autonomismo – BaixaCultura https://baixacultura.org Cultura livre & (contra) cultura digital Thu, 29 Feb 2024 22:53:02 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.0.9 https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2022/09/cropped-adesivo1-32x32.jpeg autonomismo – BaixaCultura https://baixacultura.org 32 32 O olho do mestre: a automação da inteligência geral https://baixacultura.org/2024/02/28/o-olho-do-mestre-a-automacao-da-inteligencia-geral/ https://baixacultura.org/2024/02/28/o-olho-do-mestre-a-automacao-da-inteligencia-geral/#respond Thu, 29 Feb 2024 01:07:13 +0000 https://baixacultura.org/?p=15585  

No final de 2023, não lembro onde nem como, fiquei sabendo de “The Eye of the Master”, novo livro do Matteo Pasquinelli sobre IA. Fiquei na hora empolgado. Primeiro porque a proposta do livro é a de contar uma “história social” da IA, indo desde Charles Babbage até hoje, passando e destrinchando o conceito de general intellect de Marx (hoje bastante usado nos estudos tecnopolíticos) e a onipresente cibernética, também uma área de estudos bastante retomada nos últimos anos por Yuk Hui, Letícia Cesarino e diversos outros pesquisadores, até chegar as IAs generativas de hoje. Tudo uma abordagem rigorosa, por vezes densa,  cheia de referências saborosas, e marxista – com várias aberturas típicas do autonomismo italiano e do pós-operaísmo, influências do autor.

Segundo porque Pasquinelli, professor de filosofia da ciência na Universidade Foscari, em Veneza, tem, ele próprio, um belo histórico em se debruçar nos estudos da filosofia da técnica. Eu o conheci pela primeira vez há cerca de 10 anos atrás, quando o artigo “A ideologia da cultura livre e a gramática da sabotagem” saiu como capítulo do Copyfight, importante livro organizado por Bruno Tarin e Adriano Belisário. Depois, outros textos de Pasquinelli foram publicados em português pelo coletivo Universidade Nômade; um deles, “O algoritmo do PageRank do Google: Um diagrama do capitalismo cognitivo e da exploração da inteligência social geral”, já em 2012 apontava para a exploração da “inteligência social geral” por algoritmos das big techs – o que hoje, com IAs generativas, virou um consenso global.

Ainda estou digerindo a leitura da obra e me debruçando sobre alguns tópicos e referências citados, enquanto espero minha cópia impressa do original chegar para rabiscar e estudar com mais calma. Encharcado de uma saborosa empolgação intelectual, daquelas que nos deixam ao mesmo tempo animado pelas descobertas e ansioso em compartilhar esses achados, fui ao texto que Pasquinelli publicou no E-Flux, em dezembro de 2023, “The Automation of General Intelligence” e traduzi para o português. O texto publicado é uma versão do posfácio do livro, onde o italiano sintetiza alguns pontos da obra e aponta caminhos tanto para a discussão teórica quanto para a disputa ativista. Com a ajuda do amigo Leonardo Palma, busquei traduzir cotejando e adaptando alguns conceitos para o português brasileiro, tentando quando possível trazer referências às obras já publicadas por aqui. 

Para acompanhar o texto, trouxe as imagens que ilustram a publicação no E-Flux. Disponibilizo também o livro inteiro em inglês, publicado pela Verso Books (edições em outros idiomas estão vindo) – “The Eye of the Master: A Social History of Artificial Intelligence” – para baixar – mas você sabe, não é para espalhar.

[Leonardo Foletto]

A automação da Inteligência geral (General Intelligence)

Matteo Pasquinelli

Queremos fazer as perguntas certas. Como as ferramentas funcionam? Quem as financia e as constroi, e como são usadas? A quem elas enriquecem e a quem elas empobrecem? Que futuros elas tornam viáveis e quais excluem? Não estamos procurando respostas. Estamos procurando por lógica.
—Logic Magazine Manifesto, 2017[¹]

Vivemos na era dos dados digitais e, nessa era, a matemática se tornou o parlamento da política. A lei social se entrelaçou com modelos, teoremas e algoritmos. Com os dados digitais, a matemática se tornou o meio dominante pelo qual os seres humanos se coordenam com a tecnologia… Afinal, a matemática é uma atividade humana. Como qualquer outra atividade humana, ela traz consigo as possibilidades tanto de emancipação quanto de opressão.
—Politically Mathematics manifesto, 2019[²]

“A mesma importância que as relíquias de ossos têm para o conhecimento da organização das espécies de animais extintas têm também as relíquias de meios de trabalho para a compreensão de formações socioeconômicas extintas. O que diferencia as épocas econômicas não é “o que” é produzido, mas “como”, “com que meios de trabalho”. Estes não apenas fornecem uma medida do grau de desenvolvimento da força de trabalho, mas também indicam as condições sociais nas quais se trabalha”.
—Karl Marx, Capital, 1867[³]


H
averá um dia no futuro em que a IA atual será considerada um arcaísmo, um fóssil técnico a estudar entre outros
. Na passagem de “O Capital” citada acima, Marx sugeriu uma analogia semelhante que ressoa nos estudos científicos e tecnológicos atuais: da mesma forma que os ossos fósseis revelam a natureza das espécies antigas e os ecossistemas em que viviam, os artefatos técnicos revelam a forma da sociedade que os rodeia e gere. A analogia é relevante, penso eu, para todas as máquinas e também para a aprendizagem automática, cujos modelos abstratos codificam, na realidade, uma concretização de relações sociais e comportamentos coletivos, como este livro tentou demonstrar ao reformular a teoria laboral da automação do século XIX para a era da IA.

 

 

Este livro [“ O Olho do Mestre”] começou com uma pergunta simples: Que relação existe entre o trabalho, as regras e a automação, ou seja, a invenção de novas tecnologias? Para responder a esta questão, iluminou práticas, máquinas e algoritmos a partir de diferentes perspectivas – da dimensão “concreta” da produção e da dimensão “abstrata” de disciplinas como a matemática e a informática. A preocupação, no entanto, não tem sido repetir a separação dos domínios concreto e abstrato, mas ver a sua coevolução ao longo da história: eventualmente, investigar o trabalho, as regras e a automação, dialeticamente, como abstrações materiais. O capítulo inicial sublinha este aspecto, destacando como os rituais antigos, os instrumentos de contagem e os “algoritmos sociais” contribuíram para a elaboração das ideias matemáticas. Afirmar, como o fez a introdução, que o trabalho é uma atividade lógica não é uma forma de abdicar da mentalidade das máquinas industriais e dos algoritmos empresariais, mas antes reconhecer que a práxis humana exprime a sua própria lógica (uma anti-lógica, poderia se dizer) – um poder de especulação e invenção, antes de a tecnociência o capturar e alienar [4].

A tese de que o trabalho tem de se tornar “mecânico” por si só, antes que a maquinaria o substitua, é um velho princípio fundamental que foi simplesmente esquecido. Remonta, pelo menos, à exposição de Adam Smith em “A Riqueza das Nações” (1776), que Hegel também comentou já nas suas conferências de Jena (1805-6). A noção de Hegel de “trabalho abstrato” como o trabalho que dá “forma” à maquinaria já estava em dívida para com a economia política britânica antes de Marx contribuir com a sua própria crítica radical ao conceito. Coube a Charles Babbage sistematizar a visão de Adam Smith numa consistente “teoria do trabalho da automação”. Babbage complementou esta teoria com o “princípio do cálculo do trabalho” (conhecido desde então como o “princípio de Babbage”) para indicar que a divisão do trabalho também permite o cálculo exato dos custos do trabalho. Este livro pode ser considerado uma exegese dos dois “princípios de análise do trabalho” de Babbage e da sua influência na história comum da economia política, da computação automatizada e da inteligência das máquinas. Embora possa parecer anacrônico, a teoria da automatização e da extração de mais-valia relativa de Marx partilha postulados comuns com os primeiros projetos de inteligência artificial.

Marx derrubou a perspetiva industrialista – “o olho do mestre” – que era inerente aos princípios de Babbage. Em “O Capital”, argumentou que as “relações sociais de produção” (a divisão do trabalho no sistema salarial) impulsionam o desenvolvimento dos “meios de produção” (máquinas-ferramentas, motores a vapor, etc.) e não o contrário, como as leituras tecno-deterministas têm vindo a afirmar, centrando a revolução industrial apenas na inovação tecnológica. Destes princípios de análise do trabalho, Marx fez ainda outra coisa: considerou a cooperação do trabalho não só como um princípio para explicar o design das máquinas, mas também para definir a centralidade política daquilo a que chamou o “Gesamtarbeiter“, o “trabalhador geral”. A figura do trabalhador geral era uma forma de reconhecer a dimensão maquínica do trabalho vivo e de confrontar o “vasto autômato” da fábrica industrial com a mesma escala de complexidade. Eventualmente, foi também uma figura necessária para fundamentar, numa política mais sólida, a ideia ambivalente do “intelecto geral” (general intellect) que os socialistas ricardianos, como William Thompson e Thomas Hodgskin, perseguiam.


