Cryptorave – BaixaCultura https://baixacultura.org Cultura livre & (contra) cultura digital Tue, 16 May 2023 17:35:20 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.0.9 https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2022/09/cropped-adesivo1-32x32.jpeg Cryptorave – BaixaCultura https://baixacultura.org 32 32 Os 30 anos de um clássico: Manifesto Cypherpunk na CryptoRave https://baixacultura.org/2023/05/01/os-30-anos-de-um-classico-manifesto-cypherpunk-na-cryptorave/ https://baixacultura.org/2023/05/01/os-30-anos-de-um-classico-manifesto-cypherpunk-na-cryptorave/#respond Mon, 01 May 2023 23:23:32 +0000 https://baixacultura.org/?p=15237 Depois dos anos pandêmicos sem evento, a CryptoRave está de volta, 5 e 6/6, no Centro Cultural São Paulo (Rua Vergueiro, 1000, metrô Vergueiro). em São Paulo. Pra quem não lembra, é um dos grandes encontros nacionais da tecnopolítica no Brasil e uma das principais criptofestas do mundo. Já estivemos em algumas edições e escrevemos sobre a última realizada, em 2019, a enorme (talvez a maior edição) sediada na Cinemateca Brasileira em 2018; e a de 2017, na Casa do Povo. Nesta edição, o BaixaCultura organiza uma mesa chamada “Os 30 anos de um clássico: “Manifesto Cypherpunk”, 1993, no espaço Aaron Swartz, 0h de sexta 5 (meia-noite). Inscrições gratuitas aqui. A programação completa está aqui.

Manifesto original, em inglês

Aqui abaixo está a sinopse da mesa. Depois, faremos um relato da discussão.

“Manifesto Cypherpunk” (1993), de Eric Hughes, foi um dos primeiros e principais textos do que se convencionou chamar de “Cypherpunks”. Originários de uma vertente da cultura hacker mais afeita a ação política, em contraponto a outra mais ligada ao liberalismo empreendedor das startups do Vale do Silício, os cypherpunks surgem nos final dos anos 1980 dizendo que a única maneira de manter a privacidade na era da informação é com criptografia forte. Mais de trinta anos depois de sua gênese, o ideal dos cypherpunks ainda é presente nas gerações de criptógrafos, programadores e ativistas, que se reúnem em criptofestas em diversos lugares do mundo como a CryptoRave, principal evento da área no Brasil.

A proposta da mesa é debater a importância do texto, do legado cypherpunk em tempos de Capitalismo de Vigilância, e sua atualidade para pensar uma cultura de segurança e de cuidados digitais necessários em 2023.

A mesa também irá discutir a edição “Manifestos Cypherpunks” (2021), editada pelo BaixaCultura e pela editora Monstro dos Mares, tradução do Coletivo Cypherpunks, financiada coletivamente por 247 pessoas em 2021. A edição reúne, além do “Manifesto Cypherpunk” de Eric Hughes, alguns dos primeiros alertas contra a vigilância massiva na era da internet, como “Por que eu escrevi o PGP”, de Philip R. Zimmermann (1991) e “Manifesto Criptoanarquista”, de Timothy C. May (1993), além do “Cripto-Glossário”, escrito por Timothy C. May e Eric Hughes em 1992, documento histórico sobre os termos utilizados nos estudos e na prática cypherpunk, e o posfácio “Retrospectiva e expectativa Cypherpunk”, escrito pelo pesquisador em criptografia e um dos fundadores do IP.Rec, André Ramiro, que recupera o histórico e a importância da discussão da criptografia para 2021. Fizemos uma live de lançamento com Ramiro, que está disponível na íntegra aqui.

Participantes da mesa:

Leonardo Foletto: Doutor em Comunicação (UFRGS), professor e pesquisador (FGV ECMI), integrante do Creative Commons Brasil, editor do BaixaCultura e organizador da edição “Manifestos Cypherpunks” (2021, BaixaCultura/Monstros dos Mares)

Rafaela Romano: Mestre em antropologia pela USP, fundadora do Cypherpunks Brasil e da Simbiotica Finance. Atua há 7 anos no setor cripto e é ex-editora chefe do Cointelegraph no Brasil, o maior portal de notícias sobre criptomoedas do mundo.

