direitos autorais – BaixaCultura https://baixacultura.org Cultura livre & (contra) cultura digital Fri, 01 Nov 2024 12:51:07 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.0.9 https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2022/09/cropped-adesivo1-32x32.jpeg direitos autorais – BaixaCultura https://baixacultura.org 32 32 IA e os direitos dos escritores https://baixacultura.org/2024/11/01/ia-e-os-direitos-dos-escritores/ https://baixacultura.org/2024/11/01/ia-e-os-direitos-dos-escritores/#respond Fri, 01 Nov 2024 12:40:35 +0000 https://baixacultura.org/?p=15749 Traduzimos um artigo do escritor e ativista Cory Doctorow que explora como a Penguin Random House (PRH), maior grupo editorial do mundo, tem restringido o uso de seus livros para treinamento de IA, o que tem gerado uma sensação de proteção entre escritores. No entanto, convém ter calma: esse tipo de movimento pode ser mais sobre controle econômico do que defesa dos direitos dos trabalhadores criativos. “Só porque você está do lado deles, não significa que eles estejam do seu lado”.

Doctorow destaca que muitas editoras e grandes players da mídia usam táticas como essa para maximizar lucros, enquanto os trabalhadores criativos raramente se beneficiam diretamente dessas mudanças. Mesmo com a nova política da PRH – que provavelmente servirá de base para outras editoras mundo afora – é improvável que os escritores recebam qualquer compensação adicional se a PRH cobrar pelo uso das obras em treinamentos de IA.

Doctorow aponta também que a concentração do mercado editorial reduz as chances de negociação para autores. Hoje, com apenas cinco grandes editoras dominando o setor, os escritores perdem força de negociação e encontram dificuldades para exigir melhores condições, algo que era mais viável em um mercado menos concentrado.

O ensaio também sugere que em vez de focar exclusivamente em garantir mais direitos autorais, escritores e outros trabalhadores criativos poderiam se mobilizar para conquistar maior autonomia financeira e melhores condições em negociações com as editoras. Movimentos como, por exemplo, o direito de reaver suas obras após alguns anos – 14 anos, como era no sistema original de copyright dos EUA, e não 35 ou após a morte do autor – e revendê-las por mais dinheiro, poderiam dar mais controle aos autores sobre suas criações, garantindo uma renda justa e estável.

 

Penguin, Inteligência Artificial e os direitos dos escritores

Cory Doctorow

Publicado originalmente no Pluralistic em 19/10/24
Tradução: Leonardo Foletto

Minha amiga Teresa Nielsen Hayden é uma fonte de ditados sábios, como “você não é responsável pelo que faz nos sonhos de outras pessoas” e o meu favorito de todos os tempos, da época do Napster: “Só porque você está do lado deles, não significa que eles estejam do seu lado”.

As gravadoras odiavam o Napster, assim como muitos músicos, e quando esses músicos ficaram do lado de suas gravadoras nas campanhas legais e de relações públicas contra o compartilhamento de arquivos, eles deram legitimidade legal e pública à causa das gravadoras, que acabou prevalecendo.

Mas as gravadoras não estavam do lado dos músicos. O fim do Napster e, com ele, a ideia de um sistema de licença geral para distribuição de música pela Internet (semelhante aos sistemas de rádio, apresentações ao vivo e música enlatada) em locais e lojas) estabeleceu firmemente que os novos serviços *devem* obter permissão das gravadoras para operar.

A era atual é muito boa para as gravadoras. O cartel das “Big Three”- Universal, Warner e Sony – ditou os termos com o Spotify, que em contrapartida entregou bilhões de dólares em ações e permitiu que as três grandes co-projetassem o esquema de royalties sob o qual o Spotify opera hoje.

Se você ouviu alguma coisa sobre os pagamentos do Spotify, provavelmente sabe que eles são extremamente desfavoráveis aos artistas. Isso é verdade, mas não significa que seja desfavorável para as três grandes gravadoras. As “Big Three” têm seus pagamentos mensais assegurados, grande parte registrada como “royalties não atribuíveis” –  dinheiro que as gravadoras podem distribuir entre os artistas ou usarem como bem entenderem. Também tem outras vantagens, como por exemplo poder incluir gratuitamente músicas de seus artistas nas principais listas de reprodução. Além disso, os pagamentos ultra baixos aos artistas aumentam o valor das ações das gravadoras no Spotify, pois quanto menos o Spotify tiver que pagar pela música, melhor será sua imagem para os investidores. Assim, as Big Three – que detêm 70% de todas as músicas já gravadas no mundo, graças a uma orgia de fusões – compensam o déficit dessas baixas taxas por fluxo com pagamentos garantidos e promoções.

