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McKenzie Wark e a morte do “capital”

 

A publicação de “O Capital Está Morto”, de McKenzie Wark, no Brasil, em parcerias das editoras Sob Influência e Funilaria, é um acontecimento importante nos estudos críticos sobre o neoliberalismo, especialmente nas discussões sobre comunicação, cultura digital e política. Por dois motivos principais: um por ser o primeiro livro lançado no país de McKenzie, intelectual importante no mundo anglo-saxão há pelo menos 20 anos, especialmente a partir de “A Hacker Manifesto” (2004 – aqui em PDF), uma potente crítica à mercantilização da informação da informação na era digital, que ecoa (e em alguns casos, remixa) diretamente Guy Debord e seu “A Sociedade do Espetáculo” (PDF Edições Antipáticas, 2005), inclusive na forma de escrita e na estrutura da obra.

Intelectual nascida na Austrália, professora de Mídia e Estudos Culturais na criativa New School for Social Research, em Nova York, McKenzie (@chicamarx) estuda mídia, cultura e tecnologia desde os anos 1990, com textos que vão desde o legado dos situacionistas franceses da década de 1950 e 1960 (como em The Beach Beneath the Street: The Everyday Like and Glorious Times of the Situationist International, de 2011) à teorização da cultura gamer (Gamer Theory, de 2006), passando também pela discussão sobre história da mídia, percepção e classe (Telesthesia: Communication, Culture and Class, de 2012). Seus trabalhos analisam as mudanças sociais pela inserção das tecnologias na sociedade (como em Excommunication: Three Inquiries in Media and Mediation, com Alexander R. Galloway and Eugene Thacker, de 2013) a partir de referenciais marxistas, que bebem principalmente nos estudos culturais ingleses e nos pós-estruturalistas franceses, mas também dos teóricos de crítica de mídia alemã e dos autonomistas italianos. Aliado a essa ampla bagagem teórica, a autora mescla em seus livros as referências e a profunda vivência no mundo cultural, especialmente como DJ na cultura da música techno, a forte noção de corporeidade – relatada sobretudo em “Reverse Cowgirl” (2020, PDF), em que McKenzie faz uma “polibiografia” de sua transição de gênero, como comenta Paul Preciado no prefácio – e uma escrita que, informal e direta, mas também rigorosa e densa, almeja a teoria como uma forma de literatura.

 

Foto: Jessica Dunn Rovinelli

O segundo motivo para a publicação de “O Capital Está Morto” ser importante no Brasil, claro, é o próprio livro. Aqui, ela aprofunda alguns os argumentos em “A Hacker Manifesto” (talvez seu livro mais influente, publicado também em espanhol) para anunciar o que seria um novo modo de produção, não mais capitalista, mas pior, que não se baseia mais seu poder na propriedade privada dos meios de produção, mas sim no controle do “vetor de informação”, formado por aquelas tecnologias que não apenas coletam grandes quantidades de dados, mas também os ordenam, gerenciam e processam para extrair seu valor. A tese central do livro, exposta desde seu início e trazida do “A Hacker Manifesto”, é de que a ascensão deste modo de produção (que podemos aproximar ao conceito de “Capitalismo de Vigilância, proposto por Shoshana Zuboff no já clássico “A Era do Capitalismo de Vigilânciaaqui PDF grátis ptbr ) tem produzido uma contradição no centro daqueles que almejam a ostentar o poder. Se antes, tradicionalmente, as classes dominantes controlavam algum tipo de bem escasso (a propriedade, os meios de produção, etc), agora essa classe necessita controlar algo que é extremamente abundante: a informação. Esta contradição, hoje sem resolução alguma, encaminharia para um novo meio de produção ainda mais selvagem que o capitalismo, em que o domínio se daria na posse e no controle da informação, manifestado na excelência e no constante aperfeiçoamento da coleta, do processamento, da visualização e da distribuição (ultra) personalizada dessa informação no mundo digital. O que, por sua vez, não implica que os modos de produção anteriores tenham sido apagados: eles coexistem e se sobrepõem, mas agora há uma classe emergente que, dominando a informação, controla também o trabalho e o capital – pelo menos do jeito que tradicionalmente o entendemos.

É fácil de ver alguns dos principais integrantes desta nova classe emergente: Amazon, Google, Meta (Facebook), Microsoft. Mas não só; há também empresas que, oriundas da produção de bens escassos tradicionais, adentram a esta nova classe buscando controlar a informação logística, caso da Nike e da Walmart. Maior empregadora dos Estados Unidos, a empresa varejista é mostrada por McKenzie como uma empresa que conseguiu, através do uso massivo de dados, tanto organizar os fluxos de mercadorias e seu sistema de distribuição quanto criar um modelo preditivo de consumo a partir das informações geradas por quem compra em suas lojas. Ao adotar a abordagem “orientada por dados”, baseada na extração de dados dos compradores, a Walmart potencializa um processo de exploração não apenas dos corpos e dos direitos dos trabalhadores, mas também de seus rastros digitais, um passo importante para a indução de desejos e a construção de formas ainda não vistas de controle. “Talvez haja novas formas de exploração, desigualdade e assimetria como uma camada sobre as antigas com as quais estamos mais acostumados”, diz a autora (p.9).

McKenzie desenvolve sua tese de modo fluído, com usos da tática de desvio do détournement de Debord (no primeiro capítulo, principalmente) e também de referências culturais que vão de Kim Gordon (Sonic Youth) ao filme “O Jovem Marx”, também para tentar mostrar que criar uma nova linguagem (ou um estilo menos sóbrio e chato), como Marx fez em sua época, pode ser vital para analisar o hoje e encontrar saídas para esse algo ainda pior que está vindo.

Confira essa ótima entrevista com Mckenzie na Revista Rosa;

[Leonardo Foletto]

 

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