Violeta Assunção: Mestranda em Sociologia pela Unicamp, ativista e pesquisadora na área de tecnoativismo, feminismo e cuidado, integrante da Rede Transfeminista de Cuidados Digitais e coordenadora do projeto de transformação digital na FETAPE.

: Estatístico interessado em software livre, permacultura e descentralização. Voluntário na organização da CryptoRave, integrante do coletivo Encripta e infoproletário na área de cuidados digitais.

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Cryptorave 2019 e a distopia ideológica da Califórnia https://baixacultura.org/2019/05/16/cryptorave-2019-e-a-distopia-ideologica-da-california/ https://baixacultura.org/2019/05/16/cryptorave-2019-e-a-distopia-ideologica-da-california/#respond Thu, 16 May 2019 12:18:52 +0000 https://baixacultura.org/?p=12811

Crédito: Sérgio Amadeu

A Cryptorave 2019 ocorreu em São Paulo, dia 3 e 4 de maio, num local diferente dos últimos anos: a biblioteca Mário de Andrade, próximo ao Vale do Anhangabaú, bem no centro de São Paulo. Como nos últimos anos, teve uma programação intensa e robusta – pra ter uma noção, acesse aqui ela completa. O encerramento rolou também no dia 04 de maio, com o DJ Craca. E ainda teve o after party da CryptoRave 2019, na Trackers, festerê que seguiu madrugada adentro no centrão de SP com o projeto Dispersão e muito Pure Data.

Trẽs impressões gerais dessa edição:

1. Muita gente em (quase) todas as atividades;
O fato da Biblioteca estar situada no centro de SP, próximo de estações de 3 linhas de metrô e de outras tantas de ônibus ajudou. Também colaborou o fato do espaço ser grudado em diversos outros locais de muito público, o que misturou públicos – notoriamente no sábado, onde no mesmo hall ocorria uma feira de publicações independentes de poesia. Nas últimas duas edições não havia tanto movimento perto do local do evento, o que dessa vez ocorreu: é como se a Crypto, na Mário de Andrade, estivesse mais integrada à cidade, o que pode ter propiciado a circulação de pessoas diferentes nos diversos espaços de oficinas, debates e palestras. É claro que ajudou a ter grande público a popularidade que o tema da tecnopolítica e da vigilância tem ganhado nos últimos anos. E a credibilidade construída pela organização do evento, que esse ano bateu recorde de valor (não de pessoas colaborando) arrecadado (94 K) via financiamento coletivo.

Apesar das dificuldades para conseguir lugar, dada que o anterior (a Cinemateca Brasileira, palco da de 2018) cancelou pouco mais de 1 mês antes do evento, a escolha da Biblioteca nos pareceu acertada pelos motivos já falados. Os poucos problemas (de comunicação das alterações das salas, do calor em algumas delas) podem ser corrigidos com maior tempo de organização para a próxima edição.

2. Mais variedade de palestras filosóficas, contextuais, históricas;
Essa é uma impressão nossa e de algumas pessoas com quem conversamos: poderia ter tido mais discussões conceituais mais densas na programação. É uma impressão que pode parecer polêmica e parcial, dado que trabalhamos justamente nessa seara de informação e conhecimento sobre cultura livre e tecnopolítica, e é mesmo parcial. Mas percebemos uma curiosidade genuína de muitas pessoas em saber mais sobre conceitos, práticas e histórias ligadas à vigilância, criptografia, segurança digital, espionagem, tecnopolítica. Além das conversas com algumas pessoas durante e depois do evento, tomamos como base a nossa mesa de discussão sobre “A Ideologia Californiana”, que esteve lotada e com muita gente (nova) querendo saber mais sobre o termo, as histórias por trás desse debate e os conceitos que brotam dele (logo abaixo um relato mais detalhado da mesa). Diríamos que há um interesse em saber sobre as histórias das tecnologias, dos debates políticos envolvendo as redes sociais e os aplicativos de mensagens instantâneas e mesmo das ferramentas antivigilância. Histórias de iniciativas que estão se alinhando contra a vigilância global das empresas e dos governos, mesmo que em pequena escala; ideias um pouco mais gerais que organizem certas impressões dispersas e isoladas sobre o mundo do ciberativismo.

