conhecimento livre – BaixaCultura https://baixacultura.org Cultura livre & (contra) cultura digital Fri, 07 Mar 2025 21:01:59 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.0.9 https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2022/09/cropped-adesivo1-32x32.jpeg conhecimento livre – BaixaCultura https://baixacultura.org 32 32 Conhecimento é direito https://baixacultura.org/2025/03/07/conhecimento-e-direito/ https://baixacultura.org/2025/03/07/conhecimento-e-direito/#respond Fri, 07 Mar 2025 21:01:59 +0000 https://baixacultura.org/?p=15798 A Wikimedia Brasil, Coalizão Direitos na Rede e diversas outras organizações lançaram manifesto por uma reforma da Lei de Direitos Autorais (LDA) no Brasil em defesa da ciência aberta e cultura livre. O documento defende que a legislação nacional acompanhe os desafios e oportunidades da era digital, equilibrando a proteção dos direitos dos criadores com o direito da sociedade ao acesso à cultura, à ciência e à informação.

Promulgada em 1998, a LDA está, como vocês devem imaginar, desatualizada frente à realidade digital e às novas formas de produção e compartilhamento de conhecimento, seja por Inteligência Artificial ou (ainda) pela difusão via Plataformas. O manifesto aponta que o Brasil, ao assinar o Pacto Digital Global da ONU, se comprometeu a adotar políticas públicas mais inclusivas e alinhadas aos chamados bens públicos digitais – como softwares livres e plataformas de conteúdo aberto, dados abertos e inclusive modelos de inteligência artificial abertos que beneficiem a sociedade como um todo, e não apenas poucos grupos.

“A atual LDA, da forma como é aplicada, restringe o acesso ao conhecimento e coloca o Brasil em desvantagem no cenário global. Precisamos de uma legislação que proteja os autores, mas que também garanta à sociedade o direito à informação, fundamental para o desenvolvimento social, econômico e cultural”, disse Chico Venâncio, vice-presidente da Wikimedia Brasil e integrante da Coalizão Direitos na Rede.

O manifesto segue o lançamento da campanha “ConhecimentoÉDireito”, que a Wikimedia Brasil e a CDR lançaram com o objetivo de também estimular o debate sobre a necessidade de atualização da LDA no Brasil e promover um amplo acesso ao conhecimento e à cultura no contexto da era digital. A campanha parte da premissa de que o conhecimento é essencial para o desenvolvimento de qualquer sociedade, deve ser tratado como um direito fundamental, e que é possível utilizar mecanismos em políticas públicas com este objetivo, defendendo uma legislação que proteja os direitos dos autores, mas que também permita que o conhecimento circule livremente, incentivando a criatividade e o desenvolvimento social.

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A corrida da IA ganha um novo capítulo – chinês e open source https://baixacultura.org/2025/01/29/a-corrida-da-ia-ganha-um-novo-capitulo-chines-e-open-source/ https://baixacultura.org/2025/01/29/a-corrida-da-ia-ganha-um-novo-capitulo-chines-e-open-source/#comments Thu, 30 Jan 2025 01:31:18 +0000 https://baixacultura.org/?p=15766  

Segunda-feira, 27 de janeiro, Wall Street atravessou um de seus dias mais turbulentos. As previsões para o setor de inteligência artificial desmoronaram, “players” viram seus papéis derreterem. As ações da Nvidia, inflacionada pela corrida por chips instalados nas IAs generativas, tombaram 17%, resultando em uma perda de US$ 589 bilhões em valor de mercado – a maior queda diária já registrada na história do mercado financeiro americano, que virou matéria e foco de atenção de diversos jornais. Sete bigtechs (Apple, Amazon, Alphabet, Meta, Microsoft, Nvidia e Tesla) viram uma perda de US$ 643 bilhões em suas ações. O responsável por essa reviravolta? Um chatbot de baixo custo lançado por uma startup chinesa, a DeepSeek, criado em 2024 como um braço de pesquisa de um fundo chamado High Flyer, também chinês. Segundo a empresa, o custo de treinamento do modelo por trás da IA, o DeepSeek-R1, foi de aproximadamente US$ 6 milhões – um décimo do que a Meta investiu no desenvolvimento do Llama 3.1, por exemplo, ou menos ainda dos US$ 100 milhões que a OpenIA investiu no seu último modelo. Além disso, a startup informou que seu chatbot apresentou um desempenho superior ao GPT-4, da OpenAI, em 20 das 22 métricas analisadas.

