a cultura é livre – BaixaCultura https://baixacultura.org Cultura livre & (contra) cultura digital Fri, 13 Oct 2023 21:49:24 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.0.9 https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2022/09/cropped-adesivo1-32x32.jpeg a cultura é livre – BaixaCultura https://baixacultura.org 32 32 A cultura é livre em espanhol (e esperanto) https://baixacultura.org/2023/10/12/a-cultura-e-livre-em-espanhol-e-esperanto/ https://baixacultura.org/2023/10/12/a-cultura-e-livre-em-espanhol-e-esperanto/#respond Thu, 12 Oct 2023 19:31:33 +0000 https://baixacultura.org/?p=15419 Era novembro de 2021 quando recebemos um e-mail: “estou a traduzir o ‘A Cultura é Livre’ para o espanhol, seguido de um link para um git onde havia, passo a passo, o que estava sendo feito para a tradução. Vinha de Jorge Maldonado Ferreira, um espanhol ativo na comunidade software livre, editor do Freakspot.net. Surpresos com o email, pensamos: “ótimo!” – afinal, isso é cultura livre, a permissão para tradução e a adaptação já estava dada com a licença CC BY SA.
Algum tempo depois, a versão e espanhol foi disponibilizada. Não apenas o texto em HTML, mas também a adaptação na diagramação em PDF e EPUB, inclusive com uma página de erros pequenos erros e modificações realizadas. Um ano depois, também foi lançada por Jorge e outros integrantes da comunidade de software livre a versão para o Esperanto: La kulturo estas libera: historio de la kontraŭproprieta rezisto, que pode ser baixada aqui nos três formatos – PDF, EPUB e HTML.

A ideia inicial era lançar esta versão em espanhol, adaptada e revisada, impressa via uma editora da Argentina, e daí para América Latina. Por uma série de percalços, isso não aconteceu até aqui. Resolvemos então lançar esta versão online (por enquanto) para que circule (já está faz algum tempo!) pelos países hispano-hablantes, sobretudo da América Latina.

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VERSÃO HTML

 

 
Corría noviembre de 2021 cuando recibimos un correo electrónico: “Estoy traduciendo ‘A Cultura é Livre’ al español”, seguido de un enlace a un git donde había una descripción paso a paso de lo que se estaba haciendo para la traducción. Era de Jorge Maldonado Ferreira, un español activo en la comunidad del software libre y editor de Freakspot.net. Sorprendidos por el correo, pensamos: “¡Genial!”. – al fin y al cabo, esto es cultura libre, el permiso para traducir y adaptar ya estaba concedido bajo la licencia CC BY SA.

Algún tiempo después, la versión en español estaba disponible. No sólo el texto HTML, sino también la adaptación en PDF y EPUB, incluyendo una página de errores y cambios realizados. Un año después, Jorge y otros miembros de la comunidad del software libre publicaron también la versión en esperanto: La kulturo estas libera: historio de la kontraŭproprieta rezisto, que puede descargarse aquí en los tres formatos: PDF, EPUB y HTML.

La idea inicial era lanzar esta versión en español, adaptada y ampliada, impresa a través de una editorial en Argentina, y luego a Latinoamérica. Debido a una serie de contratiempos, eso no ha sucedido hasta ahora. Así que hemos decidido lanzar esta versión en línea (por ahora) para que pueda circular (¡ya lo hace desde hace tiempo!) por todos los países de habla hispana, especialmente en América Latina.

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VERSIÓN HTML

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Comunicação, cultura livre e cópia na era da Inteligência Artificial https://baixacultura.org/2023/04/03/comunicacao-cultura-livre-e-copia-na-era-da-inteligencia-artificial/ https://baixacultura.org/2023/04/03/comunicacao-cultura-livre-e-copia-na-era-da-inteligencia-artificial/#comments Mon, 03 Apr 2023 18:16:26 +0000 https://baixacultura.org/?p=15202  

“Olá pessoal, uma alegria estar aqui com vocês*, exatos 6 anos depois de ter defendido minha tese, neste mesmo PPGCOM, especialmente com Alê Primo, que acompanhou meu doutorado e fez parte da minha banca de qualificação e defesa, e Laura Wöttrich, amiga e colega de comunicação há mais de uma década. A tese, a princípio, não tem muito a ver com o que vou falar hoje: trata de uma pesquisa sobre a mediação na Mídia Ninja, especialmente a partir da cobertura das manifestações de junho (julho, agosto) de 2013. Estudei, a partir de uma pesquisa etnográfica, como os actantes, humanos e não humanos (naquela época, sobretudo o software Twittcasting) agiram nas transmissões ao vivo, quem fez o outro fazer o quê, como e o que essa ação influenciou no resultado final dos vídeos e o que isso significou para o midiativismo, o jornalismo e as próprias jornadas de junho de 2013. Digo que a princípio a tese (disponível aqui) não tem a ver com o que vou falar hoje porque sempre há algo de inexplicável que permanece nos interesses de nossas pesquisas durante anos. Se há uma conexão mais visível da tese pra aula de hoje, ela diz respeito ao interesse na ação das tecnologias e nos “híbridos” que elas formam com a ação humana em algumas situações.

Há dois anos atrás, eu lançava, durante a pandemia, o livro “A Cultura é Livre: uma história da resistência antipropriedade”, fruto de um trabalho de quase 10 anos de pesquisa junto ao BaixaCultura – laboratório online, coletivo, blog. O livro nasceu como uma tentativa de conceituar, situar e contextualizar a cultura livre, uma ideia que se propagou a partir do software livre, nos anos 1990, e ganhou destaque com as discussões em torno do livre compartilhamento de arquivos (“pirataria”) na internet dos anos 2000. Para isso, o trabalho realizado foi o de uma genealogia que resgata uma parte da circulação dos bens culturais na Antiguidade, a grande transformação da invenção da Imprensa de Gutemberg na Idade Média e a posterior ascensão do Capitalismo com o modo de produção, tendo a propriedade como sua base. Daí se originou a noção de propriedade intelectual, que resultou na consolidação dos bens culturais como mercadoria e do direito autoral como o sistema a regular estes bens, a partir do século XIX. Também daí nasceram algumas das resistências a este sistema, sobretudo no campo artístico e político de vanguarda do século XX, primeiro em termos mais conceituais, como os trabalhos do Dada, dos situacionistas franceses da década de 1950 e 60, depois também em termos práticos, sobretudo no punk rock e na cultura do fanzine e da arte postal nos anos 1970. O que seria do hip-hop e do rap se não fosse o desrespeito à propriedade intelectual na criação dos samplers? Esses movimentos do século XX também acompanharam a notável proliferação de meios tecnológicos de reprodução – da fotocopiadora ao videocassete, das vitrolas às fitas-cassetes – e ascensão dos chamados meios de Comunicação de massa, com o cinema, o rádio e a TV passando a fazer parte no cotidiano de bilhões de pessoas. Retrato um pouco desse período e das tecnologias de reprodução do início do século XX até o computador no capítulo 4 do livro, não por acaso chamado de “Cultura Recombinante”.

Próximo da metade, o livro enfim chega aos anos 1970, à criação do computador pessoal, do software livre, e duas décadas depois, da internet. A partir daí, foca nas discussões em torno da cultura livre a partir do conceito de copyleft, um dos grandes hacks no sistema de propriedade intelectual criado no século XIX. Escrevi na página 149: “Como trocadilho ou de forma literal, o copyleft foi o conceito, expresso na licença GPL e outras ligadas ao Projeto GNU que a seguem até hoje, de requerer a posse legal para, na prática, renunciar a esta ao autorizar que todos façam o uso que desejarem da obra, desde que transmitam suas mesmas liberdades a outros. A exigência formal da posse significa que nenhuma outra pessoa poderá colocar um copyright em cima de uma obra copyleft e tentar limitar o seu uso”.