A nossa impressão é de que pode haver, nas palestras ditas mais “técnicas”, uma comunicação maior sobre o porquê aquela ferramenta, prática, código, iniciativa é importante, relacionando-a com o contexto pessoal (e cotidiano) da vida de cada um, o que pode furar bolhas de interesse e popularizar o enorme conhecimento que circula num evento como a Crypto. E de que, nas ditas mais “filosóficas”, pode ocorrer um aprofundamento maior de certas ideias, relacionando-as com as técnicas e ferramentas disponíveis e abordando questões relacionadas à subjetividade, arte e filosofia. Utopicamente desejamos uma mistura maior entre técnica e política a ponto de não precisar fazer essa distinção. Mas para deixar claro: isso é um desejo particular. O evento é construído pelas propostas de atividades das pessoas, quem dá o equilíbrio temático são elas (nós).

3. É um dos grande encontros nacionais da tecnopolítica no Brasil
Como costuma acontecer na maioria dos eventos como a CryptoRave, tanto quanto o conteúdo em si das palestras, os encontros entre as pessoas são importantes. É o dia da comunidade se ver, conversar, saber o que x outrx está fazendo, o que, em se tratando de uma área tão árida quanto a segurança digital e a política das tecnologias, é ainda mais importante. E nesse aspecto também reside a importância do evento: buscar ser um encontro em que é possível falar de tecnologia e política ao mesmo tempo, um a alimentar o outro. São raros os eventos de tecnologia em que se fala tanto de política como na Crypto, assim como ainda mais raro são eventos políticos/ativistas em que se discute tanto tecnologia. Esse é um dos pontos fortes, que já diferencia o evento de diversos outros do calendário brasileiro e sul-americano.

 

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Esse ano propusemos uma atividade para o evento também. A mesa (roda de conversa) se chamou “A Ideologia Californiana e o capitalismo de vigilãncia: 24 anos depois, a distopia é real?” e ocorreu no sábado, 4/5, às 16h10, no espaço Ian Murdock, 1º andar da Biblioteca (Hemeroteca). Apresentamos assim a atividade:

“Hoje considerado um clássico da tecnopolítica, “A Ideologia Californiana” é o guia para esta mesa discutir o cenário atual do capitalismo de vigilância e das megacorporações que cada vez mais dominam a internet. Para isso, participam da mesa:
_ Aracele Torres, doutora em História pela Universidade de São Paulo (USP), atuando na área de História da Ciência e da Tecnologia e desenvolvendo trabalhos sobre história da tecnologia digital, software livre, ciber-libertarianismo, ideologias e utopias relacionadas às tecnologias da informação;
_ Camila Montagner, jornalista e pesquisadora, doutoranda em Ciências Sociais na Unicamp;
_ Tiago Soares, doutorando em História Econômica pela USP, mestre em Divulgação Científica e Cultural pela Unicamp;”

A mediação foi do editor do BaixaCultura, Leonardo Foletto, que apresentou a edição, o contexto atual de sua publicação e leu alguns trechos da introdução. Perguntou também sobre quem conhecia o texto, que foi escrito em 1995 e circula pela internet já faz uns bons anos. Para surpresa geral, poucos disseram que conheciam.

Primeira a falar, Aracele abordou a história da ideologia conhecida como Californiana (ou da Califórnia), um misto de romantismo na crença da libertação do ser humano a partir das tecnologias somado ao neoliberalismo dos livres mercados que se auto-regulam. Sua tese estudou a questão da neutralidade da rede nos EUA e no Brasil e recuperou um tanto da história da Ideologia Californiana que dá base a atuação das grandes empresas da internet hoje.

