Biblioteca – BaixaCultura https://baixacultura.org Cultura livre & (contra) cultura digital Wed, 21 Feb 2024 12:40:50 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.0.9 https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2022/09/cropped-adesivo1-32x32.jpeg Biblioteca – BaixaCultura https://baixacultura.org 32 32 Um Manifesto Hacker – 20 anos depois https://baixacultura.org/2024/02/20/um-manifesto-hacker-20-anos-depois/ https://baixacultura.org/2024/02/20/um-manifesto-hacker-20-anos-depois/#comments Tue, 20 Feb 2024 23:03:56 +0000 https://baixacultura.org/?p=15573 Não é fácil a tarefa de apresentar Um Manifesto Hacker, de McKenzie Wark, ao público brasileiro hoje. A natureza ensaística, provocativa e irônica da obra nos põe um desafio: como falar de um presente sem estragar a surpresa? Outra questão é o tempo: o livro foi lançado pela primeira vez há vinte anos. Como contextualizar a obra? O papel da informação e das tecnologias na sociedade contemporânea está ainda mais visível do que há vinte anos, o que faz com que a obra continue atual – como a própria autora afirma em sua introdução à edição brasileira. Se, por um lado, não vamos estragar as surpresas – elas são deliciosas – por outro, não espere uma apresentação tradicional. Ela seria o exato oposto do que o próprio livro tentou ser.

O que podemos contextualizar é que, embora a tradução apenas saia agora, sua recepção em território brasileiro aconteceu mesmo há quase vinte anos. De forma um tanto errática, quase underground, o livro foi lido e discutido em meios acadêmicos e ativistas, sobretudo onde havia pessoas interessadas em torno da grande área que se convencionou chamar cibercultura – nome que hoje, com a onipresença do digital em nossas vidas, parece ter sido abandonado.

Dentro dessa área, hackers afeitos também aos estudos filosóficos de inspiração deleuziana sobre a técnica receberam com entusiasmo estes escritos de McKenzie Wark; outros, especialmente teóricos da comunicação e da sociologia, leram com atenção as teses do livro e notaram as semelhanças com “A Sociedade do Espetáculo”, de Guy Debord, e “Manifesto Comunista”, de Karl Marx e Friedrich Engels, evidentes na forma aforística do texto mas nem tão clara no conteúdo – embora você verá muito de ambos autores nas páginas do livro.

Um Manifesto propõe a visão de que existem três classes dominantes e suas respectivas classes dominadas. Cada uma dessas classes dominantes deriva seu poder da propriedade privada de uma categoria de meios de produção. São elas a classe pastoralista, que detém terras; a classe capitalista, que possui capital; e a classe vetorialista, proprietária da informação. E suas decorrentes classes dominadas, respectivamente a classe camponesa, a classe trabalhadora e a classe hacker. Apesar de haver uma sequência histórica na emergência de cada uma delas (primeiro veio a pastoralista, depois a capitalista, e agora a vetorialista), a autora afirma que as três classes coexistem no presente.
Este é um trechinho do prefácio (íntegra) que eu, Victor Barcellos (também tradutor da obra) e Rafael Grohmann fizemos para a “Um Manifesto Hacker”, segundo livro publicado no Brasil de McKenzie Wark, ambos pela dupla de editoras SobInfluencia e Funilaria – fizemos uma breve resenha do primeiro, “O Capital Está Morto”, em fevereiro de 2023. “Um Manifesto Hacker” está à venda no site das duas editoras (Funilaria / SobInfluencia) e também nas melhores livrarias do país. Republicamos logo abaixo o prefácio à edição brasileira do livro, escrito por Mckenzie, que atualiza com muita clareza e honestidade a questão da liberação da informação da forma de propriedade na internet. O livro na íntegra também está disponível em PDF, mas não espalha.

[Leonardo Foletto]

“O que para nós era uma prática de vanguarda rapidamente, e de forma independente, tornou-se um movimento social: o movimento pela informação livre. À medida que a internet se tornou uma forma de comunicação mais popular, todos começaram a compartilhar. Como diz a tese 126 do livro: “a informação quer ser livre, mas está acorrentada em todos os lugares” (…) Parecia que poderíamos abrir a forma-mercadoria da informação em favor de uma espécie de economia de dádiva abstrata. (…) Não era pra ser. Os marxistas autonomistas italianos sustentam que toda “inovação” na forma-mercadoria é impulsionada de baixo para cima, na medida em que tenta resolver um antagonismo de classe subordinada contra a forma-mercadoria por meio de sua recaptura por meio de uma mutação dessa forma. Foi mais ou menos isso que aconteceu. A classe dominante dominante, que chamo de classe vetorialista, recuperou a energia do movimento popular pela informação livre transformando-a em trabalho não remunerado“.

 

CONSIDERAÇÕES SOBRE UM MANIFESTO HACKER

Mckenzie Wark*

Lendo Um Manifesto Hacker novamente depois de muito tempo, agora parece um livro que outra pessoa escreveu e, ao mesmo tempo, um livro que contém não apenas a semente de todo o meu trabalho, mas o padrão da minha vida desde então.

O livro faz pelo menos duas coisas ao mesmo tempo. Em parte é um diagnóstico de um ponto de viragem histórico, entendido a nível conceptual. Isso não é mais capitalismo; é algo pior. Essa mutação no modo de produção é global, mas distribuída de forma desigual. Os modos de produção são sempre plurais. Durante muito tempo, o modo dominante poderia ser descrito como capitalismo. Embora o capitalismo certamente ainda exista, não é mais o modo de produção dominante.

Não estou sozinha nesse diagnóstico, mas a maioria das outras tentativas de pensar essa ruptura não entenderam que ela também é uma ruptura de linguagem. Assim, temos tentativas muito insatisfatórias de pensá-lo como pós-capitalismo ou neofeudalismo. Em outras palavras, isso significaria pensar o surgimento de uma nova época apenas em relação à língua antiga. Cada nova era tenta pensar sua novidade na linguagem da antiga. Essa é uma falha linguística a ser superada,e considero isso uma das percepções mais importantes de Marx.

Em vez disso, tentei pensar a época em uma linguagem contemporânea a ela. Escrevi Um Manifesto Hacker em uma linguagem inexistente que chamo de “europeia”. Essa linguagem imaginária é composta de partes iguais de latim religioso, marxismo, filosofia francesa e inglês comercial. Essas são as linguagens transnacionais da modernidade que me fizeram. A edição em inglês não é a original – também é uma “tradução” que eu mesmo fiz dessa língua inexistente. Eu queria começar pelo menos com os recursos linguísticos que vários modos de produção sucessivos e sobrepostos infligiram ao mundo por meio da guerra e da colonização. Pensar nessa linguagem e contra ela.

O método de escrita é o que os situacionistas chamavam de desvio (détournement). Uma cópia e uma correção da linguagem encontrada. Assim, a primeira linha: “Um duplo assusta o mundo”, e toda a tese 001 que se segue, copiei e modifiquei da famosa abertura de O Manifesto Comunista. Toda a linguagem é um bem comum (commons), e pode-se fazer o possível para recusar a forma de propriedade e os nomes próprios de seus proprietários como uma prática de escrita. Sempre me diverte que existam livros que se dizem “radicais” em conteúdos que obedecem às convenções literárias mais conservadoras.

Partindo de um desvio das linguagens transnacionais, Um Manifesto Hacker oferece dois tipos de proposições: algumas se referem à situação estratégica das classes subalternas como eu a via 25 anos atrás. Alguns deles precisam de revisão à luz das lutas desde então. O outro tipo de proposição está menos ligado a circunstâncias imediatas. Eles são um pouco mais inoportunos. Vou oferecer algumas reflexões tardias sobre ambos.

Resumidamente, as coisas tomaram um rumo que eu não previ, e que exige uma alternância não só da prática política, mas também da teoria. Georg Lukács disse em seu ensaio sobre o método marxista que mesmo que todas as suas descobertas particulares se mostrassem incorretas na prática, a teoria marxista ortodoxa permaneceria correta. Eu tenho exatamente a visão oposta: apenas aquelas descobertas que se comprovam na prática podem ser consideradas parte do “marxismo”. Ele não tem nenhuma teoria essencial, ortodoxa ou não.

Vinte e cinco anos atrás, parecia uma boa tática liberar informações da forma de propriedade. As forças de produção, neste caso as forças de produção de informação, ultrapassaram as relações de produção existentes. A produção de informação livre surgiu como uma prática a partir da qual se cria uma produção autônoma de conhecimento. De diferentes maneiras, Adorno e Pasolini se refugiaram da pressão progressiva da mercantilização (commodification) em formas culturais e midiáticas residuais, eu fazia parte de um movimento que buscava um espaço de liberdade não-mercantilizada em mídias emergentes e formas técnicas.

Embora tenha escrito grande parte de Um Manifesto Hacker isoladamente, no norte do estado de Nova Iorque, eu não estava sozinha. Fiz parte de uma vanguarda que se reuniu em espaços online para desenvolver teoria e prática dentro dessas formas emergentes de produção de informação. Tentamos fazer uma teoria, uma arte, uma cultura e uma política neste espaço relativamente livre de uma só vez. Isso foi um tempo antes de a internet se tornar um grande negócio. Sua infraestrutura era mantida principalmente por universidades. Descobrimos que era uma maneira relativamente barata e rápida de se organizar transnacionalmente, de conduzir experimentos, de encontrar afinidades.

Todas as vanguardas são, em certo sentido, vanguardas midiáticas, desde o dadaísmo e o surrealismo até o fluxus, a tropicália ou os situacionistas. Eles usaram a mídia de seu tempo, da impressão offset ao cinema, gravação de som, até mesmo o sistema postal, para criar matrizes transnacionais de invenção formal que eram ao mesmo tempo estéticas, políticas e culturais. Vimo-nos continuando essa prática, mas não meramente repetindo-a. Um Manifesto Hacker é uma teoria dessa prática. Como todas as vanguardas, teve suas facções e dissensões. Meu espaço de afinidade dentro dele girava em torno do grupo nettime.org.

