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Pela liberdade de Julian Assange e Ola Bini

Julian Assange foi preso pela polícia britânica na quinta-feira 11 de abril, na Embaixada do Equador em Londres, onde o hacker australiano de 47 anos estava abrigado desde 2012. A polícia disse que prendeu Assange depois de ser “convidada a entrar na embaixada pelo embaixador, após a retirada do asilo pelo governo equatoriano”. Há muita coisa envolvida nessa prisão que vamos explicar (ou tentar) aqui nesse texto.

ACUSAÇÃO

Glenn Greenwald e Micah Lee, no The Intercept, explicam que o conteúdo da acusação contra Julian Assange, revelado pelo Departamento de Justiça dos EUA de Trump, “representa grande ameaça à liberdade de imprensa, não apenas nos EUA, mas em todo o mundo”. O documento de denúncia, acompanhado do pedido de extradição pelo governo dos EUA, que foi usado pela polícia do Reino Unido para prender Assange tão logo o Equador suspendeu oficialmente o asilo diplomático, pretende criminalizar diversas atividades que fazem parte da essência do jornalismo investigativo. Por exemplo: Assange é diretamente acusado de tentar ajudar Chelsea Manning a se conectar aos computadores do Departamento de Defesa empregando um nome de usuário diferente, para que ela pudesse manter seu anonimato enquanto fazia o download de documentos de interesse público e os encaminhava ao WikiLeaks para publicação. Na prática, é uma acusação que caracteriza como condutas criminosas ações como a proteção do anonimato, algo que os jornalistas não apenas podem, mas devem tomar para praticar uma atividade jornalística sensível na era digital.

Muitos veículos de mídia, explica o The Intercept, “repercutiram sem pensar a manchete do comunicado de imprensa do DOJ, que alegava que Assange estaria sendo acusado por condutas criminosas de “hacker”, muito embora a denúncia não contenha nenhuma acusação nesse sentido. Assange está sendo acusado simplesmente de tentar ajudar Manning a escapar da identificação. Isso não é “hackear”, é simplesmente uma obrigação fundamental do jornalismo.”

EXTRADIÇÃO

Continuam Greenwald e Lee: “O governo dos EUA está determinado a indiciar Julian Assange e o WikiLeaks pelo menos desde 2010, quando o grupo publicou centenas de milhares de documentos de guerra e telegramas diplomáticos que revelavam inúmeros crimes de guerra e outros atos de corrupção cometidos pelos EUA, pelo Reino Unido e por outros governos de todo o mundo. Para atingir esse objetivo, o Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) do período Obama convocou um júri em 2011 e conduziu uma investigação aprofundada sobre o WikiLeaks, Assange e Manning. Em 2013, porém, o DOJ de Obama concluiu que não poderia acusar criminalmente Assange pela publicação dos documentos, porque não havia forma de distinguir o que o WikiLeaks fazia daquilo que o New York Times, o Guardian e diversos veículos de mídia do mundo inteiro fazem regularmente: a saber, trabalhar com fontes para publicar documentos confidenciais.

Com Trump, o DOJ não escondeu esforços para criminalizar o jornalismo em geral e foi assim, que, depois de dois anos de esforços em coagir o Equador a terminar com o asilo diplomático de Assange, conseguiu o que queria. Encontrou em Lenin Moreno, atual presidente equatoriano, um submisso aliado, e a partir daí não foi difícil encontrar motivos para tirar Assange da embaixada, o que permitiria que o Reino Unido realizasse a prisão sob acusações de descumprimento de intimação judicial em um processo em Londres. A acusação de abuso sexual que Assange tinha na Suécia foi encerrado não vale mais, , não por terem concluído que ele era inocente, mas porque passaram anos tentando extraditá-lo sem sucesso. Mesmo dizendo que não vai, o governo britânico pode acatar um pedido de extradição do governo dos EUA para deportá-lo para um país com o qual ele não tem relação (os EUA) para ser julgado pelos documentos vazados.

“Trata-se de um pedido de extradição para os Estados Unidos, com a possibilidade de Julian enfrentar muitos anos na prisão por ter publicado documentos que revelaram crimes de guerra cometidos pelos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão”, diz em entrevista à Pública o editor-chefe do WikiLeaks, o jornalista islandês Kristinn Hrafnsson.”

Outra questão importante nesse caso foi levantada em reportagem da MotherBoard: Um membro da equipe que examinou as condições médicas de Julian Assange nos últimos dois anos disse a três grupos internacionais de direitos humanos que ele apresentava “efeitos negativos psicológicos e físicos”, de seus sete anos de detenção na embaixada equatoriana em Londres. A médica acredita que a “severidade acumulada da dor e sofrimento infligidos ao Sr. Assange – tanto físicos quanto psicológicos – é uma violação da Convenção Contra a Tortura de 1984”.

