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Como pesquisar na web anonimamente

A internet é tão intrínseca ao dia-a-dia moderno que esquecemos de observar a sua estrutura, o espaço que habitamos dentro dela. É como andar de carro: nós nunca prestamos atenção do que são feitas as paredes internas e o forro. O problema é quando o forro pode ser ruim para você. Pra ser claro o bastante, vou começar descrevendo o grande cenário e então ampliar um ponto específico, fazendo um verdadeiro zoom in em câmera lenta, pra que possamos entender a importância da coisa toda.

GRANDE CENÁRIO: O ACESSO À INTERNET

A forma como navegamos na internet está mudando. Desde o ano passado, os brasileiros acessam mais a rede pelo celular do que pelo computador. 49% das pessoas hoje em dia não usam mais computador. [1] No mundo, 99,6% dos smartphones têm como sistema operacional o Android ou iOS, sendo que 81,7% disso é só o Android. [2]

Ou seja: atualmente, o Android é o meio de acesso à internet mais popular que existe no Brasil.

A página oficial do Android é essa. [3] Pra quem não sabe, esse é um sistema operacional de código aberto, que pode ser modificado pelo usuário. É desenvolvido pelo Google. Ele está disponível de forma gratuita para que possa ser usado por qualquer pessoa ou empresa que queira colocar um sistema operacional no seu dispositivo móvel.

É como se metade do serviço já estivesse resolvido de largada. Basicamente o que todas as empresas desenvolvedoras de smartphone fazem hoje em dia é o seguinte: se debruçam sobre a concepção do aparelho – seu processador, memória, design da tela, câmera, alto falante, resistência à água, etc. Depois entram no site que referenciei, baixam o Android e instalam no aparelho, fazendo pequenas modificações pra parecer personalizado pela empresa. Assim o usuário tem a impressão que tem um celular da LG que não é igual, e ter a leve ilusão de que é um sistema melhor do que, o seu antigo aparelho da Samsung, ou qualquer empresa que seja.

Ok, agora entra a dúvida econômica: o que o Google ganha por disponibilizar um sistema operacional inteiro e completo pra que quase todo o mercado de telefones celulares do mundo se aproprie da coisa e não precise distribuir o seu próprio, se ele não cobra nada por isso?

AMPLIANDO (1): A EMPRESA GOOGLE E SEU MODELO DE NEGÓCIO

Resposta: informação.

O que ele ganha é pura e simples quantidade infinita e incalculável de informação provinda de bilhões de usuários que são obrigados a criar um cadastro, vinculando nome, email e senha, pra acessar o aparelho.

Percebam: tu comprastes um celular belíssimo, de até cinco mil reais, um verdadeiro milagre da tecnologia, capaz de tirar fotos que nenhum profissional já tenha visto em um aparelho tão compacto, capaz de reproduzir som como um rádio de parede faria nos anos 50, mas tu não pode usar ele, a menos que coloque o nome e o email na primeira tela do aparelho.

Você é obrigado a dividir suas informações se quiser usar o aparelho que você já comprou! É uma nova relação, totalmente inédita no capitalismo. Não basta você adquirir. Agora você é parte da coisa. Fica perceptível: o acesso ao sistema Android é um serviço não fornecido pelo aparelho celular que você comprou. O sistema Android é um serviço remunerado pelo usuário. Mas ele não é pago financeiramente. Ele é pago com informação: dados pessoais.

É genial a atitude de lançar um sistema operacional trabalhando como grande coletor de dados, e oferecer de graça para as fabricantes de telefone. O modelo de negócio do Google é baseado em monetizar dados de uso das pessoas. Esses dados se transformam em informação segmentadíssima para que as empresas possam direcionar seus anúncios. O Google vende o oposto de um outdoor: em vez de fazer um banner gigantesco visualizado por todos os tipos de públicos e torcer pra que as pessoas certas enxerguem o novo produto, o anúncio vai diretamente para aqueles que certamente têm algum tipo de vínculo com o produto novo. Quantos de nós já pesquisamos “Nike” no Google e passamos semanas visualizando anúncios de tênis da empresa, como se fosse mera coincidência? O usuário é considerado uma verdadeira ovelha no esquema, um consumidor passivo, e que não vai notar que está sendo caçado. E será que não deixamos de reparar nessas coisas, realmente?