Mas as gravadoras independentes e os músicos, que representam os 30% restantes, ficam de fora dessa conta. Eles estão presos ao mesmo esquema de royalties fracionários de centavo por streaming que as  Big Three, mas não recebem garantias gigantescas de dinheiro mensal, além de precisarem pagar pela colocação de músicas em playlists – o que as Big Three fazem de graça.

Só porque você está do lado deles, não significa que eles estejam do seu lado. [Leia o que escrevi sobre como o Spotify rouba dos artistas

 

Em um sentido muito concreto e importante, os trabalhadores criativos – escritores, cineastas, fotógrafos, ilustradores, pintores e músicos – não estão do mesmo lado que as gravadoras, agências, estúdios e editoras que colocam nosso trabalho no mercado. Essas empresas não são instituições de caridade; elas são motivadas a maximizar os lucros e uma maneira importante de fazer isso é reduzir os custos, inclusive e principalmente o custo de nos pagar pelo nosso trabalho.

É fácil não perceber esse fato porque os trabalhadores dessas gigantescas empresas de entretenimento são nossos aliados de classe. O mesmo impulso que restringe os pagamentos aos escritores é usado quando as empresas de entretenimento pensam em quanto pagam aos editores, assistentes, publicitários e à equipe da logística. Essas são as pessoas com as quais os trabalhadores criativos lidam no dia a dia; elas, em geral, estão sim do nosso lado, e é fácil confundir essas pessoas com seus empregadores.

Essa guerra de classes não precisa ser o fato central do relacionamento dos trabalhadores criativos com nossas editoras, gravadoras, estúdios, etc. Quando há muitas dessas empresas de entretenimento, elas competem umas com as outras pelo nosso trabalho (e pelo trabalho dos funcionários que levam esse trabalho ao mercado), o que aumenta nossa participação no lucro que nosso trabalho produz.

Mas vivemos em uma era de extrema concentração de mercado em todos os setores, inclusive no de entretenimento, onde lidamos com cinco editoras, quatro estúdios, três gravadoras, duas empresas de tecnologia de publicidade e uma única empresa que controla todos os e-books e audiolivros na América do Norte. Essa concentração faz com que seja muito mais difícil para os artistas negociarem de forma eficaz com as empresas de entretenimento, o que significa que é possível – e até provável – que as empresas de entretenimento obtenham vantagens de mercado que não são compartilhadas com os trabalhadores criativos. Em outras palavras: quando seu campo é dominado por um cartel, você pode estar do lado deles, mas é quase certo que eles não estão do seu lado.

Esta semana, a Penguin Random House (PRH), a maior editora “da história da raça humana”, ganhou as manchetes quando alterou o aviso de copyrights de seus livros para proibir o treinamento de IA.

A página de copyright agora inclui esta frase:

Nenhuma parte deste livro pode ser usada ou reproduzida de qualquer maneira para fins de treinamento de tecnologias ou sistemas de inteligência artificial.

Muitos escritores estão comemorando essa mudança como uma vitória dos direitos dos trabalhadores criativos sobre as empresas de IA, que arrecadaram centenas de bilhões de dólares, em parte prometendo aos nossos chefes que podem nos demitir e nos substituir por algoritmos.

Mas esses escritores estão presumindo que, só porque estão do lado da Penguin Random House, a PRH está do lado deles. Eles estão presumindo que, se a PRH lutar contra as empresas de IA que treinam bots com seu trabalho gratuitamente, isso significa que a PRH não permitirá que bots sejam treinados com seu trabalho de forma alguma.

Essa é uma visão bastante ingênua. O que é muito mais provável é que a PRH use todos os direitos legais que possui para insistir que as empresas de IA paguem pelo direito de treinar chatbots com os livros que escrevemos. É muito improvável que a PRH compartilhe o dinheiro da licença com os escritores cujos livros são então jogados no funil de treinamento do bot. Também é extremamente provável que a PRH tente usar a produção dos chatbots para reduzir nossos salários ou nos demitir e substituir nosso trabalho por uma IA lixo.

Isso é especulação de minha parte, mas é uma especulação informada. Observe que a PRH não anunciou que permitiria aos autores reivindicar o direito contratual de impedir que seu trabalho fosse usado para treinar um chatbot. Ou que estava oferecendo aos autores uma parte de qualquer uma das taxas de licença de treinamento, ou uma parte da renda de qualquer coisa produzida por bots treinados com o nosso trabalho.

De fato, à medida que o mercado editorial se transformou das trinta e poucas editoras de médio porte que floresciam quando eu era um escritor novato para as Cinco Grandes que dominam o campo atualmente, seus contratos ficaram notavelmente e materialmente piores para os escritores.