Camila abordou, entre outros aspectos, algumas ideias de “Futuros Imaginários”, livro de barrbook, co-autor de “A Ideologia”, que retoma alguns eventos da história das tecnologias do século XX para discutir o futuro em seus aspectos sociais, econômicos e políticos. “Devemos deixar o futuro para depois, em modo de espera das suas promessas, ou presentear o futuro com a imaginação da realidade que deve ser vivida já?” pergunta o livro, disponível em PDF para download (e bastante raro em sua versão física) questão que também ecoa no debate sobre o que fazer hoje para dar um fim ao monopólio criado pelas empresas que seguem à risca a Ideologia Californiana.

Tiago, por fim, fez uma fala sobre a globalização, cultura online e as transformações infraestruturais das redes de comunicação e processamento de informação a partir da perspectiva da economia política. Comentou que, de modo irônico, a crítica ao Capitalismo de Vigilância é de certo modo uma nostalgia das promessas criticadas em “A Ideologia Californiana”: “o ponto é menos sobre a crítica do neoliberalismo do que sobre sua captura”. O Capitalismo de Vigilância (conceito desenvolvido por Shoshana Zubofff; aqui uma boa explicação, via Projeto Draft) é uma outra fase, irmã ou filha, das ideias presentes na ideologia originada na Califórnia, algo que foi perguntado no debate ao final da mesa.

Outra questão levantada na parte final continua ecoando por estas páginas: quais alternativas ao capitalismo de vigilância? existe futuro alternativo à vigilância onipresente? Se a ideologia californiana “venceu” e predomina hoje na base das principais empresas de tecnologia mundiais, qual a resposta a ela? Existe alguma? Talvez o Cooperativismo de Plataforma? Se a ideia do software e da cultura livre, que em algum momento se mostrou como alternativa víável para a manutenção de uma internet livre, não tem se mostrado mais factível, então qual seriam as alternativas? Aliás, será mesmo que perdemos a batalha pela internet livre e ainda estamos na Ressaca da Internet e não conseguimos nos recuperar nem mesmo para imaginar um futuro que não seja distópico?

Questões que ficam para um próximo texto, conversa, curso.

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Alguns breves comentários sobre duas iniciativas acompanhadas na CryptoRave 2019. “Segurança de pé descalços” é um projeto e uma estratégia que visa estruturar ações práticas de modo a manter ou expandir a ideia de segurança holística – total, integrada. Vale acompanhar.

Quer tornar seu roteador doméstico mais seguro? Aqui um passo a passo de Douglas Esteves, que esteve no evento com uma palestra sobre o assunto.

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O TOR e a resistência a distopia da vigilância https://baixacultura.org/2018/05/10/o-tor-e-a-resistencia-a-distopia-da-vigilancia/ https://baixacultura.org/2018/05/10/o-tor-e-a-resistencia-a-distopia-da-vigilancia/#comments Thu, 10 May 2018 16:03:19 +0000 https://baixacultura.org/?p=12418

 

Isabela Bagueros, que logo assume como Diretora executiva do TOR (sua foto já está no blog do projeto), fez uma fala potente na abertura da #CryptoRave2018 lotada, ao ar livre, no deck da Cinemateca Brasileira. Afirmou que as empresas de tecnologia tomaram a internet e fazem do nosso comportamento uma commodity, abusando de práticas no mínimo controversas, como bloquear acessos a serviços para forçar a criação de novas contas, compartilhar (e não vazar, como alega o Facebook) dados dos usuários com terceiros sem avisar, fazer os termos de serviço escrito naquelas letrinhas miúdas que raramente se lê… Ela defende que o modelo de negócio da internet baseado na comercialização dos nossos dados de uso tem que mudar. “Não podemos mais aceitar a comercialização abusiva dos nossos dados. A privacidade tem que ser padrão, não exceção”, disse, no que nós concordamos, embora saibamos também que essa é uma batalha MUITO difícil e que estamos no centro dela neste momento.