Do copyleft se origina, no início dos anos 2000, os Creative Commons, conjunto de licenças (e depois uma ONG) que vai ajudar a expandir a ideia da cultura e do conhecimento livre para o mundo inteiro, dando também origem aos movimentos da Educação Aberta (aqui no Brasil chamado de REA, Recursos Educacionais Abertos), Ciência Aberta e OpenGlam (“galerias, bibliotecas, arquivos e museus abertos”), ainda hoje ativos. À discussão (e também às críticas) sobre cultura livre se segue as transformações na internet e na comunicação digital, em que a curadoria “humana” – aleatória e solta, exemplificadas pelo hábito de flanar pelos blogs e sites, prática comum dos usuários da internet dos anos 2000 – passa a ser gradativamente substituída pela curadoria algorítmica. O que pode ser visto principalmente a partir da consolidação das redes sociais – sobretudo com o modelo “Timeline” do Facebook (que vai influenciar as outras redes a partir dos anos 2010), como conta o Willian Araújo na tese de doutorado defendida neste mesmo programa – e do streaming como sistemas algorítmicos de seleção e recomendação de informação e conteúdo de predomínio na internet.

[Lembrando: sistemas algorítmicos de recomendação, por exemplo, são IAs?]

 

 

Ao final, “A Cultura é Livre” traz a perspectiva sobre a questão da cultura e do conhecimento livre para outros modos de existência que não o hegemônico ocidental, vendo como os ameríndios e povos do extremo oriente (como os chineses) têm até hoje noções historicamente muito distintas sobre o que é propriedade intelectual, cópia e original, conhecimento aberto e coletivo. Com estas perspectivas tento lembrar que existem modos de ver o mundo, presentes em muitos lugares e comunidades tradicionais, que entram em conflito com certas ideias e modos de agir ocidentais noção de propriedade intelectual se erigiu.

Por exemplo, na China, eu falo no livro do “Shanzai”, um neologismo chinês criado nos anos 2000 para dizer o que é falso, fake. Abarca de literatura a prêmios Nobel, deputados, parques de diversões, tênis, músicas, filmes, histórias das mais diversas. No princípio, o termo se referia só aos telefones (smartphones) ou à falsificação de produtos de marcas como Nokia ou Samsung e que se comercializam com o nome de Nokir, Samsing ou Anycat. Logo, porém, se expandiram para todas as áreas, em jogos que, à maneira do Dada, usavam da criatividade e de efeitos paródicos e subversivos com as marcas “originais” para criar outros nomes – Adidas, por exemplo, se converte em Adidos, Adadas, Adis, Dasida… São, porém, mais que meras falsificações: seus desenhos e funcionalidades não devem nada aos originais e as modificações técnicas ou estéticas realizadas lhes conferem uma identidade própria.

Uma parte desse modo de ver o processo de criação como algo mais coletivo que individual, que também origina o shanzai, remete ao confucionismo, um conjunto de ideias que foi dominante na China durante mais de 1000 anos, só perdendo força no início do século XX. A influência do confucionismo na cultura chinesa fez a perspectiva do direito autoral na região ser voltada, durante muito tempo, mais à defesa de uma base de informação pública, de livre acesso e reuso – o que no Ocidente foi chamado de domínio público. Como escrevi na p.220 do livro, “a demora da China em assinar tratados internacionais de propriedade intelectual (a partir da década de 1980, quando também o país passa a ser parte da World Intellectual Property Organization) tem relação com uma cultura coletiva e de defesa do domínio público enraizada desde muito tempo em sua sociedade. E também se associa com a propagação da cultura shanzai já citada, que tem a cópia como base para a recriação de diferentes produtos e marcas a partir de uma prática criativa compiladora enraizada no dia a dia do povo da região”.

O sistema da mercadoria conhecido no Ocidente é, como se sabe, diferente para as perspectivas dos povos tradicionais – não é por acaso que Davi Kopenawa chama nós, os brancos, do “povo da mercadoria”, no monumental “A Queda do Céu”. Nas palavras da antropóloga Marilyn Strathern (1984), é a oposição da economia da commodity, na qual as pessoas e coisas assumem a forma social de coisas, com a economia da dádiva (gift), na qual pessoas e coisas assumem a forma social das pessoas. Como escrevi na p.216 do livro, “É nesse sentido que, em sociedades originárias de diversos locais do mundo, o modelo de propriedade (particularmente o de propriedade intelectual), calcado na relação da obra de arte como mercadoria de consumo, se torna insuficiente para lidar com uma relação mais duradoura e complexa da circulação de objetos. No sistema cultural das sociedades originárias, é perceptível, por exemplo, a centralidade dos valores coletivos, ligados à pluralidade e à sobrevivência da comunidade, em relação aos valores individuais, de uso exclusivo e escolha individual. O que, por sua vez, faz com que os bens culturais e de conhecimento nesse contexto sejam mais difíceis de se tornar apenas mais uma commodity vendida como mercadoria, pois há princípios e responsabilidades de reciprocidade e solidariedade que buscam valorizar a substância moral própria – que poderíamos também nomear como “alma” – dos objetos em suas relações com as pessoas e o mundo”.

A partir desse breve panorama, enfim podemos nos perguntar: como podemos falar em original e cópia se uma cultura de dois milênios do Extremo Oriente incentiva a reprodução e trata como mais importante do que a origem de uma ideia o seu conteúdo e a sua permanência, mesmo que modificada e reinventada a cada contexto? Ou como dizer que há um único humano dono de ideias quando para muitos povos originários, entre eles alguns ameríndios, não existe a separação entre sujeito e objeto como conhecemos no Ocidente, e a subjetividade criadora, a quem se deveria atribuir a “autoria” ou a “posse” dos bens, é distribuída em uma vasta rede que inclui pessoas e objetos, natureza e sociedade de modo praticamente simétrico?

Imagem criada por Giselle Beiguelman a partir dos processos text-to-image e image-to-image, como ela detalha em Ensaio Máquinas Companheiras, 2023.

 

CHEGAMOS ENFIM ÀS IAS

É na discussão sobre cópia e original que, enfim, chegamos à discussão mais quente do momento, as inteligências artificiais. Com a crescente popularização dos sistemas de Inteligência Artificial GENERATIVAS (que são capazes de gerar textos e imagens de forma autônoma), como o ChatGPT e o MidJourney, parece que estamos nos encaminhando para um outro momento histórico para discutir tanto a comunicação digital quanto a cultura e o conhecimento livre, o direito autoral e a propriedade intelectual. Alguns pesquisadores da área computacional indicam que, em breve, a quantidade de texto/imagem gerada por IAs tende a superar toda produção humana. Não é difícil de imaginar: baseado no aprendizado de máquina, o potencial é tendencialmente infinito de criação de obras. Mas dado que estes sistemas funcionam principalmente com novas apresentações de ideias que já foram geradas (e registradas em computadores), será possível reconhecer as fontes e identificar a autoria de uma informação trazida por estas IAs? Os sistemas “artificiais” – e também os “humanos”, ou seria melhor dizer para ambos “híbridos”? – de controle da informação poderão impor limites a esta proliferação e checar a veracidade daquilo que é informado? Como poderemos falar de cópia e original num mundo cada vez mais dominado por múltiplas cópias reproduzidas ad infinitum por sistemas algorítmicos “inteligentes”?

Proponho, claro, mais perguntas do que dou respostas. Tanto porque ainda é uma pesquisa inicial, que está começando enquanto, digamos, pesquisa formal acadêmica, estruturada a partir da FGV ECMI, onde hoje trabalho como pesquisador e professor. Mas principalmente porque ninguém sabe ainda responder estas e outras questões sobre IAs; as próprias empresas que estão na ponta de lança dessa discussão em 2023, como a Open IA, estão aprendendo sobre os impactos dos sistemas que criam com o feedback dos milhões de usuários. As respostas e os diferentes usos inventados pelas pessoas trazem novas respostas e novas “alucinações” dos sistemas, que estão tendo que ser corrigidos em tempo quase real.

Há, claro, um risco muito grande em experimentar ao vivo com uma tecnologia de impacto tão transformador na produção de informação, e não à toa a discussão sobre ética em IA é um dos grandes temas em debate já faz alguns anos (ou décadas). A ONU já deu recomendações, em 2021, para a suspensão do uso de IAs em sistemas de reconhecimento facial até que haja regulação sobre a utilização da tecnologia, assim como recentemente saiu uma carta assinada por mais de mil especialistas e personalidades, como Steve Wozniak, co-criador da Apple, Yuval Noah Harari, famoso historiador, além do bilionário sem escrúpulos Elon Musk, pedindo uma moratória, uma “parada obrigatória pra pensar” sobre as consequências do desenvolvimento desenfreado das IAs, especialmente as generativas como o ChatGPT.