Das linhas de montagem ao reconhecimento de padrões

Este livro apresentou uma história alargada da divisão do trabalho e das suas métricas como forma de identificar o princípio operativo da IA a longo prazo. Como vimos, na virada do século XIX, quanto mais a divisão do trabalho se estendia a um mundo globalizado, mais problemática se tornava a sua gestão, exigindo novas técnicas de comunicação, controle e “inteligência”. Se, no interior da fábrica a gestão do trabalho podia ainda ser esboçada num simples fluxograma e medida por um relógio, era muito complicado visualizar e quantificar aquilo que Émile Durkheim, já em 1893, definia como “a divisão do trabalho social“[5]. A “inteligência” do patrão da fábrica já não podia vigiar todo o processo de produção num único olhar; agora, só as infra-estruturas de comunicação podiam desempenhar esse papel de supervisão e quantificação. Os novos meios de comunicação de massas, como o telégrafo, o telefone, a rádio e as redes de televisão, tornaram possível a comunicação entre países e continentes, mas também abriram novas perspectivas sobre a sociedade e os comportamentos coletivos. James Beniger descreveu corretamente a ascensão das tecnologias da informação como uma “revolução do controle” que se revelou necessária nesse período para governar o boom econômico e o excedente comercial do Norte Global.  Após a Segunda Guerra Mundial, o controle desta logística alargada passou a ser preocupação de uma nova disciplina militar que fazia a ponte entre a matemática e a gestão: a pesquisa operacional (Operations Research). No entanto, há que ter em conta que as transformações da classe trabalhadora no interior de cada país e entre países, marcadas por ciclos de conflitos urbanos e lutas descoloniais, foram também um dos fatores que levaram ao aparecimento destas novas tecnologias de controle.

A mudança de escala da composição do trabalho do século XIX para o século XX também afetou a lógica da automatização, ou seja, os paradigmas científicos envolvidos nesta transformação. A divisão industrial do trabalho relativamente simples e as suas linhas de montagem aparentemente retilíneas podem ser facilmente comparadas a um simples algoritmo, um procedimento baseado em regras com uma estrutura “se/então“(if/then) que tem o seu equivalente na forma lógica da dedução. A dedução, não por coincidência, é a forma lógica que, através de Leibniz, Babbage, Shannon e Turing, se inervou na computação eletromecânica e, eventualmente, na IA simbólica. A lógica dedutiva é útil para modelar processos simples, mas não sistemas com uma multiplicidade de agentes autônomos, como a sociedade, o mercado ou o cérebro. Nestes casos, a lógica dedutiva é inadequada porque explodiria qualquer procedimento, máquina ou algoritmo num número exponencial de instruções. A partir de preocupações semelhantes, a cibernética começou a investigar a auto-organização em seres vivos e máquinas para simular a ordem em sistemas de alta complexidade que não podiam ser facilmente organizados de acordo com métodos hierárquicos e centralizados. Esta foi fundamentalmente a razão de ser do conexionismo e das redes neurais artificiais, bem como da investigação inicial sobre redes de comunicação distribuídas, como a Arpanet (a progenitora da Internet).

Ao longo do século XX, muitas outras disciplinas registaram a crescente complexidade das relações sociais. Os conceitos gêmeos de “Gestalt” e “padrão” (“pattern”), por exemplo, utilizados respectivamente por Kurt Lewin e Friedrich Hayek, foram um exemplo da forma como a psicologia e a economia responderam a uma nova composição da sociedade. Lewin introduziu noções holísticas como “campo de forças”(“force field”) e “espaço hodológico” (“hodological space”) para mapear a dinâmica de grupo a diferentes escalas entre o indivíduo e a sociedade de massas[6].

O pensamento francês tem sido particularmente fértil e progressivo nesta direção. Os filósofos Gaston Bachelard e Henri Lefebvre propuseram, por exemplo, o método da “ritmanálise” (“rhythmanalysis”) como estudo dos ritmos sociais no espaço urbano (que Lefebvre descreveu de acordo com as quatro tipologias de arritmia, polirritmia, eurritmia e isorritmia [7]). De forma semelhante, a arqueologia francesa dedicou-se ao estudo de formas alargadas de comportamento social nas civilizações antigas. Por exemplo, o paleoantropólogo André Leroi-Gourhan, juntamente com outros, introduziu a ideia de cadeia operacional (“chaîne opératoire”) para explicar a forma como os humanos pré-históricos produziam utensílios [8]. No culminar desta longa tradição de “diagramatização” dos comportamentos sociais no pensamento francês, Gilles Deleuze escreveu o seu célebre “Pós-escrito sobre a Sociedade de Controle”, no qual afirmava que o poder já não se preocupava com a disciplina dos indivíduos, mas com o controle dos “dividuais”, ou seja, dos fragmentos de um corpo alargado e desconstruído [9].

Os campos de força de Lewin, os ritmos urbanos de Lefebvre e os dividuais de Deleuze podem ser vistos como previsões dos princípios de “governação algorítmica” que se estabeleceram com a sociedade em rede e os seus vastos centros de dados desde o final da década de 1990. O lançamento em 1998 do algoritmo PageRank da Google – um método para organizar e pesquisar o hipertexto caótico da Web – é considerado, por convenção, a primeira elaboração em grande escala de “grandes dados” das redes digitais [10]. Atualmente, estas técnicas de mapeamento de redes tornaram-se onipresentes: O Facebook, por exemplo, utiliza o protocolo Open Graph para quantificar as redes de relações humanas que alimentam a economia da atenção da sua plataforma [11]. O exército dos EUA tem utilizado as suas próprias técnicas controversas de “análise de padrões de vida” para mapear redes sociais em zonas de guerra e identificar alvos de ataques de drones que, como é sabido, mataram civis inocentes [12]. Mais recentemente, as plataformas da gig economy (“Economia do Bico”) e os gigantes da logística, como a Uber, a Deliveroo, a Wolt e a Amazon, começaram a localizar a sua frota de passageiros e condutores através de aplicações de geolocalização [13]. Todas estas técnicas fazem parte do novo domínio da “análise de pessoas” (também conhecida como “física social” ou “psicografia”), que é a aplicação da estatística, da análise de dados e da aprendizagem automática ao problema da força de trabalho na sociedade pós-industrial [14].

 

A automação da psicometria, ou inteligência geral (general intellect)

A divisão do trabalho, tal como o design das máquinas e dos algoritmos, não é uma forma abstrata em si, mas um meio de medir o trabalho e os comportamentos sociais e de diferenciar as pessoas em função da sua capacidade produtiva. Tal como os princípios de Babbage indicam, qualquer divisão do trabalho implica uma métrica: uma medição da performatividade e da eficiência dos trabalhadores, mas também um juízo sobre as classes de competências, o que implica uma hierarquia social implícita. A métrica do trabalho foi introduzida para avaliar o que é e o que não é produtivo, para manipular uma assimetria social e, ao mesmo tempo, declarar uma equivalência ao sistema monetário. Durante a era moderna, as fábricas, os quartéis e os hospitais têm procurado disciplinar e organizar os corpos e as mentes com métodos semelhantes, tal como Michel Foucault, entre outros, pressentiu.

No final do século XIX, a metrologia do trabalho e dos comportamentos encontrou um aliado num novo campo da estatística: a psicometria. A psicometria tinha como objetivo medir as competências da população na resolução de tarefas básicas, fazendo comparações estatísticas em testes cognitivos em vez de medir o desempenho físico, como no campo anterior da psicofísica [15]. Como parte do legado controverso de Alfred Binet, Charles Spearman e Louis Thurstone, a psicometria pode ser considerada uma das principais genealogias da estatística, que nunca foi uma disciplina neutra, mas sim uma disciplina preocupada com a “medida do homem”, a instituição de normas de comportamento e a repressão de anomalias [16]. A transformação da métrica do trabalho em psicometria do trabalho é uma passagem fundamental tanto para a gestão como para o desenvolvimento tecnológico no século XX. É revelador que, ao conceber o primeiro perceptron de rede neural artificial, Frank Rosenblatt tenha se inspirado não só nas teorias da neuroplasticidade, mas também nas ferramentas de análise multivariável que a psicometria importou para a psicologia norte-americana na década de 1950.

Nesta perspetiva, este livro tenta esclarecer como o projeto de IA surgiu, na realidade, da automação da psicometria do trabalho e dos comportamentos sociais – e não da procura da solução do “enigma” da inteligência. Num resumo conciso da história da IA, pode se dizer que a mecanização do “intelecto geral” (“general intellect”) da era industrial na “inteligência artificial” do século XXI foi possível graças à medição estatística da competência, como o fator de “inteligência geral” de Spearman, e à sua posterior automatização em redes neurais artificiais. Se na era industrial a máquina era considerada uma encarnação da ciência, do conhecimento e do “intelecto geral” (“general intellect”) dos trabalhadores, na era da informação as redes neurais artificiais tornaram-se as primeiras máquinas a codificar a “inteligência geral” em ferramentas estatísticas – no início, especificamente, para automatizar o reconhecimento de padrões como uma das tarefas-chave da “inteligência artificial”. Em suma, a forma atual de IA, a aprendizagem automática, é a automatização das métricas estatísticas que foram originalmente introduzidas para quantificar as capacidades cognitivas, sociais e relacionadas com o trabalho. A aplicação da psicometria através das tecnologias da informação não é um fenômeno exclusivo da aprendizagem automática. O escândalo de dados de 2018 entre o Facebook e a Cambridge Analytica, em que a empresa de consultoria conseguiu recolher os dados pessoais de milhões de pessoas sem o seu consentimento, é um lembrete de como a psicometria em grande escala continua a ser utilizada por empresas e atores estatais numa tentativa de prever e manipular comportamentos coletivos [17].