O TOR, é claro, é um elemento central nessa batalha por privacidade na rede. Isabela fez uma apresentação geral da ferramenta (o vídeo abaixo desenha como ele funciona), que tem 63 mil servidores (voluntários) espalhados pelo mundo e uma estimativa de 2 milhões de usuários, e falou do ecossistema por trás do software: uma ONG, que tem cerca de 30 pessoas trabalhando remuneradas, o conselho administrativo, os voluntários e os contribuidores – o Tor é um software livre, portanto é possível contribuir para seu aprimorar seu código ou mesmo detectar falhas de segurança. Afirmou que a forma de financiamento do TOR é baseada em doações, sendo menos da metade de governos (EUA, Suécia, Alemanha), e a outra parte vem de fundações (Mozilla, por exemplo), empresas privadas e pessoas de todos os lugares do mundo.

Os serviços Onion – sites que só podem ser acessados pelo TOR e compõe boa parte do que as pessoas chamam de “Deep Web” – também foram tema da keynote, Aliás, sobre isso Isabela deu uma declaração que, se houvesse jornalistas da mídia tradicional na Cryptorave, seria muito problematizada: “Não existe deep web ou dark web, isso é invenção da mídia. Na verdade a chamada deep web são os serviços onion, que permitem distribuição de conteúdos de forma anônima, o que é importante na nossa sociedade”.

Um dos focos do TOR hoje, e que vai ser uma das pautas tocadas por Isabela na Diretoria Executiva da organização, é a diversidade. “Precisamos ter servidores rodando em vários lugares, de diversos tipos, pessoas diversas, sistemas operacionais diversos. Isso fortalece a rede”, afirmou ela. Quanto mais pessoas e computadores diversos usarem TOR, menos a possibilidade de você ser o único da sua rua-bairro-cidade a usar o Tor para navegar anonimamente na rede – e talvez ser discriminado e perseguido por isso. Aliás, se o Tor é censurado em algum país, entre neste site e você tem todas as informações para continuar navegando anonimamente.

Outro foco é OONI, um aplicativo que que ajuda a detectar censura e vigilância na internet de vários lugares do mundo. Você executa o app e tem acessos a uma série de dados sobre os sites que são bloqueados e em que lugares, além de detectar a velocidade da rede que você acessa, entre outras funções ainda em desenvolvimento. Já dá pra baixar na Play Store e na F-Droid (a loja de aplicativos livres).

Assista a íntegra da palestra de Isabela no canal da TV Drone no Youtube:

_ O Coletivo Encripta, um dos co-organizadores da CryptoRave, fez um excelente tutorial em português chamado “Conhecendo e Desmistificando o Tor“.
_ Confira as matérias na MotherBoard, da Vice, que tratam do TOR ou de algum assunto que ele é relacionado.

 

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Resistência hacker em tempos de retrocessos https://baixacultura.org/2017/05/19/resistencia-hacker-em-tempos-de-retrocesso/ https://baixacultura.org/2017/05/19/resistencia-hacker-em-tempos-de-retrocesso/#respond Fri, 19 May 2017 19:15:11 +0000 https://baixacultura.org/?p=10910 crypto3

Nos dias 6 e 7 de maio de 2017 ocorreu em São Paulo a 4º edição da CryptoRave, mais importante encontro brasileiro sobre segurança, criptografia, hacking, anonimato, privacidade e liberdade na rede. Inspirada na ação global e descentralizada da CryptoParty, a Crypto no Brasil é organizada por diversos coletivos – Escola de Ativismo, Saravá, Actantes, Encripta e Intervozes – e financiada por crowdfunding, via Catarse. Neste ano, a captação foi um pouco mais díficil do que nos últimos, com a meta sendo batida nos últimos dias e R$69.605 arrecadados para a produção do evento. O local escolhido foi a Casa do Povo, centro cultural no bairro do Bom Retiro, e não mais o Centro Cultural São Paulo como nas edições de 2015 e 2016.