Para entender um pouco sobre o que falamos quando tratamos de IAs generativas como o ChatGPT, gosto da imagem criada por um dos melhores textos dos muitos que publicados sobre o tema entre janeiro de 2023 pra cá. Ele se chama “ChatGPT is a blurry JPEG of the Web” e foi escrito por Ted Chiang para a New Yorker de fevereiro de 2023.

“Pense no ChatGPT como um jpeg borrado de todo o texto na Web. Ele retém grande parte das informações da Web, da mesma forma que um jpeg retém grande parte das informações de uma imagem de alta resolução. Mas se você estiver procurando por uma sequência exata de bits, não a encontrará; tudo o que você obterá é uma aproximação. Mas, como a aproximação é apresentada na forma de texto gramatical, que o ChatGPT se destaca na criação, geralmente é aceitável. Você ainda está olhando para um jpeg embaçado, mas o desfoque ocorre de uma forma que não torna a imagem como um todo menos nítida”.

A imagem do JPEG borrado nos ajuda a entender que o sistema criado pela Open IA “engole” (quase) toda a internet e regurgita reformulando o que engoliu, não palavra por palavra. Que apesar de inventar referências e outras informações erradas (quem usou certamente já foi surpreendido com um livro, um artigo inexistente), ele não “mente”, mas escreve respostas “prováveis” – ou “borradas”, seguindo na metáfora – baseada nos pesos e cálculos feitos a partir de cada token (entrada) gerado, como mostra esse infográfico produzido pela Super Interessante. São milhares de recombinações de ideias que já foram geradas pela mente humana, mostradas a partir de uma análise estatística de uma gigantesca base de dados. Base que, gigante que já é (e não sabemos bem o quão gigante é, outro grande problema ocasionado pela falta de transparência), tende a crescer cada vez mais, alimentadas por informações coletadas na rede sem autorização. Será que precisam ter autorização para isso? Será que a coleta de dados não reforça ainda mais o datacolonialismo, a extração (e a exploração) de dados de maneira desigual do sul global?

Outras perguntas que trago aqui hoje dão uma amostra das potencialidades transformadoras, para “bem ou mal”, das IAs generativas também para a discussão em comunicação e circulação de informação e bens culturais:

_ Se por um lado o crescente uso de sistemas de IA em trabalhos cotidianos favorece os usuários (inclusive na criação de novas “ocupações”, como design ou engenheiro de prompt), de outro é um problema concorrencial para os criadores intelectuais, especialmente para aqueles tipos de criação ditas instrumentais, como um cartaz de um evento, um “card” de rede social, uma trilha para um vídeo, uma ilustração para um trabalho qualquer;

_ O problema da concentração de mercado, tal qual as big techs hoje. Empresas de IA necessitam um investimento inicial alto, mas um custo de manutenção baixo para continuar produzindo obras e aumentando a oferta, o que é feito sem ser acompanhado por um aumento proporcional de demanda (esta questão trago do livro de Pedro Lana, advogado e doutorando em Direito na UFPR, chamado: “Inteligência Artificial e Autoria: Questões de Direito de Autor e Domínio Público”, lançado neste 2023).

_ A “apropriação” do espaço comum (domínio público) das ideias. Um número muito grande de obras produzidas pode exaurir a quantidade de expressões possíveis de uma ideia em um certo meio – música, por exemplo, onde já há casos de IAs, como a do Google Assistente, que reconhece os samplers de uma música, trechos de até menos de 1s. Identificar pode significar também controlar e restringir; quem já subiu um vídeo com uma música protegida por copyright no Youtube, Instagram ou outra plataforma sabe como, pela justificativa de “defender a propriedade”, as empresas de tecnologia já identificam e barram rapidamente a circulação de informações. Teria nascido o hip hop se todos os samplers usados fossem identificados, controlados e restringidos? O rapper brasileiro DOn L sacou esse perigo e escreveu assim no Twitter: “o capitalismo vai acabar com a arte do sample. sou totalmente contra ter que pagar por samples irreconhecíveis por um humano. se for por essa lógica, deveria ter direito autoral pros instrumentos. pagar pra yamaha, korg etc em toda musica kk”.

_ Os vieses, as alucinações; e as fontes? Novamente: cadê a transparência?

Aqui talvez estejam alguns dos maiores problemas hoje. Envolvem, por exemplo, os vieses, “alucinações”, erros cometidos pelo ChatGPT e exploração de trabalhadores para “corrigir” manualmente as IAs, que nos fazem vislumbrar um cenário cada vez mais próximo de uma “Dark Digital Age”.O histórico de alucinação de cunho fascista das últimas IAs não é dos melhores; será diferente agora? Se sim, como? Quais as medidas regulatórias possíveis para que estas máquinas não virem monstros racistas, misóginos e propagadores de fake news? Há muita discussão no tema, especialmente sobre legislações possíveis – algumas delas trouxe nesse texto do BaixaCultura. Vale acompanhar o trabalho da Coalizão Direitos na Rede, que está nessa e em outras pautas importantes em defesa dos direitos digitais.

No aspecto jurídico, vale lembrar também do fair use, o uso justo e suas limitações e exceções que tornaram-se um dos pilares legais dos quais os aplicativos de IA dependem. Sua defesa e ampliação, como diz Lukas Ruthes Gonçalves nesse texto, “são primordiais para que criadores e inventores possam continuar a recombinar conhecimentos existentes para criar novas e excitantes possibilidades, como faziam anteriormente com a câmera e programas de edição de imagens como o photoshop”.

Por fim, lembro Benjamin para remixar uma questão já clássica: como se identifica uma obra de arte na era de sua “reprodutibilidade algorítmica”? Se, como disse Hal Foster em “O que vem depois da Farsa?”, a força negativa da automação é menos a perda da “aura”, como acreditava Benjamin, e mais a perda do “risco individual” e da “participação comunal”, o que diríamos de processos não só automatizados quanto autônomos? Aliás, quão autônomos são estes sistemas? Outra questão: será que a obra de arte é fruto apenas do espírito humano?, como se pergunta o advogado e professor de Direito Guilherme Carboni.  Teria chegado a hora de, como os indígenas fazem a muito tempo, rever o antropocentrismo, dando status de criadores a seres não-humanos, “artificiais” ou “naturais”?

São muitas perguntas, deixo para vocês trazerem mais outras. Obrigado!”

[Leonardo Foletto]

* Esse texto parte da aula do dia 24/3, com o intuito de registrar algumas das conversas do dia. Foi elaborado antes e editado, com alguns acréscimos, até a publicação. A apresentação utilizada na aula está disponível aqui.

 

Fotos: Laura Wöttrich, professora do PPGCOM-UFRGS

Laura, Alê e Leonardo. Foto: Augusto Paim

 

 

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Lançamento e debate sobre A Cultura é Livre no RS https://baixacultura.org/2022/11/29/lancamento-e-debate-sobre-a-cultura-e-livre-no-rs/ https://baixacultura.org/2022/11/29/lancamento-e-debate-sobre-a-cultura-e-livre-no-rs/#respond Tue, 29 Nov 2022 20:44:24 +0000 https://baixacultura.org/?p=15095 Depois de um lançamento do livro em Porto Alegre que não houve por conta de que peguei Covid, no Cooperativismo de Plataforma e Políticas Públicas, na quarta-feira, dia 30 de novembro de 2022, a partir das 18 horas, vai finalmente ocorrer um debate e lançamento do livro na cidade, no mesmo Bar Sola no bairro Floresta que era pra ter sido em junho. O texto abaixo é o release escrito pelo jornalista e tradutor Augusto Paim para o evento.

No palco, Foletto conversa sobre propriedade intelectual e cultura livre com a deputada estadual Sofia Cavedon (PT) e com Joel Grigolo, membro do Matehackers, um hackerspace localizado na associação cultural Vila Flores. A mediação é de Augusto Paim, jornalista e tradutor. O debate começa às 19h. Logo após, a noite segue com o músico Estevan Hauser e com a cantora e compositora Eugênia, nova cara da cena musical porto-alegrense.