Dado o seu legado nas ferramentas estatísticas da biometria do século XIX, também não é surpreendente que as redes neurais artificiais profundas tenham recentemente se desdobrado em técnicas avançadas de vigilância, como o reconhecimento facial e a análise de padrões de vida. Acadêmicos críticos da IA, como Ruha Benjamin e Wendy Chun, entre outros, expuseram as origens racistas destas técnicas de identificação e definição de perfis que, tal como a psicometria, quase representam uma prova técnica do viés social (“social bias”) da IA [18]. Identificaram, com razão, o poder da discriminação no cerne da aprendizagem automática e a forma como esta se alinha com os aparelhos de normatividade da era moderna, incluindo as taxonomias questionáveis da medicina, da psiquiatria e do direito penal [19].

A metrologia da inteligência iniciada nos finais do século XIX, com a sua agenda implícita e explícita de segregação social e racial, continua a funcionar no cerne da IA para disciplinar o trabalho e reproduzir as hierarquias produtivas do conhecimento. Por conseguinte, a lógica da IA não é apenas a automação do trabalho, mas o reforço destas hierarquias sociais de uma forma indireta. Ao declarar implicitamente o que pode ser automatizado e o que não pode, a IA impôs uma nova métrica da inteligência em cada fase do seu desenvolvimento. Mas comparar a inteligência humana e a inteligência das máquinas implica também um julgamento sobre que comportamento humano ou grupo social é mais inteligente do que outro, que trabalhadores podem ser substituídos e quais não podem. Em última análise, a IA não é apenas um instrumento para automatizar o trabalho, mas também para impor padrões de inteligência mecânica que propagam, de forma mais ou menos invisível, hierarquias sociais de conhecimentos e competências. Tal como acontece com qualquer forma anterior de automatização, a IA não se limita a substituir trabalhadores, mas desloca-os e reestrutura-os numa nova ordem social.

 

A automação da automação

Se observarmos atentamente como os instrumentos estatísticos concebidos para avaliar as competências cognitivas e discriminar a produtividade das pessoas se transformaram em algoritmos, torna-se evidente um aspecto mais profundo da automação. De fato, o estudo da metrologia do trabalho e dos comportamentos revela que a automação emerge, em alguns casos, da transformação dos próprios instrumentos de medição em tecnologias cinéticas. Os instrumentos de quantificação do trabalho e de discriminação social tornaram-se “robôs” por direito próprio. Antes da psicometria, se poderia referir a forma como o relógio utilizado para medir o tempo de trabalho na fábrica foi mais tarde implementado por Babbage para a automatização do trabalho mental na Máquina Diferencial. Os cibernéticos, como Norbert Wiener, continuaram a considerar o relógio como um modelo-chave tanto para o cérebro como para o computador. A este respeito, o historiador da ciência Henning Schmidgen observou como a cronometria dos estímulos nervosos contribuiu para a consolidação da metrologia cerebral e também para o modelo de redes neurais de McCulloch e Pitts [20]. A teoria da automação que este livro ilustrou não aponta, portanto, apenas para a emergência de máquinas a partir da lógica da gestão do trabalho, mas também a partir dos instrumentos e métricas para quantificar a vida humana em geral e torná-la produtiva.

Este livro procurou mostrar que a IA é o culminar da longa evolução da automação do trabalho e da quantificação da sociedade. Os modelos estatísticos da aprendizagem automática não parecem, de fato, ser radicalmente diferentes da concepção das máquinas industriais, mas antes homólogos a elas: são, de fato, constituídos pela mesma inteligência analítica das tarefas e dos comportamentos coletivos, embora com um grau de complexidade mais elevado (isto é, número de parâmetros). Tal como as máquinas industriais, cuja concepção surgiu gradualmente através de tarefas de rotina e de ajustes por tentativa e erro, os algoritmos de aprendizagem automática adaptam o seu modelo interno aos padrões dos dados de treino através de um processo comparável de tentativa e erro. Pode dizer-se que a concepção de uma máquina, bem como a de um modelo de um algoritmo estatístico, seguem uma lógica semelhante: ambos se baseiam na imitação de uma configuração externa de espaço, tempo, relações e operações. Na história da IA, isto era tão verdadeiro para o perceptron de Rosenblatt (que visava registar os movimentos do olhar e as relações espaciais do campo visual) como para qualquer outro algoritmo de aprendizagem de máquinas atual (por exemplo, máquinas de vetores de apoio, redes bayesianas, modelos de transformadores).

Enquanto a máquina industrial incorpora o diagrama da divisão do trabalho de uma forma determinada (pensemos nos componentes e nos “graus de liberdade” limitados de um tear têxtil, de um torno ou de uma escavadora mineira), os algoritmos de aprendizagem automática (especialmente os modelos recentes de IA com um vasto número de parâmetros) podem imitar atividades humanas complexas [21]. Embora com níveis problemáticos de aproximação e enviesamento, um modelo de aprendizagem automática é um artefato adaptativo que pode codificar e reproduzir as mais diversas configurações de tarefas. Por exemplo, um mesmo modelo de aprendizagem automática pode imitar tanto o movimento de braços robóticos em linhas de montagem como as operações do condutor de um automóvel autônomo; o mesmo modelo pode também traduzir entre línguas tanto como descrever imagens com palavras coloquiais.

O surgimento de grandes modelos de base nos últimos anos (por exemplo, BERT, GPT, CLIP, Codex) demonstra como um único algoritmo de aprendizagem profunda pode ser treinado num vasto conjunto de dados integrado (incluindo texto, imagens, fala, dados estruturados e sinais 3D) e utilizado para automatizar uma vasta gama das chamadas tarefas a jusante (resposta a perguntas, análise de sentimentos, extração de informações, geração de texto, legendagem de imagens, geração de imagens, transferência de estilos, reconhecimento de objectos, seguimento de instruções, etc.) [22]. Pela forma como foram construídos com base em grandes repositórios de patrimônio cultural, conhecimento coletivo e dados sociais, os grandes modelos de base são a aproximação mais próxima da mecanização do “intelecto geral” que foi prevista na era industrial. Um aspecto importante da aprendizagem automática que os modelos de base demonstram é que a automação de tarefas individuais, a codificação do patrimônio cultural e a análise de comportamentos sociais não têm qualquer distinção técnica: podem ser realizadas por um único e mesmo processo de modelação estatística.

Em conclusão, a aprendizagem automática pode ser vista como o projeto de automatizar o próprio processo de concepção de máquinas e de criação de modelos – ou seja, a automação da teoria laboral da própria automação. Neste sentido, a aprendizagem automática e, especificamente, os modelos de grandes fundações representam uma nova definição de Máquina Universal, pois a sua capacidade não se limita a executar tarefas computacionais, mas a imitar o trabalho e os comportamentos coletivos em geral. O avanço que a aprendizagem automática passou a representar não é, portanto, apenas a “automação da estatística”, como a aprendizagem automática é por vezes descrita, mas a automação da automação, trazendo este processo para a escala do conhecimento coletivo e do patrimônio cultural [23]. Além disso, a aprendizagem automática pode ser considerada como a prova técnica da integração progressiva da automação do trabalho e da governação social. Emergindo da imitação da divisão do trabalho e da psicometria, os modelos de aprendizagem automática evoluíram gradualmente para um paradigma integrado de governança que a análise de dados empresariais e os seus vastos centros de dados bem exemplificam.

 

Desfazendo o Algoritmo Mestre

Tendo em conta a dimensão crescente dos conjuntos de dados, os custos de formação dos grandes modelos e o monopólio da infraestrutura de computação em nuvem que é necessário para que algumas empresas como a Amazon, a Google e a Microsoft (e as suas congéneres asiáticas Alibaba e Tencent) hospedarem esses modelos, tornou-se evidente para todos que a soberania da IA continua a ser um assunto difícil à escala geopolítica. Além disso, a confluência de diferentes aparelhos de governança (ciência climática, logística global e até cuidados de saúde) para o mesmo hardware (computação em nuvem) e software (aprendizagem de máquina) assinala uma tendência ainda mais forte para a monopolização. Para além da notória questão da acumulação de poder, a ascensão dos monopólios de dados aponta para um fenômeno de convergência técnica que é fundamental para este livro: os meios de trabalho tornaram-se os mesmos meios de medição e, do mesmo modo, os meios de gestão e logística tornaram-se os mesmos meios de planejamento econômico.