Quem vai pagar para anunciar num outdoor ou num jornal quando uma empresa de tecnologia te promete enviar anúncios para as pessoas exatamente certas, por um preço menor e por menos trabalho? Por que por um preço menor e por menos trabalho: porque o Google coleta os dados de graça do usuário. Ele não precisa nem pedir, já estamos fornecendo instantaneamente a todo momento.

AMPLIANDO (2): OS DADOS COLETADOS PELO ANDROID

Diversos tipos de informação, como a sua localização ou quantos e quais aplicativos estão baixados, são acessáveis para o Google. Está nos termos de uso. O que se pode fazer sobre isso? A menos que se comece a utilizar outro sistema operacional, não baseado em algum login, nada. O mercado está bem centralizado entre ter uma conta Google ou uma conta do iCloud.

Recentemente, uma investigação da Associated Press demonstrou que o Google rastreia sua localização através do GPS do celular, mesmo que a opção “localização” esteja desativada. [4] Estão armazenados nos servidores da empresa na Califórnia, nos Estados Unidos, exatamente todos os lugares que tu frequentas levando o celular no bolso.

Seria melhor começar a deixar ele na gaveta. Mas como parar de usar o Android? Meio difícil, já que ele é a única opção popular no mercado além do iOS, oferecido pela Apple pra quem compra um iPhone.

AMPLIANDO (3): COMO SE NÃO BASTASSE O ANDROID, AINDA TEMOS OS APLICATIVOS DO GOOGLE

Perceba: os dados que eu comentei são aqueles adquiridos apenas pelo Android. Devemos levar em consideração ainda os dados que são enviados para o Google através dos aplicativos da empresa que estão nativamente no aparelho, e possivelmente são usados pelo usuário.

Sim, porque ao usar o Chrome, o buscador Google, o Youtube, o Play Música, o Fotos, o Tradutor, e diversos outros aplicativos da empresa, esse acesso é vinculado ao seu email e sua conta Google, e enviado para os bancos de dados da empresa. É possível criar a identidade da pessoa através do uso do celular. O Google pode saber quando você ficou solteiro, se localizar o momento que você adquiriu e instalou o Tinder no seu celular, por exemplo.

Recentemente, o Google recebeu uma multa de 19 bilhões de dólares da União Europeia, pelo que foi considerada uma atitude monopolista de mercado [5]: o buscador do Google e o navegador Chrome vêm como ferramentas padrão do sistema, favorecendo os próprios produtos. A empresa se comprometeu a mudar essa configuração, como resposta à multa. Nas próximas atualizações do Android, então, apesar dos aplicativos certamente continuarem instalados, eles não vão ser mais os “programas padrão”.

O efeito dessa medida é relativo, porque nada impede do usuário de transformar tanto o navegador quanto o buscador em padrões novamente, já que esses são os mais famosos e mais naturalizados dentro da cabeça das pessoas.

E a menos que tu não se importe nem um pouco de ser explorado por uma empresa e não ache que o livro 1984 termine tão mal assim, é importante pensar em formas de diminuir o sequestro de seus dados pessoais.

Então entra a parte menos entristecida desse texto: se não há muitas opções sobre o que fazer para não ser rastreado, pelo menos podemos mitigar o problema, e atuar positivamente em direção a outros serviços, que não baseiam seu modelo de negócios em utilizar dados do usuário, e valorizar essas empresas.

AMPLIANDO: UMA SUGESTÃO DE APLICATIVO PARA DIMINUIR O SANGRAMENTO DE DADOS

De dentro do Android, infelizmente ainda não temos soluções de saída. Mas podemos buscar alternativas para os aplicativos da empresa que são usados com naturalidade pelo usuário.

Nesse artigo quero apresentar uma das possíveis opções para vários serviços do Google. Uma alternativa à solução do Google mais clássica de todas – e que fez a empresa ser a gigante bilionária que é hoje: o buscador.