O que para nós era uma prática de vanguarda rapidamente, e de forma independente, tornou-se um movimento social: o movimento pela informação livre. À medida que a internet se tornou uma forma de comunicação mais popular, todos começaram a compartilhar. Como diz a tese 126 do livro: “a informação quer ser livre, mas está acorrentada em todos os lugares”. (Uma frase que é um desvio de Rousseau e do teórico utópico da internet John Perry Barlow). Parecia que poderíamos abrir a forma-mercadoria da informação em favor de uma espécie de economia de dádiva (gift) abstrata.

Não era pra ser. Os marxistas autonomistas italianos sustentam que toda “inovação” na forma-mercadoria é impulsionada de baixo para cima, na medida em que tenta resolver um antagonismo de classe subordinada contra a forma-mercadoria por meio de sua recaptura por meio de uma mutação dessa forma. Foi mais ou menos isso que aconteceu. A classe dominante dominante (dominant rulling class), que chamo de classe vetorialista (vectorialist), recuperou a energia do movimento popular pela informação livre transformando-a em trabalho não remunerado.

Na verdade, é ainda pior do que isso. O capitalismo explora nosso trabalho; o vetorialismo explora nosso comunismo. Ele explora nossa necessidade de dar um presente de nossa sociabilidade uns aos outros. A resposta da classe dominante ao movimento social pela informação livre foi a criação de uma forma de propriedade ainda mais abstrata. As relações de produção alcançaram as forças de produção. Este ciclo agora tem uma extensão adicional, pois a chamada “inteligência artificial” é treinada no vasto tesouro de informações livres que criamos para nós mesmos para desenvolver uma técnica que possa substituir a própria classe hacker.

Sob o capitalismo, as forças de produção se desenvolveram reduzindo o trabalho à repetição e mesmice, e então substituindo o trabalhador por uma máquina que reproduzia de forma mecânica essa repetição. O que estava além dessa substituição era o hack, a produção da diferença, a atividade distintiva da classe hacker nas artes e nas ciências. O que a classe vetorialista está tentando agora é a substituição da classe hacker por máquinas capazes de fabricar a diferença. Máquinas que fazem isso mal, mas que do ponto de vista da classe dominante são preferíveis porque não podem entrar em greve.

Em suma, a situação é muito pior do que há um quarto de século. Vencemos algumas batalhas, mas perdemos a guerra. O livro que escrevi logo após Um Manifesto Hacker, “Gamer Theory”, já era uma intuição disso. Trata-se do enclausuramento do hack, ali figurado como jogo, em um espaço de jogo global, totalizante. Onde todas as nossas energias coletivas e criativas são direcionadas para formas que podem ser quantificadas, classificadas e ranqueadas. Lamento dizer, esse foi profético.

Revisei ainda mais a perspectiva política de Um Manifesto Hacker em meu livro posterior, “O Capital Está Morto”. Em meu livro “Raving”, ofereci pelo menos uma teoria e prática de onde podemos nos esconder, podemos encontrar uma relação com a técnica onde podemos pelo menos minimizar a captura de nossas energias hacker e obter algum prazer em formas de trabalho inútil.

Ao contrário de alguns teóricos que eu poderia mencionar, não estou no negócio de oferecer “esperança”. A perspectiva é ruim. Os movimentos populares viveram uma longa série de derrotas históricas. Estamos em retiro na maioria dos lugares. O benefício de estar em retirada é que há menos oportunistas por perto. Em vez disso, os oportunistas se rebatizaram como os “intelectuais” da reação.

As proposições táticas de Um Manifesto Hacker são de seu tempo. Até que ponto as proposições teóricas precisam ser abandonadas ou modificadas não cabe a mim dizer. Ainda acho o livro infinitamente produtivo, pelo menos para meu próprio trabalho e até para minha vida. Olhando para trás, encontro as sementes de todos os meus livros subsequentes. A série de livros que relê e recupera certas práticas marxistas e de vanguarda que se cruzam, por exemplo: “The Beach Beneath the Street”, “The Spectacle of Disintegration” e “Molecular Red”. Ou a série de livros que lêem outras teorias contemporâneas de forma camarada: “General Intellects” e “Sensoria”.

Até encontro uma conexão com os livros que escrevi no processo de me assumir como transexual: “Philosophy for Spiders”, “Reverse Cowgirl”, and “Love and Money, Sex and Death”. Há um conceito de natureza como diferença, natureza como hackeável, que prefigura o hackeamento do meu próprio corpo, a produção da diferença na e como minha própria carne.

Certamente existem conceitos que ainda considero úteis em Um Manifesto Hacker, sendo a natureza como diferença apenas um exemplo. A sua contraposição da expressão à representação, a sua alergia às identidades e aos invólucros. Isso me parece uma crítica antecipada ao ressurgimento do sentimento fascista. Ou a intuição de que a sobrevivência planetária no Antropoceno pode exigir uma superação da subordinação da produção à reprodução da mesmice da forma de propriedade. Que pode de fato haver uma técnica potencial que é mais abstrata do que, e não recuperável dentro da própria propriedade.

O que prezo mais do que a teoria neste livro é a prática, que mais tarde vim a chamar de baixa teoria (low theory). A prática da baixa teoria é a prática de fazer teoria em e com um movimento social, uma vanguarda ou um projeto comunitário de resistência minorizada. A baixa teoria pode recorrer aos recursos da alta teoria, que às vezes se autodenomina filosofia, mas que na maioria das vezes é erudição sobre filosofia. A universidade tem sido um lugar onde poderíamos conseguir empregos, mas os prêmios brilhantes de reconhecimento acadêmico não são o objetivo da baixa teoria. A baixa teoria acontece em uma temporalidade diferente, a das tendências históricas, conjunturas políticas, situações culturais, não a do sistema semestral.

Talvez o melhor sinal de que o livro ainda tem sua utilidade é que eu o considero plagiado com tanta frequência – o que acho divertido quando assume a forma de um desvio (détournement) engenhoso. De qualquer forma, fico feliz em ver que ainda fala a muitos tipos diferentes de leitores, em muitas partes diferentes do mundo. Perdi a conta do número de idiomas em que você pode encontrá-lo. É um livro que foi feito para ser hackeado.

Brooklyn, Nova Iorque, julho de 2023

*McKenzie Wark (New Castle, Austrália) é professora de Mídia e Estudos Culturais na New School for Social Research e Eugene Lang College em Nova York. Seus escritos e projetos políticos se voltam para a análise do neoliberalismo tecnológico, além de escrever sobre os diversos movimentos Situacionistas, mídia tática e movimento anti-globalização. Publicou no Brasil pela Funilaria e sobinfluencia “O capital está morto” e “Um manifesto hacker”. Também é autora de livros como “Molecular Red: Theory for the Anthropocene”, “Reverse Cowgirl”, “50 Years of Recuperation of the Situationist International”, “The Spectacle pf Disintegration” e outros, McKenzie é também DJ e amplamente vivída na cultura da música techno e seus movimentos.

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A Extinção da Internet https://baixacultura.org/2023/11/20/a-extincao-da-internet/ https://baixacultura.org/2023/11/20/a-extincao-da-internet/#comments Tue, 21 Nov 2023 02:10:24 +0000 https://baixacultura.org/?p=15477  

Será que uma outra internet — uma mais próxima à que acreditávamos nos anos 2000, descentralizada, menos vigilante, mais das pessoas do que de empresas e robôs — ainda é possível? “Extinção da Internet”, de Geert Lovink, é um esforço para tentar responder a esta pergunta. Geert convoca os leitores a examinar o status atual da internet para se pensar, criativamente, em alternativas bifurcativas. Para isso, usa memes, cita fóruns da internet, ativistas conhecidos e chama um time de pensadores que estão, quase todos, se debruçando hoje sobre a relação do capitalismo neoliberal com a tecnologia digital. Professor da Universidade de Amsterdam de Ciências Aplicadas, Geert Lovink tem um longo histórico no ativismo midiático e ciberativista europeu. Membro fundador da Nettime (1996), é diretor do Institute of Network Cultures. Escrevi o prefácio e acompanhei o processo de tradução, já que ele faz parte de uma coleção que estamos organizando aqui no BaixaCultura, em parceria com a Editora Funilaria, com livros que buscam politizar o mal-estar que nos acomete hoje sobre os rumos da internet: Âncora do Futuro. Em 2024 vem mais livros! “Extinção da Internet” tem tradução de Dafne Melo, está em pré-venda e será lançado durante a Flipei neste mês de novembro de 2023. Com pequenas variações, segue abaixo o texto publicado como prefácio de “Extinção da Internet”, também republicado impresso no Jornal da Flipei e na Jacobin Brasil.

 

Construindo bifurcações na (história da) internet

Há alguns anos, ativistas, pesquisadores, filósofos e intelectuais comentam que a internet não é mais o que já foi. A esperança de construir um mundo mais justo via rede — com menos discriminação e mais respeito aos outros, com todos sendo também mídia, a partir de uma saudável proliferação de pontos de vista causada pela liberação do polo emissor da informação — tem dado lugar a um pesadelo de desinformação. Realidades paralelas são construídas a partir de informações mentirosas proliferadas em dispositivos acessados por, pelo menos, dois terços da população mundial, turbinadas por uma defesa por vezes absolutista da liberdade de expressão e pela plataformização de nossas vidas online.

A consequência tem sido conhecida: circulação de discursos de ódio e espalhamento de desinformação “como nunca antes na história”; captura ativa de nossa atenção e do nosso olhar, transformados em dados que, coletados em quase todos os lugares da rede, estão a serviço de poucas empresas que lucram cada vez mais oferecendo tudo para o nosso consumo; precarização das relações de trabalho a partir de novas formas de exploração do trabalho digital*, atomizada e globalizada também para tentar dificultar qualquer tipo de reação organizada dos trabalhadores; continuação das relações coloniais, agora a partir de um colonialismo digital (ou de dados), criado a partir de um processo de extração de valor que reproduz e amplia o racismo, incrustando também na técnica os vieses de raça (e gênero), em um fenômeno chamado de racismo algorítmico. Essa exploração também tem levado dados do sul global para o enriquecimento de empresas de tecnologia do norte, especialmente dos Estados Unidos e da Europa, o que também traz consequências para a soberania digital dos países que não constroem uma infraestrutura própria para armazenar e cuidar de suas informações, jogando conhecimento precioso de forma silenciosa em datacenters privados que não sabemos bem como funcionam, como no caso das universidades que adotam nuvens (“Não existe nuvem: é apenas os computadores de outras pessoas” diz o meme) das big techs. E isso é apenas um resumo: poderíamos falar também das consequências ambientais de um modo de vida conectado que demanda muita energia em um planeta cada vez mais quente e colapsado, ou dos efeitos psicológicos que a hiperexposição a telas e informações rasas que abundam nas redes sociais têm sobre o cérebro humano – mas, por hora, você já entendeu o que estou dizendo.