A Cultura é Livre: Uma história da resistência antipropriedade é um livro de Leonardo Foletto, editor do BaixaCultura, publicado pela Autonomia Literária em coedição com a Fundação Rosa Luxemburgo. Tem prefácio de Gilberto Gil, um dos maiores artistas da cultura brasileira, também ex-ministro da Cultura no Brasil entre 2003-2008, período em que ele e sua equipe, no governo do então presidente Lula, impulsionaram uma série de políticas a favor da cultura livre; texto da contracapa de Giselle Beiguelman, artista e curadora incentivadora e afim ao remix nas artes digitais, professora da FAU-USP; e orelha de Mariana Valente, doutora em direito pela USP, diretora do InternetLab, ex-coordenadora geral do Creative Commons Brasil e uma das maiores especialistas em direito autoral na internet no país.

 

Serviço:

Lançamento do livro “A cultura é livre: uma história da resistência antripropriedade” (editora Autonomia Literária, 2021).
Com o autor Leonardo Foletto, a deputada estadual Sofia Cavedon e o ativista digital e integrante do Hackerspace Matehackers Joel Grigolo. Mediação do jornalista Augusto Paim.
Atrações musicais: Estevan Hauser e Eugênia.
Onde: bar Sola Craft Bar (R. São Carlos, 725 – Floresta, Porto Alegre – RS, 90220-121)
Quando: dia 30/11, às 18h.

Veja alguns registros da conversa e o vídeo, gravado pelo Matehackers:

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O Futuro é Cooperativo https://baixacultura.org/2022/11/02/o-futuro-e-cooperativo/ https://baixacultura.org/2022/11/02/o-futuro-e-cooperativo/#respond Thu, 03 Nov 2022 00:28:25 +0000 https://baixacultura.org/?p=14953 Dois eventos na próxima semana pretendem discutir uma das mais promissoras “saídas” para um futuro digital menos distópico. O primeiro é a Conferência Internacional de Cooperativismo de Plataforma – Rio 2022, que reúne uma série de ativistas, pesquisadores, trabalhadores brasileiros e internacionais no Museu do Amanhã entre os dias 4, 5 e 6 de novembro. E o segundo é o ciclo de eventos “O Futuro é Cooperativo“, organizado pelo Sesc Avenida Paulista, com uma programação ampla de debates, oficinas, cursos – e também lançamento do “A Cultura é Livre” presencial, dia 10/11, 19h30, em que eu estarei na mesa relacionando a cultura livre com o cooperativismo de plataforma e outras discussões tecnopolíticas junto de Giselle Beiguelman e a cantora e compositora Letty.

 


Como podemos construir uma economia digital cooperativa engenhosa e assertiva no Sul Global – uma economia que foi super explorada e extraída pelo colonialismo de dados e trabalho do Norte Global? O que significa para as cooperativas escalar enquanto aderem aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU? Organizações Autônomas Descentralizadas (DAOs), blockchains e outras tecnologias distribuídas tão em voga ajudarão essas aspirações de crescimento e abordarão questões de governança? Organizado pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro – ITS , ITS Rio, e o Platform Cooperativism Consortium, sediado na The New School, em Nova York, a conferência vai ter a participação de Trebor Scholz, diretor do Institute for the Cooperative Digital Economy Platform Cooperativism Consortium, principal divulgador do conceito de cooperativismo de plataforma pelo mundo, a partir do livro de mesmo nome, lançado no Brasil pela Editora Elefante – e tema de BaixaCharla #4, em 2019; James Muldoon, professor de ciência política na Universidade de Exeter e coordenador de pesquisa digital no think tank Autonomy, autor de “Platform Socialism: How to Reclaim our Digital Future from Big Tech“, entrevistado pelo DigiLabour aqui; Anita Gurumurthy, fundadora e diretora executiva da ‘IT for Change’, onde lidera pesquisas sobre economia de plataforma, governança de dados e IA, democracia na era digital e estruturas feministas sobre justiça digital; Rosana Pinheiro-Machado, antropóloga e cientista social, professora da Escola de Geografia da University College Dublin e pesquisadora principal do projeto “Flexible Work, Rigid Politics in Brazil, India, and the Philippines” do European Research Council; os já conhecidos por aqui Rafael Grohmann, líder e criador do DigiLabour, hoje Professor Assistente de Estudos de Mídia com foco em Estudos Críticos de Plataformas e Dados na University of Toronto Scarborough (UTSC); e Rafael Zanatta, Diretor da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, e que já nos ajudou na entrevista com Nathan Schneider sobre o tema em “O Futuro da Economia Será Compartilhado?“; entre muitos outras pessoas – veja aqui a programação completa.

Participo de uma mesa no segundo dia do evento, sábado 5/11 às 14h, chamada “The Brazilian Artists Who Are Helping Themselves“, onde vamos discutir, por diferentes perspectivas, como as abordagens baseadas em bens comuns têm sido adotadas por cooperativas e outras organizações culturais. George Oates, diretora executiva e uma das fundadoras do Flickr, fala sobre “Como você pode ajudar a preservar bilhões de fotos“; Victor Barcellos, do ITS e também um dos articuladores do evento, investiga como as cooperativas de plataforma podem melhorar as condições de trabalho dos artistas no país em “Equity for Brazilian Artists: A Critical Study of Platform Coops“; Miguel Said Vieira argumenta que as cooperativas podem se tornar mais impactantes e inclusivas ao compreender e empregar estratégias baseadas no comum, na fala chamada “The Power of Commons-Based Strategies for Cooperatives in the Global South“; e eu falarei a partir de uma aproximação da cultura livre com o cooperativismp, tentando buscar inspirações e lições da cultura livre (e também do Creative Commons) para formação de cooperativas de plataforma no setor cultural: “Can Free Culture Save the Day for Platform Coops in the Cultural Sector?“.

 

 

O cooperativismo é o nome que damos para a produção e administração de negócios em que o poder de decisão é distribuído entre os trabalhadores e trabalhadoras, que fazem parte de uma cooperativa. Enquanto conjunto de ideias e práticas organizadas, tem sua origem no século XVIII e XIX, na Europa, como uma alternativa política e econômica ao capitalismo que eliminasse o patrão e o intermediário e concedesse ao trabalhador a propriedade de seus instrumentos de trabalho e a participação nos resultados de seu próprio desempenho. Socialistas utópicos como Robert Owen e Charles Fourier, por exemplo, criaram cooperativas de produção no século XIX. No século XX, o cooperativismo se complexificou; ganhou força dentro do capitalismo, com a formação de cooperativas gigantescas, passou a ter diferentes categorias (de trabalho, consumo, de crédito, agropecuária) e diferentes práticas. No Brasil, se aproximou com a economia solidária, prática econômica que visa a criação de estruturas de gestão que não estejam baseadas na desigualdade e exploração dos trabalhadores e onde os que produzem são considerados os proprietários do empreendimento em questão, não havendo distinção entre patrões e empregados, com a distribuição igualitária dos ganhos entre todos os membros da empresa. Aqui encontrou a contribuição de Paul Singer, que defendia, como professor, intelectual e membro do governo brasileiro (foi o criador e durante muitos anos o itular da Secretaria Nacional de Economia Solidária – Senaes), que a economia solidária poderia aproveitar a mudança nas relações de produção provocada pelo grande capital para lançar os alicerces de novas formas de organização da produção, à base de uma lógica oposta àquela que rege o mercado capitalista.