Isso não tem nada de surpreendente. Em qualquer leilão, quanto mais licitantes sérios houver, mais alto será o preço final. Quando havia trinta possíveis licitantes para nosso trabalho, conseguíamos em média um acordo melhor do que agora, quando há no máximo cinco licitantes.

Embora isso seja evidente, a Penguin Random House insiste em dizer que não é verdade. Na época em que a PRH estava tentando comprar a Simon & Schuster (reduzindo assim as cinco grandes editoras para quatro), eles insistiram que continuariam a fazer lances contra eles mesmos: editores da Simon & Schuster (que seria uma divisão da PRH) fariam lances contra editores da Penguin (outra divisão da PRH) e da Random House (mais uma divisão da PRH).

Isso é um absurdo óbvio, como disse [o escritor] Stephen King quando testemunhou contra a fusão (que foi posteriormente bloqueada pelo tribunal): “Você poderia muito bem dizer que terá marido e mulher concorrendo um contra o outro pela mesma casa. Seria muito cavalheiresco e tipo, ‘Depois de você’ e ‘Depois de você’, disse ele, gesticulando com um movimento educado do braço”.

A Penguin Random House não se tornou a maior editora da história publicando livros melhores ou fazendo um marketing melhor. Eles atingiram sua escala comprando seus rivais. A empresa é, na verdade, uma espécie de organismo colônia formado por dezenas de editoras que antes eram independentes. Cada uma dessas aquisições reduziu o poder de barganha dos escritores, mesmo dos escritores que não escrevem para a PRH, porque o desaparecimento de um licitante confiável para o nosso trabalho no portfólio corporativo da PRH reduz os possíveis licitantes para o nosso trabalho, independentemente de para quem o estamos vendendo.

Prevejo que a PRH não permitirá que seus escritores incluam uma cláusula em seus contratos proibindo a PRH de usar seu trabalho para treinar uma IA. Essa previsão se baseia em minha experiência direta com duas das outras cinco grandes editoras, onde sei com certeza que elas se recusaram terminantemente a fazer isso e disseram ao escritor que qualquer insistência em incluir esse contrato levaria à rescisão da oferta.

As Big Five têm termos de contrato marcadamente semelhantes. Ou melhor, contratos incrivelmente semelhantes, uma vez que os setores concentrados tendem a convergir em seu comportamento operacional. As Big Five são semelhantes o suficiente para que se entenda que um escritor que processe uma delas provavelmente será excluído das demais.

Meu próprio agente me deu esse conselho quando uma das Big Fives me roubou mais de US$ 10.000 – cancelou um projeto do qual eu fazia parte porque outra pessoa envolvida com ele desistiu e, em seguida, retirou cinco dígitos da taxa de inscrição especificada em meu contrato, só porque podia. Meu agente me disse que, embora eu certamente ganhasse o processo, isso custaria a minha carreira, pois me colocaria em má situação com todos as Big Five.

Os escritores que estão aplaudindo o novo aviso de direitos autorais da Penguin Random House estão operando sob a crença equivocada de que isso tornará menos provável que nossos chefes comprem uma IA na esperança de nos substituir por ela. Isso não é verdade. Conceder à Penguin Random House o direito de exigir taxas de licença para treinamento em IA não fará nada para reduzir a probabilidade de que a Penguin Random House opte por comprar uma IA na esperança de reduzir nossos salários ou nos demitir.

Mas outra coisa fará! O Escritório de Direitos Autorais dos EUA emitiu uma série de decisões, confirmadas pelos tribunais, afirmando que nada feito por uma IA pode ser protegido por direitos autorais. Por estatuto e tratado internacional, o direito autoral é um direito reservado para obras de criatividade humana (é por isso que a “selfie do macaco” não pode ser protegida por direitos autorais).

Cryteria/CC BY 3.0, modificado

Se todas as outras coisas forem iguais, as empresas de entretenimento vão preferir pagar aos trabalhadores criativos o mínimo possível (ou nada) pelo nosso trabalho. Mas, por mais forte que seja sua preferência por reduzir os pagamentos aos artistas, elas estão muito mais comprometidas em poder controlar quem pode copiar, vender e distribuir os trabalhos que lançam.

Em outras palavras, quando confrontadas com a escolha entre “Não precisamos mais pagar aos artistas” e “Qualquer pessoa pode vender ou distribuir nossos produtos e não receberemos um centavo por isso”, as empresas de entretenimento pagarão aos artistas todo o dia.

Lembra-se daquele idiota de quem todos riram porque ele conseguiu ganhar um concurso de arte com uma porcaria de IA e depois ficou com raiva porque as pessoas estavam copiando a “sua” imagem? A insistência desse cara de que sua porcaria deveria ter direito a direitos autorais é muito mais perigosa do que o golpe original de fingir que ele pintou a porcaria em primeiro lugar.