 

Diante de tudo isso, é inevitável pensar que, de fato, a internet deu ruim — ou, pelo menos, não cumpriu nossas expectativas de melhora global e pode estar acelerando os problemas do planeta. O que nos leva a um outro pensamento: o que vamos fazer diante desse colapso? Há alguns anos, muita gente tem diagnosticado esse cenário e tentado apontar caminhos, entre os quais se encontra o autor deste livro. A questão, hoje mais clara do que duas décadas atrás, é muito mais política e econômica do que tecnológica. E quando falamos nestas duas palavras — política e economia —, sabemos que toda e qualquer bifurcação não será fácil nem suave. “É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo”, como disse Mark Fisher, numa frase hoje bastante ouvida e que sintetiza bem a encruzilhada que nos traz o chamado Realismo Capitalista. Será que uma outra internet — uma mais próxima à que acreditávamos nos anos 2000, descentralizada, menos vigilante, mais das pessoas do que de empresas
e robôs — ainda é possível?

É a essa pergunta inquietante que buscamos, nesta coleção, tentar responder. Sem a pretensão de trazer respostas definitivas nem únicas, porque não existem. Mas com a esperança de politizar esse mal-estar que nos acomete para jogar luz a bifurcações possíveis — já existentes ou a serem criadas. Falar bastante do problema é um primeiro passo para tentar resolvê-lo, nos ensina a psicanálise. O livro que você tem em mãos, portanto, é o primeiro desse esforço. Geert Lovink, seu autor, é alguém que faz a crítica da internet tal como ela se tornou há algum tempo; já no final dos anos 1990, a partir do conceito de mídia tática (da qual é o seu principal proponente) e de uma corrente de estudos chamada net-criticism, apontava para os perigos da internet estar diretamente relacionada com a expansão do poder de empresas privadas em sua maioria oriundas de um único país, os Estados Unidos. Em coro com A Ideologia Californiana, , ensaio seminal (publicado em 1995) de Richard Barbrook e Andy Cameron sobre a tecnopolítica da rede, Geert aponta, há mais de 20 anos, também para a necessidade de criação de infraestruturas e redes autônomas, organizadas coletivamente e independentes de grandes empresas, para que não deixássemos o desenvolvimento, o controle e a inovação das tecnologias digitais em rede apenas na mão de um punhado de organizações privadas do Vale do Silício.

Geert Lovink

 

Professor da Universidade de Amsterdam de Ciências Aplicadas, Geert tem um longo histórico no ativismo midiático e ciberativista europeu. Membro fundador da Nettime — um grupo e uma lista de e-mails sobre cultura digital (ou networked cultures), política e tática que, desde 1996 (!), reúne uma série de pesquisadores, professores, teóricos e práticos europeus —, também fundou, em 2004, o Institute of Network Cultures, que trabalha com pesquisas e publicações ligadas a arte digital, cultura da imagem, design e publicação digital a partir de uma perspectiva interdisciplinar e crítica. É autor de livros como Networks Without a Case (2012), Social Media Abyss (2016) e Organization after Social Media (com Ned Rossiter) — todos sem edição brasileira, mas traduzidos para o alemão, espanhol e italiano. Nos últimos anos, Geert tem reforçado sua posição crítica ao que a internet se transformou em livros como Sad by Design (2019) e Stuck on the Platform (2022), nos quais ele analisa o crescimento das plataformas de mídias sociais e a relação do design pela qual foram feitas com a proliferação da desinformação, da circulação de memes tóxicos e discursos de ódio, da fadiga online a partir das telas (explorado durante a pandemia no chamado “zoom bombing”) e da adicção online.

Neste Extinção da Internet, ele segue nessa análise, agora de modo sintético e dialético, trazendo um resumo de suas principais questões atuais sobre essa “ressaca da internet”, como eu mesmo já a chamei em 2018. Provoca sua plateia — o texto parte de uma aula inaugural dada em 18 de novembro de 2022 na Universidade de Amsterdam — a examinar o status atual da internet para se pensar, criativamente, em alternativas de bifurcação. Para isso, usa memes, cita fóruns da internet, menciona ativistas conhecidos e chama um time de pensadores que estão, quase todos, se debruçando sobre a relação do capitalismo neoliberal com a tecnologia digital: há Bernard Stiegler, Franco “Bifo” Berardi, Tiziana Terranova, Donatella Della Ratta, Yuk Hui, mas também outros, como Mark Fisher, Jacques Derrida, Bertold Brecht e Walter Benjamin. De Stiegler, vem uma máxima que também percorre as intenções deste livro: “colocar os automatismos a serviço de uma desautomização negantrópica”. De Benjamin, um convite à uma tarefa de hoje: “escovar a história a contrapelo”. Propor bifurcações é uma forma de lutar contra o imobilismo do “não há nada a fazer”, que a leitura dos primeiros parágrafos dessa introdução pode sugerir. Geert faz, diversas vezes neste livro, perguntas para nos tirar dessa posição exclusivamente niilista e nos chamar à ação. Por exemplo: “Como transformar descontentamento e contra-hegemonia em uma verdadeira transição de poder nesta era da plataforma tardia? O que pode ocupar o vazio em nossos cérebros desfragmentados depois que a internet desocupar a cena? Em que pode consistir a vida depois que nossas mentes frágeis não forem mais atacadas pelos efeitos entorpecentes e deprimentes de descer a barra de rolagem do apocalipse (doomscrolling)?”

Embora fale em colonialismo, a perspectiva de Geert ainda é a europeia branca. Nesse caso, sua visão nos ajuda a entender os problemas do ocidente em que a internet foi concebida, capturando um zeitgeist de quem — com menos problemas de conexão, mais produção de tecnologias digitais e a caminho (neste 2023) de uma regulação razoável das plataformas — ainda se pergunta o que pode ser feito para reinventar a internet. Nos próximos volumes da coleção, trataremos perspectivas sobre as bifurcações possíveis a partir de pontos de vista do sul global. Acreditamos que nossa região, ainda com todos os problemas de acesso, regulação possível e desigualdade generalizada, tem o potencial real de alternativas novas ao incorporar e incubar soluções desde abajo, baseadas na inventividade gambiarrística de quem cria porque entende melhor que não há outro caminho para (sobre)viver.

[Leonardo Foletto]

*: Que tem dado origem a outras denominações e hipóteses sobre o sistema econômico político hoje. Cito aqui duas delas: 1) “tecno-feudalismo”, que afirma que o capitalismo industrial, enquanto um modo de produção progressivo e gerador de crescimento econômico, foi já substituído por um capitalismo rentista, depredador, que deve ser agora chamado de tecno-feudalismo, termo popularizado especialmente a partir de Cédric Durand em Technoféodalisme: Critique de l’économie numérique (2020); e 2) “o capital está morto”, como defende McKenzie Wark no livro homônimo, que anuncia o que seria um novo modo de produção, não mais capitalista, mas pior, que não baseia mais seu poder na propriedade privada dos meios de produção, mas sim no controle do “vetor de informação”, formado por aquelas tecnologias que não apenas coletam grandes quantidades de dados, mas também os ordenam, gerenciam e processam para extrair seu valor.

 

 

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Biblioteca do comum https://baixacultura.org/2017/06/08/biblioteca-do-comum/ https://baixacultura.org/2017/06/08/biblioteca-do-comum/#respond Thu, 08 Jun 2017 19:35:10 +0000 https://baixacultura.org/?p=10958 bcomum divulga

Lançamos no início deste mês, a Biblioteca do Comum é uma biblioteca digital e de livre acesso sobre um conjunto de temas emergentes que apontam para novos paradigmas sociais, mais participativos, ecológicos e organizados de baixo para cima. Desenvolvida na plataforma livre Omeka, ela pode reunir materiais de diferentes formato de texto, áudio e vídeo como livros, revistas, fanzines, artigos, teses e dissertações, entrevistas, quadrinhos e filmes relacionados a Agricultura Urbana, Arte e Tecnologia, Bens Comuns, Ciência Cidadã, Cultura Livre, Economia Colaborativa, Educação Expandida, Participação Digital, Tecnologias Sociais, entre outros afins.

Ela nasce da fusão das bibliotecas do Instituto Intersaber e do Baixa Cultura com o objetivo de se constituir como um grande bem comum de conhecimentos para inspirar e fomentar a consciência pública para mudanças sociais e construção de novas institucionalidades, assim como praticar uma experiência de gestão coletiva de recursos compartilhados. Para tanto, ela mantém um chamamento permanente para organizações e pessoas que compartilham da generosidade intelectual e da defesa do livre acesso ao conhecimento a se juntarem com suas bibliotecas e materiais correspondentes a este escopo temático.

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Bens Comuns de Conhecimento

Uma importante particularidade dos bens comuns de conhecimento é a de serem abundantes, isto é, nunca se esgotam pela quantidade de seu uso, mas, pelo contrário, podem ainda se multiplicar. Diferente dos bens comuns naturais que são escassos e necessitam de maior controle no seu uso para que não venham a faltar a quem deles extraia seu sustento. Se o material compartilhado é um arquivo digital, muitas pessoas podem acessá-lo, visualizá-lo e copiá-lo simultaneamente sem degrada-lo ou privar outros de fazer o mesmo. A Wikipédia é a maior realização nesse sentido e um produto da Internet. Por isso, defendemos o livre acesso ao conhecimento quando este trata de questões de interesse coletivo como o é o caso do conhecimento científico. O cercamento e bloqueio do acesso a esse bem comum por meio da propriedade intelectual cria uma escassez artificial que visa o oligopólio da capacidade de inovação àqueles que podem pagar.

