importante para a virada do século XXI, em termos de revolução comunicacional, quanto a invenção da prensa de Gutenberg foi no século XV. Da mesma forma que a difusão de conhecimento possibilitada pela prensa potencializou a desestruturação do modelo de retenção e silenciamento de informações característicos do poder medieval, a criptografia seria, igualmente, o contraponto da escalada de poder do Estado com a aceleração da computação. De fato, para os estudos de vigilância dos finais da década de 80, a centralização do computador enquanto ferramenta de administração pública completaria o projeto panóptico de Jeremy Bentham de duas maneiras: expondo o comportamento do público e tornando opacos os aparatos de vigilância.

No ínterim do aprofundamento das preocupações sobre a erosão da privacidade, os manifestos de May e Eric Hughes foram sintomáticos, respectivamente, do presságio e da reação às “criptoguerras” (como viriam a ficar conhecidas as disputas em torno da criptografia notadamente na década de 90, mas com diversas renovações contemporâneas): em 1988, ano da primeira aparição do Manifesto Criptoanarquista, já era densa a proximidade dos riscos aos direitos refletidos em regulações restritivas à criptografia; em 1993, o “Manifesto Cypherpunk” já mobilizava um repertório de reação a políticas públicas e teorizava, ainda que implicitamente, sobre o direito à privacidade e à proteção de dados. 

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Na quinta-feira 26/8, 19h, Leonardo Foletto, organizador de “Manifestos Cypherpunks”, conversa com André Ramiro, pesquisador em criptografia e um dos fundadores do IP.Rec, autor do posfácio desta edição – os trechos acima são parte do posfácio adaptadas.  A proposta é falar um pouco sobre os três manifestos presentes no livro, seu contexto de produção e sua atualidade para 2021. A conversa ocorre no canal do Youtube do BaixaCultura, às 19h,  dentro do #criptoagosto, uma série de eventos, debates e atividades para falar da importância da criptografia, organizado pela Coalizão Direitos na Rede.

E a campanha do financiamento do livro no Catarse segue por mais 9 dias, já atingimos 500% da meta inicial mas seguimos pra espalhar e fazer a maior tiragem de um livro artesanal cypherpunk desse país!

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