Não entrando nos pormenores econômicos especulativos do mercado de ações (o tombo se deu no valor do mercado destas big techs a partir da desvalorização de suas ações), o fato principal aqui é: a queda foi sobretudo porque a DeepSeek mostrou ao mundo que existe possibilidade de se competir na área com menos dinheiro, investido de forma eficiente. Com menos processadores, chips e data centers, a empresa destravou a possibilidade de operar com custos menores, justo semanas depois de Trump, ao lado de Sam Altman (Open IA) e Larry Ellison (Oracle), anunciar o “Stargate”, um mega programa de investimentos em IA no Texas com potencial anunciado de alavancar até US$ 500 bilhões de dólares em cinco anos. O lançamento do modelo da DeepSeek redesenha a disputa entre EUA e China pela inteligência artificial e mostra que, mesmo com as travas colocadas pelo Governo Biden na compra de chips da Nvidia pela China, ainda assim é possível fazer sistemas robustos de IA de forma mais barata do que Altman e cia afirmam.

As diferenças técnicas do sistema chinês

Vamos tentar explicar aqui brevemente como funciona o DeepSeek e as principais diferenças em relação ao seus modelos concorrentes. O recém-lançado R1 é um modelo de linguagem em grande escala (LLM) que conta com mais de 670 bilhões de parâmetros, projetado a partir de 2.048 chips H800 da Nvidia – estima-se, por exemplo, que os modelos desenvolvidos pelas big techs utilizem cerca de 16 mil chips para treinar os robôs. Utiliza-se de aprendizado por reforço, uma técnica de aprendizado de máquina (machine learning) em que o sistema aprende automaticamente com os dados e a própria experiência, sem depender de supervisão humana,  a partir de mecanismos de recompensa/punição.

Para aumentar sua eficiência, a DeepSeek adotou a arquitetura Mixture-of-Experts (MoE), uma abordagem dentro do aprendizado de máquina que, em vez de utilizar todos os parâmetros do modelo (ou toda as redes neurais) em cada tarefa, ativa só os necessários de acordo com a demanda. Isso torna o R1 mais ágil e reduz o consumo de energia computacional, executando as operações de forma mais leve e rápida. É como se o modelo fosse uma grande equipe de especialistas e, ao invés de todos trabalharem sem parar, apenas os mais relevantes para o trabalho em questão são chamados, economizando tempo e energia.

Outra técnica utilizada pelo R1 é a Multi-Head Latent Attention (MLA), que permite ao modelo identificar padrões complexos em grandes volumes de dados, usando de 5 a 13% da capacidade de modelos semelhantes como a MHA (Multi-Head Attention), o que a torna mais eficiente, segundo essa análise bem técnica publicada por Zain ul Abideen, especialista em LLM e aprendizado de máquina, em dezembro 2024. Grosso modo, a MLA analisa de forma simultânea diferentes partes dos dados, a partir de várias “perspectivas”, o que possibilita ao DeepSeek-R1 processar informações de maneira mais precisa gastando menos recursos de processamento. A MLA funciona como um grupo de pessoas olhando para o mesmo problema de diferentes ângulos, sempre buscando a melhor solução — de novo e de novo e de novo, a cada novo desafio.