LIBERDADE É ESCRAVIDÃO

Slavoj Zizek, filósofo esloveno, fez um texto certeiro sobre a prisão de Assange. Escreve ele: “Agora podemos ver porquê Assange precisou ser silenciado: depois do escândalo da Cambrigde Analytica vir à tona, todos os esforços dos que estão no poder se voltaram a reduzir o caso a um “mau uso” particular, de algumas empresas privadas e partidos políticos. (…) Hoje sabemos que não foram hackers russos (com Assange) que empurraram o povo para Trump. Em vez disso, eles foram impulsados por próprias agências ocidentais de processamento de dados, que se uniram a forças políticas”. Algo que Assange, o Wikileaks e diversos outros hackers e criptopunks chamados de paranóicos denunciam faz mais de uma década.

“A maior conquista do novo complexo cognitivo-militar”, continua Zizek, “é que a opressão direta e óbvia não é mais necessária: os indivíduos podem ser muito melhor controlados e orientados na direção desejada, quando continuam a se enxergar como pessoas livres e como agentes autônomos de suas próprias vidas. Esta é mais uma lição-chave do Wikileaks: nossa falta de liberdade é mais perigosa quando vivenciada como o próprio meio de nossa liberdade. O que poderia ser mais livre do que o incessante fluxo de comunicação que permite que cada indivíduo possa popularizar sua opinião e formar comunidades virtuais por vontade própria?. O que pode ser mais livre que nossa navegação irrestrita na rede?” Em nossas sociedades, permissividade e livre escolha foram elevadas a valores supremos. Por isso, o controle social e a dominação não parecem infringir a liberdade subjetiva. Aparecem (e são sustentadas) como a própria auto-experiência de indivíduos livres.

É por isso, finaliza o esloveno, “que se torna absolutamente imperativo manter as redes digitais longe do controle do capital privado e do poder do Estado”. Se não privado nem estatal, então comum? Taí: fortalecer a ideia de que as redes digitais e a internet tornem-se um comum, como chegaram a ser nos primeiros anos, onde quem organiza e controla são as próprias pessoas, a partir de diversas instâncias de participação e cuidado, é uma boa e difícil (aposta de) luta para os próximos tempos.

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Ola Bini, desenvolvedor de software livre e ativista pela liberdade na rede, foi detido no aeroporto de Quito, Equador, no mesmo 11 de abril em que Assange foi preso, quando embarcava para o Japão. Após mais de 24 horas sem direito a acesso a intérprete, advogado e sem notificar o seu país de origem (Suécia), a detenção foi convertida em prisão preventiva, que pode chegar até 90 dias. Sem uma acusação concreta, as autoridades do Equador anunciaram que o caso seria de um ‘hacker ligado ao Wikileaks’ e divulgaram em redes sociais o que seriam as evidências apreendidas em sua casa: laptops, tablets, celulares, hds e livros como “Cyber War” de Richard A. Clarke… Equipamentos que muitos profissionais da área da segurança da informação usam no dia a dia.

Desde 2015 Ola Bini participa como palestrante e apoiador da Cryptorave. Na sexta edição, que vai ocorrer 3 e 4 de maio deste ano, ele participaria com uma atividade sobre desenvolvimento de software com segurança por padrão. Familiares, colegas de trabalho, amigos e ativistas ao redor do mundo estão organizando uma rede por sua liberdade e um site: FreeOlaBini. Abaixo uma carta do próprio:

Carta de Ola Bini da prisão de El Inca, Equador

1. Primeiro, quero agradecer a todas as pessoas que estão me apoiando aí fora. Me contaram da atenção que este caso despertou no mundo todo e isso é algo que agradeço mais do posso expressar com palavras. A minha família, meus amigos, a todos os que estão próximos, mando todo meu amor. Tenho sempre em meus pensamentos.

2. Acredito firmemente no direito a privacidade. Sem privacidade não é possível agir e sem agir, somos escravos. Por isso dediquei a minha vida a esta luta. A vigilância é uma ameaça para todos nós, e nós devemos pará-la.

3. Os líderes do mundo estão promovendo uma guerra contra o conhecimento. O caso contra mim é baseado nos livros que eu tenho lido e da tecnologia que eu tenho. Isso é algo Orwelliano – uma Crimideia. Não podemos deixar que isso aconteça. O mundo se fechará mais e mais ao nosso redor até que não nos reste mais nada. Se o Equador pode fazer isso, outros também podem. Temos que parar essa ideia agora, antes que isso seja tarde demais.

4. Eu tenho confiança que será óbvio que não há substância para esse caso, e que isso acabará em nada.

5. Não posso evitar de falar algo sobre o sistema penal equatoriano. Eu estou sendo detido nas melhores circunstâncias e ainda assim é terrível. É necessário uma séria reforma. Meus pensamentos vão para todos os demais presos no Equador.

Ola Bini

 

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