Isto também se tornou evidente durante a pandemia de Covid-19, quando foi criada uma grande infraestrutura para acompanhar, medir e prever os comportamentos sociais [24]. Esta infraestrutura, sem precedentes na história dos cuidados de saúde e da biopolítica, não foi, no entanto, criada ex nihilo, mas construída a partir de plataformas digitais existentes que orquestram a maior parte das nossas relações sociais. Sobretudo durante os períodos de confinamento, o mesmo meio digital foi utilizado para trabalhar, fazer compras, comunicar com a família e os amigos e, eventualmente, para os cuidados de saúde. As métricas digitais do corpo social, como a geolocalização e outros metadados, foram fundamentais para os modelos preditivos do contágio global, mas elas são usadas há muito tempo para acompanhar o trabalho, a logística, o comércio e a educação. Filósofos como Giorgio Agamben afirmaram que esta infraestrutura prolongou o estado de emergência da pandemia, quando, na verdade, a sua utilização nos cuidados de saúde e na biopolítica dá continuidade a décadas de monitorização da produtividade econômica do corpo social, que passou despercebida a muitos [25].

A convergência técnica das infra estruturas de dados revela também que a automação contemporânea não se limita à automação do trabalhador individual, como na imagem estereotipada do robô humanoide, mas à automação dos patrões e gestores da fábrica, como acontece nas plataformas da gig economy. Dos gigantes de logística (Amazon, Alibaba, DHL, UPS, etc.) e da mobilidade (Uber, Share Now, Foodora, Deliveroo) às redes sociais (Facebook, TikTok, Twitter), o capitalismo de plataforma é uma forma de automação que, na realidade, não substitui os trabalhadores, mas multiplica-os e governa-os de novo. Desta vez, não se trata tanto da automação do trabalho, mas sim da automação da gestão. Sob esta nova forma de gestão algorítmica, todos nós passamos a ser trabalhadores individuais de um vasto autômato composto por utilizadores globais, “turkers“, prestadores de cuidados, condutores e cavaleiros de muitos tipos. O debate sobre o receio de que a IA venha a substituir totalmente os empregos é errôneo: na chamada economia das plataformas, os algoritmos substituem a gestão e multiplicam os empregos precários. Embora as receitas da gig economy continuem a ser pequenas em relação aos setores locais tradicionais, ao utilizarem a mesma infraestrutura a nível mundial, estas plataformas estabeleceram posições de monopólio. O poder do novo “mestre” não está na automatização de tarefas individuais, mas na gestão da divisão social do trabalho. Contra a previsão de Alan Turing, é o mestre, e não o trabalhador, que o robô veio substituir em primeiro lugar [26].

Nos perguntamos qual seria a possibilidade de intervenção política num espaço tão tecnologicamente integrado e se o apelo ao “redesign da IA” que as iniciativas populares e institucionais defendem é razoável ou praticável. Este apelo deveria começar por responder a uma questão mais premente: Como é que é possível “redesenhar” os monopólios de dados e conhecimento em grande escala [27]? À medida que grandes empresas como a Amazon, a Walmart e a Google conquistaram um acesso único às necessidades e aos problemas de todo o corpo social, um movimento crescente pede não só que estas infra-estruturas se tornem mais transparentes e responsáveis, mas também que sejam coletivizadas como serviços públicos (como sugeriu Fredric Jameson, entre outros), ou que sejam substituídas por alternativas públicas (como defendeu Nick Srnicek [28]). Mas qual seria uma forma diferente de projetar essas alternativas?

Tal como a teoria da automação deste livro sugere, qualquer aparelho tecnológico e institucional, incluindo a IA, é uma cristalização de um processo social produtivo. Os problemas surgem porque essa cristalização “ossifica” e reitera estruturas, hierarquias e desigualdades do passado. Para criticar e desconstruir artefatos complexos como os monopólios de IA, devemos começar por fazer o trabalho meticuloso do desconexão (“deconnectionism”) , desfazendo – passo a passo, arquivo a arquivo, conjunto de dados a conjunto de dados, metadado a metadado, correlação a correlação, padrão a padrão – o tecido social e econômico que os constitui na origem. Este trabalho já está sendo desenvolvido por uma nova geração de acadêmicos que estão a dissecar a cadeia de produção global de IA, especialmente os que utilizam métodos de “pesquisa-ação”. Destacam-se, entre muitos outros, a plataforma Turkopticon de Lilly Irani, utilizada para “interromper a invisibilidade do trabalhador” na plataforma de trabalho temporário Amazon Mechanical Turk; a investigação de Adam Harvey sobre conjuntos de dados de treino para reconhecimento facial, que expôs as violações maciças da privacidade das empresas de IA e da investigação acadêmica; e o trabalho do coletivo Politically Mathematics da Índia, que analisou o impacto econômico dos modelos preditivos da Covid-19 nas populações mais pobres e recuperou a matemática como um espaço de luta política (ver o seu manifesto citado no início deste texto).

A teoria laboral da automação é um princípio analítico para estudar o novo “olho do mestre” que os monopólios de IA encarnam. No entanto, precisamente devido à sua ênfase no processo de trabalho e nas relações sociais que constituem os sistemas técnicos, é também um princípio sintético e “sociogênico” (para utilizar o termo programático de Frantz Fanon e Sylvia Wynter [29]). O que está no cerne da teoria laboral da automação é, em última análise, uma prática de autonomia social. As tecnologias só podem ser julgadas, contestadas, reapropriadas e reinventadas se se inserirem na matriz das relações sociais que originalmente as constituíram. As tecnologias alternativas devem situar-se nestas relações sociais, de uma forma não muito diferente do que os movimentos cooperativos fizeram nos séculos passados. Mas construir algoritmos alternativos não significa torná-los mais éticos. Por exemplo, a proposta de codificação de regras éticas na IA e nos robôs parece altamente insuficiente e incompleta, porque não aborda diretamente a função política geral da automação no seu cerne [30].

O que é necessário não é nem o tecnosolucionismo nem o tecnopauperismo, mas sim uma cultura de invenção, concepção e planejamento que se preocupe com as comunidades e o coletivo, sem nunca ceder totalmente a agência e a inteligência à automação. O primeiro passo da tecnopolítica não é tecnológico, mas político. Trata-se de emancipar e descolonizar, quando não de abolir na totalidade, a organização do trabalho e das relações sociais em que se baseiam os sistemas técnicos complexos, os robôs industriais e os algoritmos sociais – especificamente o sistema salarial, os direitos de propriedade e as políticas de identidade que lhes estão subjacentes. As novas tecnologias do trabalho e da sociedade só podem se basear nesta transformação política. É evidente que este processo se desenrola através do desenvolvimento de conhecimentos não só técnicos mas também políticos. Um dos efeitos problemáticos da IA na sociedade é a sua influência epistêmica – a forma como transforma a inteligência em inteligência de máquina e promove implicitamente o conhecimento como conhecimento processual. O projeto de uma epistemologia política que transcenda a IA terá, no entanto, de transmutar as formas históricas do pensamento abstrato (matemático, mecânico, algorítmico e estatístico) e integrá-las como parte da caixa de ferramentas do próprio pensamento crítico. Ao confrontar a epistemologia da IA e o seu regime de extrativismo do conhecimento, é necessário aprender uma mentalidade técnica diferente, uma “contra-inteligência” coletiva.

 