Unindo esses princípios com o mundo digital, o conceito de cooperativismo de plataforma tem se colocado como uma alternativa à chamada economia de compartilhamento que se compromete com princípios democráticos e transparentes para os trabalhadores e seus clientes. Assim como o cooperativismo tradicional, o de plataforma não propõe soluções rápidas para problemas complexos, mas mostra que é possível reproduzir tecnologias como as de plataformas de entretenimento e mobilidade urbana de modo realmente colaborativo, na contramão da uberização do trabalho. Em resumo: é uma ideia/prática que busca unir importantes reivindicações de trabalho digno (cooperativismo) com novas (ou nem tanto) discussões sobre tecnologias livres e autonomia e cria uma oportunidade rara de fazer um futuro tecnopolítico menos capitalista e distópico, como já comentamos em “Cooperativismo de plataforma & tecnologias livres: alimentando a (now) topia”; Falamos também de sua importância para o trabalho via aplicativos em “Breque dos Apps e as alternativas para o trabalho digitalizado“, quando do principal breque dos Apps até aqui, em 2020; e também do Plano de ação para Cooperativismo de Plataforma no Brasil, carta criada a partir do seminário sobre cooperativismo de plataforma e políticas públicas realizado em junho em Porto Alegre, em junho de 2022.

A programação do “O Futuro é Cooperativo”, organizado pelo Sesc Avenida Paulista, teve uma série de cursos, oficinas e discussões importantes para o tema, “Como Construir uma Plataforma de Trabalho Coletiva?”, “Cooperativismo na América Latina: Uma história de resistência”, “Trabalho Cooperativo nos Dias de Hoje”. Ainda teremos dia 17/10, às 19h30, a exibição do documentário “Paul Singer: Uma Utopia Militante“, de Ugo Giorgetti, que versa sobre a vida e obra de Paul Singer, grande articulador teórico e prático da chamada economia solidária, que no Brasil se aproxima e por vezes se confunde com o cooperativismo.

Também teremos, por fim, na quinta feira 10/11 19h30 um lançamento (presencial) do “A Cultura É Livre”, onde vamos distribuir o livro (gratuitamente, cortesia da co-editora Fundação Rosa Luxemburgo) e debater sobre direito à cultura e o compartilhamento de conhecimentos, a importância dos softwares livres e sua relação com a cidadania e a democracia, além de uma reflexão sobre o atual cenário da produção cultural atual frente grandes plataformas de entretenimento. A querida Giselle Beiguelman, autora do texto da contracapa do livro, estará conversando comigo e Letty, cantora e compositora, sob a mediação de Fernando Mekaru, sobre todos esses temas e muitos outros correlatos que sempre surgem.

 

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A cultura livre é hacker e cooperativa em Porto Alegre https://baixacultura.org/2022/06/15/a-cultura-livre-e-hacker-e-cooperativa-em-porto-alegre/ https://baixacultura.org/2022/06/15/a-cultura-livre-e-hacker-e-cooperativa-em-porto-alegre/#respond Wed, 15 Jun 2022 23:39:46 +0000 https://baixacultura.org/?p=13989 Após quatro eventos on-line, o DigiLabour, por meio do Observatório do Cooperativismo de Plataforma, vai realizar o Seminário Presencial Cooperativismo de Plataforma e Políticas Públicas, presencial, em Porto Alegre/RS, nos dias 21 e 23 de junho, na UNISINOS campus Porto Alegre.

O evento, apoiado pela Fundação Rosa Luxemburgo, reunirá formuladores de políticas, trabalhadores, acadêmicos, movimentos sociais e outras instituições interessadas para discutir caminhos alternativos para o futuro do trabalho por plataformas no país. Entre os confirmados estão Leo Pinho (Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários do Brasil – UNISOL), Joana Varon (Coding Rights), Aline Os (Senoritas Courier), Márcio Pochmann (Instituto Lula), Renan Kalil (MPT-SP), Pedal Express, Movimento dos Trabalhadores Sem Direitos, Núcleo de Tecnologia do MTST, ITS Rio / Platform Cooperativism Consortium, Direção Nacional da CUT, Camila Capacle (Prefeitura de Araraquara), Miguel Rossetto (PT-RS),  Cooperativa de Trabalho dos Profissionais de Privacidade e Proteção de Dados (COOPRODADOS), representantes da Fundação Mundukide/Mondragon, entre outros.  As inscrições gratuitas, com direito a certificado, podem ser realizadas no site da UNISINOS.

No encerramento do evento, 23/6 às 18h, o “A Cultura é Livre: uma história da resistência antipropriedade” vai ser lançado –  pela primeira vez presencialmente, depois de alguns lançamentos online em meio à pandemia. Será no Sola Craft Bar, Rua São Carlos, 725, ao lado do Vila Flores, no bairro Floresta, região do “4º distrito” de Porto Alegre, com participação e apoio do vizinho hackerspace Matehackers. Teremos exemplares GRATUITOS para distribuição (limitada), a partir do apoio da Fundação Rosa Luxemburgo, co-editora do livro. A proposta do papo do lançamento é dialogar sobre a cultura livre a partir do resgate histórico feito no livro (da cultura oral, impressa, proprietária, recombinante, livre e coletiva) e detalhar a relação do conhecimento livre com as práticas hackers – o software livre e a ideia de copyleft, que popularizaram o entendimento contemporâneo do que é cultura livre, estão ligadas diretamente à Richard Stallman, criador do software livre, por sua vez o “último dos verdadeiros hackers”, como diz o livro de Steven Levy [“Hackers – Heroes of The Computer Revolution”, obra fundamental para entender as raízes da cultura hacker nos Estados Unidos; dá pra baixar grátis a versão em inglês].

Como boa parte dos hackerspaces pelo mundo, o Matehackers tem o conhecimento livre entre seus princípios fundamentais – a começar pela documentação de suas atividades, no site (ainda que meio desatualizado), no uso e defesa do software e do hardware livre e nas práticas de livre compartilhamento em seus espaços físicos e eventos. Quem já passou pelo apartamento de duas salas, uma cozinha, um banheiro e uma sacada no primeiro (ou segundo?) andar do Vila Flores, sede do grupo desde 2014, sabe que a colaboração é dominante; ir com algum problema técnico para lá tentar resolver significa tornar um problema e a solução questões coletivas – e às vezes voltar com problemas muito maiores que os iniciais (especialmente aos sábados, tradicional dia de mais gente). A aprendizagem colaborativa, a sede pelo conhecimento (especialmente técnico, mas nem sempre), a valorização do saber fazer (mais do que ostentar, seja por títulos ou pela fala), a colaboração pela curiosidade de resolver um problema e a ideia de que muita coisa pode ser resolvida pelos computadores fazem parte do ethos do grupo – e também dos hackerspaces/hacklabs que ainda se baseiam nos princípios de uma ética hacker.

Entre outros eventos ligados ao conhecimento livre que o Matehackers participou, um vale destacar: foi o Dia da Cultura Livre na Casa de Cultura Mário Quintana (CCMQ), importante centro cultural da cidade, em 18 de maio de 2013. No dia, com organização da CCD POA e participação de vários integrantes do Matehackers, uma série de oficinas, debates e outras atividades teve como tema a cultura livre baseada em licenças livres (ou sem licença nenhuma). De design a música, de zines a RPG, foi uma pequena celebração da cultura livre e dos artistas que fazem uso dela. Algumas fotos abaixo:

 

Fanzines, cultura independente e compartilhamento com Jamer Guterres de Mello e Wender Zanon.

 

Alissa Gottfried, do coletivo Ecoaecoa, contando sobre a criação e utilização de MiMoSA’s como meio criativo para produção de conteúdos livres

 

Material de Divulgação do Dia da Cultura Livre em 18/5/2013

 

 

 

 

Material de Divulgação do Dia da Cultura Livre em 18/5/2013*

Mês passado rolou o debate em torno das tecnologias livre e o cooperativismo de plataforma, evento que encerrou a fase online da série de debates Cooperativismo de Plataforma e Políticas Públicas, organizado pelo Digilabour e Observatório do Cooperativismo de Plataforma e apoio da Fundação Rosa Luxemburgo.

[Já dá para assistir na íntegra esta mesa – abaixo – e as outras no canal do Youtube do Digilabour]

 

 

A programação completa do seminário:

 

 

21 de junho (terça-feira)

09h – Café e Boas Vindas

10h – Abertura institucional

10h30: Conferência de Abertura: Cooperativismo de Plataforma e Políticas Públicas: quais agendas construir?

Aline Os (Señoritas Courier)

Joana Varon (Coding Rights)

12h30-14h – Horário de almoço

14h – Coletivos e cooperativas de plataformas: quais experiências temos no Brasil?

