O erro da criminalização da pirataria (1)
Um dos meus objetivos aqui no BaixaCultura é esclarecer algumas questões nebulosas sobre Direito Autoral e pirataria no Brasil. É, de fato, importante saber o que rola sobre esse assunto, uma vez que o que tentam nos empurrar goela abaixo nem sempre funciona tão lindamente quanto fazem parecer. Além disso, uma sociedade consciente das normas que recaem sobre si é uma sociedade mais precavida contra abusos e mais propensa às tão almejadas mudanças. Vamos lá.
As regras de Direito Autoral destinam aos piratas punições no âmbito civil (em que você geralmente paga uma dívida) e no âmbito penal (em que você geralmente curte uma cadeia). Este primeiro post de uma espécie de coluna jurídica que pretendo levar adiante versa sobre este último aspecto: a criminalização da pirataria.
Baixar mp3 não autorizado é crime ou não, conforme a lei? Para inúmeros usuários do formato não é, mas para uma penca de gravadoras falimentares é e precisa ser punido com cadeia. Muitas vezes temos o costume de interpretar a lei a favor do que nós queremos ou conforme nós agimos. Possuimos um considerável temor em relação à punição, portanto tememos a intransigência da lei. Porém, algo mais sensato seria entendê-la, sem achismos, ou sem a generosíssima ajuda de filminhos antipirataria veiculados no cinema, por exemplo, e procurar expor seus erros e incoerências em relação à realidade e anseios coletivos (leis, até onde sei, são feitas para a coletividade). Uma vez que a sociedade se manifesta e demonstra como uma lei é anacrônica, ineficaz ou ridícula é que há mudanças (acredito eu, realmente legítimas) na legislação. O ex-crime de adultério é um exemplo disso. Em 2005 a lei 11.106 revogou a norma inútil que há décadas (e sem eficácia alguma) criminalizava a prática extraconjugal.
Crime é aquilo que somente a lei estabelece como tal. E esta lei, no caso tupiniquim, claro, é o Código Penal brasileiro. Já vi gente afirmando que aqui no nosso país não há criminalização da reprodução não autorizada gratuita de obra intelectual (mais precisamente aquele seu cd copiado do exemplar de um amigo ou a discografia que você baixou pro seu hd). Fala-se que só é crime lucrar com a pirataria. Não é bem assim.
O Código Penal nos diz que é crime violar direitos autorais e logo depois exacerba a pena destinada a casos de pirataria envolvendo lucro. Mas a pena para a pirataria gratuita continua lá, no início do famigerado artigo 184.
O grande problema (ou barato) nisso tudo é que os referidos direitos autorais estão protegidos e destacados na Lei de Direitos Autorais (9.610/98), generosamente chamada de LDA, e constituem uma vasta gama de prerrogativas morais e econômicas do autor e/ou daquele que faça suas vezes (aqui entra a usurpadora indústria cultural, mas isso é um papo pra outro dia). A lei penal não criminaliza apenas o ato da reprodução não autorizada de obra intelectual, mas também toda e qualquer conduta contrária aos direitos previstos na LDA. Então, como esta lei, em seu artigo 24, inciso II, diz que é direito do autor ter seu nome vinculado a sua obra, é crime, por exemplo, copiar posts inteiros de blogs na internet sem citar a fonte. Se um dia me prenderem por baixar mp3, que prendam também o Antônio Tabet do Kibe Loco. Motivos não faltariam. Levem em cana também todo mundo que já assistiu a vídeos não autorizados no Youtube ou Google Video, etc (armazenamento temporário também constitui reprodução – vê lá o artigo 5º, inciso VI, da LDA). Ah! Encarcerem também os responsáveis por todas as lojas envolvidas no rolo que o Reuben citou nesse post aqui, por infringirem direitos sobre execução pública.
Como se vê, o conteúdo de apenas um artigo da lei criminal é tão ridiculamente abrangente que seria capaz de encarcerar o país inteiro. Não há qualquer menção a exceções, a não ser para cópias feitas para uso do próprio copista – é aquele caso de você fazer uma cópia em mp3 daquele disco que você comprou. Mas não se preocupe, um dia eles conseguem incriminar essa conduta também.
O mais tragicômico nisso tudo é que os homens da lei – esses que dizem ser nossos representantes – recrudescem cada vez mais o aspecto repressivo de normas cada vez mais vazias e ineficazes, no afã de corresponder a um lobby desesperado de entes privados que se vêem no direito de atropelar todo e qualquer benefício e intento coletivos, sem muito sucesso, ainda bem. Não tá na hora de acontecer com o art. 184 do Código Penal o mesmo que aconteceu com o crime de adultério, hein? Hein?
No segundo post para este texto eu volto comentando a estupidez da criminalização da pirataria envolvendo lucro.
[Edson Andrade de Alencar.]
Crédito das imagens:1)Como Remover a Mensagem “Esta Cópia do Windows não é Original'”
Deixe um comentário