NOTAS

[1]: “Disruption: A Manifesto,” Logic Magazine, no. 1, março de 2017.
[2]: Politically Mathematics collective, “Politically Mathematics Manifesto,” 2019
[3]: Karl Marx, Capital, Livro 1: O processo de produção do capital, p.330. Trad. Rubens Enderle. Boitempo, 2013
[4]: Veja o debate sobre o processo trabalhista em: Harry Braverman, Labor and Monopoly Capital: The Degradation of Work in the Twentieth Century (Monthly Review Press, 1974); David Noble, Forces of Production: A Social History of Industrial Automation (Oxford University Press, 1984).
[5]: Émile Durkheim, “Da Divisão do Trabalho Social” (1893), publicado no Brasil com esse título, por entre outras, a WMF Martins Fontes, em tradução de Eduardo Brandão.
[6]:
Kurt Lewin, “Die Sozialisierung des Taylorsystems: Eine grundsätzliche Untersuchung zur Arbeits- und Berufspsychologie,” Schriftenreihe Praktischer Sozialismus, vol. 4 (1920) – sem tradução para o português. Também ver Simon Schaupp, “Taylorismus oder Kybernetik? Eine kurze ideengeschichte der algorithmischen arbeitssteuerung,” WSI-Mitteilungen 73, no. 3, (2020).
[7]: Gaston Bachelard, “La dialectique de la durée” (Boivin & Cie, 1936), traduzido no Brasil para “A Dialética da Duração”, publicado pela Editora Ática em 1993. Henri Lefebvre, “Éléments de rythmanalyse” (Éditions Syllepse, 1992), último livro do autor, publicado no Brasil como “Elementos de Ritmanálise e outros Ensaios” pela Editora Consequência em 2021.
[8]: Frederic Sellet, “Chaîne Opératoire: The Concept and Its Applications,” Lithic Technology 18, no. 1–2 (1993). Sem tradução no Brasil
[9]: Gilles Deleuze, “Postscript on the Society of Control,” October, no. 59 (1992). Publicado no Brasil em DELEUZE, Gilles. Conversações: 1972-1990. Rio de Janeiro: Ed. 34,1992. Ver também David Savat, “Deleuze’s Objectile: From Discipline to Modulation,” in Deleuze and New Technology, ed. Mark Poster and David Savat (Edinburgh University Press, 2009).
[10]: Matthew L. Jones, “Querying the Archive: Data Mining from Apriori to PageRank,” in Science in the Archives, ed. Lorraine Daston (University of Chicago Press, 2017); Matteo Pasquinelli, “Google’s PageRank Algorithm: A Diagram of Cognitive Capitalism and the Rentier of the Common Intellect,” in Deep Search, ed. Konrad Becker and Felix Stalder (Transaction Publishers, 2009).
[11]:
Irina Kaldrack and Theo Röhle, “Divide and Share: Taxonomies, Orders, and Masses in Facebook’s Open Graph,” Computational Culture, no. 4 (November 2014); Tiziana Terranova, “Securing the Social: Foucault and Social Networks,” in Foucault and the History of Our Present, ed. S. Fuggle, Y. Lanci, and M. Tazzioli (Palgrave Macmillan, 2015).
[12]:
Grégoire Chamayou, “Pattern-of-Life Analysis,” chap. 5 in A Theory of the Drone (New Press, 2014). Publicado no Brasil como “Teoria do Drone”, pela Cosac & Naify em 2015. Veja também Matteo Pasquinelli, “Metadata Society,” keyword entry in Posthuman Glossary, ed. Rosi Braidotti and Maria Hlavajova (Bloomsbury, 2018), e “Arcana Mathematica Imperii: The Evolution of Western Computational Norms,” in Former West, ed. Maria Hlavajova and Simon Sheikh (MIT Press, 2017).
[13]:
Andrea Brighenti and Andrea Pavoni, “On Urban Trajectology: Algorithmic Mobilities and Atmocultural Navigation,” Distinktion: Journal of Social Theory 24, no. 1 (2001).
[14]:
M. Giermindl et al., “The Dark Sides of People Analytics: Reviewing the Perils for Organisations and Employees,” European Journal of Information Systems 33, no. 3 (2022). Veja também Alex Pentland, “Social Physics: How Social Networks Can Make Us Smarter” (Penguin, 2015).
[15]: A palavra “estatística” significava originalmente o conhecimento que o Estado possuía sobre seus próprios assuntos e territórios: um conhecimento que tinha de ser mantido em segredo. Em: Michel Foucault, Security, Territory, Population (Segurança, Território, População): Lectures at the Collège de France 1977-1978, trans. Graham Burchell (Palgrave Macmillan, 2009).
[16]:
Sobre a influência da metrologia cerebral na história da IA, ver Simon Schaffer: “Os julgamentos de que as máquinas são inteligentes envolveram técnicas para medir os resultados do cérebro. Essas técnicas mostram como o comportamento discricionário está ligado ao status daqueles que dependem da inteligência para sua legitimidade social.” Schaffer, “OK Computer”, em Ansichten der Wissenschaftsgeschichte, ed., Michael Hagner (Fischer, 2001) Michael Hagner (Fischer, 2001). Sobre a metrologia inicial do sistema nervoso, veja Henning Schmidgen, The Helmholtz Curves: Tracing Lost Times (Fordham University Press, 2014).
[17]:
Luke Stark, “Algorithmic Psychometrics and the Scalable Subject,” Social Studies of Science 48, no. 2 (2018).
[18]: Ruha Benjamin, Race after Technology: Abolitionist Tools for the New Jim Code (Polity, 2019); Wendy Chun, Discriminating Data: Correlation, Neighborhoods, and the New Politics of Recognition (MIT Press, 2021). Tarcízio Silva fez uma boa análise deste livro em seu blog.
[19]:
Sobre a imbricação de colonialismo, racismo e tecnologias digitais, veja Jonathan Beller, The World Computer: Derivative Conditions of Racial Capitalism (Duke University Press, 2021); Seb Franklin, The Digitally Disposed: Racial Capitalism and the Informatics of Value (University of Minnesota Press, 2021). No Brasil, ver “Racismo Algorítmico: Inteligência Artificial e Discriminação nas Redes Digitais”, de Tarcízio SIlva, lançado pelas Edições Sesc em 2022;“Colonialismo de dados: como opera a trincheira algorítmica na guerra neoliberal“”, org. de Sérgio Amadeu, Joyce Souza e Rodolfo Avelino lançada em 2021 pela Autonomia Literária; e “Colonialismo Digital: Por uma crítica hacker-fanoniana”, de Deivison Faustino e Walter Lippold, publicado pela Boitempo em 2023.
[20]:
Henning Schmidgen, “Cybernetic Times: Norbert Wiener, John Stroud, and the ‘Brain Clock’ Hypothesis”, History of the Human Sciences 33, no. 1 (2020). Sobre a cibernética e a “medição da racionalidade”, veja Orit Halpern, “Beautiful Data: A History of Vision and Reason since 1945” (Duke University Press, 2015), 173.
[21]:
Em mecânica, os graus de liberdade (DOF) de um sistema, como uma máquina, um robô ou um veículo, são o número de parâmetros independentes que definem sua configuração ou estado. Normalmente, diz-se que as bicicletas têm dois graus de liberdade. Um braço robótico pode ter muitos. Um modelo grande de aprendizado de máquina, como o GPT, pode ter mais de um trilhão.
[22]:
Rishi Bommasani et al., On the Opportunities and Risks of Foundation Models, Center for Research on Foundation Models at the Stanford Institute for Human-Centered Artificial Intelligence, 2021
[23]: Para uma leitura diferente sobre a automação da automação, ver Pedro Domingos, The Master Algorithm: How the Quest for the Ultimate Learning Machine Will Remake Our World (Basic Books, 2015); Luciana Parisi, “Critical Computation: Digital Automata and General Artificial Thinking,” Theory, Culture, and Society 36, no. 2 (March 2019).
[24]: “Breaking Models: Data Governance and New Metrics of Knowledge in the Time of the Pandemic,” workshop, Max Planck Institute for the History of Science, Berlin, and KIM research group, University of Arts and Design, Karlsruhe, September 24, 2021.
[25]:
Giorgio Agamben, Where Are We Now? The Epidemic as Politics, trans. V. Dani (Rowman & Littlefield, 2021). Publicado no Brasil como “Em que ponto estamos?”, pela n-1 edições em 2021.
[26]: Min Kyung Lee et al., “Working with Machines: The Impact of Algorithmic and Data-Driven Management on Human Workers,” in Proceedings of the 33rd Annual ACM Conference on Human Factors in Computing Systems, Association for Computing Machinery, New York, 2015; Sarah O’Connor, “When Your Boss Is an Algorithm,” Financial Times, September 8, 2016. See also Alex Wood, “Algorithmic Management Consequences for Work Organisation and Working Conditions,” no. 2021/07, European Commission JRC Technical Report, Working Papers Series on Labour, Education, and Technology, 2021.
[27]: Redesigning AI, ed. Daron Acemoglu (MIT Press), 2021.
[28]:
Leigh Phillips and Michal Rozworski, The People’s Republic of Walmart: How the World’s Biggest Corporations Are Laying the Foundation for Socialism (Verso, 2019); Frederic Jameson, Archaeologies of the Future: The Desire Called Utopia and Other Science Fictions (Verso, 2005), 153n22; Nick Srnicek, Platform Capitalism (Polity Press, 2017), 128.
[29]:
Sylvia Wynter, “Towards the Sociogenic Principle: Fanon, Identity, the Puzzle of Conscious Experience, and What It Is Like to Be ‘Black,’” in National Identities and Sociopolitical Changes in Latin America, ed. Antonio Gomez-Moriana, Mercedes Duran-Cogan (Routledge, 2001). Veja também Luciana Parisi, “Interactive Computation and Artificial Epistemologies,” Theory, Culture, and Society 38, no. 7–8 (October 2021).
[30]: Frank Pasquale, New Laws of Robotics: Defending Human Expertise in the Age of AI (Harvard University Press, 2020); Dan McQuillan, “People’s Councils for Ethical Machine Learning,” Social Media+ Society 4, no. 2 (2018).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Fagulha com autonomismo & hackativismo https://baixacultura.org/2019/11/20/fagulha-com-autonomismo-hackativismo/ https://baixacultura.org/2019/11/20/fagulha-com-autonomismo-hackativismo/#respond Wed, 20 Nov 2019 10:34:00 +0000 https://baixacultura.org/?p=13083

Em 20 de novembro de 2019, no aniversário de 10 anos da morte do Daniel Pádua*, o Fagulha Podcast conversou com Leonardo Foletto e Desobediente (respectivamente, editor do BaixaCultura e agitador cultural e autonomista, a dupla que mantém o curso “Tecnopolítica e ContraCultura“) sobre autonomismo, Luther Blissett, hacktivismo, composição de classe, Bifo, as influências do autonomismo italiano no anarquismo contemporâneo, no hacktivismo, e nas formas de luta libertárias de hoje.

Dá para escutar e baixar em MP3 neste link.

O podcast traz uma tentativa, também, de aproximar o autonomismo do pensamento anarquista – mais precisamente, do que se convencionou chamar de pós-anarquismo, uma série de mudanças na forma de pensar e agir do anarquismo que se deu a partir do evento conhecido como “Batalha de Seattle” em 1999, quando da ocasião da reunião da OMC (do qual já falamos por aqui). Aliás: a edição seguinte do Fagulha podcast trata justamente desse momento histórico e traz como convidados Acácio Augusto e Camila Jourdan.