Além de seu baixo custo de treinamento, um dos maiores atrativos do modelo está no baixo custo da operação geral. Grandes empresas de tecnologia costumam cobrar valores altos para acessar suas APIs, ferramentas que permitem que outras empresas usem seus modelos de inteligência artificial em seus próprios aplicativos. A DeepSeek, por outro lado, adota uma abordagem mais acessível; a API do R1 custa entre 20 e 50 vezes menos do que a da OpenAI, de acordo com a empresa. O preço de uma API é calculado com base na quantidade de dados processados pelo modelo, medido em “tokens”. No caso da DeepSeek, a API cobra US$ 0,88 por milhão de tokens de entrada e US$ 3,49 por milhão de tokens de saída. Em comparação, a OpenAI cobra US$ 23,92 e US$ 95,70, respectivamente. Ou seja, empresas que optarem pela tecnologia da chinesa podem economizar substancialmente ao integrar o modelo R1 em suas plataformas.

A DeepSeek declarou que usou 5,5 milhões de dólares (32 milhões de reais) em capacidade computacional, utilizando apenas as 2.048 GPUs Nvidia H800 que a empresa chinesa tinha, porque não podia comprar as GPUs H100 ou A100, superiores, que as big techs acumulam às centenas de milhares. Para ter uma ideia: Elon Musk tem 100 mil GPUs, a OpenAI treinou seu modelo GPT-4 em aproximadamente 25 mil GPUs A100.

Em entrevista à TV estatal chinesa, Liang Wenfeng, CEO da DeepSeek e também do fundo que bancou o modelo (High Flyer), disse que a empresa nunca pretendeu ser disruptiva, e que o “estrelato” teria vindo por “acidente”. “Não esperávamos que o preço fosse uma questão tão sensível. Estávamos simplesmente seguindo nosso próprio ritmo, calculando custos e definindo preços de acordo. Nosso princípio não é vender com prejuízo nem buscar lucros excessivos. O preço atual permite uma margem de lucro modesta acima de nossos custos”, afirmou o fundador da DeepSeek.

“Capturar usuários não era nosso objetivo principal. Reduzimos os preços porque, primeiro, ao explorar estruturas de modelos de próxima geração, nossos custos diminuíram; segundo, acreditamos que os serviços de IA e API devem ser acessíveis e baratos para todos.”

Wenfeng é bacharel e mestre em engenharia eletrônica e da informação pela Universidade de Zhejiang. Entre muitas especulações momentâneas sobre sua vida pessoal, o que se sabe é que o empresário de 40 anos parece “mais um nerd do que um chefe” e que é um entusiasta do modelo open source de desenvolvimento, o que nos leva para o próximo tópico.

As vantagens do código aberto 

Um componente fundamental do sucesso (atual) do modelo chinês é o fato de estar em código aberto. O DeepSeek-V3, lançado no final de 2024, está disponível no GitHub, com uma documentação detalhada sobre como foi feito e como pode ser replicado.

Isso, na prática, tem fomentado uma corrida de várias pessoas e grupos para experimentar fazer seus próprios modelos a partir das instruções dadas pela equipe do DeepSeek. Dê uma busca no Reddit e nos próprios buscadores nestes últimos dias de janeiro de 2025 e você já verá uma enxurrada de gente fazendo.

Como vocês já ouviram falar no “A Cultura é Livre”, a natureza do código aberto, de origem filosófica no liberalismo clássico do século XVII e XVIII, permite mais colaborações, e acaba por impulsionar tanto a concorrência de outras empresas no setor quanto diferentes forks independentes e autônomos individuais. Vale, porém, aqui dizer que o código aberto não é o mesmo que um software livre. Software de código aberto (free/libre/open source software, acrônimo Floss adotado pela primeira vez em 2001) é um nome usado para um tipo de software que surgiu a partir da chamada Open Source Initiative (OSI), estabelecida em 1998 como uma dissidência com alguns princípios mais pragmáticos que os do software livre. A flexibilização na filosofia de respeito à liberdade dos usuários (mais rígida e comprometida com a justiça social no software livre, mais pragmática e aplicável como metodologia de desenvolvimento no open source) propiciou uma expansão considerável tanto do software de código aberto quanto de projetos e empresas que têm este tipo de software como produto e motor de seus negócios. A OSI tem como texto filosófico central “A catedral e o bazar”, de Eric Raymond, publicado em 1999. Nele, Raymond trabalha com a ideia de que “havendo olhos suficientes, todos os erros são óbvios”, para dizer que, se o código fonte está disponível para teste, escrutínio e experimentação pública, os erros serão descobertos mais rapidamente.

