BaixaCultura

O erro da criminalização da pirataria (2)

Artigo 184 e seus parágrafos. Dá até nome de banda

Artigo 184 e seus parágrafos. Dá até nome de banda

No post passado eu falei sobre a incoerência do texto inicial do artigo 184 do Código Penal brasileiro, que criminaliza toda e qualquer violação aos diversos direitos autorais contidos na Lei nº 9.610/98. Agora vou esclarecer algumas coisas sobre os parágrafos (simbolizados por um “§” em textos de lei) do artigo 184, que tratam essencialmente da pirataria envolvendo o lucro (com exceção do §4º).

Primeiramente, é preciso que você saiba que as leis são feitas com base em coisas que alguns bambas dizem ser permanentes e até imutáveis, mas na minha vista chegam a ser bem manipuláveis. São estas coisas os princípios. Um exemplo de princípio que rege tudo quanto é legislação é o princípio do direito à vida. Há também o princípio da liberdade, dignidade da pessoa humana, e outros termos que costumam ser pauta de rodinhas de discussão.

Em segundo lugar, é importante entender que o Direito Penal, na sua nobre função de arquitetar condições fáticas em que devemos ser presos, estabelece bens jurídicos que não podem ser violados, sob pena de prisão ou multa. Estes bens jurídicos são a vida, a liberdade, a propriedade privada e por aí vai. Assim, se você me mata, um promotor de justiça vai pedir sua prisão por ter ofendido um bem jurídico, que é a vida.

propriedade_privada

Aplicando essa ladainha toda ao caso da reprodução não autorizada, podemos observar que a idéia contida na criminalização da pirataria é a punição pela violação a um bem jurídico chamado de “propriedade intelectual”. Bom, em um texto futuro eu vou demonstrar que esse lance de propriedade intelectual non ecziste, mas sim obra intelectual. Por agora, trabalhemos sobre o que a lei e a doutrina engessada nos dizem.

O argumento que as autoridades   e a imprensa recheada de jabá – utilizam para justificar o prejuízo aos direitos autorais proporcionado pela pirataria é de que quando adquirimos uma cópia pirata estamos deixando de comprar uma cópia original da mesma obra, de forma que o dano é calculado no valor da cópia original. Por isso aqueles números bilionários nas manchetes de prejuízo com pirataria.

Mas isso tudo é abusivo. Ninguém neste mundo pode provar judicial ou juridicamente que alguém definitivamente teria comprado a cópia original de um produto caso não houvesse a alternativa pirata. Quando compramos um cd pirata não há subtração ou comprovação de qualquer dano a lucro sobre cópia original. Não existe prejuízo comprovado algum.

Agora, mesmo que aceitemos essa enrolada toda dos prejuízos bilionários e o escambau, Túlio Vianna (o site dele tá ali em Parceria) observa que a criminalização continua sem qualquer razão de ser. Considerando que o dano causado é apenas um prejuízo financeiro (o não recebimento de uma espécie de remuneração), então o que há é nada mais que uma dívida entre o pirata e o titular de direitos autorais. E prender qualquer indivíduo por dívida é proibido no Brasil e numa porrada de lugar por aí, afinal, se trata de um princípio (lembra deles?) exposto em tratado internacional e na nossa Constituição Federal (a lei mais poderosa do país), em seu art. 5º, inciso LXVII. Encarcerar alguém por vender DVD pirata é tão mal visto pela gama teórica de princípios dos Estados Democráticos de Direito quanto levar em cana aquele seu tio que simplesmente não pagou o condomínio esse mês.

Qual a coerência do artigo 184 e seus parágrafos do Código Penal com os princípios maiores e reguladores das leis do país? Nenhuma.

Aí, tem sempre um sabichão que vira e fala assim: “mas a criminalização da pirataria serve pra pegar contrabandista, peixe grande“. Antes de qualquer coisa devo informar que contrabando e afins nada têm a ver com “propriedade intelectual” para a lei. São condutas tratadas em outros dispositivos. Uma jaqueta daidas é uma falsificação, com produção totalmente própria, da original adidas e não uma reprodução não autorizada. Além dos modos ilegais de veiculação, explorou-se apenas a popularidade da marca, e marca é propriedade industrial, não entra em terreno de Direito Autoral. Então venho eu e pergunto: com toda essa repressão legal, me diz quem eles estão prendendo com base no artigo 184 do Código Penal? A resposta tá bem aqui.

A própria experiência demonstra que essa criminalização da pirataria só existe pra dar pancada em peixe pequeno. Pra bater em cidadãos que não demonstram qualquer potencial ofensivo para a sociedade. Fundamentos jurídicos pra isso não existem, apenas o lobby deprimente de corporações que querem manter o estrito controle sobre a veiculação cultural. Os contratos abusivos que essas empresas impunham aos verdadeiros autores nunca foram questionados pela lei. A flexibilização que se vê hoje se dá em virtude do desespero frente às formas alternativas de produção, nunca por conta da fiscalização legislativa. Não vivemos uma democracia, e isso vai muito além de gastar um belo domingo votando sempre nos mesmos partidos, sempre nos mesmos caras. Aceitamos sempre o que o poder econômico nos impõe, mesmo ele sendo incompetente o bastante pra patrocinar leis tão mal redigidas. Vivemos uma baita duma plutocracia.

[Edson Andrade de Alencar.]

Crédito das imagens:

1)Papo na Despensa

2)Ladrões de Bicicleta

3)Plagiat

4)fossils-facts-and-finds.com

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Back to top
Disque:

info@baixacultura.org
@baixacultura

Tradução