A mudança de local, seja por questões financeiras, políticas ou outras não apuradas, trouxe ao evento um ar mais underground – mais hacker, alguém poderia dizer. Não se trata mais de um dos principais centros culturais da cidade, colado no metrô da linha azul, com diversas outras atividades e pessoas circulando como o CCSP: estamos falando de um centro cultural fundado por imigrantes judeus do leste europeu, um dos primeiros criados por imigrantes no Brasil, sediado no coração do Bom Retiro, bairro de ampla diversidade cultural (gregos, bolivianos, coreanos, judeus, entre outros), menos conhecido do circuito Paulista-Pinheiros-Faria Lima dos eventos de tecnologia em SP. A mudança escancara o que talvez seja conhecido de tod@s: a Cryptorave é um evento político, sobretudo de resistência tecnológica. E também ilustra o tamanho que o evento, em sua 4º edição, ganhou: durante a sexta e o sábado, um prédio amplo de quatro andares foi ocupado praticamente de modo exclusivo com pessoas a discutir tecnologia, política, segurança da informação, criptografia, entre outros vários tópicos correlatos destes. Se o cenário global não é favorável, a resistência parece angariar cada vez mais gente.

A fala de abertura deu uma amostra dessa posição política do evento: trouxe como palestrante James Bamford, jornalista e escritor dos EUA especializado em cobertura dos casos da NSA – a New Yorker o chamou de “cronista-chefe” da NSA neste perfil publicado em junho de 2013. Para uma plateia atenta e diversa, Bamford mostrou as diversas formas que a NSA espiona as informações que circulam na rede, trazendo imagens dos lugares físicos que isso acontece – o que nos faz lembrar que a internet é uma rede física, formada de cabos, roteadores, data-centers e outros espaços por onde as informações que cá circulam passam. Ele citou dois lugares por onde a NSA pode interceptar informações da rede: o NAP Barueri, talvez o mais importante Ponto de Troca de Tráfego (PTT) brasileiro, um local que interliga diversas redes de computadores, constituído de um datacenter que interliga os equipamentos de comunicação dos diversos provedores de internet existentes aqui; e o NAP America, um gigantesco conglomerado de 32 quadras de armazenamento de dados em Miami, espaço por onde passa a maior parte das informações que circulam na internet da América Latina para os EUA – Facebook, Google, Apple e outros serviços são dos EUA, vale lembrar. O brasileiro é um dos diversos pontos mundiais administrados pela Verizon, gigante de serviços de internet (dos EUA), enquanto que o NAP de Miami da Equinix. Será que estas estas empresas protegem os dados que lá circulam quando uma agência com o poderio da NSA está disposta a tudo para caçar whisteblowers como Snowden? É uma boa pergunta a se fazer, que o próprio Bamford já respondeu neste longo relato na Wired: não.

Bamford falou também sobre a iniciativa brasileira de construir um cabo submarino para que o tráfego de dados do país siga direto para a Europa sem ter que passar pelos Estados Unidos — a primeira obra deste tipo e sem contar com a participação estadunidense. Apesar de elogiar a iniciativa, o jornalista destacou que os EUA possuem um submarino que pode interceptar a captação de dados no meio do oceano, além de fazer acordos com outros países para obter tal interceptação em outra ponta. Com isso, ele quis frisar que o país deve fazer a inspeção do cabo de ponta a ponta, para tentar evitar espionagens, segundo relato publicado pelo Intervozes, um dos organizadores da Crypto deste ano.

Após a fala de abertura, as atividades se concentraram no 1º andar do prédio, onde lojinhas (dos produtos da própria Crypto, de livros de computação, de editoras anarquistas – do qual compramos uma edição artesanal comentada do clássico da filósofa/antropóloga Donna Haraway, na imagem acima), e comes/bebes garantiam a energia para conversas e algumas oficinas espontâneas que ocorreriam por ali durante a madrugada. O Baer Mate, sem gosto de ilex paraguiensis mas com muita cafeína, foi o combustível que deixou acordados hackers e outros cryptopunks corajosos que vararam a madrugada; o Preto Café, espaço baseado no centro de SP, fez uma versão para o evento mostrando todo seus custos de forma transparente, no esquema “pague quanto acha que vale”; outras comidas (opções vegetarianas/veganas costumam existir em quantidades em eventos de hackers, e aqui não foi exceção) e até uma cerveja artesanal com mate fizeram do hall do 1º andar o espaço mais frequentado durante toda a sexta e o sábado.