A definição da OSI diz que um sistema open source é:

The program must include source code, and must allow distribution in source code as well as compiled form. Where some form of a product is not distributed with source code, there must be a well-publicized means of obtaining the source code for no more than a reasonable reproduction cost, preferably downloading via the Internet without charge. The source code must be the preferred form in which a programmer would modify the program. Deliberately obfuscated source code is not allowed. Intermediate forms such as the output of a preprocessor or translator are not allowed.

O esclarecimento sobre o que é código aberto é importante porque, na esteira do desenvolvimento das IAs de código aberto, vem também surgindo um movimento de open washing, ou seja: a prática de empresas privadas dizerem que os códigos de seus sistemas algorítmicos são abertos – quando na verdade não são tão abertos assim. Ou então quando grandes corporações (ou startups) iniciam projetos em código aberto para incorporar o trabalho colaborativo de colaboradores (desenvolvedores, tradutores, cientistas de dados) – para logo depois, quando o projeto se torna mais robusto, fecharem o código e nunca mais abrirem. “O Google tem um histórico nessa prática, a própria OPEN IA fez isso – e foi processada por Elon Musk (!) justamente por não seguir os princípios abertos.

Escrevemos em nossa última newsletter do BaixaCultura que a Meta, ao dizer que seu modelo LLama é aberto, vem “poluindo” e “confundindo” o open source, como afirma Stefano Maffulli, diretor da Open Source Initiative (OSI). Mas o que o Llama traz como aberto, porém, são os pesos que influenciam a forma como o modelo responde a determinadas solicitações. Um elemento importante para a transparência, mas que por si só não faz se encaixar na definição do open source. A licença sob a qual o Llama foi lançado não permite o uso gratuito da tecnologia por outras empresas, por exemplo, o que não está em conformidade com as definições de código aberto reconhecidas pela OSI. “Programadores que utilizam modelos como o Llama não têm conseguido ver como estes sistemas foram desenvolvidos, ou construir sobre eles para criar novos produtos próprios, como aconteceu com o software de código aberto”, acrescenta Maffuli.

Mas existem IAs totalmente abertas?

A disputa (velha, aliás) pelo que de fato é open source – e principalmente o que não é – também ganha um novo capítulo com o DeepSeek. A “OSI AI Definition – 1.0-RC1” aponta que uma IA de código aberto deve oferecer quatro liberdades aos seus utilizadores:

_ Utilizar o sistema para qualquer fim e sem ter de pedir autorização;

_ Estudar o funcionamento do sistema e inspecionar os seus componentes;

_ Modificar o sistema para qualquer fim, incluindo para alterar os seus resultados;

_ Partilhar o sistema para que outros o utilizem, com ou sem modificações, para qualquer fim;

Nos quatro pontos o DeepSeek v-1 se encaixa. Tanto é que, como mencionamos antes, já tem muita gente fazendo os seus; seja criando modelos ainda mais abertos quanto para ser executada localmente em um dispositivo separado, com boas possibilidades de customização e com exigência técnica possível na maior parte dos computadores bons de hoje em dia. Para não falar em modelos parecidos que já estão surgindo na China, como o Kimi k1.5, lançado enquanto esse texto estava sendo escrito – o que motivou memes de que a competição real na geopolítica de IA está sendo feita entre regiões da China, e não entre EUA X China.

