Não ia escrever sobre a venda do Twitter para o Elon Musk porque muita gente já escreveu sobre isso e nada tenho mais a dizer do que, por exemplo, a Tatiana Dias escreveu nesta nota no The Intercept Brasil: que a compra pode piorar o diálogo institucional da empresa com autoridades brasileiras, como disse o Carlos Afonso no Uol; resultar na chegada de um botão de editar postagens, como noticiou o Rafael Capanema no Núcleo.jor; dar transparência aos algoritmos, como imaginou Pablo Ortellado no Twitter; pode incorporar um modelo de liberdade de expressão sem limites, como notou Nelson de Sá na Folha e Tatiana, no primeiro link deste parágrafo, destrinchou – na real, mesmo que mude, o fato é que o Twitter já é um lugar onde conteúdos violentos (fake news, pedofilia, violência, etc) circulam a partir da suposta bandeira da “liberdade de expressão”.
O que me motivou a escrever sobre isso foi esta nota do Radios Libres e esta thread de Shoshana Zuboff, no próprio Twitter. Começamos pelas questões do primeiro texto: o que implica para os meios comunitários a compra do Twitter por parte de Elon Musk? Mais além da preocupação pelo direito à comunicação e expressão, o fato é que essa mudança de propriedade não representa alterações na estrutura de propriedade nem na gestão da plataforma – que, afinal, continuará nas mãos de um homem branco milionário.
Ainda assim, a venda do Twitter serve para demonstrar, mais uma vez, que:
_ As discussões centradas na figura de Elon Musk e sua excentricidade não fazem mais do que desviar o verdadeiro tema da discussão: a concentração de poder;
_ Os “problemas das redes sociais”, como a garantia da liberdade de expressão, a proteção da privacidade, a polarização do discurso público, a violência machista online,etc, dificilmente se resolverá “com uma linha de código”, como se diz. Não há solucionismo tecnológico que dê conta de problemas complexos como estes.
_ A concentração das plataformas digitais é o verdadeiro perigo a democracia e o debate público;
_ O motor que move o mundo é o capital especulativo. E essa transação não está motivada pela defesa da liberdade de expressão, de direitos fundamentais, de debate público.
Seja com Jack Dorsey ou com Elon Musk, criar e gerir nossos meios de comunicação segue sendo uma propriedade.

Shoshana, por sua vez, autora do já clássico “A Era do Capitalismo de Vigilância” (aqui em pdf grátis), faz a “fada sensata” e afirma: as variantes de ‘o que Elon fará?’ é um sinal de como estamos perdidos. Somos obcecados por um homem e seus caprichos porque ainda não temos o estado democrático de direito necessário para governar nossos espaços de informação. Sem lei o poder é perigoso”. Ela aponta que o resultado disso é que as pessoas, a sociedade e a democracia estão à mercê dos indivíduos que exercem a propriedade e/ou controle executivo sobre a informação.
Segue: “aprendemos que o Facebook é um grande negócio no qual informações corruptas (corrupt information) estão positivamente correlacionadas com a receita. O imperativo de maximização de lucros do FB nos ignora. A privacidade é destruída. A informação corrupta triunfa. Fraturas da sociedade. O lucro ganha. Só a lei pode mudar isso”.
“Musk quer se juntar aos deuses que governam o espaço da informação e controlam as respostas às questões essenciais de conhecimento, autoridade e poder em nosso tempo: Quem sabe? Quem decide quem sabe? Quem decide quem decide? Mas nunca os elegemos para governar. Precisamos de leis, não de homens”.
“A democracia só avançará com leis e instituições projetadas para garantir nossos direitos de conhecimento e a integridade da informação no século digital. Na ausência da lei, somos forçados a nos preocupar: ‘O que Elon fará?’ Os imperadores têm todas as roupas, enquanto corremos nus.”
“Assim como Zuckerberg se apoia na “liberdade de expressão” para justificar fluxos de informações corruptos que promovem a extração de dados, Musk ocupa o centro do palco com a mesma retórica. É uma distorção vergonhosa da Primeira Emenda e da Bill of Right (dos Estados Unidos).”
No Brasil de 2022, onde as ditas instituições já não funcionam faz tempo, poderíamos dizer que só a lei NÃO pode mudar isso. Que não bastam leis para fazer esse tipo de mudança. Mas isso é papo longo que fica para outro texto.
[Leonardo Foletto]