Se a PRH estivesse intervindo nesses casos de direitos autorais de IA do Copyright Office para dizer que os trabalhos de IA não podem ser protegidos por direitos autorais, isso seria um caso em que estaríamos do lado deles – e eles estariam do nosso lado. No dia em que eles apresentarem uma petição de amicus curiae ou um comentário de regulamentação apoiando a ausência de direitos autorais para IA, eu os louvarei aos céus.

Mas essa alteração no aviso de direitos autorais do PRH não vai melhorar o saldo bancário dos escritores. Dar aos escritores a capacidade de controlar o treinamento de IA não impedirá a PRH e outras empresas gigantes de entretenimento de treinar IAs com nosso trabalho. Elas simplesmente dirão: “Se você não assinar o direito de treinar uma IA com seu trabalho, não o publicaremos”.

O maior indicador de quanto dinheiro um artista ganha com a exploração de seu trabalho não é a quantidade de direitos exclusivos que temos, mas sim o poder de negociação que temos. Quando você negocia com cinco editoras, quatro estúdios ou três gravadoras, todos os novos direitos que você obtém do Congresso ou dos tribunais são simplesmente transferidos para eles na próxima vez que você negociar um contrato.

Como Rebecca Giblin e eu escrevemos em nosso livro de 2022 “Chokepoint Capitalism”:

Dar mais direitos autorais a um trabalhador criativo é como dar mais dinheiro para o lanche de um aluno que sofre bullying. Não importa o quanto você dê a ele, os valentões ficarão com tudo. Dê a seu filho dinheiro suficiente para o lanche e os valentões poderão subornar o diretor da escola para que faça vista grossa. Continue dando dinheiro para o lanche da criança e os agressores poderão lançar um apelo global exigindo mais dinheiro para o lanche de crianças famintas!

Como a sorte dos trabalhadores criativos diminuiu durante a era neoliberal de fusões e consolidações, nós nos distraímos com campanhas para obter mais direitos autorais, em vez de mais poder de negociação.

Existem políticas de direitos autorais que nos dão mais poder de negociaçao. Proibir que trabalhos de IA obtenham direitos autorais nos dá mais poder de negociação. Afinal, só porque a IA não pode fazer nosso trabalho, não significa que os vendedores de IA não possam convencer nossos chefes a nos demitir e nos substituir por uma IA incompetente.

Depois, há a “rescisão de direitos autorais”. De acordo com o Copyright Act de 1976, nos Estados Unidos os trabalhadores criativos podem reaver os direitos autorais de suas obras após 35 anos, mesmo que assinem um contrato abrindo mão dos direitos autorais por toda a sua duração.

Trabalhadores criativos, de George Clinton a Stephen King e Stan Lee, converteram esse direito em dinheiro – ao contrário, por exemplo, de termos mais longos de direitos autorais, que são simplesmente transferidos para empresas de entretenimento por meio de cláusulas contratuais não negociáveis. Em vez de nos juntarmos aos nossos editores na luta por termos mais longos de direitos autorais, poderíamos exigir termos mais curtos para a rescisão de direitos autorais. Por exemplo, o direito de retomar um livro, música, filme ou ilustração popular após 14 anos (como era o caso no sistema original de direitos autorais dos EUA) e revendê-lo por mais dinheiro como um sucesso comprovado e sem riscos.

Até lá, lembre-se: “só porque você está do lado deles, isso não significa que eles estejam do seu lado”. A PRH não quer evitar que o conteúdo de baixa qualidade feito por IA reduza os nossos salários como escritores; eles só querem ter certeza de que é a produção da IA deles que vai fazer isso, e não outra de fora.

 

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Todo(s) ouvidos: 25 anos do Napster https://baixacultura.org/2024/08/09/todos-ouvidos-25-anos-do-napster/ https://baixacultura.org/2024/08/09/todos-ouvidos-25-anos-do-napster/#respond Fri, 09 Aug 2024 18:59:23 +0000 https://baixacultura.org/?p=15695 Há 25 anos, o Napster transformou a forma como ouvimos, consumimos e experimentamos entretenimento, tornando-se um dos serviços de compartilhamento de música mais icônicos e disruptivos da internet

Por Andressa Soilo*

Criado em 1999 por Shawn Fanning, um estudante de 19 anos insatisfeito com o modelo de distribuição musical da indústria fonográfica, e pelo igualmente jovem Sean Parker, que anos depois seria também o primeiro presidente do Facebook, o Napster rapidamente se tornou um instrumento de transformação cultural. A disponibilização de downloads gratuitos de músicas em MP3 não era uma novidade, mas os programas existentes naquele momento (IRC, Hotline e Usenet, por exemplo) não eram tão bons e fáceis de usar como o software criado principalmente por Fanning, programador autodidata – Parker entraria também com o investimento dos primeiros U$50 mil da empresa.