O fato de ser de código aberto faz com que o DeepSeek, diferente do ChatGPT ou do LLama, possa ser acoplado e inserido com diferentes funcionalidades por outras empresas, grupos, pessoas com mais facilidade e menor custo. Ao permitir que novas soluções surjam, torna a barreira de entrada da inteligência artificial muito menor e estoura a bolha especulativa dos financistas globais sobre o futuro da tecnologia – o que talvez seja a melhor notícia da semana.

Mas há um porém importante nessa discussão do código aberto: as bases de dados usadas para treinamento dos sistemas. Para treinar um modelo de IA generativa, parte fundamental do processo são os dados utilizados e como eles são utilizados. Como analisa o filósofo e programador Tante nesse ótimo texto, os sistemas de IA generativa (os LLMs) são especiais porque não consistem em muito código em comparação com o seu tamanho. Uma implementação de uma rede neural é constituída por algumas centenas de linhas de Python, por exemplo, mas um LLM moderno é composto por algum código e uma arquitetura de rede – que depois vai ser parametrizada com os chamados “pesos”, que são os milhares de milhões de números necessários para que o sistema faça o que quer que seja, a partir dos dados de entrada. Assim como os dados, estes “pesos” também precisam ser deixados claros quando se fala em open source, afirma Tante.

Não está claro, ainda, quais foram os dados de treinamento do DeepSeek e como estes pesos foram distribuídos. Endossando Tante, Timnit Gibru disse neste post que para ser open source de fato teria que mostrar quais os dados usados e como foram treinados e avaliados. O que talvez nunca ocorra de fato, pois isso significa assumir que a DeepSeek pegou dados de forma ilegal na internet tal qual o Gemini, a LLama e a OpenIA – que está acusando a DeepSeek de fazer o mesmo que ela fez (!). Outras IAs de código aberto também não deixam muito claro como funcionam suas bases, embora as proprietárias muito menos. Ainda assim, são os modelos de IA identificados como open source, com seus códigos disponíveis no Github, os que lideram o nível de transparência, segundo este índice criado por pesquisadores da Universidade de Stanford, que identificou como os mais transparentes o StarCoder e o Jurassic 2.

Podemos concluir que na escala em que estamos falando desses sistemas estatísticos atualmente, e entendendo o acesso e o tratamento dos dados como elementos constituintes do códigos a ser aberto, uma IA totalmente open source pode ser quase uma utopia. Muitos modelos menores foram e estão sendo treinados com base em conjuntos de dados públicos explicitamente selecionados e com curadoria. Estes podem fornecer todos os processos, os pesos e dados, e assim serem considerados, de fato, como IA de código aberto. Os grandes modelos de linguagem que passamos a chamar de IA generativa, porém, baseiam-se todos em material adquirido e utilizado ilegalmente também porque os conjuntos de dados são demasiado grandes para fazer uma filtragem efetiva de copyright e garantir a sua legalidade – e, talvez, mesmo a sua origem definitiva, dado que muitas vezes podemos ter acesso ao conjunto de uma determinada base de dados, mas não exatamente que tipo de dado desta base foi utilizada para treinamento. Aliás, não é surpresa que hoje muitos dos que estão procurando saber exatamente o dado utilizado são detentores de copyright em busca de processar a Open AI por roubo de conteúdo.

Mesmo que siga o desafio de sabermos como vamos lidar com o treinamento e a rastreabilidade dos dados usados pelos modelos de IA, a chegada do DeepSeek como um modelo de código aberto (ou quase) tem enorme importância sobretudo na ampliação das possibilidades de concorrência frente aos sistemas da big techs. Não é como se o império das grandes empresas de tecnologia dos Estados Unidos tivesse ruído da noite pro dia, mas houve uma grande demonstração de como a financeirização da economia global amarrou uma parte gigantesca do valor financeiro do mundo às promessas de engenheiros que claramente estavam equivocados nas suas projeções do que era preciso para viabilizar a inteligência artificial – seja para ganhos especulativos ou por puro desconhecimento.