Este oligopólio do conhecimento impõe pesadas sanções jurídicas para quem desafia seus propósitos como as que levou a morte o ativista do livre acesso ao conhecimento Aaron Swartz, autor do manifesto Guerrilla Open Access, após ele abrir na rede o acervo fechado da JSTOR, o maior sistema online de arquivamento de periódicos acadêmicos. Também não podemos esquecer o blog Livros de Humanas que compartilhava gratuitamente milhares de edições brasileiras de importantes livros de literatura, filosofia e ciências humanas e foi fechado em 2012 após ação movida pela ABDR – Associação Brasileira de Direitos Reprográficos.

Mas longe de conter tais iniciativas, estas censuras acabam por estimular a criação de novas experiências mais ousadas como é o caso da Sci-Hub e Library Genesis. Além disso, cresce mundialmente o movimento Open Access, reunindo inúmeros cientistas, pesquisadores, entidades e seus projetos de democratização do conhecimento. O conceito de Recursos Educacionais Abertos (REA) impulsionado pela UNESCO também faz parte desse movimento global. Importante também ressaltar como referência para nossa iniciativa a Digital Library Of the Commons, a maior biblioteca digital sobre bens comuns, criada ao longo de muitos anos por Elinor Ostrom e seu marido Vincent Ostrom em seu departamento de pesquisas na Universidade de Indiana.

A proposta da Biblioteca do Comum se insere no campo dessas iniciativas que visam remover essas barreiras de acesso para aprofundar uma comunidade de conhecimentos transdisciplinar, baseada numa interconectividade global sem hierarquias. Acreditamos que ela pode ser um meio fundamental para a resolução dos problemas de diversas matizes que consternam as sociedades e o planeta.

Diversidade de Pensamentos e Intercâmbios

Os conteúdos da Biblioteca do Comum concentram-se especialmente à uma produção iberoamericana, mas não exclusivamente. Com isso, visa possibilitar intercâmbios de trabalhos com distintas abordagens e enfoques sobre um mesmo assunto, conforme os variados contextos nacionais e culturais ou de grupos de pesquisa.

Ao mostrar as diferentes abordagens sobre estes assuntos em diferentes países, a partir dos contextos específicos existentes em cada um, queremos destacar que saberes e conhecimentos não são homogêneos e tampouco neutros e sublinhar as reciprocidades entre as preocupações teóricas e práticas dos cientistas e agentes sociais e suas condições de existência social.

Diferentes interpretações da realidade e dos fenômenos podem provir de uma multiplicidade de formas e se nutrirem de diferentes fontes. Há o conhecimento da ciência, da arte e da religião, todas elas subdivididas em muitos tipos como são as disciplinas científicas, as linguagens e movimento artísticos, e as crenças religiosas, cada uma com perspectivas e enfoques próprios. Além disso, se considerarmos que os saberes e conhecimentos partem da experiência, enquanto reconstrução mental dos estímulos que recebemos do mundo exterior, então reconhecemos que também são estruturados pelas condições locais, culturais, tecnológicas, de classe, de gênero, de época e mesmo subjetivas de indivíduos únicos que tem uma experiência única no mundo. Tudo isso forma uma pluralidade de camadas de saberes e conhecimentos que podem ser complementares ou antagônicas, que se ajustam reciprocamente, entram em conflitos e disputam hegemonia. Um tal entendimento deve servir para manter um pensamento crítico e ao mesmo tempo uma consciência ampliada da realidade.

Por meio da Biblioteca do Comum, alguém que tenha interesse ou esteja pesquisando sobre agricultura urbana ou economia colaborativa, por exemplo, pode encontrar o que se produz em diferentes países, sobretudo iberoamericanos, e por diferentes grupos de pesquisa. E, assim, conhecer as várias possibilidades de abordagens e tendências.

omeka

Plataforma e Licenças Livres

A Biblioteca do Comum utiliza a plataforma de código aberto Omeka, destinada ao desenvolvimento de bibliotecas virtuais, que funciona analogamente a um blog, dispõe de uma variedade de interfaces e pode ser facilmente manuseada.

Nossa plataforma utiliza o tema Avantgarde, que foi customizado pelo Instituto Intersaber. Adotamos como licença deste trabalho sobre a plataforma a Peer Production License, um tipo de licença Copyfair em que apenas comunitários, cooperativas e organizações sem-fins lucrativos podem compartilhar e reutilizar, não entidades comerciais com intenção de lucro.

Os materiais disponíveis podem apresentar diferentes licenças abertas. Desde o domínio público, totalmente livre, ou uma variedade de outras como as combinações entre permissões e restrições das licenças Creative Commons, entre tantas licenças existentes.

biblioteca digital e de livre acesso, organizada de forma coletiva. Ela está voltada para um conjunto de temas em torno do “comum” hoje: cultura livre, participação digital, agricultura urbana, ciência cidadã, bens comuns, educação expandida, tecnologias sociais.

(e aguarde que nas próximas semanas o BaixaCultura tem mais outras novidades!)

 

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Ciberativismo e cultura livre https://baixacultura.org/2015/05/24/ciberativismo-e-cultura-livre/ https://baixacultura.org/2015/05/24/ciberativismo-e-cultura-livre/#respond Sun, 24 May 2015 19:38:50 +0000 https://baixacultura.org/?p=10196 Recentemente, compilei (eu, Leonardo) muitos dos assuntos (e textos) daqui do BaixaCultura para uma disciplina de “Ciberativismo e cultura livre” na Unisinos, na especialização em Cultura Digital e Redes Sociais. Aproveito o embalo pra também disponibilizar todo o material aqui. São as apresentações utilizadas como guia para as discussões na aula, com muitas referências e vídeos, a bibliografia referenciada e alguns links complementares.

Como diria não sei quem, dar aulas é uma das melhores formas de aprender (e estudar).

Ciberativismo e cultura livre
0. Afinal, o que passa?
1. de onde vem tudo isso?

Ciberativismo e cultura livre
2. Quem são eles?

Cultura livre e copyleft
Direito autoral, copyright, copyleft, cultura livre, remix, software livre.

 Ciberativismo e Cultura livre – Segurança na rede
3. No futuro todos teremos 15 minutos de privacidade

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BIBLIOGRAFIA

ASSANGE, Julian (et al.) Cyperphunks: liberdade e o futuro da internet. Trad. Cristina Yamagami. São paulo; Boitempo, 2013.

BENKLER, Yochai. The penguin and the Leviathan: the triumph of cooperation over self-interest. New York; Crown Business, 2011.

BELISÁRIO, A; TARIN, B (Org.). Copyfight: Pirataria & Cultura Livre. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2012. Disponível em: https://baixacultura.org/biblioteca/3-livros/copyfight/

COLEMAN, Gabriela. Coding freedom: the ethics and aesthetics of hacking. Woodstock: Princeton University Press, 2013. Disponível em: http://gabriellacoleman.org/Coleman-Coding-Freedom.pdf

CURTIS, Adam. All Watched Over By Machines Of Loving Grace. BBC; 2011. Parte II: https://vimeo.com/125842843

FCFORUM. Cultura libre digital. Nociones básicas para defender lo que es de todxs. Barcelona; Icaria Editorial, 2012. Disponível em: http://www.icariaeditorial.com/pdf_libros/cultura%20libre.pdf

GARCÍA GAGO, Santiago (org.) 10 Mitos sobre la cultura libre y el acceso abierto al conocimiento. Guatemala; Radialistas.net, 2014. Disponível em: http://radioslibres.net/media/uploads/documentos/guia_4-cultura_libre_hivos.pdf

LESSIG, Lawrence. Cultura livre: Como a grande mídia usa a tecnologia e a lei para bloquear a cultura e controlar a criatividade. São Paulo, Editora Trama Universitário, 2005. Disponível em: https://baixacultura.org/biblioteca/3-livros/3-2-cultura-livre-lawrence-lessig/

HIMANEN, Pekka. La ética del hacker y el espírito de la era de la información. Traducción de Ferran Meler Ortí. Barcelona: Destino, 2002.Disponível em: http://eprints.rclis.org/12851/1/pekka.pdf

MALINI, Fábio. ANTOUN, Henrique. A internet e a rua: ciberativismo e mobilização nas redes sociais. Porto Alegre; Sulina, 2013. Disponível em: http://bookzz.org/g/F%C3%83%C6%92%C3%82%C2%A1bio%20Malini

VVAA. Copyleft: manual de uso. Madrid; Traficante de Sueños, 2006. Disónível em: https://baixacultura.org/biblioteca/3-livros/copyleft-manual-de-uso/

COHN, Sérgio. SAVAZONI, Rodrigo (org.). Cultura Digital.br. Rio de Janeiro; Azougue, 2009. Disponível em: https://baixacultura.org/biblioteca/3-livros/3-1-culturadigital-br/

SILVEIRA, Sergio Amadeu da. Ciberativismo, cultura hacker e o individualismo colaborativo. In: Revista da Universidade de São Paulo. Dossiê Cibercultura. (p.14 – 27) Jun./jul./ago. 2010.Disponível em: http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/13811/15629

TASCÓN, Mario; QUINTANA, Yolanda. Ciberactivismo: las nuevas revoluciones de las multitudes conectadas. Madrid; Catarata, 2012.

SITES

O que é software livre? http://br-linux.org/faq-softwarelivre/

Tem boi na linha: guia prático de combate a vigilância na internet: https://temboinalinha.org/

http://actantes.org.br – coletivo antivigilância e pela liberdade na rede

 [Leonardo Foletto]

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Turismo industrial e o consumo de lugares exóticos https://baixacultura.org/2015/01/08/turismo-industrial-e-o-consumo-de-lugares-exoticos/ https://baixacultura.org/2015/01/08/turismo-industrial-e-o-consumo-de-lugares-exoticos/#respond Thu, 08 Jan 2015 20:44:16 +0000 https://baixacultura.org/?p=10058 turismo baixa2

Uma das publicações interessantes que tivemos acesso no nosso breve tour espanhol em novembro de 2014 foi o MALPAÍS, um auto-intitulado “fanzine de crítica lugareña“. É produzido por um coletivo que faz a crítica do lugar desde o lugar; “al fin e al cabo, habitamos en lugares que, aquí y ahora, hemos de pensar y defender”, se lê já no início do “Sermón de presentación”.