Menos de um ano depois do lançamento, o Napster já era um sucesso: registrava cerca de 14 mil músicas baixadas por minuto e contava com aproximadamente 75 milhões de usuários registrados, segundo Corey Rayburn. Sua base de usuários crescia cerca de 25% ao dia. Naquela época, o termo mais pesquisado nos sites de busca era “MP3”, e o programa de compartilhamento chegou a entrar para o Guinness Book of World Records como o empreendimento com o crescimento mais rápido de todos os tempos – até aquele momento. Em outubro de 2000, Fanning estampou uma icônica capa da revista Time, que considerou seu programa uma das maiores inovações da Internet, ao lado do e-mail e das mensagens instantâneas.

O programa transformou a forma de circulação e compartilhamento da música à época sobretudo por três aspectos: desafiava as normas de direitos autorais, ao promover abertamente a pirataria; apresentava um jovem que enfrentava o domínio da indústria musical; e incentivava um senso de coletividade e solidariedade entre seus usuários. A mensagem era: a música é livre! Acabou a obrigação financeira para acessar a música. O usuário apenas precisava se cadastrar, instalar o aplicativo do Napster no computador, buscar a música desejada e baixá-la. Não era mais necessário ir a uma loja física ou comprar um álbum inteiro apenas para ouvir uma ou duas faixas de um artista. E claro, não havia mais a necessidade de pagar os elevados preços impostos pelo mercado.

Embora a inovação tenha proporcionado a milhares de usuários de música na internet maior economia e autonomia no consumo, o Napster teve uma vida útil curta em seu formato de programa de downloads à margem da lei. Em 2001, após uma série de processos movidos pelas grandes gravadoras e pela Recording Industry Association of America (RIAA), que alegavam que o serviço facilitava a violação de direitos autorais, uma ordem judicial determinou que o Napster deveria interromper suas atividades.

No entanto, o breve período de atividade foi suficiente para abalar o status quo da indústria fonográfica. A popularidade do programa e sua capacidade de expressar insatisfações de consumidores em relação à indústria musical foram suficientes para forçar uma reinvenção na distribuição do entretenimento. O professor Kartik Hosanagar  da School of the University of Pennsylvania em entrevista para Knowledge at Warthon, reforça essa ideia:

“Com os downloads, o segmento mais baixo do mercado não vai pagar por isso porque a música pode ser obtida gratuitamente [por meio de pirataria]. O segmento mais alto do mercado achará o streaming mais conveniente porque tem acesso à música ‘a qualquer hora e em qualquer lugar’, em vez de comprar a música em um dispositivo e não ter acesso em outro (Knowledge at Wharton, disponível em: https://knowledge.wharton.upenn.edu/faculty/kartik-hosanagar/).”

Compartilhando sensos de justiça

As mudanças trazidas pelo Napster não foram apenas de ordem econômica, embora esse aspecto seja crucial para entender o impacto disruptivo do serviço. O software ajudou a formar novas percepções sobre o que é (in)tolerável no comportamento da indústria da música e fortaleceu sensos de justiça entre os consumidores, como escrevi em minha tese de doutorado sobre o tema***. A plataforma deu voz a um público que via desvantagens no modelo tradicional de distribuição da música. Os preços elevados, a possibilidade de conhecer artistas sem um comprometimento financeiro prévio e a falta de opções de compra “à la carte” deixaram de ser apenas desconfortos e se tornaram protestos.

A consolidação da percepção coletiva sobre a falta de atenção da indústria em relação ao seu público-alvo foi bem-sucedida. Noções e termos relacionados à “ganância” eram amplamente difundidos para desaprovar e contestar métodos e ações do setor fonográfico. Piadas, sátiras, sarcasmo e ironias se tornaram formas comuns para deslegitimar as práticas legais destinadas a combater a pirataria. Essas expressões têm relevância porque funcionam como instrumentos de atração e carisma, reforçando a moral dos críticos, ao mesmo tempo em que deslegitimam e desmoralizam a indústria do entretenimento e o Estado e suas leis.

Mas os agentes do status quo revidaram. Nos anos 2000, comparações entre pirataria e crimes como furto e roubo foram frequentes. Em 2007 a gravadora Universal Music Group promoveu uma campanha de publicidade anti-pirataria que envolvia imagens de partes desmembradas do corpo humano – como olhos, dedos, e orelhas – sugerindo que o download irregular de músicas suscitava na perda de partes dos corpos de músicos, como relatou Mike Masnik na Techdirt. Aqui mesmo no BaixaCultura há uma série dessas imagens compiladas, com frases como “Se você baixa MP3, você está baixando o comunismo” ou imagens como a de artistas consagrados (Elvis Presley, Jimi Hendrix, Jim Morrison) formada a partir de Cds virgens.