 

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O segundo dia de CryptoRave começou com a mesa “Resistindo à distopia – Práticas para dialogar com não especialistas”, com a mexicana Lili Anaz, pesquisadora e ativista em auto-defesa na web e desenvolvedora de tecnologias livres com perspectiva hackfeminista, no âmbito do Laboratório de Interconectividades, e Sasha Constanza-Chock, que leciona Mídia Civil no MIT, nos Estados Unidos, e publicou recentemente o livro “Out of the Shadows, Into the Streets! Transmedia Organizing and the Immigrant Rights Movement“. A mesa trouxe pra discussão um tema muito frequente pra quem fala de segurança da informação e criptografia, a saber: se estamos todos sendo espionados a todo momento pela NSA, empresas de internet e governos, como resistir?  Lili, por exemplo, vê a arte como uma saída possível para a resistência, e desenvolve projetos nessa linha, como o Mirada Sostenidas, projeto artístico transmídia que lembra e dialoga com vítimas de tortura sexual cometida por agentes do governo mexicano, caso denunciado no final de 2016 na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Sasha falou de alguns de seus projetos, como as DiscoTech, oficinas livres, abertas e multissetoriais para pessoas explorarem, compartilharem e discutirem experiências com vigilância,e o Bedtimes Stories, excelente projeto muiltimídia que conta as histórias de imigrantes detidos pelo governo dos EUA. A mesa pode ser assistida no canal da TV Drone no YouTube.

Mas o que mais podemos fazer? Lili, que também já fez parte do coletivo Astrovandalistas, disse, em uma entrevista à MotherBoard Brasil que, num primeiro nível, “podemos gerar consciência crítica com as tecnologias que mediam a nossa noção de mundo e, com isso, mudar como nos comunicamos, como nos organizamos”. Ela acredita que, se vamos repensar as infraestruturas, “não devemos nos limitar apenas a repensar ou não uma tecnologia apenas. Temos que repensar por quais estruturas estamos passando para retomar nossas vidas.. O hacking, então, entraria como uma possibilidade de criação, que tem a ver com processos artísticos e outras formas de experienciar linguagem, não necessariamente ligadas à computação, e com possibilidades de gerar espaços de experimentação, subverter as linguagens e as relações. “Hacking tem muito mais a ver com essa intervenção que é extremamente política, no sentido de posicionamento. Um compromisso com o que se quer transformar”, afirma Lili.

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A partir das 11h, as múltiplas atividades paralelas nos 6 espaços trouxeram debates em torno de diversos temas. Assistimos nesse horário uma fala sobre design (in) seguro no espaço Alan Turing, com as designers Virgínia Stefanello e Patrícia Estevão. O embate de interface amigável X autonomia do usuário/privacidade é um assunto bastante presente em quem fala de segurança da informação, já que a popularização da privacidade na internet passa por um design mais fácil das ferramentas. Mas como facilitar sem tirar a autonomia do usuário? Como ensinar alguém a criptografar um e-mail sem passar por noções básicas de PGP e chaves? A discussão sobre popularização de princípios básicos de segurança da informação parece passar pelo design – e talvez por isso também havia pela Crypto um dos desenvolvedores do Tails, sistema operacional dos mais seguros existentes hoje, conversando com alguns usuários de modo a melhorar a usabilidade do sistema operacional. Outro SO indicado na mesa foi o Qube OS, que, além de ser de código aberto, tem uma interface amigável e permite níveis crescentes de autonomia, de acordo com o interesse de cada usuário. As duas designers sugeriram, ao final de suas falas, boas práticas para um design seguro, como por exemplo criar uma configuração default que represente a melhor situação de segurança e privacidade caso o usuário não mexa nela e combinar a maneira mais fácil de fazer uma tarefa dando o mínimo de autoridade (acesso ou recurso que o usuário pode controlar).