15h30 – Exibição e debate: Documentário Señoritas Courier

16h-16h30 – Coffee break

16h30 – Sindicatos e cooperativismo de Plataforma

18h – Horário de Encerramento

 

22 de junho (quarta-feira)

09h – Café

09h30 – Workshop – Trabalho decente, cooperativismo de plataforma e políticas públicas

12h-14h – Horário de Almoço

14h – Apresentações de formuladores de políticas e movimentos sociais sobre cooperativismo de plataforma

16h – Coffee Break

16h30 – Apresentações de pesquisadores sobre cooperativismo de plataforma

18h – Horário de encerramento

 

23 de junho (quinta-feira)

09h – Passeio guiado a pé por cooperativas e Associação Cultural Vila Flores (encontro no centro de Porto Alegre, em lugar a ser definido)

12h-14h – Horário de almoço

14h – Discussão conjunta para produção de manifesto: Quais aprendizados sobre o futuro do cooperativismo de plataforma no Brasil?

15h30 – Lançamento do evento mundial do Cooperativismo de Plataforma (Platform Cooperativism Conference), que acontecerá em novembro no Rio de Janeiro

16h – Café

16h30 – Breve fala e convite: Tecnologias livres e cooperativismo de plataforma.

Leonardo Foletto (BaixaCultura/ LabCidade-USP)

17h – Fala de encerramento

18h – Happy Hour/ Lançamento do Livro “A Cultura é Livre: Uma História da Resistência Antipropriedade”, de Leonardo Foletto, em bate-papo com o hackerspace Matehackers.

O livro tem prefácio de Gilberto Gil e foi editado pela Autonomia Literária em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo. Os livros serão distribuídos gratuitamente no local (número limitado)

Local: Sola Craft Bar, rua São Carlos, 725, Floresta (4º Distrito), Porto Alegre-RS

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A Cultura é Livre no Guilhotina, do Le Monde Diplomatique https://baixacultura.org/2022/03/18/a-cultura-e-livre-no-guilhotina-do-le-monde-diplomatique/ https://baixacultura.org/2022/03/18/a-cultura-e-livre-no-guilhotina-do-le-monde-diplomatique/#respond Fri, 18 Mar 2022 13:11:39 +0000 https://baixacultura.org/?p=13944

Em 2021, nestes mesmos dias de março, estava lançando o “A Cultura é livre”, fruto de uns bons anos de pesquisa sobre o tema no BaixaCultura , como já comentei. Foi junto a Flipei – Festa Literária Pirata das Editoras Independentes , organizada pela Autonomia Literária , co-editora do livro ao lado da Fundação Rosa Luxemburgo, com o prefácio do imortal (agora “oficial”, pela ABL) Gilberto Gil. Online, como (quase) tudo que ocorria em março do ano passado – agora que se vislumbra uma saída pós pandemia quero muito poder encontrar as pessoas; quem sabe um lançamento presencial “atrasado”?

Ontem foi ao ar a última edição do Guilhotina, podcast do Le Monde Diplomatique Brasil , comandado por Bianca Pyl e Luis Brasilino. Das entrevistas, lives e podcasts que participei nesse ano, este talvez seja o que mais tenha falado, sobre e a partir do “A Cultura é Livre”. Não sei se isso é bom, mas os livros são vivos, o distanciamento nos dá perspectivas diferentes sobre uma obra, ativa sentimentos diversos – porque não falei mais daquele tema ou citei aquele outro trabalho, etc; não se termina um livro, mas se livra dele – literalmente. As falas acompanham esse zigue-zague de perspectivas.

Sigo gostando e achando o livro uma boa introdução ao vasto e complexo tema da cultura livre, que mesmo não sendo um tema de moda hoje na internet (como já foi no início dos 2000), será importante enquanto houver ser humano (ou robô) criando. Sigo também mergulhando mais no último capítulo, onde falo das perspectivas do extremo-oriente e ameríndias sobre propriedade intelectual, enquanto espero a edição em espanhol ser finalizada.

O podcast dá pra escutar no site do Le Monde, no Spotify e em outras plataformas. O livro, além de poder ser baixado aqui no site, pode ser comprado no site da Autonomia e de algumas livrarias como:
_ Baleia (Porto Alegre)
_ Livraria Travessa (RJ, SP, Brasília, Portugal)
_ Livraria Martins Fontes Paulista (SP)
_ Livraria Taverna (Porto Alegre)
_ Simples (São Paulo)
_ MegaFauna (São Paulo)
_ Amazon  
_ FNAC
_ Estante Virtual
_ Livraria Cultura (e-book)
_ Magazine Luiza

 

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De quem, afinal, é a cultura? https://baixacultura.org/2022/01/20/de-quem-afinal-e-a-cultura/ https://baixacultura.org/2022/01/20/de-quem-afinal-e-a-cultura/#respond Thu, 20 Jan 2022 15:51:40 +0000 https://baixacultura.org/?p=13880

Imagem de Ж, Filme-designer, educador e programador.

 

Victor Barcellos, doutorando em Comunicação e Cultura na ECO/UFRJ e pesquisador no Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS), escreveu uma resenha sobre o “A Cultura é Livre” na revista da Eco-Pós. A resenha tem o título de “De quem é a Cultura? Obras Culturais entre o privado, o público e o comum” e faz um ótimo panorama do livro – inclusive permitindo novas interpretações do tema e diálogos com outros pensadores/as, como McKenzie Wark e Maurízio Lazaratto, o que é sempre um sinal positivo quando se fala de resenha e construção de conhecimento crítico.

Abaixo, reproduzo alguns trechos, com algumas edições, comentários e supressões, para seguir fomentando o debate sempre necessário (achamos) sobre propriedade e cultura. Vale a pena ler todo a edição, um Dossiê sobre Apropriações e Ressignificações na arte e no pensamento, editado por Ciro Lubiner e Lucas Murari.

“A história da liberdade da cultura tem a potência de nos lembrar que a cultura, uma vez produzida e usufruída coletivamente como um bem comum, transmitida livremente de geração em geração, circula hoje majoritariamente em forma de mercadoria. Justamente no momento em que as possibilidades técnicas permitiram à cultura que circulasse rapidamente, sem barreiras e com baixo custo –é exatamente o momento em que ela se encontra mais limitada. Percebeu-se o potencial de lucratividade da criação de escassez artificial precisamente neste tempo de abundância informacional que é como o presente.

Em uma paráfrase a Jean-Jacques Rousseau, Mckenzie Wark afirma sobre a informação o mesmo que se poderia afirmar a respeito da cultura: “A informação quer ser livre mas por toda parte se vê acorrentada“. [Em “A Hacker Manifesto“, ótimo livro de McKenzie Wark que reflete sobre tecnologia, propriedade intelectual e filosofia em um texto que remete, principalmente na forma, ao clássico “A Sociedade do Espetáculo“, de Guy Debord – sem tradução para o português ainda]

O capitalismo, sabidamente estruturado sobre contradições, encontrou formas de modular essa relação entre liberdade e privação de forma a rentabilizar o processo. Para compreendê-lo, é útil a distinção feita por Maurizio Lazzarato entre “criação” e “produção”. De acordo com o autor, o primeiro está mais ligado à criação de novos mundos, enquanto o segundo diz respeito à replicação de cópias desses mundos efetuados para sua monetização na forma de mercadoria. Assim, afirma: o “nascimento do capitalismo é sobretudo uma luta contra a infinidade de mundos possíveis que o precederam e o ultrapassaram” (Lazzarato em  “As revoluções no Capitalismo“, p. 188, PDF). E qual a melhor forma de falar dessa liberdade da cultura, senão demonstrando que historicamente, apesar das diversas tentativas de seu enclausuramento, sempre houve movimentos contrários que advogaram sua liberdade?

A afirmação categórica e precisa do título deixa evidente sua posição: a cultura é livre, e essa característica quase ontológica, ainda que negada de tempos em tempos, não se deixa sucumbir por completo.