Essas comparações eram dirigidas não apenas a programadores e softwares de compartilhamento, mas também aos usuários desses serviços. Além de não oferecer condições de consumo atraentes para muitos usuários, organizações representativas de estúdios e gravadoras passaram a tratar o público – e não apenas os programadores – como moralmente suspeitos, rotulando-os de ladrões de dinheiro, carreiras e sonhos de artistas.

É possível entender essa disputa narrativa como um dos principais coveiros do formato tradicional de distribuição de música. Não foram apenas o Napster, como ferramenta de compartilhamento, nem os altos preços e as restrições de acesso que provocaram essa transformação. Emoções, sentimentos, percepções e interpretações do público consumidor — que o Napster, como ferramenta sociotécnica, conseguiu amplificar — desempenharam um papel determinante na necessidade de reestruturar o mercado.

O Napster ainda existe em 2024 – como streaming pago

 

Legados do Napster

Mas de quais transformações estamos falando? Em última análise, as mudanças ocorridas nos últimos 25 anos podem ser entendidas como uma reavaliação da indústria em resposta às percepções e interesses levantados pela pirataria e seus agentes. Como resultado, houve um esforço significativo em confluir lógicas coletivas e lógicas corporativas em um mesmo espaço a fim de reconquistar consumidores e direcioná-los de volta para o mercado legalizado do entretenimento.

Na prática, o legado do Napster pode ser percebido em diversas de nossas relações cotidianas com o consumo de música, mas destaco uma herança marcada por três movimentos: a consistente presença da música no espaço online; o acesso mais barato em comparação a décadas passadas; e o surgimento dos serviços de streaming.

Talvez a resposta mais notável da indústria neste momento seja o desenvolvimento e aprimoramento de plataformas de streaming, tendo o Spotify como o principal exemplo, mas também o próprio Napster, que hoje ainda existe como um serviço de streaming pago. Como já dito aqui no BaixaCultura, a indústria soube ouvir uma demanda de quem usava o Napster e os torrents para ter acesso à diversas produções culturais mundiais: faça melhor que eu pago. Mesmo envoltas por regulações de propriedade intelectual, as plataformas de streaming assimilam alguns dos princípios de justiça promovidos pela pirataria – pelo menos no que diz respeito aos usuários, já que os artistas continuam sendo remunerados de forma confusa, pra não dizer injusta.

Algumas dessas similaridades entre plataformas de streaming e softwares como o Napster são o (relativo) baixo custo do acesso à música (pelo menos em comparação aos CDs e LPs), o que dá a sensação de “gratuidade”; a praticidade destes serviços – basta assinar e já é possível ter acesso a um universo de músicas, um modo mais fácil e passivo de consumo musical que a busca ativa em serviços como o Napster e os torrents; a maior interatividade com o público, propiciada (e estimulada) pelos algoritmos dos serviços de streaming também como forma de manter mais tempo o usuário conectado “preso” aos domínios das plataformas. Essas características não estão limitadas a seus aspectos técnicos; descendem de uma cadeia de eventos em que percepções, valores e emoções foram (e são) constantemente negociados.

É pertinente pensarmos que a indústria musical de hoje é produzida a partir de relações coprodutivas entre pirataria e sistemas orientados por direitos autorais. A pirataria segue, como sempre ocorre, às margens do universo legalizado, mas a habita de modo central e constante. Nesse diálogo, os sistemas de direitos autorais, por sua vez, precisam constantemente se adaptar a essa dinâmica, buscando formas de integrar e regular essas práticas em um cenário em constante evolução. A interdependência entre esses dois elementos destaca a complexidade do mercado atual e a necessidade de atualizações de abordagens para equilibrar acesso, proteção e remuneração no setor musical. A pirataria, longe de ser uma força periférica, desempenha um papel crucial no setor musical, moldando não apenas o consumo, mas também a forma como as estratégias comerciais são elaboradas.

É interessante percebermos como as categorias do legal e ilegal não são completamente dissociadas quando tratamos de indústria fonográfica. Pelo contrário, estão em constante diálogo traçando e redefinindo fronteiras sociais do aceitável e do inaceitável. E se hoje muitos desfrutam de músicas através de plataformas de streaming legalizadas, não há espaço para pensar que nos distanciamos tanto da pirataria.

Muitos dos princípios, demandas e inovações de um quarto de século atrás continuam presentes tanto em tecnologias mainstream, quanto em plataformas como o Streamio e demais sobreviventes de buscas de torrents – mas isso é papo para outro texto.