Talvez um ou outro usuário da internet mais aventurado já tenha ouvido falar no DuckDuckGo, mas acredito que a maioria não. Por isso acho tão importante apresenta-lo: o buscador do pato já existe há dez anos e se tornou relativamente famoso pela sua política avessa ao Google.

O DuckDuckGo foi criado em 2008 e divulgado primeiramente para usuários do Reddit. Pouco menos de um ano depois de entrar no mercado, eles aderiram à política de não rastrear o usuário, e se tornaram conhecidos pelo ousado outdoor lançado em 2011, na estrada californiana que leva à sede do Google, em que anunciam: “O Google te rastreia. Nós não.”.

Entrando em duckduckgo.com, é muito fácil de assimilar os conceitos da empresa: logo é sugerido que seja instalada uma extensão no navegador que bloqueia os anúncios e rastreadores do Google espalhados pela internet. (Sim, eu nem cheguei a mencionar isso, mas o Google não só coleta informações através de pesquisas no navegador e o uso direto dos aplicativos deles, mas também com rastreadores em até 75% dos sites da internet.)

A empresa tem como principal bandeira a privacidade do usuário. No seu blog, chamado Spread Privacy (Espalhe Privacidade, em português), eles dão dicas de como navegar com segurança online. Ao entrar no seu site pela primeira vez, é sugerido que torne o DuckDuckGo o navegador padrão, e use a ferramenta de bloquear os rastreadores do Google.

“Mas nenhuma empresa seria benevolente à toa. O que eles ganham com isso? Se anúncios dão dinheiro através da coleta dos dados, como eles podem se sustentar?” Você pensa, cético, questionador. E tem razão. Nós sempre devemos desconfiar ao adotar sugestões, especialmente de empresas digitais, que hoje em dia trabalham todas com informação.

Talvez eu me prove errado em algum momento futuro, mas a verdade é que o modelo de negócios do DuckDuckGo não envolve a personalização dos anúncios e resultados de busca. A empresa ganha dinheiro através de cliques em anúncios também, mas não aqueles baseados nos seus interesses, e sim naquilo que foi pesquisado. A segunda fonte de receita da empresa é uma parceria com Amazon e Ebay: os resultados de busca para esses sites apresentam códigos personalizados do DuckDuckGo. Caso você compre em algum desses sites através da pesquisa feita no DDG, eles ganham uma comissão.

Como eu sei que o buscador é seguro? Porque ele não tem nenhum tipo de login. Perceba: a forma das empresas vincularem os dados coletados à alguma pessoa é através do email e senha que são cadastrados no início do uso. Isso serve pra todos os aplicativos. Justamente por isso eu evito instalar aplicativos que pedem login, e quando não tenho alternativo, uso um email “falso”, que serve só pra esse tipo de cadastro, especialmente em aplicações muito específicas, que se tornam inúteis fora daquela função que eu preciso naquele momento.

Outro fato que valida a integridade da ferramenta de busca é o fato de ter se tornado, recentemente, o buscador padrão do navegador Tor, o mais seguro da internet.

AMPLIANDO: COMO INSTALAR E UTILIZAR O DUCKDUCKGO

Acho que quanto à instalação, não precisamos esticar muito. Baixando o aplicativo no celular, ele te sugere que se transforme no buscador padrão, e você ainda pode acessá-lo diretamente colocando na sua tela inicial e clicando em cima.

No navegador, ao entrar no site duckduckgo.com, ele te sugere instalar a extensão que transforma o DuckDuckGo em buscador padrão e também bloqueia os rastreadores do Google. Caso não queira fazer isso, também é possível torná-lo apenas buscador padrão, mexendo nas configurações do navegador. Nesse caso, siga o passo a passo de Rodrigo Ghedin no jornal Gazeta do Povo. [6]

Usar o DuckDuckGo é diferente do Google especialmente nos resultados. O usuário estranha no início a falta de personalização, mas eu considero os resultados impessoais melhores e mais interessantes.. No caso do usuário estar buscando uma comodidade do dia-a-dia, como, por exemplo, “chaveiro”, é possível que os resultados não sejam úteis, caso tu não descreva a cidade em que está. O DuckDuckGo não possui nenhuma forma de saber a sua localização, e nesse sentido ele não pode ajudar. Então, em vez de escrever só “chaveiro”, é melhor escrever “chaveiro (nome da cidade)”.