A parte ainda não solucionada da equação é uma repetição do antigo episódio envolvendo o lançamento do Linux: se essa solução estará disponível para ser destrinchada por qualquer um, como isso vai gerar mais independência aos cidadãos? A inteligência artificial tem milhares de aplicações imaginadas, e até agora se pensava em utilizá-la nos processos produtivos de diversas indústrias e serviços pelo mundo. Mas como ela pode sugerir independência e autonomia para comunidades, por exemplo? Espera-se, talvez de maneira inocente, que suas soluções sejam aproveitadas pela sociedade como um todo, e que não sejam meramente cooptadas pelo mercado para usos privados como tem ocorrido até aqui. Por fim, o que se apresenta é mais um marco na história da tecnologia, onde ela pode dobrar a curva da independência, ou seguir no caminho da instrumentalização subserviente às taxas de lucro.

[Leonardo Foletto e Victor Wolffenbüttel]

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Um Manifesto Hacker – 20 anos depois https://baixacultura.org/2024/02/20/um-manifesto-hacker-20-anos-depois/ https://baixacultura.org/2024/02/20/um-manifesto-hacker-20-anos-depois/#comments Tue, 20 Feb 2024 23:03:56 +0000 https://baixacultura.org/?p=15573 Não é fácil a tarefa de apresentar Um Manifesto Hacker, de McKenzie Wark, ao público brasileiro hoje. A natureza ensaística, provocativa e irônica da obra nos põe um desafio: como falar de um presente sem estragar a surpresa? Outra questão é o tempo: o livro foi lançado pela primeira vez há vinte anos. Como contextualizar a obra? O papel da informação e das tecnologias na sociedade contemporânea está ainda mais visível do que há vinte anos, o que faz com que a obra continue atual – como a própria autora afirma em sua introdução à edição brasileira. Se, por um lado, não vamos estragar as surpresas – elas são deliciosas – por outro, não espere uma apresentação tradicional. Ela seria o exato oposto do que o próprio livro tentou ser.

O que podemos contextualizar é que, embora a tradução apenas saia agora, sua recepção em território brasileiro aconteceu mesmo há quase vinte anos. De forma um tanto errática, quase underground, o livro foi lido e discutido em meios acadêmicos e ativistas, sobretudo onde havia pessoas interessadas em torno da grande área que se convencionou chamar cibercultura – nome que hoje, com a onipresença do digital em nossas vidas, parece ter sido abandonado.

Dentro dessa área, hackers afeitos também aos estudos filosóficos de inspiração deleuziana sobre a técnica receberam com entusiasmo estes escritos de McKenzie Wark; outros, especialmente teóricos da comunicação e da sociologia, leram com atenção as teses do livro e notaram as semelhanças com “A Sociedade do Espetáculo”, de Guy Debord, e “Manifesto Comunista”, de Karl Marx e Friedrich Engels, evidentes na forma aforística do texto mas nem tão clara no conteúdo – embora você verá muito de ambos autores nas páginas do livro.

Um Manifesto propõe a visão de que existem três classes dominantes e suas respectivas classes dominadas. Cada uma dessas classes dominantes deriva seu poder da propriedade privada de uma categoria de meios de produção. São elas a classe pastoralista, que detém terras; a classe capitalista, que possui capital; e a classe vetorialista, proprietária da informação. E suas decorrentes classes dominadas, respectivamente a classe camponesa, a classe trabalhadora e a classe hacker. Apesar de haver uma sequência histórica na emergência de cada uma delas (primeiro veio a pastoralista, depois a capitalista, e agora a vetorialista), a autora afirma que as três classes coexistem no presente.
Este é um trechinho do prefácio (íntegra) que eu, Victor Barcellos (também tradutor da obra) e Rafael Grohmann fizemos para a “Um Manifesto Hacker”, segundo livro publicado no Brasil de McKenzie Wark, ambos pela dupla de editoras SobInfluencia e Funilaria – fizemos uma breve resenha do primeiro, “O Capital Está Morto”, em fevereiro de 2023. “Um Manifesto Hacker” está à venda no site das duas editoras (Funilaria / SobInfluencia) e também nas melhores livrarias do país. Republicamos logo abaixo o prefácio à edição brasileira do livro, escrito por Mckenzie, que atualiza com muita clareza e honestidade a questão da liberação da informação da forma de propriedade na internet. O livro na íntegra também está disponível em PDF, mas não espalha.