A cultura pode ser compreendida como o último limite adentrado pelo crescente processo de commoditização da vida. A gradativa transformação dos diversos aspectos da experiência em propriedade privada se iniciou na terra, passou pelo capital e hoje encontra na cultura sua commodity central. Isso porque, em um processo de crescente abstração da forma-mercadoria, nota-se o incrível potencial de extração de valor em uma cooptação parasitaria da produção de cultura. Ao invés de precisar investir na produção, agora se torna possível capturar a cultura, que é produzida naturalmente pelo intelecto geral (general intellect) e lucrar com sua circulação. “Seu poder reside no monopólio da propriedade intelectual –patentes, direitos autorais e marcas registradas –e os meios de reproduzir seu valor –os vetores de comunicação. A privatização da informação se tornou o aspecto dominante, e não subsidiário, da vida ‘commoditizada’ (Wark, 2004, p. 25, tradução nossa)”.

Capa do Livro de McKenzie Wark, de 2004

Por meio de uma série de exemplos, Foletto nos mostra como boa parte daqueles que até hoje são reconhecidos como gênios inventores das maiores tecnologias não foram os responsáveis propriamente pelas invenções, mas apenas tiveram o capital financeiro e político para obter sua patente para produção em escala. Logo, deve-se desmistificar a visão de gênios solitários trabalhando em suas oficinas quando, por iluminação sobrenatural, obtiveram êxito na criação de invenções. A história real é menos solitária e muito mais social, tem pouco de inspiração espiritual e muito mais de disputas materiais.

A China, em especial até a modernidade e por influência do confucionismo, valorizava-se a tradição que incentivava, na educação infantil, a memorização e a cópia, o que colocou em contradição os direitos de propriedade intelectual com os valores morais tradicionais. Por essa valorização maior da transmissão do que da inovação, chegava-se a atribuir a ausência da percepção de uma cópia não pela ausência de atribuição da autoria, mas por ignorância daquele que consome a obra.

Em outras culturas, como algumas ameríndias estudadas por antropólogos como Marcel Mauss e Eduardo Viveiros de Castro, também se pode encontrar cosmovisões que se colocam radicalmente em oposição às concepções de direitos autorais. Como proteger obras em contextos em que a criação é entendida como um processo que envolve inclusive agentes não-humanos? E em que a concepção de que as transações não se esgotam na troca física de moedas ou mercadorias, mas representam apenas uma etapa de uma relação duradoura entre os agentes? Essa diferença radical apresentada por Foletto nos ajuda a tomar consciência do quão arbitrárias e contingentes são as concepções que sustentam os direitos autorais tradicionais.

 

]]> https://baixacultura.org/2022/01/20/de-quem-afinal-e-a-cultura/feed/ 0 Alguns argumentos em defesa da cultura livre https://baixacultura.org/2021/11/30/os-argumentos-em-defesa-da-cultura-livre-no-nexo/ https://baixacultura.org/2021/11/30/os-argumentos-em-defesa-da-cultura-livre-no-nexo/#respond Tue, 30 Nov 2021 20:49:27 +0000 https://baixacultura.org/?p=13856

Para diretor (sic*) do braço brasileiro da ONG Creative Commons, compartilhamento de obras intelectuais constrói uma sociedade mais igualitária. Título está disponível para download gratuito**

Criar um ambiente em que a cultura é compartilhada livremente é essencial para a construção de uma sociedade mais justa, na visão do jornalista Leonardo Foletto, autor do recém-lançado livro “A cultura é livre: Uma história da resistência antipropriedade”, da editora Autonomia Literária, em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo.

Foletto é um dos diretores do braço brasileiro do Creative Commons, ONG internacional que estabelece regras para o livre compartilhamento de textos, vídeos e imagens na internet. Com uma versão impressa vendida pela editora, “A cultura é livre” também está disponível gratuitamente para download em formato digital neste link.

Neste texto, o Nexo fala sobre os principais argumentos do livro, que também tem prefácio do compositor e ex-ministro da Cultura Gilberto Gil, e como eles se encaixam na história da internet.


A ideologia californiana

Quando a internet surgiu, na década de 1990, havia entre os usuários um senso rebelde, beirando o revolucionário, com a ideia de que a rede poderia ser a ferramenta mais transformadora da história da humanidade – uma forma dos países e seus cidadãos romperem com modelos tradicionais de vida e construírem novas formas de existência.

Esse espírito, muito inspirado pelos hippies dos anos 1960 e pelos punks dos anos 1970, acabou se perdendo com a chegada da chamada “ideologia californiana”.

O termo foi criado em um ensaio de 1995 pelos pesquisadores de mídia Richard Barbrook e Andy Cameron, da Universidade de Westminster, no Reino Unido, e designa a absorção dos rebeldes e hippies dos primórdios da indústria tecnológica pelos lemas do capitalismo tradicional em meio à costa da Califórnia. O texto completo pode ser lido em português gratuitamente.

“A ideologia californiana, simultaneamente, reflete as disciplinas da economia de mercado e as liberdades do artesanato hippie”, definiram os autores.

O mundo pensado pela ideologia californiana, de acordo com os pesquisadores, é um mundo de “surfe, comida saudável, espiritualidade ‘nova era’, música pop, drogas recreativas, mídia comunitária e a tradição da boemia cultural”, tudo catapultado por empresas privadas que, dentro de um livre mercado liberal, podem operar sem restrições e burocracias dos “antiquados” sistemas de controle estatal.

Duas figuras são centrais para o pensamento da ideologia californiana: Thomas Jefferson, um dos “pais fundadores dos EUA”, e a escritora russo-americana Ayn Rand. Jefferson, na Declaração de Independência americana de 1776, chamou os cidadãos (brancos, dado que os EUA mantinham o sistema escravocrata) à liberdade e à democracia, afirmando que esses dois fenômenos dependiam de uma liberdade de expressão irrestrita.

Rand, na ficção científica “A revolta de Atlas” (1957), afirma que o único sistema econômico que está alinhado com o objetivo moral dos seres humanos – a busca incessante pela felicidade, apresentada por ela como “egoísmo racional” – é o capitalismo liberal, com pouca participação pública, capitaneado pela iniciativa privada.

É a ideologia californiana que estava, na época do ensaio, por trás da Apple e da Microsoft, e que, posteriormente, guiaria Google, Facebook e todas as grandes empresas do Vale do Silício, localizado na Califórnia – a ideia de que o progresso tecnológico é inevitável, mesmo quando há consequências negativas, e que o mercado capitalista sempre vai conseguir administrar a vida cotidiana melhor do que qualquer Estado, mesmo que isso signifique condições precárias de trabalho, perda de direitos e acentuamento de desigualdades.

“Por todo o mundo, a ideologia californiana foi aceita como uma forma otimista e emancipadora de determinismo tecnológico”, afirma. “Porém, esta fantasia utópica da costa oeste [americana] depende de sua cegueira frente à – e dependência de – polarização social e racial da sociedade em que nasceu. Apesar de sua retórica radical, a ideologia californiana é totalmente pessimista a respeito de mudanças sociais estruturais.”

“Se apenas algumas pessoas podem ter acesso às novas tecnologias da informação, a democracia jeffersoniana pode se tornar uma versão de alta tecnologia da economia de latifúndios do Velho Sul. Refletindo esta profunda ambiguidade, o determinismo tecnológico da ideologia californiana não é simplesmente otimista e emancipador. É simultaneamente, também, uma visão profundamente pessimista e repressiva do futuro”, diz o texto.


A defesa da livre circulação

A defesa da cultura livre capitaneada por grupos na internet como o Creative Commons é uma forma de combater as raízes capitalistas da ideologia californiana que se emaranhou no meio digital. Em “A cultura é livre”, Leonardo Foletto argumenta que o livre compartilhamento não necessariamente antagoniza com a ideia de lucro e remuneração pelo trabalho intelectual.

O cerne do argumento está no fato de que não existe escassez nos arquivos digitais, como existiria em um livro físico, que precisa de materiais como papel e tinta e processos como impressão, armazenamento e distribuição. No digital, um mesmo arquivo pode ser copiado milhões ou bilhões de vezes sem precisar de um material finito para existir.