Sobre o pós-anarquismo, cabe aqui algumas indicações dos nossos parceiros da editora Monstro dos Mares. A primeira é “Como o novo anarquismo mudou o mundo depois de Seattle e deu origem ao pós-anarquismo“, texto de Süreyyya Evren que detalha esses caminhos novos do anarquismo, principalmente sob a influência do pós-estruturalismo e do pós-modernismo; e o outro é “Políticas do Pós-Anarquismo“, de Saul Newman, que aprofunda a discussão sobre novos anarquismo a partir do pós-estruturalismo e também da Análise de Discurso e fala do momento e da problemática pós-anarquista. Ambos textos são parte do livro “Post-Anarchism, A Reader“, organizado por Süreyyya Evren e Duane Rousselle, publicado em 2011 e referências importantes para entender como se move o anarquismo hoje (e que você pode baixar aqui, de grátis). A seguir, dois trechos, do primeiro e do segundo, respectivamente:

“O anarquismo é amplamente aceito como “o” movimento por trás dos princípios organizacionais fundamentais dos movimentos sociais radicais no século XXI. A ascensão do movimento “antiglobalização” esteve ligada a um ressurgimento geral do anarquismo. Esse movimento foi colorido, enérgico, criativo, eficaz e “novo”. E o crédito pela maior parte dessa energia criativa foi para o anarquismo. O anarquismo parecia estar tomando de volta seu nome como movimento e filosofia política das conotações e metáforas de caos e violência. A estratégia da mídia corporativa de se concentrar exclusivamente na tática dos black blocs, infelizmente, não apenas reproduziu essas conotações, mas também ajudou a atrair mais atenção para os pensadores políticos e ativistas que entendiam o motivo de todo esse alarido. Por sua vez, surgiram trabalhos mais eruditos e políticos sobre o anarquismo e o novo “movimento”(EVREN, 2011)

O que torna esse movimento radical é sua imprevisibilidade e indeterminância – a forma como ligações e alianças inesperadas são formadas entre diferentes identidades e grupos que, de outra forma, teriam pouco em comum. Ao mesmo tempo em que esse movimento é universal, no sentido de invocar um horizonte emancipativo comum que constitui as identidades dos participantes, ele rejeita a falsa universalidade das lutas marxistas, que negam a diferença e subordinam as outras lutas ao papel central do proletariado – ou, mais precisamente, ao papel vanguardista do Partido. (NEWMAN, 2011).

Como falamos (Leonardo’s) no podcast, o autonomismo tem bastante referência no anarquismo, tanto que nos primeiros anos da década de 1960, mesmo reivindicando o marxismo nas primeiras revistas, os autonomistas foram chamados de anarcosociólogos, já que bebiam muito dos anarquismos italianos.

Fonte: Wikipedia

* Pra quem não conhece, saiba: Daniel Pádua foi um importante hacker e ativista brasileiro. Seu blog continua no ar e é um rico acervo do que se passava na internet brasileira entre 2001 e 2009. dpadua, como era conhecido, foi um dos idealizadores e articuladores da rede MetaReciclagem, trabalhou nos primeiros anos do MinC comandado por Gilberto Gil, na EBC e fomentou a articulação de muitos projetos de uma internet livre.

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BaixaCharla ao vivo #3: Depois do Futuro, Bifo https://baixacultura.org/2019/08/30/baixacharla-ao-vivo-3-depois-do-futuro-bifo/ https://baixacultura.org/2019/08/30/baixacharla-ao-vivo-3-depois-do-futuro-bifo/#respond Fri, 30 Aug 2019 19:56:18 +0000 https://baixacultura.org/?p=12947

Nossa terceira BaixaCharla falou de “Depois do Futuro”, de Franco Berardi, vulgo Bifo, publicado em 2009 na Itália e no Brasil este ano, na ótima coleção “Exit” da Ubu. Já citado nesse post e guia de nosso curso-experimento “Tecnopolítica e Contracultura“, o livro repassa as vanguardas do século XX para mostrar como o futuro, até os anos 1970, era visto com esperança e confiança. Depois de 1977, porém, o progresso como uma linha evolutiva para um mundo melhor, com mais conhecimento e tecnologia, se mostrou uma fantasia. Em vez de promissor e brilhante, o porvir que aguarda as novas gerações nascidas em berço digital, precarizadas e altamente conectadas, é incerto e amedrontador.

Como o texto de apresentação da obra comenta, “articulando referências culturais de arte, cinema e literatura e pensamento crítico, o filósofo e ativista italiano Franco “Bifo” Berardi, veterano do Maio de 1968, passa pelo Manifesto Futurista, pelo movimento punk do anos 1970 e pela revolução digital dos anos 1990 para concluir algo sobre o presente: somos incapazes de conceber o que ainda está por vir”. Bifo mistura em seu caldeirão de referências psicanálise, semiótica, filosofia, jornalismo, crítica cultural e da tecnologia, traz exemplos de situações e autores do Japão, Estados Unidos, Rússia e de sua pátria-mãe italiana para detalhar a perda de noção de que “no futuro será melhor”, tão em voga na modernidade, e que se exacerba com o zeitgeist de ressaca da internet que vivemos hoje.

Nessa charla, o editor do BaixaCultura, Leonardo Foletto, destrinchou a obra, especialmente seus capítulos 3 e 4, em que Bifo põe pra dialogar hackers, cyberpunks, pensadores e críticos da ideologia californiana do Vale do Silício. “Quando a disciplina industrial se dissolve, os indivíduos se encontram numa condição de aparente liberdade”. Nenhuma lei os obriga a se submeter às obrigações e à dependência. Mas àquela altura as obrigações foram introjetadas, e o controle social se exerce pela voluntária mas inevitável submissão a uma rede de automatismos”, escreve o filósofo italiano na página  do livro, e não poderíamos concordar mais.

Febbraio 1976. Iniziano le trasmissioni di Radio Alice dalla sede di via del Pratello. Una rara fotografia di Franco “Bifo” Berardi in diretta da via del PratelloArchivio Studio Camera Chiara

Ademais de um filósofo e pensador da arte, cultura e tecnologia contemporânea, Bifo também é um ativista e um ser da prática. Por isso, vamos também percorrer um pouco de sua trajetória enquanto ativista do “maio de 1968 que durou 10 anos” italiano, passando pelo coletivo A/Traverso, revista de efêmera e potente influência nos 1970; criação da Rádio Alice, em 1976, uma das primeiras rádios-livres europeias, que foi fechada em março de 1977, quando o estúdio foi invadido pelos carabinieri, como era conhecida polícia italiana. A Rádio influenciou muita gente da época e tem seu acervo parcialmente documentado online, além de ter uma base de sua história contada neste filme, Lavorare con Lentezza, lançado em 2004.

E seguimos falando um pouco de Bifo em sua estada em Paris, na França, onde conviveu com Félix Guattari e aprendeu muito da esquizonanálise que influenciaria sua abordagem teórica desde então. Viveu nos Estados Unidos, na década de 1980, onde escreveu sobre música, acompanhou de perto o movimento cyberpunk e a discussão sobre tecnologia no Vale do Silício, até voltar para sua Bologna natal, na Itália, nos 1990, onde esteve envolvido na criação de outro experimento midiático, a Orfeo TV, “a street television breaks the Italian regimented broadcasting network“, e do Rekombinant, um e-zine (já extinto, mas com parte do acervo aqui) que circulou entre 2000 e 2009, desenvolvido junto com Matteo Pasquinelli, outro autor importante italiano contemporâneo. Atualmente, leciona no Istituto Aldini Valeriani, uma instituição de ensino médio de Bolonha, e na Academia de Belas Artes de Brera, Milão.

Bifo tem mais de duas dezena de livros publicados em italiano, inglês e espanhol, de seu primeiro “Contra il lavoro”, de 1970, até seu mais recente, “Futurabilidade”, de 2019, publicado em italiano e em espanhol (pela Caja Negra, belíssima editora argentina), passando por “Ciberfilosfia” (1995), A Fábrica da Infelicidade” (2001), “Skizomedia. Trent’anni di mediattivismo” (2006), entre outros. No Brasil, até “Depois do Futuro”, só havia um único livro publicado, “A Fábrica da Infelicidade“, lançado em 2005 pela DP&A e hoje um tanto raro de se encontrar em livrarias físicas. Nos outros países da América Latina, porém, há mais traduções, das quais destacados também “Generación Post-Alfa”, da Tinta Limón, uma coletânea de textos lançada em 2007 que traz vários insights que estão em “Depois do Futuro” – vamos trazer alguns trechos deste livro também na charla, que está disponível para baixar em PDF de grátis.