No mais, os resultados diferentes são muito bons para abrir a mente do usuário. Normalmente, a primeira página de resultados do Google é sempre igual, e direciona para os mesmos sites: o Youtube, alguns sites de notícias mais famosos, etc. Para encontrar conteúdo baixável, por exemplo, é muito melhor usar o DDG. No Google, devido à restrições de direito autoral, os resultados são quase sempre uma busca infrutífera.

DESVIANDO: CONSIDERAÇÕES SOBRE PRIVACIDADE

O objetivo aqui não é apresentar o DuckDuckGo como uma ferramenta final capaz de te salvar da exploração de dados feita na internet atualmente. Acho que isso fica claro especialmente pela limitação do uso: a empresa atua somente como ferramenta de busca (e bloqueador de rastreadores, caso seja baixada a extensão). Esse é um dos serviços fundamentais que usamos na internet, mas muitos outros continuam a nos rapinar, em níveis muito mais básicos de acesso, como o que foi mencionado sobre o Android.

Edward Snowden já falou muito mais e melhor sobre isso do que eu. Nenhuma ferramenta sozinha garante privacidade na internet. [7] Estamos cercados pelo sequestro de informação, especialmente porque se tornou parte do modelo de negócios de várias empresas.

A apresentação do DuckDuckGo que faço tem como objetivo específico convencer o leitor a mudar de buscador. Mas tenho esperança no objetivo geral demonstrar algo maior que isso: mudar o pensamento relacionado ao consumo de ferramentas e aplicativos. Depois do escândalo Cambridge Analytica, foi amplamente difundida a frase “se o serviço é grátis, o produto é você”, que já circulava entre as iniciativas mais preocupadas com privacidade da rede. Apesar disso, a ponte para o usuário atravessar, o caminho para abrir mão dos serviços coletores de dados, ainda é espinhoso e pouco claro.

Basicamente, quando se utiliza algum serviço online, deve se observar a presença do cadastro e aceitação dos termos de uso: imagine que absolutamente tudo que é feito dentro da aplicação estará relacionado ao seu email, nome de usuário e senha.

O quanto daquilo que se faz dentro do aplicativo você quer que seja conhecido? Por exemplo: muita gente não se dá conta que acesso ao Google Chrome logado na conta Google, mas o faz, e todo seu histórico é salvo e relacionado à sua forma de utilizar a internet. E tudo isso conta na hora de desenhar o seu perfil e vendê-lo aos anunciantes.

Quanto à isso, podemos agir de forma positiva, procurando serviços que não se baseiam em coleta de dados para tornarem-se viáveis. E depois disso, podemos esperar pela ação capitalista: se as empresas de tecnologia e informação não conseguirem mais segmentar os usuários, anunciantes buscarão outros meios, e o modelo estará diminuído – até possivelmente encerrado.

CONCLUSÃO: O QUE INTERESSA À UMA EMPRESA

O DuckDuckGo defende que é possível uma organização se sustentar sem roubar os dados do usuário. Acho que você e eu poderíamos defender também.

Victor Wolffenbüttel

REFERÊNCIAS

[1] https://tecnoblog.net/252838/celular-principal-meio-acesso-a-internet-brasil-tic-domicilios-2017/

[2] https://www.theverge.com/2017/2/16/14634656/android-ios-market-share-blackberry-2016

[3] https://developer.android.com/

[4] https://tecnoblog.net/255495/google-privacidade-historico-localizacao/

[5] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/07/uniao-europeia-multa-google-em-r-19-bi-por-pratica-anticompetitiva-com-android.shtml

[6] https://www.gazetadopovo.com.br/manualdousuario/trocar-google-duckduckgo/

[7] https://theintercept.com/2015/11/12/edward-snowden-explains-how-to-reclaim-your-privacy/

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