A publicação, muito bem produzida graficamente, traz textos com a perspectiva de discutir as questões relativas ao lugar, em especial o espanhol, com textos que abordam desde a gentrificação do bairro de Lavapiés, região central de Madrid, a morte da rua como espaço cultural em algumas regiões espanholas, passando por relatos de defesas do espaço urbano comunitário contra aqueles que querem tornar a rua um Shopping Center “limpo”, “bonito” e consumista.

Um dos textos mais interessantes do zine é o que dá título a esse post: Turismo Industrial y consumo de lugares exóticos. Ali se apresenta uma breve introdução de como a ideia do consumo de lugares exóticos foi sendo construída como uma “saída” para aqueles presos numa rotina puxada de trabalho 8-18h. Uma “saída” entre aspas mesmo porque não é bem assim; o turismo se mostra como a “liberdade dos empregados de levar capital de um mercado a outro; a polinização do dinheiro”, como está no poemário Mañana sin amo, de Juako Escaso, que abre o texto.

O primeiro parágrafo explica ainda melhor:

“Viajar se ha convertido en esa mezcla bastarda de necesidad, derecho y premio que nos promete “cargar las pilas” y “desconectar” de la sofocante cotidianidad. Detrás de los anuncios de viajes asoma siempre la idea de que nuestro día a día es algo que bien merece una “escapada”, en una muestra de que el capitalismo es capaz incluso de rentabilizar la consciencia de que el mundo que ha creado es dificilmente suportable. Basta con ser ciudadanos documentados y trabajadores para ocupar una plaza en alguna de las lanzaderas del transporte moderno y aterrizar de forma rápida y confortable en cualquier oasis lejos de donde vivimos y trabajamos. Allí correrá el aire. Podremos, por fín, degustar cierta liberdad individual y disfrutar de um sinfín de comodidades y cosas bonitas. Un afuera en el cual alimentar nuestro espirito y gozar de experiencias intensas, olvidando inocentemente nuestras obligaciones. Con la sola condición, eso sí, de que el al cierre de este higiénico paréntesis volvamos más frescos a la tensión del trabajo, a las responsabilidades de la máquina de la que formemos parte”.

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A crítica aqui se dá em relação ao turismo de massas, em especial aquele que vende o exótico como o mais atrativo. Aquele tipo de turismo que, por exemplo, leva hordas de pessoas para conhecer  o sarcófago recém descoberto na beira do Rio Nilo no Egito. Praquela praia tranquila de natureza “intocada” no meio do Caribe, ou pra uma cidade litorânea com muita festa, cerveja e águas calmas. Lugares cujos habitantes jamais poderão devolver a visita aos turistas, a não ser que façam isso como força de trabalho imigrante.

Uma consequência da venda dos lugares exóticos em grande escala é aquela sensação de não ser estranho saber tudo sobre os povos exóticos da Malásia mas nada sobre o seu próprio bairro. De conhecer toda a Europa, das paradisíacas Ilhas Gregas ao frio da Lapônia, sem nunca ter caminhado pelo sua própria vizinhança. Ou andar de metrô em Paris e achar lindo, mas protestar contra a construção de uma nova estação em seu próprio bairro porque vai trazer “gente diferenciada“, para ficar no caso já folclórico dos habitantes de Higienópolis, em São Paulo.

Uma explicação para os excessos do turismo industrial e dos lugares exóticos que ele vende é a tal busca “para encontrar consigo mesmo”. Gente perdida buscando algo que esteja vivo. Como diz no texto,

La industria del turismo está siempre disponible para ayudar a sus clientes a buscar o construir su propia identidad, o incluso a sentirse más humanos. Se diría que salir de ese hostal y observar a gentes que de alguna forma tratan de conservar su cultura y modo de vida, ayuda al turista en esa “búsqueda parasitaria de las cosas perdidas”.

O que seriam estas coisas perdidas? O texto defende que, em especial na venda de lugares exóticos, seriam coisas “simples”, guiadas por uma nostalgia ancestral de uma vida sem tantas preocupações, em contato com a natureza e com uma cultura diferente (“de raiz”) que ainda não foi destruída pela homogeneização ocidental e pelo triunfo da mercadoria. Uma praia deserta que só habitam pescadores artesanais, uma comunidade de agricultores no meio das montanhas do Nepal. Mais uma vez, o paradoxo: o turismo industrial e o comércio massivo de lugares exóticos vende como “paraíso” justamente aquele lugar que supostamente estaria “fora” do sistema capitalista que o gerou. Como se o “sistema” dissesse você merece uma escapada dessa vida exaustiva, vá descansar num paraíso livre dos meus problemas – mas venha comigo que te mostro o melhor hotel, com o mais informado guia nativo, e ainda te dou um desconto e parcelo em 10x no cartão”.

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Vindo de um zine que faz a crítica do lugar desde o lugar, é natural que o aspecto de fortalecer a vida comunitária em seu próprio bairro ganhe força, em especial quando colocada em oposição aos lugares vendidos como exóticos. Um dos adesivos que vem encartado no Malpaís reforça essa tomada de lado na discussão: “Apoya las mercearías de tu barrio“, escrito ao lado de dois bonecos encapuzados só com os olhos de fora.

A crítica central do texto se dá não na dicotomia “turistas X viajantes”, que é considerado uma “armadilha” improdutiva. Se dá, sim, numa defesa da ideia de viagem sem os excessos do turismo industrial, que mercantiliza uma experiência e a transforma em um “troféu”, um produto para o turista depois exibir em sua casa ou rede social para os amigos através de fotos (quase) infinitas – mesmo que para isso tenha de reforçar estereótipos, forçar experiências, padronizar os lugares e criar monopólios econômicos de exploração destes.

Como é apontado no final do texto, o turismo industrial de lugares exóticos tem sido um dos últimos movimentos de conquista e consumo do outro por parte do sistema. Com o objetivo de fazer dinheiro, esta indústria produz espaços, significados e experiências a ponto de fazê-los perderem personalidade e singularidade, quando não desaparecerem. Desta forma, passam a ser substituídos por qualquer outro, como um produto qualquer, tudo o que um lugar está longe de ser. Caberia perguntar se em alguns anos haverá lugares suficientes para o turismo mercantilizar.

[Dá pra ver e baixar o fanzine em PDF na nossa Biblioteca. Se você tiver na Espanha, procure comprar a versão impressa nestes lugares.]

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+ realidades do que canal de tv https://baixacultura.org/2014/12/09/realidades-do-que-canal-de-tv/ https://baixacultura.org/2014/12/09/realidades-do-que-canal-de-tv/#respond Tue, 09 Dec 2014 18:54:27 +0000 https://baixacultura.org/?p=10046 capa

“existem + realidades q canais de tv, ouvi certa vez d1 pajé, e c/ isso na mente atravessei espaços, costurei os lances toques receitas notas relatórios projetos de lei sinais de fumaça testes caseiros truques e pixações deste relato, frutos coloridos da imaginação ao ar livre, experiências no espaço sideral interior ou no peito aberto das ruas, e as pernas sempre ventiladas da perambulação vagabunda por aí”.

As aventuras de cavalo dada em + realidades q canais de tv”, livro do amigo Reuben, que lá no longínquo setembro de 2008 esteve a frente da ideia que pôs em pé este blog, está disponível online no ISSUU. Também dá pra comprar a versão impressa no site da Pitomba, selo que lançou o trabalho, por R$20.

Reuben, vulgo Cavalo Dada, tem uma obra poética bem diversa de estilos, temáticas e performances. Zines, lambe-lambes, poemas, pixos transmídia, música, vocalizações, cantos fazem parte do material do maranhense de São Luís.

Sobre o que trata a obra? Vai lá conferir e depois diz aí o que achou. Umas imagens (fotos da Sheila Uberti) de aperitivo antes do livro embedado mais abaixo. Ele vai ficar também na nossa biblioteca.

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Sobre direito autoral, cultura hacker e um leitor goiano https://baixacultura.org/2014/07/18/sobre-direito-autoral-cultura-hacker-e-um-leitor-goiano/ https://baixacultura.org/2014/07/18/sobre-direito-autoral-cultura-hacker-e-um-leitor-goiano/#respond Fri, 18 Jul 2014 19:02:33 +0000 https://baixacultura.org/?p=9917 life computer

É sempre com muita gratidão que este site recebe uma contribuição linda de um leitor. No caso, o leitor é Rafael Pinto, recém advogado formado pela PUC de Goiás, que, influenciado por este contexto disperso de mudanças que esta página tenta retratar, fez uma monografia sobre a questão do direito autoral em tempos de cultura digital.

O trabalho do rapaz tá bonito, sem o juridiquês comum da área, e levanta com precisão um histórico necessário para entender a cultura livre de hoje: contracultura, aldeia global, cultura hacker, cibercultura, software livre, copyleft, crowdfunding, os commons, movimentos antiglobalização, ciberativismo e – ufa! – Wikileaks.

Pedimos para Rafael fazer uma breve apresentação de sua monografia, e cá está o texto, com o trabalho de conclusão ao fim – e desde hoje, também na nossa Biblioteca. Qualquer comentário, elogios ou críticas ou consultas jurídicas com o novo advogado, escrevam pra ele aqui: rafaelpinto.adv@gmail.com

E fica o lembrete: quem tiver algum trabalho acadêmico nessa vasta área que cobrimos e quiser nos enviar, envie! Publicamos e agradecemos.

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Nos períodos iniciais de minha graduação em Direito, eu frequentemente nutria intenções de escrever monografia que delatasse a inutilidade das normas jurídica, propondo métodos extra-normativos para a “pacificação” social. No entanto, em meados de 2012, a efervescência de uma questão mais moderna e urgente chamou minha atenção de forma irresistível. 

A liberdade da internet, ferramenta que me permitira e permite vislumbrar horizontes além daqueles do meu contexto, de repente se encontrava ameaçada. A ofensiva da indústria do entretenimento deixava óbvio seu poder de lobby, enquanto processos judiciais e projetos de lei alimentavam perigosamente um monstrengo jurídico-capitalista: a propriedade intelectual.