Há um interesse crescente nos últimos anos na obra de Bifo, o que tem proporcionado muitas entrevistas em veículos jornalísticos, inclusive brasileiros, e algumas palestras que, transmitidas ao vivo, estão disponíveis na rede. Destacamos aqui duas entrevistas publicadas no IHU da Unisinos, no RS: “O que pode a vontade política contra a fúria financeira?“, de agosto de 2019; e “Para entender o fascismo dos impotentes“, de junho de 2019. E dois vídeos, também de 2019:

A charla foi ao ar no dia 3/9, às 20h30, conduzida por Leonardo Foletto, editor do BaixaCultura, e teve a participação (em áudios) de Leonardo Palma, a dupla que ministra o curso “Tecnopolítica e Contracultura”. Palma conhece a obra do filósofo italiano faz mais décadas e tem muito de sua bibliografia em PDF, que ele (garante) que vai disponibilizar para quem se interessar. Deixaremos aqui o roteiro do vídeo, com indicações de leitura, e o vídeo na íntegra. Dá para ler a introdução em PDF de “Depois do Futuro”, disponibilizada pela Ubu.

Aqui a conversa na íntegra:

 

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https://baixacultura.org/2019/08/30/baixacharla-ao-vivo-3-depois-do-futuro-bifo/feed/ 0
Tecnopolítica & contracultura em Santa Maria https://baixacultura.org/2019/05/30/tecnopolitica-contracultura-em-santa-maria/ https://baixacultura.org/2019/05/30/tecnopolitica-contracultura-em-santa-maria/#comments Thu, 30 May 2019 22:11:02 +0000 https://baixacultura.org/?p=12842

 

Estamos orgulhosos de anunciar a segunda edição do nosso curso “Tecnopolítica e Contracultura: Um passeio pelo pensamento-ação tecnopolítico de anarquistas, autonomistas, hackers e outros rebeldes“, agora em Santa Maria, no interior do Rio Grande do Sul.

O curso teve sua primeira edição em fevereiro de 2019 no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc em São Paulo (confira como foi) e agora chega em uma versão condensada e de guerrilha em Santa Maria. Além de discutir, vamos trazer (e disponibilizar) uma bibliografia reunida de anos e , também, propor movimentos práticos para a ação.

O disparador são os conceitos que atravessaram a contracultura e chegaram até o universo hacker atual, e além. Partindo dos movimentos das décadas de 60, 70 e 80 do século XX focamos em conceitos e práticas ligados ao pensamento e ao universo sociotécnico. Demonstramos a atualidade desses termos para pensarmos o hoje e sairmos da paralisia contemporânea que está nos arrastando para pontos de catástrofe, de não retorno.

Assim, frente aos esgotamentos das formas de representação social e política e das formas clássicas de organização do social, das instituições da modernidade, do público e do privado, como pensar esses deslocamentos, com que ferramentas e que aberturas ou brechas é possível cartografar? É possível cartografar nuvens e fumaça?

Para tentar fazer melhores perguntas e aproximarmos de respostas que nos convoquem para ação, propomos esse curso: “Tecnopolítica e Contracultura“, conduzido por Leonardo Foletto, editor do BaixaCultura, jornalista e doutor em comunicação pela UFRGS, e Leonardo Palma, pesquisador independente, agitador cultural radicado em Santa Maria, ativista da Rede Universidade Nômade e um profundo conhecedor da obra dos autonomistas italianos a partir da década de 1970.

O passeio teórico-prático busca resgatar um pensamento tecnopolítico em quatro momentos:
1) os autonomistas italianos da década de 1970;
2) pós-operaísmo, altermundistas, Fórum Social Mundial e mídia tática dos 1990; 3)
hackers: paranóicos visionários, dos 1980, 1990 e 2000;
4) hoje, com a ascensão das redes sociais como principais espaços de discussão pública nas redes digitais e o fim da internet como a conhecemos nos 1990 e 2000.

Será realizado dias 6 e 7 de junho, das 14h às 18h30, no Auditório do Nesaf (prédio 44F), no campus em Camobi da UFSM, em Santa Maria [para chegar no 44F, desça em frente ao CAL – Centro de Artes e Letras (CAL), passe o CCCR 1 (prédio 42), o CCR2 (44); atravessa a rua e lá está o 44F CCR e dentro o Auditório].

Por conta do apoio do Programa de Pós Graduação em Extensão Rural e do Núcleo de Estudos e Extensão em Desenvolvimento Territorial (NEDET) da Universidade Federal de Santa Maria, o curso custa R$10 (para estudantes universitários ou secundaristas) e R$30 (público geral). Pagamento realizado na hora, presencial.

Inscrições: https://forms.gle/HyUWsoNYFLTimcQV9

SERVIÇO
Tecnopolítica e Contracultura
6 e 7 de junho, 14h às 18h30
Auditório do Nesaf (prédio 44F), Campus UFSM
Santa Maria, RS
R$10 (para estudantes universitários ou secundaristas) e R$25 (público geral)
Evento Facebook
Pagamento realizado na hora

Apoios

Programa de Pós Graduação em Extensão Rural e do Núcleo de Estudos e Extensão em Desenvolvimento Territorial (NEDET) da Universidade Federal de Santa Maria
Rede Sina
Baleiro das Artes
Ultra Produtora
Disco Voador
PhotoCópias

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Tecnopolítica e contracultura: um experimento em ação https://baixacultura.org/2019/02/18/tecnopolitica-e-contracultura-um-experimento-em-acao/ https://baixacultura.org/2019/02/18/tecnopolitica-e-contracultura-um-experimento-em-acao/#comments Mon, 18 Feb 2019 15:42:26 +0000 https://baixacultura.org/?p=12728

Terminou na última quarta-feira, 13 de fevereiro, a primeira edição do curso “Tecnopolítica & Contracultura”, um passeio pelo pensamento e ação de autonomistas, anarquistas, hackers e outrxs rebeldes. Durante três dias, propomos – este que cá escreve, Leonardo Foletto, e Leonardo Retamoso palma – uma jornada por ideias, conceitos, práticas, ações e referências em busca da retomada de um pensamento tecnopolítico que bebe muito na fonte dos autonomismo e operaísmo italiano da década de 1960 para encontrar saídas de análise e ação dessa “ressaca da internet” que nos metemos neste final de década de 2010. Um público muito diverso, de cerca de 30 pessoas nos 3 dias, aceitou nossa proposta e embarcou no passeio: de recém saídos do Ensino Médio a professores pós-doutores de universidades, passando por artistas, programadores, designers, jornalistas e arquitetas, nos tornamos uma potente multidão em busca de abrir as caixas-pretas da tecnologia e entender como se dá essa louca composição que nos causa esperança e sofrimento, depressão e euforia, liberdade e prisão.

O autonomismo italiano serviu como um primeiro recorte histórico de um movimento/período/grupo que, além de tomar ruas, fábricas e universidades, criou suas próprias tecnologias (como a Rádio Alice, pioneira rádio livre criada em 1977 e com boa parte de seu acervo nesse site) e não se furtou a disputar a tecnologia em vez de demonizá-la – ou idolatrá-la como a salvação para os problemas da humanidade, esquecendo do elemento humano e político em sua construção. Depois, os fabulosos 1990 trouxeram altermundistas, zapatistas, ciberativistas, hackers e militantes do software livre a compor uma poderosa frente contra o capital global que buscava (e ainda busca) a decomposição em busca da dominação. A criatividade, expressa na guerrilha da comunicação/artivismo, foi essencial nesse período, com os teatros midiáticos coletivos de Luther Blisset e Wu Ming, bem conhecidos de quem frequenta esse espaço virtual; os protestos pacíficos dos Tute Bianche, que iam para o front (mesmo) dos protestos com chamativas roupas e equipamentos de brinquedo para pontuar o ridículo do conflito armado; os sit-in virtuais em prol dos zapatistas, que interditavam sites estratégicos em prol de uma causa específica. Com esses e outros diversos exemplos, trouxemos a discussão para o presente e identificamos como a arte, quando formada pelo encontro ingovernável de corpos eróticos, é fundamental na mudança de perspectiva sobre ruas, computadores, governos, instituições e nós mesmos.

Por fim, trouxemos os hackers e sua ética de liberdade e transparência, fundamental para a construção da internet livre como a conhecíamos até pouco tempo atrás. Pontuamos no debate os princípios contraculturais da ética hacker (aqui tem bastante material sobre isso, feito para minhas aulas de Cultura Hacker e Jornalismo), mas ouvimos o feedback que, por menos discriminatórios que sejam alguns dos princípios hackers, a prática nos diz que muitos hackers e programadores endossam o machismo e a misoginia. Para reverter esse processo é fundamental o trabalho de iniciativas que relacionam as questões feministas e LGBTQ com as tecnologias digitais e a cultura hacker, como muitas das que divulgamos nesse post no 8 de março de 2018, hackerspaces como MariaLab, grupos como Mulheres na Tecnologia e iniciativas recentes como o portal Acoso Online, que trata de trazer informações sobre publicação sem consentimento de imagens e vídeos íntimos por meios eletrônicos.