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Às 13h, Sérgio Amadeu, um dos mais atuantes e conhecidos ativistas pela liberdade na rede no país, trouxe em sua fala a infraestrutura de espionagem brasileira. Ele apresentou um breve histórico dos serviços secretos brasileiros e mostrou a intensificação do trabalho de vigilância na rede nos últimos anos. Pra uma sala que foi lotando na medida em que Sérgio inflamava mais seu discurso, contou que, hoje, são 31 serviços de inteligência estaduais no Brasil que fazem parte do sistema de espionagem brasileiro, juntamente com os orgãos nacionais Polícia Federal, Ministério Público e ABIN. Essa última, a partir das manifestações de junho de 2013 e especialmente com Temer, voltou ao lema da época da ditadura: o inimigo é interno. E aí tome vigilância em tudo e tod@s, com apoio e parceria dos EUA – Amadeu mostrou que o exército dos EUA voltou a fazer operações na Amazônia depois de quase 40 anos, a convite de Temer. A fala terminou com Sérgio apontando que, na verdade, o inimigo é os EUA, e que tanto a polícia e o exército sabem disso, mas não querem ver: tratam como inimigo as pessoas comuns, vigiando-as sem dó em aparatos cada vez mais complexos e caros – não por acaso, boa parte deles comprados dos EUA…

Após uma breve parada para o almoço, com uma feijoada vegana honesta a R$12, seguimos flanando pelos andares da Casa do Povo, e entre conversas rápidas e múltiplas com desconhecidos e amigos, paramos brevemente na mesa de Andrew Fischman, jornalista do Intercept Brasil, e Joana Varon, da Coding Rights, sobre o papel do jornalismo investigativo num mundo vigiado. O jornalista afirmou que falar que “nada adiantou” com as denúncias dos whisteblowers como Snowden ajuda a construir a ideia de que criptografia não nos protege, o que não é bem assim: se ela não nos protege totalmente (e ninguém está protegido totalmente de nada!), pelo menos ela dificulta. Joana apresentou alguns dos trabalhos produzidos pela sua organização, que busca mudar a narrativa sobre privacidade no dia a dia com iniciativas como Chupa Dados, um especial multimídia que explica como o funcionamento de aplicativos e outras tecnologias que usam nossos dados têm impacto – às vezes, negativo – nas nossas vidas. Também apresentou em primeira mão uma infografia sobre o aumento de vigilância em grandes eventos no Brasil, o Legado Vigilante. Vale também conhecer outros projetos da Coding Rights, como a Oficina de Antivigilância e o Safer Nudes.

No fim de tarde, caímos na laje, onde ocorreu uma roda de debate sobre uma das fronteiras mais importantes do ativismo digital hoje, as redes livres. Bruno Vianna falou sobre a Coolab, uma cooperativa formada no início deste ano que tem por objetivo fomentar as infraestruturas autônomas, através da capacitação técnica e ativação comunitária. Contou da chamada pública da rede, que a partir de um financiamento de 30 mil dólares obtido no Desafio Equal Rating, da Mozilla, quer montar redes e provedores comunitários Brasil afora. A gurizada da Casa dos Meninos, na extrema zona sul de São Paulo, é um dos grupos que estava presente na conversa e já tem uma rede livre faz alguns anos, chamada de Base Comum de Conhecimento Cidadão. É um sistema que foi construído a partir de sinal de antenas numa área próxima a 1 km, e que fornece um rede interna para diversas troca de informações na comunidade. A Artigo 19 esteve representada na roda por Laura Tresca, que comentou um pouco do trabalho que a organização tem feito em prol das redes livres – como esse excelente guia de como montar e regularizar um provedor comunitário.

Havia mais pessoas na mesa, houve mais debates, e conversas, mas como dá pra perceber, nem tudo consegue ser registrado. Depois do encerramento do evento, longe da Casa do Povo, no bairro central do Bixiga, ainda houve a parte “Rave” do evento, no Al Janiah, bar onde trabalham diversos refugiados e que tem se tornado espaço de resistência, em especial da esquerda paulistana. A Crypto encerrou com rock, eletrônico, kebabs, schwarmas, falafel, araques, cachaças, sambas, húmus: eclética.

Fotos: 1 (Rafael Zanatta), 2, 6, 9, 11, 12, 13, 14 (Cryptorave), 3, 4, 5, 7, 8, 10, 16, 17, 18 (BaixaCultura).

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