O Baixa Cultura foi a primeira fonte de informações a me colocar em contato com a teorização da cibercultura. Foi neste momento em que percebi a amplitude de um tema que remonta à antiquada contracultura hippie, mas que se materializa em iniciativas muitíssimo recentes – como o copyleft, o creative commons, a cultura maker, o crowdfunding, o ciberativismo etc.

Minhas pesquisas buscaram formar uma visão transdisciplinar da Era da Informação, partindo da premissa de que o Direito é expressão cultural de um povo, em uma certa época e local. Somente assim se fez possível alcançar o objetivo-fim do trabalho: demonstrar a incompatibilidade da propriedade intelectual com a recente sociedade em rede.

O primeiro capítulo estuda as raízes da cibercultura, fincadas no movimento hacker e contracultural dos anos 60. O segundo capítulo busca teorizar a cultura da Era da Informação em seus aspectos social, político e econômico. O terceiro capítulo identifica as mais relevantes novidades deste momento, verdadeiras expressões de sua identidade. Por fim, o quarto capítulo estuda o Direito Autoral e sua conflituosa relação com a sociedade corrente.

Espero a compreensão do leitor para com possíveis erros, já que o trabalho foi produzido entre diversas ocupações, enquanto terminava minha graduação, atuava como estagiário no Ministério Público Estadual de Goiás e estudava para o exame da OAB. É com prazer que devolvo esta monografia à galáxia informacional e, principalmente, à biblioteca deste site, sem a qual esta tarefa teria sido mais árdua e menos interessante.

[Rafael Pinto]

Imagem: The Homebrew Computer Club – Life/Google

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Luther Blisset e a guerra antimidiática contra o biopoder https://baixacultura.org/2014/02/07/luther-blisset-e-as-taticas-antimidiaticas-contra-o-biopoder/ https://baixacultura.org/2014/02/07/luther-blisset-e-as-taticas-antimidiaticas-contra-o-biopoder/#respond Fri, 07 Feb 2014 11:56:30 +0000 https://baixacultura.org/?p=9802 Luther_Blissett

A monografia de Dairan Paul “O guerrilheiro Luther Blisset: criação de táticas antimidiáticas contra o biopoder”, é um primor de análise: relaciona Foucault, Hardt & Negri, Michel de Certeau, neoísmo/mail art com o contexto histórico dos centros sociais italianos e até as teorias do jornalismo para falar dos trotes (as “pranks”) que Luther Blisset fez na mídia italiana do início dos anos 1990. É o trabalho final do aluno no curso de jornalismo da UFSM, banca realizada em dezembro de 2013 que o editor desta página e quem cá escreve hoje, Leonardo Foletto, participou.

LB, talvez a identidade coletiva mais conhecida desde então, chegou a enganar os jornais italianos durante um ano, plantando notícias, provas e cartas falsas e escancarando a fragilidade do jornalismo preguiçoso que se quer mediador da “realidade”. Foi um caso exemplar de mídia tática, que Dairan traz para seu trabalho com farta documentação histórica (muita delas traduzidas diretamente do original em italiano, com ajuda da orientadora Aline Dalmolin) num texto preciso – e que muito tem a dizer também sobre táticas parecidas utilizadas hoje, num mundo hiperconectado de redes sociais.

Algum tempo depois que participei da banca, escrevi um post no Facebook falando isso tudo acima e dando os parabéns ao novo jornalista formado na UFSM. Senti um interesse enorme de amigos e conhecidos pelo trabalho – afinal Luther Blisset vive!  – e convidei Dairan para escrever um relato sobre a feitura de seu TCC. É esse texto que vocês vão ler logo abaixo, seguido da sua monografia, “O guerrilheiro Luther Blisset: Táticas antimidiáticas contra o biopoder“, que está disponível desde hoje na nossa biblioteca.

lutherblissetproject

O primeiro contato que tive com o nome Luther Blissett ocorreu através de uma música. A banda só poderia ser underground, é claro, para citar um tema obscuro confinado em uma Itália da década de 1990. Mas, quando comecei a ler sobre Blissett, entendi que aquele fenômeno ainda fazia muito sentido nos dias de hoje – e daí até adquirir o Guerrilha Psíquica foi um pulo. O problema é que esse livro (assinado pelo próprio L. B. e lançado no Brasil pela Conrad na ótima Coleção Baderna) acabou sendo a minha “bíblia blissetiana” durante um bom tempo, já que há poucos trabalhos sobre L. B. no Brasil – e Guerrilha não se trata exatamente de um estudo científico, mas de relatos das ações e dos propósitos de Blissett.

Durante o estado da arte dessa monografia, pude constatar que o meu objeto de pesquisa é muito mais citado do que estudado, servindo como exemplo para trabalhos que versam sobre direitos autorais, ativismo, cultura wiki, etc. O seu aspecto que mais chamou minha atenção – a disseminação de notícias falsas que enganaram diversos jornais italianos – não era debatido. Quando o tema estava posto em algum trabalho, continha basicamente citações do Guerrilha Psíquica contando as narrativas fantásticas criadas pelo Blissett – de prostitutas soropositivas que furavam a camisinha de seus clientes até rituais de missa negra que incluíam estupro; prato cheio para o sensacionalismo dos tabloides locais. Nada de novo para quem já tinha lido a única publicação em português de L. B.

Foi delineando esse aspecto do fenômeno Luther Blissett que resolvi, então, analisar quais eram as táticas antimidiáticas utilizadas para impregnar as notícias falsas dentro dos jornais da época. O artigo de Marco Deseriis sobre L. B. (um dos poucos estudos que tratam exclusivamente dele) foi de suma importância para a pesquisa. A partir do autor, pude compreender Blissett como uma resistência biopolítica frente ao biopoder midiático – a criação de narrativas falsas sobre ritos satânicos como forma de desvelar a cruzada moral realizada pela mídia que acusava, por exemplo, diversos satanistas da época de pedófilos (a exemplo do caso Marco Dimitri, que fora inocentado posteriormente). Blissett também representa a figura do comum, remetendo aos estudos de Michael Hardt e Antonio Negri. Uma produção comum de caráter imensurável (dado que o contexto que situo Blissett é o do trabalho imaterial, onde a produção reside nas relações sociais e, portanto, torna-se difícil de ser quantificada) e excessivo (pois Blissett é formado justamente por esses trabalhadores imateriais, que utilizam da criatividade para se voltar contra o biopoder, na força-cérebro que o espetáculo não consegue capturar).

Uma vez que defini Blissett como resistência, o segundo movimento teórico do trabalho foi assimilar o fenômeno como uma mídia tática, em oposição à mídia alternativa. Esses conceitos ainda são discutidos dentro do meio acadêmico, sem uma definição exata – o que, de certa forma, é proposital. A dissertação de Henrique Mazetti foi um achado, justamente por discorrer sobre essas duas formas de correntes críticas a partir de quatro dimensões: espaço-temporal (remetendo a Certeau), política, midiática e discursiva. O que concluí analisando as táticas de Blissett é que elas somente ocorrem a partir da própria mídia, pois não possuem um lugar de fala próprio (como é o caso da mídia alternativa). Ao prezar pelas experimentações, a tática ridiculariza seu inimigo e a si mesma; ela não precisa se embasar por argumentos racionais e se autolegitimar. Daí uma série de brincadeiras feitas por L. B. onde a risada é a sua principal arma, e rir da mídia parece ser seu intuito. Isso, é claro, não despolitiza as ações de Blissett. Entendo que elas são tanto culturais como políticas, e que as duas esferas são indissociáveis – portanto, sua caracterização como uma resistência híbrida, que toma para si tanto aspectos de vanguardas artísticas (a utilização de um nome múltiplo a partir do Neoísmo e da mail art) como o referencial neomarxista de Negri, para constituir uma resistência biopolítica a partir da criatividade e da cooperação imaterial.

Este trabalho, obviamente, não se pretende uma bíblia blissettiana, mas busca colocar em pauta dentro da academia um tema que (surpreendentemente) pouco aparece nos estudos sobre cibercultura. Mesmo que se constitua por um objeto de duas décadas atrás, a figura de Blissett pode ser entendida como um embrião do aconteceu em Seattle, no ano de 1999, ou mesmo nos protestos do Brasil, mais recentemente. E, se ainda quisermos regionalizar mais a existência de L. B., recentemente uma notícia postada por Zero Hora retrata a farsa da construtora Luther Blissett que resolveu construir um parque em meio à Redenção, em Porto Alegre. Em algum lugar, de algum modo, Blissett parece ainda existir – inclusive escrevendo monografias sobre si mesmo.

[Dairan Paul]

Imagens: http://www.inenart.eu/
 
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Não é difícil imaginar um mundo sem copyright https://baixacultura.org/2012/09/21/nao-e-dificil-imaginar-um-mundo-sem-copyright/ https://baixacultura.org/2012/09/21/nao-e-dificil-imaginar-um-mundo-sem-copyright/#respond Fri, 21 Sep 2012 18:07:10 +0000 https://baixacultura.org/?p=9318  

Falamos constantemente aqui de como a lei de direitos autorais tem que ser reformulada (no mínimo) para se adequar aos novos tempos e como o copyleft pode ser um provocador dessa mudança. Para alguns, pode parecer uma fala utópica, uma inocência em querer “mudar o mundo”. Que pareça.

Mas saiba que existe uma base profunda de realidade em imaginar um mundo sem copyright. Joost Smiers, autor do excelente “Artes sob Pressão” e professor de Ciências Políticas das Artes na Utrecht School of the Arts, Holanda, imaginou exatamente isso num texto de 2006 chamado “Imagine um Mundo sem copyright”, escrito em parceria com Marieke van Schijndel.

Nesse texto, antes de falar de  alternativa ao copyright, ele elenca várias ideias que permeiam, ou contextualizam, a caduqeuice do copyright hoje. A começar pelo conceito de originalidade: segundo ele, “Em nenhuma outra cultura no mundo, a não ser na ocidental contemporânea, uma pessoa pode se intitular como proprietária de uma melodia, imagem ou palavra”. Existem milhares de trabalhos artísticos – seja uma novela, uma música ou um filme estrelando Arnold Schwarzenegger – que tem a maior parte de seu conteúdo oriundo do trabalho de outros e do domínio público.