Finalizamos, nas duas horas finais das 12h de curso, com algumas inquietações, sugestões de ações e trechos de textos que nos convidam a agir.
Abrir as caixas-pretas, da tecnologia e dos sistemas políticos, econômicos e institucionais, em busca da transparência desses sistemas é um objetivo sempre em vista.
Que a urgência desse momento de tantos retrocessos e conservadorismo global seja uma inquietação para agir, não para se desesperar; há muito o que se construir, se unir e (re) lembrar afinal porque somos humanos e porque o conhecimento que produzimos pode servir para a busca de justiça social e redução das desigualdades.
Que, na aceleração da infoesfera que nos entope de informação, limitar (ou organizar) os muitos estímulos vindo de todos lados é não somente razoável como necessário para agir.
Que é importante politizar o mal-estar, como nos fala Amador Fernandez-Savater; que esse mal-estar geral que vivemos em torno dos retrocessos e ascensão de práticas relacionadas ao que chamamos de fascismo pode ser elaborado enquanto força afirmativa de transformação e de construção de possibilidades e modos de viver. Não deixar o choro e o sofrimento em casa, mas sim trazê-los, junto com o mal-estar, para o debate (hay que vir llorado de casa!) e falar sobre ele. Mesmo que não se saiba onde essa discussão vai dar: no caminho podem ocorrer mudanças que nos tiram do imobilismo da crítica pela crítica. Aprender a viver a partir e com a crise é um primeiro passo para sair dela, o que inclui não negar o subjetivo e os afetos na política, mas unir estes afetos, destrinchá-los e trabalhar com eles, compartilhando vulnerabilidades – situações como a dos três dias de curso que propomos são algumas das possíveis de fazer essa discussão.

“A ação da multidão não é outra coisa que esta proliferação contínua de experiências vitais que têm em comum a negação da morte, a recusa radical e definitiva do que paralisa o processo da vida”. (Antonio Negri)]

[A ‘deserotização’ da vida cotidiana é o pior desastre que a humanidade pode conhecer…é que se perde a
empatia, a compreensão erótica do outro…” (Franco Berardi, Bifo)]

[“A ação … diz respeito, antes de mais nada, ao sentir. Agir significa modificar a maneira de sentir junto…” (Maurizio Lazzarato)]

[“Refiro-me à multidão de festa, à multidão de alegria, à multidão espontaneamente amorosa, embriagada apenas pelo prazer de se reunir por se reunir.” (Gabriel Tarde)]

[“… o mais profundo é a pele…” (Paul Valéry)]

“Tecnopolítica e Contracultura” é um experimento disparador de ideias e ações que visam a nos tirar da letargia do “não há nada a fazer”. Como tal, segue em outros locais e com outras pessoas; nas próximas semanas vamos avisando os próximos passos e datas. Aqui está o material guia utilizado no curso. Adelante!

 

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Tecnopolítica e contracultura – a estreia de um curso https://baixacultura.org/2019/01/17/tecnopolitica-e-contracultura-a-estreia-de-um-curso/ https://baixacultura.org/2019/01/17/tecnopolitica-e-contracultura-a-estreia-de-um-curso/#respond Thu, 17 Jan 2019 19:42:03 +0000 https://baixacultura.org/?p=12712
Se nos anos 1990, com o casamento do digital com a internet, enxergávamos enormes possibilidades de libertação (da informação de grandes grupos midiáticos, de liberdade de falar o que bem quiser, de criar tecnologias e mundos novos), hoje parece que estamos a lidar com consequências nefastas, representadas em uma palavra na moda nestes tempos: distopia.

Nos descuidamos – ou não conseguimos? – prestar atenção na ascensão de plataformas globais de tecnologia, que por sua vez construíram bolhas de informação que confirmam pontos de vista, espalham mentiras e criam realidades alternativas que em muitos casos não há informação comprovada que consiga mudar. Como podemos compreender o contexto tecnopolítico hoje? Que caminhos podemos apontar para discutirmos e transformarmos a política que sempre está junto na construção de tecnologias?

Para tentar fazer melhores perguntas e aproximarmos de respostas que nos convoquem pra ação, propomos esse curso: “Tecnopolítica e Contracultura“, que vai estrear no Centro de Pesquisa e Formação do SESC, em São Paulo, nos dias 11, 12 e 13 de fevereiro, das 14h às 18h, conduzido por o editor desta página, Leonardo Foletto, e Leonardo Palma, pesquisador independente, agitador cultural radicado em Santa Maria-RS, ativista da Rede Universidade Nômade e um profundo conhecedor da obra dos autonomistas italianos a partir da década de 1970. O curso busca resgatar um pensamento tecnopolítico em quatro momentos: 1) os autonomistas italianos da década de 1970;  2) pós-operaísmo, altermundistas, Fórum Social Mundial e mídia tática dos 1990; 3) hackers: paranóicos visionários, dos 1980, 1990 e 2000; e o 4) hoje, com a ascensão das redes sociais como principais espaços de discussão pública nas redes digitais e o fim da internet como a conhecemos nos 1990 e 2000.

Começamos nosso percurso pelos autonomistas surgidos no maio de 68′ italiano que durou mais de uma década. Falaremos do contexto de surgimento desse, digamos, movimento, sua construção no final dos 1960 com o importante papel das revistas (em especial, Quaderni Rossi, Clase Operaia, Primo Maggio) em tornar palpável a produção de subjetividade, por em circulação e entendimento certos conceitos e ideias; da articulação com a universidade (estudantes e professores) e com os operários das fábricas italianas; da construção de alguns aparatos sociotécnicos baseados nas ideias em circulação, como a Rádio Alice; e de como todo o fértil cenário contracultural estabelecido na Itália dessa época foi dissolvido, com a criminalização e o exílio de muitos de seus participantes. Trabalharemos nessa parte com autores e histórias de Antonio Negri, Franco “Bifo” Berardi, Paolo Virno, Maurizio Lazaratto, Mário Tronti, Giorgio Agamben, Silvia Federici, entre outrxs.

Passamos então para um segundo momento, final dos 1980 e início dos 1990, trazendo histórias, textos & aparatos do pós-operaísmo, altermundistas, net-art e mídia tática. A partir da saída de Negri da prisão (1983) e seu exílio na França, sua obra começa a ser redescoberta por uma esquerda ligada mais a Foucault, Deleuze e Guatarri do que aos “partidos” institucionalizados. Os Zapatistas de Chiapas, no México, recuperam os autonomistas italianos e praticamente inauguram um ciberativismo/hackativismo na então novata internet dos 1990, com ações na rede e fora dela que vão influenciar a potencialização do movimento altermundista e na Ação Global dos Povos, que explode a partir de 1999, em Seattle, e segue pelo menos até 2003. Essa rede pós-operaísmo está articulada com o nascimento do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, 2001; com um movimento potente de cultura digital (“networked cultures”) que propagou o conceito de mídia tática, muito propagado e trabalho no brasil dos 2000;  com coletivos como Luther Blisset, Wu Ming, Critical Art Ensemble; e com muitxs pesquisadores em torno da Nettime, lista de e-mails, até hoje ativa, que reúne alguns teóricos-práticos europeus da área, como Geert Lovink, Felix Stalder, John Holloway, Trebor Scholz, Bruce Sterling, entre outrxs.

Na terceira parte, miramos um grupo de fazedores e pensadores que atua em paralelo aos autonomistas e altermundistas, às vezes se relacionando com estes e em outras não: os hackers. Surgidos enquanto grupo de pessoas e uma (contra) cultura no final dos 1960, os hackers se propagam pelos 1970, com a criação da internet e o começo da popularização dos computadores pessoais, pelos 1980, com o movimento do software livre, do copyleft e via hackerspaces, laboratórios de garagem que serão a base de um movimento, em especial em sua versão européia e latino-americana, que pratica a (contra) cultura tecnológica a partir dos princípios da autonomia digital, da segurança da informação e das táticas antivigilências. Aqui, destacamos alguns textos, ideias e projetos de Richard Stallman, criador do movimento do software livre e ainda hoje preside de Free Software Foundation, Gabriela Coleman, Tatiana Bazzichelli, Eric Raymond, Richard Barbrook, Pekka Himanen, Chaos Computer Club, Julian Assange, Linus Torvalds, entre outrxs também brasileirxs ligados aos grupos da MetaReciclagem, Transparência Hacker, BaixoCentro, Casa da Cultura Digital.

No desfecho, falamos do espírito da “Ressaca da Internet” já comentado em texto por aqui, mas que aprofundaremos no curso. e dos tempos de “decomposição” que vivemos, onde cada vez mais o “autômato” está tomando toda nossa força de imaginação, como fala Bifo em recente palestra na Argentina, em Novembro de 2018. Bifo, aliás, é um dos elos entre todos s momentos do curso; está presente da Itália dos 1970 aos altermundistas dos 1990, ainda hoje ativo pensando, escrevendo e propagando a ideia de que não devemos nos acomodar com a ascenção fascista que nos cerca, em especial no Brasil e na América Latina, e que a força de nosso pensamento e do conhecimento é demasiadamente mais rica do que a que apresentada neste cenário brutal em que vivemos neste 2019.

Como aperitivo do curso, o vídeo de Bifo acima comentado está aqui abaixo e sintetiza algumas questões a serem abordadas entre 11 e 13 de fevereiro. Aos que não forem de SP, aguardem, montamos esse curso com muito estudo e gosto para circular em outras cidades também. Inscrições e mais informações no site do Sesc.

Créditos imagens: divulgação do curso; autonomismo italiano; altermundismo; hackers;

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