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*: Andressa é Doutora e mestra em Antropologia Social pela UFRGS, atualmente professora da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), campus Erechim.
**: Como está registrado em BRUENGER, David. 2016. Making Money, Making Music: History and Core Concepts. University of California Press. Disponível em: https://archive.org/details/isbn_2900520292597
***: SOILO, Andressa Nunes. Habitando a distribuição do entretenimento : regime de propriedade intelectual, a tecnologia streaming e a “pirataria” digital em coautoria. 2019. 290f. Tese (Doutorado em Antropologia Social), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2019. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/200183

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Formas distribuídas de propriedade e autoria culturais na América Latina https://baixacultura.org/2022/09/26/formas-distribuidas-de-propriedade-e-autoria-culturais-na-america-latina/ https://baixacultura.org/2022/09/26/formas-distribuidas-de-propriedade-e-autoria-culturais-na-america-latina/#respond Mon, 26 Sep 2022 13:38:56 +0000 https://baixacultura.org/?p=14941 Na última semana, de quinta a sábado (22 a 24/9) aconteceu o “Digitalizar en común: formas distribuidas de propiedad y autoría culturales“, seminário organizado por Creative Commons Mexico, Wikimedia Mexico e Red en Defensa de los Derechos Digitales (R3D), a partir do Centro Cultural de Espanha do México. A programação teve a participação de vários ativistas e pesquisadores da cultura livre no continente e tratou de temas como copyleft, gestão dos direitos digitais e de bens culturais, acesso aberto e diversidade em perspectiva crítica, reformas de leis de direito autor no continente, entre outros.

Participei da mesa “Formas distribuidas de propiedad y autoría: los esfuerzos y particularidades en Latinoamérica”, com Jorge Gemetto (Artica Online, Uruguay), Viviana Rangel (Fundación Karisma, Colômbia), Franco Giandana (Fundación Vía Libre, Argentina) e moderação de Salvador Alcántar (México), Universidad de Guadalajara. Todos nós algo veteranos no tema, com pelo menos 5 (no meu caso, 14) anos participando do debate em torno da cultura livre na América Latina. Tentamos responder às (muitas) questões trazidas a partir desta ementa e destas questões:

En tiempos de privatización del conocimiento los países de Latinoamérica se ven particularmente afectados. Fenómenos como el colonialismo de datos, las leyes maximalistas de derechos de autor, el desentendimiento de los Estados hacia el fenómeno de la privatización de los bienes generados en las universidades públicas, las prácticas leoninas de editoriales académicas y un largo etcétera; parecen debilitar otros modelos de distribución más justos y equitativos. ¿Cuáles son los esfuerzos que se han hecho desde los países del Sur Global?; y, ¿cuál es el futuro de los bienes comunes digitales en este contexto? ¿Cuáles son las particularidades del contexto de los países del sur en cuanto a la compartición del conocimiento y qué estrategias podríamos seguir frente a otros esfuerzos de otras latitudes y geopolíticas?

_ ¿Qué papel juega la piratería digital dentro del contexto latinoamericano?

_ ¿Cuál es el rol de las bibliotecas (en cualquier formato) en el futuro de la accesibilidad del conocimiento en LA?

_ ¿Cuál es su prospección para los siguientes años sobre la propiedad intelectual en la región?

_ ¿Cuáles son las propuestas de la sociedad civil sobre propiedad intelectual y autoría en la región?

O vídeo onde a gente tenta (e nem sempre consegue) responder a estas questões pode ser visto na íntegra (até 1h40) aqui. E a íntegra do evento, com todas as outras mesas, podem ser vistas aqui (primeiro dia; segundo dia).

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Retratos do ciclo copy, right? https://baixacultura.org/2012/07/05/retratos-do-ciclo-copy-right/ https://baixacultura.org/2012/07/05/retratos-do-ciclo-copy-right/#respond Thu, 05 Jul 2012 15:54:35 +0000 https://baixacultura.org/?p=6798

Passaram pouco mais de uma semana do ciclo copy, right? em SP, tempo suficiente para digerir tudo do que aconteceu.

Mas como foram 4 dias de ciclo, 6 filmes exibidos, 7 convidados e muitas outras conversas aleatórias, deixemos as fotos e os vídeos do evento falar por si só. No decorrer dos próximos dias, meses e até anos vamos recuperando algumas das histórias ali ouvidas, conversadas, etc, e relacionando com outros temas factuais, subjetivos, afetivos, etc.

Uma possível constatação depois de tudo isso é: estamos bem informados sobre as batalhas “novo” e “velho mundo” da cultura/industria cultural/direitos autorais. A segunda, mais realista e pessimista, é que somos muito poucos: falamos de termos como copyleft e crowdfunding, para citar dois exemplos, como se fossem coisas que todo mundo sabe o que é – e não, a imensa maioria não faz nem ideia do que seja.