Na sequência, se perguntam:  “O que pode substituir o copyright?” Não há uma resposta, mas várias, de acordo com cada um. É um risco pro artista ter que ir ao “mercado” por conta, sem intermediários – mas é de riscos que vivem quem faz arte, não?

Os benefícios, garantem Smiers e Marieke, são grandes. “Os monopolistas culturais querem desesperadamente que nós acreditemos que sem o copyright, nós não teríamos criações artísticas e entretenimento. Isso não faz sentido. Nós teríamos mais, e bem diversificada“. Um mundo sem copyright ofereceria a garantia de boas rendas para muitos artistas, e protegeria o domínio público do conhecimento e da criatividade. Não é?

Copyright will protect you from the pirates and make you a fortune?

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A dupla lançou, em 2009, um livro que trata justamente do assunto: “Imagine there is no copyright and no cultural conglomorates too“. Só no 1º capítulo da obra são trabalhados diversos argumentos contra o copyright que são tiros certeiros nas indústria cultural que não quer entender o contexto novo com a rede. Alguns dos tiros são contra a “originalidade absoluta”, salientando a perca de tempo em investir contra a pirataria e a questionar o real sentido do copyright em “incentivar” os autores a criarem.

Em português, o livro virou Imagine um Mundo sem direitos de autor nem monopólios“, que está disponível em português, em tradução de Helena Barradas, João Pedro Bénard, Lena Bragança Gil, Manuela Torres,Miguel Castro Caldas (por proposta de Eduarda Dionísio). Abaixo, vamos publicar uma parte da introdução do livro, pra vocês ficarem com ainda mais interesse em ler o livro na íntegra, que pode ser acessado aqui, na nossa Biblioteca e, sim, vale e muito uma leitura atenta – até porque não chega a 100 páginas.

Introdução – Imagine um Mundo sem direitos de autor nem monopólios

Joost Smiers e Marieke van Schijndel

O copyright (direito de autor) dá aos autores o  controlo exclusivo da utilização de um número crescente de formas de expressão artística. Muitas vezes, não são os autores que detêm esses direitos, mas sim empresas culturais gigantescas. Gerem não só a produção, mas também a distribuição e a comercialização de um grande número de filmes, música, peças de teatro livros, telenovelas, artes visuais e design. O que lhes confere imensos poderes para decidir aquilo que vemos, ouvimos ou lemos, em que formato e, sobretudo, aquilo que não vemos, não ouvimos ou não lemos.

Naturalmente as coisas poderiam chegar ao ponto em que a digitalização reorganizaria este panorama altamente controlado e super-financiado. Todavia, não podemos estar assim tão certos disso. A quantidade de dinheiro investido nas indústrias de entretenimento é fenomenal. Elas operam à escala mundial. A cultura é a mais recente e excelente máquina de fazer dinheiro. Neste momento, não há qualquer razão para supor que os gigantes culturais deste mundo irão ceder facilmente a sua dominação do Mercado, quer no que toca ao antigo domínio material, quer ao ambiente digital.

Estamos agora à procura da campainha de alarme, para a podermos tocar. Quando um número limitado de conglomerados controla substancialmente a nossa área comum de comunicação cultural, isso mina a democracia. A liberdade de informação de cada um e o seu direito a participar na vida cultural da sociedade, tal como vem consignado na Declaração Universal dos Direitos do Homem, pode ser reduzido ao direito único de uns quantos directores de companhias e de investidores e aos programas ideológicos e económicos para os quais eles trabalham

Não estamos convencidos de que esta seja a única solução para o futuro. É possível criar uma plataforma equitativa. Quanto a nós, o direito de autor representa um obstáculo. Simultaneamente, constatámos que os best-sellers, os blockbusters e as vedetas das grandes empresas culturais estão a ter um efeito pernicioso. Eles dominam o mercado a tal ponto que pouco espaço fica para o trabalho de muitos outros artistas. Estes últimos são empurrados para a margem, onde é difícil para o público descobrir a sua existência.

No primeiro capítulo iremos analisar todos os inconvenientes do copyright que fazem com que seja ilógico apostar nele. É claro que não somos os únicos a tomar consciência de que ele se tornou um instrumento problemático. Por isso dedicamos o segundo capítulo a alguns movimentos da nossa economia nacional e global – que é o que no fundo são os sectores culturais – em porções menores de propriedade. Isso envolverá uma reestruturação profunda, sem precedentes. A consequência das nossas propostas é que as indústrias culturais e de comunicação, nas quais o volume de negócios atingem os biliões, serão viradas do avesso. Não há memória de mais ninguém se ter proposto construir condições de mercado tão radicalmente novas para a área cultural, ou pelo menos lançar as bases teóricas dessa construção.

Conforta-nos saber que Franklin D. Roosevelt também não sabia o que estava a lançar quando criou o New Deal, isto sem de maneira nenhuma nos querermos comparar a ele. E contudo ele fez isso, foi possível reformar profundamente as condições económicas.que procuram colocar o copyright na boa senda. Embora sejamos sensíveis aos argumentos e esforços para tentar encontrar alternativas, pensamos que uma abordagem mais radical e fundamental nos poderá ajudar mais no século XXI. Analisaremos isso no capítulo 3. Procuramos criar uma plataforma equitativa para muita gente, tanto empresários culturais como artistas. Na nossa perspectiva, já não há espaço nem para copyright nem para empresas que dominam esses mercados culturais 

Isto estimula-nos a colocar em discussão a nossa análise e as nossas propostas, para posterior reformulação. Foi uma agradável surpresa ler (New Yale Times, 6 Junho de 2008) o que Paul Krugman, vencedor do Prémio Nobel de Economia 2008, disse: ‘Pouco a pouco, tudo o que puder ser digitalizado será digitalizado, tornando a propriedade intelectual cada vez mais fácil de ser copiada e mais difícil de ser vendida por mais do que o seu valor nominal. E teremos que encontrar modelos económicos e de negócio que tomem isto em conta.’ Conceber e propor esses novos modelos económicos e de negócio é precisamente aquilo que fazemos neste livro.

Pelo sumário que indica o que trata cada capítulo pode ver-se que não se trata de um livro sobre a história do copyright nem de como ele funciona actualmente. Existem muitas publicações excelentes, com as quais nos sentimos em dívida, que podem ser consultadas sobre esses tópicos (como Bently 2004, Dreier 2006, Goldstein 2001, Nimmer 1988 e 1994, Ricketson 2006 e Sherman 1994). Para uma introdução aos princípios básicos e às controvérsias em torno dos direitos de autor, consultar, por exemplo, http://www. wikipedia.org/wiki/copyright.

Não orientámos o nosso trabalho para categorias inúteis como o pessimismo ou o optimismo cultural. O que nos move é o realismo terra-a-terra; se os direitos de autor e as actuais condições de mercado não podem ser justificadas, então o nosso dever é interrogarmo-nos sobre o que iremos fazer em relação a isso. Distinguir entre as chamadas artes superiores e inferiores e entre a cultura de elite, popular e de massas também não é algo que nos interesse. Um filme é um filme, um livro é um livro, um concerto é um concerto, e por aí fora. O cerne da questão é, pois, quais são as condições para a produção, distribuição ou comercialização e recepção de tudo isso – bom, mau ou feio – e, consequentemente, que tipo de influência essas obras exercem sobre nós individual e colectivamente. Existe uma controvérsia flagrante: que artista deve ser elevado ao estrelato, por quem, porquê e no interesse de quem? E quem irá falhar esse objectivo, ou ser criticado por aquilo que criou? O nosso objective neste estudo é destacar o facto de que a verdadeira diversidade e, consequentemente, a pluralidade de formas de expressão artística pode ter uma razão de ser – e que as condições económicas se podem criar para as facilitar.

Na realidade, usamos o termo direitos de autor (copyright) para cobrir dois conceitos,. O direito de copiar é, em princípio, diferente de um direito criado para defender o interesse de artistas – ou autores, tal como eles são colectivamente referidos (como, por exemplo, na expressão francesa droit d’auteur). Contudo, na legislação e na prática internacional, os dois conceitos fundiram-se no termo inglês copyright. Quaisquer nuances ou diferenças entre os dois conceitos são irrelevantes para este nosso trabalho, uma vez que o que propomos é, em última análise, a abolição do copyright. Quando falamos de obra, nos capítulos seguintes, o termo refere-se a todos os tipos de música, filmes, artes visuais, design, livros, teatro e dança.

As transformações neoliberais das últimas décadas, tais como foram descritas por Naomi Klein em The Shock Doctrine (2007), por exemplo, tiveram também implicações na comunicação cultural. Temos cada vez menos o direito de estruturar e organizar mercados culturais de forma a que a diversidade das formas culturais de expressão possa desempenhar um papel significativo na consciencialização de muitas pessoas. Este é um problema da máxima importância. (continua a partir da p.8)

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https://baixacultura.org/2012/09/21/nao-e-dificil-imaginar-um-mundo-sem-copyright/feed/ 0
Sobre práticas culturais de código aberto https://baixacultura.org/2012/08/24/praticas-culturais-de-codigo-aberto/ https://baixacultura.org/2012/08/24/praticas-culturais-de-codigo-aberto/#comments Fri, 24 Aug 2012 13:55:13 +0000 https://baixacultura.org/?p=9163  

No encontro de semanas atrás sobre literatura remix, Susana Serrano participou do debate contando, entre outras coisas, sobre a experiência de escrita coletiva de um livro interessantíssimo: #10penkult.

Trata-se de um decálogo, escrito por um grupo de escritores e pesquisadores espanhóis, sobre novas formas de produção e gestão cultural de “código aberto”. Eles produziram o livro em menos de uma semana, isolados em algum lugar no interior do País Basco, através de uma modalidade chamada booksprint, que é uma espécie de metodologia em que pessoas se reúnem para produzir um livro num processo facilitado pela ferramenta Booki.cc.

Através de uma chamada pública, se juntou um grupo de espanhóis que Bernardo Gutierrez, em seu blog no diário 20 minutos, chamou de “alguma das pessoas mais ativas na Espaha na chamada cultura livre”. Entre eles, Susana Serrano.