“Este livro investiga a cultura livre também entre dois lados conhecidos: o da remuneração aos criadores, que deveria garantir a continuidade na produção de suas obras, e o do acesso, (re)uso e circulação das obras, que prometeria à humanidade o direito de fruí-las e recriá-las. Nesses dois pólos, muitas vezes colocados como antagônicos, há nuances e questionamentos”, escreve.

Para ele, um modelo ideal que conciliaria a reprodução livre de criações intelectuais e a remuneração de seus autores envolve o estabelecimento de um contrato social entre autores e público.

“Nos casos de obras estéticas e que informam o pensamento de alguém, ter a liberdade de fazer cópias já seria suficiente para que qualquer pessoa pudesse compartilhar como e onde bem quisesse, vetando o uso comercial e certas possibilidades de modificação da obra que pudessem alterar ou deturpar a visão proposta pelo seu autor.”

Nele, o pagamento seria espontâneo pelo público, como uma doação, ou obrigatório, em circunstâncias como a exibição de um filme dentro de uma empresa privada, por exemplo. “Aos trabalhadoras/es, por exemplo, seria permitido o uso, inclusive comercial, da obra cultural, mas não àqueles que explorem o trabalho assalariado, que seriam obrigados a negociar o acesso”, diz o livro.

O modelo se aproxima ao que é defendido pelo sistema Creative Commons, que dá ao responsável por textos, imagens e obras a possibilidade de escolher entre algumas opções que permitem a reprodução, comercial ou não, da obra intelectual.

A organização não governamental criadora do sistema foi criada nos EUA em 2001. As licenças surgiram como uma maneira de adaptar e discutir as legislações já existentes sobre direitos autorais de forma a abraçar as mudanças impostas pela popularização da internet. Por meio de uma licença tradicional, um titular de direitos “entra em uma relação específica com outra pessoa para autorizar determinados usos”, segundo cartilha da ONG. Elas se baseiam na legislação do país. Já com as licenças Creative Commons, que são públicas, é o proprietário da obra que estabelece os termos de autorização de utilização de uma criação pelo público geral. No mundo, mais de 1,4 bilhão de arquivos como fotos, músicas, textos e vídeos possuem licenças Creative Commons.

No Brasil, os direitos autorais são protegidos pela lei 9.610, sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso em 1998. Defensores das leis do direito autoral consideram a distribuição livre de obras culturais uma forma de pirataria. Janaína Costa, advogada especializada em direito digital e pesquisadora do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade) do Rio de Janeiro, considera no entanto que a prática de tentar criminalizar o download de obras protegidas por direitos autorais é ineficaz.

“O fomento da inovação e de novos modelos de negócios é a estratégia mais promissora de combate à pirataria. Conforme fartamente demonstrado, facilitar o acesso para aqueles que buscam o consumo parece ser o método mais eficiente”, disse ao Nexo em agosto de 2021.

A afirmação dela já foi demonstrada com evidências no estudo “Media Piracy in Emerging Countries”, do qual participou a Fundação Getulio Vargas. Na pesquisa, seis países foram estudados, e em nenhum deles houve diminuição expressiva no número de downloads de obras protegidas por direitos autorais após a criação de novas leis ou modificações em textos vigentes.

“O estudo demonstra que a batalha contra a pirataria será vencida não no campo da repressão, mas sim no campo econômico, com a oferta de produtos cujos preços sejam compatíveis com a renda e o poder de compra local”, afirmou o advogado Ronaldo Lemos, parte do estudo, à época do lançamento da pesquisa.

*Coordenador geral é o nome correto.
** Reprodução de Matéria publicada no site Nexo.

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A cultura livre é uma história da resistência antipropriedade https://baixacultura.org/2021/11/19/a-cultura-livre-e-uma-historia-da-resistencia-antipropriedade/ https://baixacultura.org/2021/11/19/a-cultura-livre-e-uma-historia-da-resistencia-antipropriedade/#respond Fri, 19 Nov 2021 13:39:52 +0000 https://baixacultura.org/?p=13847  

Na sexta doze de novembro de 2021, das 19h às 20h e pouco, o “A Cultura é Livre” foi tópico de uma conversa online na APPH POA dentro do projeto Biblioteca APPH. A proposta foi fazer uma conversa sobre alguns tópicos do livro, em especial as discussões contemporâneas sobre compartilhamento na internet e a partir de outras perspectivas que não a vinda da Europa-Estados Unidos, como as visões ameríndias e chinesa, para pensar e questionar a propriedade Intelectual e a produção e fruição da cultura. Participaram nosso editor e autor do livro, Leonardo Foletto (@leofoletto), a jornalista e pesquisadora Lívia Ascava, com mediação de André Araujo, pesquisador da APPH. O livro, prefaciado por Gilberto Gil, foi publicado em 2021 pela Autonomia Literária, com apoio da Fundação Rosa Luxemburgo, e discute questões em torno da propriedade intelectual, traçando um caminho desde a circulação cultural na Grécia Antiga até o advento da Internet fissurando a dinâmica de posse dos bens culturais.

A APPH é uma associação autônoma, horizontal e sem fins lucrativos em atividade desde 2013 oferecendo uma vasta gama de atividades voltadas à produção e compartilhamento de conhecimentos em humanidades.

Assista:

asdahagha

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Perspectivas da Cultura Livre na América Latina https://baixacultura.org/2021/10/20/perspectivas-da-cultura-livre-na-america-latina/ https://baixacultura.org/2021/10/20/perspectivas-da-cultura-livre-na-america-latina/#respond Wed, 20 Oct 2021 15:02:52 +0000 https://baixacultura.org/?p=13785

Perspectivas da cultura livre na América Latina será uma mesa para discutir o tema a partir do livro “A Cultura é livre: Uma história da resistência anti propriedade“, fruto de uma pesquisa na qual o BaixaCultura, nos últimos 13 anos, foi laboratório e fonte fundamental. O livro debate uma história ampliada da cultura livre e da propriedade intelectual desde os gregos até o digital, também aportando uma perspectiva dos povos originários sobre a propriedade.

A proposta da mesa é discutir um status quo da questão no continente latino-americano em contexto pandêmico: existe um “movimento” da cultura livre ainda? Quais as frentes de disputa hoje em torno da flexibilização dos direitos autorais na internet e os desafios, novos ou velhos, colocados no contexto da pandemia de covid-19? Como a Indústria da Intermediação segue sua política de “copyright trolls”, realizar ameaças de processo judicial, ou outras atitudes particularmente agressivas, para obter remuneração a partir de questões ligadas à proteção dos direitos autorais? Como a cultura livre se relaciona com a construção do comum?

Também buscamos ampliar o diálogo da perspectiva da cultura livre e do copyleft com as noções de propriedade na cultura dos povos originários e compreender de que forma o acesso livre ao conhecimento se torna mais importante ainda em tempos de pandemia.Como criar mecanismos que fomentem o pensamento coletivo e comunitário incutido nesses povos, respeitem sua  cosmovisão e, ao mesmo tempo, protejam sua cultura de gerar mercadorias a serem colocadas à venda num mercado onde a maior parte do valor obtido não irá para eles?

O painel será realizado dentro da Intellectual Property Global Congress, na #IPweek, no dia 27/10 às 18h (hora de Brasília, UTC-3), com transmissão aberta no Youtube. Conta com:

_ Leonardo Foletto, jornalista e pesquisador, editor do BaixaCultura e integrante do Creative Commons Brasil, autor de “A Cultura é Livre”;

_ Yamanik Cholotío, feminista indígena, trabalha na Federação Guatemalteca de Escolas Radiofônicas , FGER)

_ Jorge Gemetto, coordenador do centro cultural Ártica, investigador do Laboratorio de Datos y Sociedad (Datysoc), integrante de Creative Commons Uruguay y de Wikimedistas de Uruguay;

_ Mariana Fossatti, socióloga e collagista, coordenadora do centro cultural Ártica, editora da publicação GenderIT para a Asociación para el Progreso de las Comunicaciones, integrante de Creative Commons Uruguay e de Wikimedistas de Uruguay.

Também vamos falar sobre a tradução do livro para o espanhol, a ser realizada nos próximos meses, com previsão de publicação impressa (e online) inicialmente no Mercosul (Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile) para março de 2022.

Confira a íntegra da mesa.

 

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