Daí que as duas conclusões se juntam numa só: precisamos ser didáticos para nos fazer ouvir. O mundo da cultura livre/digital é um ovo. E só quando deixar de ser é que vamos conseguir alterar a sociedade tal como a tecnologia (e a cultura) digital tem pedido.

[Leonardo Foletto]

P.s1: Ainda temos algumas imagens e especialmente vídeos para recuperar das palestras. Avisamos aqui.

P.s2: Há possibilidades concretas da próxima edição do ciclo ser em no FISL 2012, em julho deste ano, em porto alegre.

 *

1ºdia – 12/6
Centro Cultural da Espanha

“¡Copiad, Malditos! (2011)
“Produção audiovisual em cultura livre: Brasil X Espanha”
Stéphane M. Grueso (diretor do filme, videoconferência) e Rafael Frazão (Casa da Cultura Digital, Filmes para Bailar)

2ºdia – 16/6
Matilha Cultural

“Patent Absurdity” (2010), “Arduíno: o documentário” (2011).
“ Hardware & software livre: cultura e cidadania P2P
Rodrigo Rodrigues (Garoa Hacker Clube, MetaMáquina) e Bernardo Gutierrez (Future Media, 15M Espanha).
A apresentação de Bernardo foi gravada pela Raquel Diniz, sua esposa, e pode ser vista aqui. A do Rodrigo disponibilizamos aqui em breve.

3ºdia – 23/6
Matilha Cultural

“RIP: A Remix Manifesto” (2009)
Cultura remix, RIP & direito autoral: 2009-2012
Pedro Markun (Casa da Cultura Digital, Esfera e Transparência Hacker).

(Neste dia, estamos sem fotos; em breve vamos pegá-las com o pessoal da Matilha Cultural e colocamos aqui).

4ºdia – 26/6
Centro Cultural da Espanha

Feira do Compartilhamento
“Ctrl-V – Video Control (2011)”,  “Remixofagia – Alegorias de uma Revolução” (2011)
Produção e políticas públicas em cultura digital”.
Rodrigo Savazoni (Casa da Cultura Digital, Festival CulturaDigital.br) e Leonardo Brant (Cultura e Mercado, Empreendedores Criativos).

Créditos fotos: BaixaCultura (1, 2, 3, 5, 6, 7, 8,9, 11, 12); Regina Elias/CCE (4, 10, 13, 14, 15)
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https://baixacultura.org/2012/07/05/retratos-do-ciclo-copy-right/feed/ 0
“Tudo é Remix” na íntegra e com legendas https://baixacultura.org/2012/05/24/tudo-e-remix-na-integra-e-com-legenda/ https://baixacultura.org/2012/05/24/tudo-e-remix-na-integra-e-com-legenda/#comments Thu, 24 May 2012 11:38:33 +0000 https://baixacultura.org/?p=6648

A quarta e últma parte do documentário “Everything is a remix“, dirigido por Kirby Ferguson, está no ar desde final de fevereiro deste ano.

The System Failure” tem pouco mais de 15 minutos e versa sobre como nosso sistema de direito não reconhece a natureza derivada da criatividade. Em vez disso, como explica o resumo do filme, “as idéias são consideradas como propriedade, lotes únicos e originais, com limites distintos. Mas as idéias não são tão ordenadas assim. Eles estão em camadas, que estão interligadas,  enroladas. E quando surgem os conflitos do sistema com a realidade … o sistema começa a falhar.

A série teve o lançamento de sua primeira parte, “The Song Ramains the Same” em setembro de 2010, de sua segunda, “Remix Inc.“, em fevereiro de 2011, e a terceira parte, “The Elements of Creativity” saiu no final de 2011.

Como Kirby (acima) nos contou em março do ano passado, sua idera era “to show how copying is an element of creativity, and in one way or another, we all copy” [mostrar como copiar é um elemento de criatividade, e de uma forma ou de outra, todos somos cópias].

“Everything is a Remix”, a série toda, é mais um trabalho a endossar o coro que, sempre que possível, reiteramos por aqui: não há nenhuma “obra-prima”, nenhum “gênio” sem outras obras e autores por trás, como hiperlinks ligando as palavras a mais palavras misturando tudo para formar mais palavras/imagens/sons/videos. Tudo é cópia da cópia da cópia da cópia.

Subimos no YouTube com a legenda em português, feita pelo Jorge Todeschini. Olha aí:

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=afmH1_istp8]

Os outros episódios estão aqui abaixo:

Parte 1

Parte 2

Parte 3

P.S: Kirby recentemente conseguiu finalizar, via crowdfunding, seu novo projeto de vídeo: “This is not a Conspiracy“, “a multi-part series that will explain the major ideas, events and human quirks that have shaped where we are right now politically”. 

Credito foto: Kirby.
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