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Susana trabalha atualmente como responsável pela comunicação do Centro de Artes de Sevilla. Estava no Brasil para participar de uma residência artística de pesquisa na Nuvem, um incrível laboratório rural de arte e tecnologia digital no interior do Rio de Janeiro patrocinado pelo projeto Vivo Arte.Mov e comandado pelo trio Bruno Vianna, Cínthia Mendonça e Luciana Fleischman.

A Nuvem tem um funcionamento muito bom, orgânico e comprometido, localizada em um lugar de natureza exuberante, com tudo que você precisa pensar, criar e deixar sua imaginação fluir de formas imprevisíveis“, comentou ela em entrevista ao MutGamb, coletivo de publicação ligado a rede Metareciclagem.

Na mesma entrevista, ela falou também sobre os laboratórios de cultura digital experimental, os popular Labs, que existem em rede há algum tempo e tem se expandido cada vez mais – ainda que, no Brasil, de modo bem devagar:

Desde España siempre he estado muy pendiente de lo que aquí se estaba desarrollando, en muchos aspectos sociales y culturales Brasil es un referente indiscutible. Luego he tenido contacto con personas que están involucradas en la cultura digital relacionada con labs como Tati Wells, Ricardo Brasileiro, Miguel Salvatore y Jarbas Jacome, con los que coincidí en el primer encuentro LabSurLab; Felipe Fonseca y la gente de Marginalia Lab que conocí en Madrid en el encuentro LabtoLab; Cinthia Mendonça y Bruno Vianna con los que estuve en el SummerLab de Gijón de 2010, y a Luciana Fleischman que conocí en Sevilla en el Encuentro x0y1.

Así que más que de labs tengo la referencia de proyectos y personas que están haciendo cosas por aquí. Ahora estoy conociendo muchas otras personas y espacios que comienzan a establecerse. Es curioso que para ser tan activa la escena de cultura libre y digital no hay tantos labs funcionando de manera continuada, pero no creo que sea algo negativo, creo que puede ser consecuencia de la cultura de aquí donde las redes son muy fuertes y los espacios permanentes quizá no sea una prioridad. Al menos no es el primer paso, aquí acertadamente parecen tener bien claro que primero está la comunidad, hacer cosas juntas, el intercambio de ideas… y después puede venir el momento de crear ciertos nodos de continuidad no necesariamente asociados a un lugar concreto.

Me parecen interesantes iniciativas como el Onibus hacker y las cosas que se hacen desde la red Metareciclagem, y desde luego me parece que la Nuvem es un referente de lab rural. Especialmente en Brasil donde tiene aún más sentido esa conexión con la naturaleza, parece además necesario procurar repensar los procesos y reapropiarse de la tecnología desde perspectivas menos urbanas y más autónomas.

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Susana (ao centro) no debate sobre literatura remix no Centro Cultural da Espanha.

Voltemos ao livro, #10penkult, que pode ser baixado em três formatos diferentes (PDF, odt, Epub). O sumário é o seguinte:

1- #10penkult
2- Comunidad: No basta con quererla. Hay que comprenderla
3- Participación: Del botón de “Me gusta” a formas de autogobierno
4- Mediaciones: Dispositivos culturales para el encuentro
5- Transparencia hoy, un valor central en la cultura democrática contemporánea
6- Sostenibilidad: De lo ético a lo estratégico
7- P2P
8- Afectos
9- Re: La obra de arte en la época del re-
10- Ensayo y error

Para mostrar um pouco mais do projeto, que é uma leitura importante para entender os câmbios na produção cultural em função das possibilidades da internet e da cultura livre, nos apropriamos dos trechos do livro que o mesmo Bernardo Gutierrez compilou. Um parágrafo de cada capítulo, uma pequena amostra que já provoca:

Comunidad. No basta con quererla hay que comprenderla. 

¿Qué es la comunidad 2.0? Una red de cooperación mediada por una *interfaz. La interfaz pone las reglas del juego, “escucha” el rumor de la red y atiende sus demandas. La interfaz es permeable a la participación. No pisotea la red de cooperación, la respeta y la valora, porque el valor está en la red. La comunidad de código abierto, y lo que esta produce, es sentida por todos sus miembros como propio. Aunque lo que se produce puede tener una autoría personal clara y reconocida, la resultante de la cooperación multiplica la potencia productiva y esa potencia no es exactamente de nadie en particular.

Participación: del botón de “me gusta” a formas de autogobierno. 

“No concebimos la participación como el acceso a instituciones o plataformas cerradas sino que al contrario la pensamos como la habilitación a procesos de toma de decisión colectivas marcadas por la temporalidad, la mutabilidad y la reflexividad. La participación se sostiene sobre procesos constantes de feedback entre los recursos, plataformas o instituciones y las comunidades que las explotan y construyen. La participación necesita de autonomía y conduce hacia formas de autogobierno”.

Mediaciones. Dispositivos culturales para el encuentro.

“Es clave entender las mediaciones como los órganos de aprendizaje de un proyecto o institución cultural. No se puede aprender de un ecosistema mirándolo siempre desde un dentro: es fundamental construir y mantener dispositivos de escucha activa que se encarguen de aprender de otros espacios, de otras comunidades, de otros modelos culturales, para volver con ideas nuevas que testear en su propia estructura. Para que no se cierre la comunidad, para evitar (si se quiere) situaciones de endogamia, para proveer de conflictos a un proyecto (y no ser un mecanismo de autocomplacencia), las mediaciones son también dispositivos de encuentro con su afuera”.

Transparencia hoy: un valor central en la cultura democrática contemporánea

“Dotar al proceso de transparencia significa habilitar el acceso a cada una de estas etapas, y si podemos acceder a ellas, es posible hacerlas más útiles y provechosas. (…) De todas las fases que componen el desarrollo de un proyecto creativo, tradicionalmente hemos tenido acceso sólo al resultado final. Si todas o algunas de las fases anteriores que antes eran opacas se vuelven transparentes, la relación de las usuarias con el proyecto y su autoría (sea individual o colectiva) cambia, pero además, es posible que se incorporen nuevas usuarias”.

Sostenibilidad. De lo ético a lo estratégico

“Antes de diseñar los parques públicos, las urbanistas soviéticas esperan a que caiga la nieve. ¿Por qué? Porque así son las personas que transitan diariamente por ese espacio quienes trazan de manera natural los recorridos que les resultan más convenientes. Sobre el rastro de esos pasos espontáneos, se diseña la estructura de los parques. Los llaman caminos del deseo. En el lenguaje común, los caminos del deseo son los atajos, los recorridos alternativos construidos a partir del uso que suelen aparecer en las zonas verdes de las ciudades. Son una forma de diseño bottom-up, de abajo hacia arriba. En un texto escrito para una serie de fotografías de Ismael Teira, Marisa Gómez los considera como “indicios de un espacio vivo, constantemente creado y destruido por quienes lo habitan” y como “el rastro visible de un acto político”. Citando a Gorgie R. Felix Perez-Hita nos dice: “La clave del caminito de deseo no es sólo que sea un sendero que haya hecho una persona o un grupo, sino que esté hecho contra la voluntad de alguna autoridad que querría que fuéramos por otro camino menos conveniente”.

P2P

“Las prácticas p2p se han extendido más allá de compartir archivos, fomentadas por soportes tecnológicos y por un marco institucional y normativo emergente (licencias libres como las *Creative Commons, entidades que promueven la cultura libre, etc), y permiten aflorar nuevas formas de pensamiento y de conciencia compartida. En palabras de George Siemens (2010), “la gente no piensa junta para llegar a determinadas conclusiones, sino que más bien cada uno de nosotros piensa por su cuenta y obtiene valor colaborativo de la conexión y la combinación de ideas”.

Afectos Ética de los cuidados. Poner la vida en el centro

“La relación de estas prácticas con la autogestión y los centros sociales es, en ocasiones, muy estrecha. Es el caso de los Ladyfest, festivales que se organizan bajo una ética que ha pasado del DIY (hazlo tú misma) al DIWO (hazlo con otras). El caso de Ladyfest, representa, además, un ejemplo de organización descentralizada y autónoma, generando nodos replicables que no dependen de ninguna estructura central. Este movimiento surge como respuesta a los circuitos de música hardcore estadounidenses de finales de los 80, espacios hipermasculinizados y machistas, que propiciará la aparición de las Riot grrrl, movimiento musical feminista cercano al punk y a todo su arco de influencia. Entre sus manifestaciones más populares están los Ladyfests que se han desarrollado en ciudades tan dispares como Olympia, Madrid, Sevilla, Berlín, Londres y un largo etcétera. El festival no tiene porque ser grande, ni pequeño, ni estrictamente musical: Ladyfest se construye a partir del colectivo que lo sustenta y le da forma, a nivel local e independiente de otros Ladyfests”

The work of art in the age of Re

“Re-, en primer lugar, apunta a otro concepto del tiempo, el circular, al que alude Nietzche en su concepto del eterno retorno en contra de la linealidad del cristianismo. La idea de tiempo circular es, además, contraria a la linealidad del ideal de progreso que plantea el capitalismo en su sinfín de nuevos productos, de desarrollo y avance, de *obsolescencia programada. (…) Ahora el pasado es siempre presente, la cultura del link ya teje una red de conocimiento que desborda la linealidad y crea un eterno presente. Un fondo que permite un sinfín de recombinaciones y reutilizaciones”.

Ensayo y error. Equivócate mejor. estética de la caída

“Como decía Francis Alÿs,”…. realmente el espacio que me interesa está en el proceso, o en el intento, en este avance sin fin que yo veo como el espacio real de producción” (…) Este enfoque – el de usar cierto software no para lo que se ha diseñado, sino de manera inapropiada – entronca con una rica tradición que se remonta a los inicios de la cultura en red. Estamos hablando de la *cultura hacker, cuyo principal rasgo distintivo es precisamente, esa actitud lúdica de trastear e intentar llevar más allá de su uso normativo las herramientas. El espíritu, o actitud hacker, nutrida en los entornos académicos de finales de los 50 del siglo pasado, ha resultado una de las principales fuerzas motrices de desarrollo e innovación tecnológica”.

O livro está disponível na nossa biblioteca também.

Créditos fotos: 1 e 2 (printscreen), 2 (Felipe Cabral). 
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