[Leonardo Foletto]

“O que para nós era uma prática de vanguarda rapidamente, e de forma independente, tornou-se um movimento social: o movimento pela informação livre. À medida que a internet se tornou uma forma de comunicação mais popular, todos começaram a compartilhar. Como diz a tese 126 do livro: “a informação quer ser livre, mas está acorrentada em todos os lugares” (…) Parecia que poderíamos abrir a forma-mercadoria da informação em favor de uma espécie de economia de dádiva abstrata. (…) Não era pra ser. Os marxistas autonomistas italianos sustentam que toda “inovação” na forma-mercadoria é impulsionada de baixo para cima, na medida em que tenta resolver um antagonismo de classe subordinada contra a forma-mercadoria por meio de sua recaptura por meio de uma mutação dessa forma. Foi mais ou menos isso que aconteceu. A classe dominante dominante, que chamo de classe vetorialista, recuperou a energia do movimento popular pela informação livre transformando-a em trabalho não remunerado“.

 

CONSIDERAÇÕES SOBRE UM MANIFESTO HACKER

Mckenzie Wark*

Lendo Um Manifesto Hacker novamente depois de muito tempo, agora parece um livro que outra pessoa escreveu e, ao mesmo tempo, um livro que contém não apenas a semente de todo o meu trabalho, mas o padrão da minha vida desde então.

O livro faz pelo menos duas coisas ao mesmo tempo. Em parte é um diagnóstico de um ponto de viragem histórico, entendido a nível conceptual. Isso não é mais capitalismo; é algo pior. Essa mutação no modo de produção é global, mas distribuída de forma desigual. Os modos de produção são sempre plurais. Durante muito tempo, o modo dominante poderia ser descrito como capitalismo. Embora o capitalismo certamente ainda exista, não é mais o modo de produção dominante.

Não estou sozinha nesse diagnóstico, mas a maioria das outras tentativas de pensar essa ruptura não entenderam que ela também é uma ruptura de linguagem. Assim, temos tentativas muito insatisfatórias de pensá-lo como pós-capitalismo ou neofeudalismo. Em outras palavras, isso significaria pensar o surgimento de uma nova época apenas em relação à língua antiga. Cada nova era tenta pensar sua novidade na linguagem da antiga. Essa é uma falha linguística a ser superada,e considero isso uma das percepções mais importantes de Marx.

Em vez disso, tentei pensar a época em uma linguagem contemporânea a ela. Escrevi Um Manifesto Hacker em uma linguagem inexistente que chamo de “europeia”. Essa linguagem imaginária é composta de partes iguais de latim religioso, marxismo, filosofia francesa e inglês comercial. Essas são as linguagens transnacionais da modernidade que me fizeram. A edição em inglês não é a original – também é uma “tradução” que eu mesmo fiz dessa língua inexistente. Eu queria começar pelo menos com os recursos linguísticos que vários modos de produção sucessivos e sobrepostos infligiram ao mundo por meio da guerra e da colonização. Pensar nessa linguagem e contra ela.

O método de escrita é o que os situacionistas chamavam de desvio (détournement). Uma cópia e uma correção da linguagem encontrada. Assim, a primeira linha: “Um duplo assusta o mundo”, e toda a tese 001 que se segue, copiei e modifiquei da famosa abertura de O Manifesto Comunista. Toda a linguagem é um bem comum (commons), e pode-se fazer o possível para recusar a forma de propriedade e os nomes próprios de seus proprietários como uma prática de escrita. Sempre me diverte que existam livros que se dizem “radicais” em conteúdos que obedecem às convenções literárias mais conservadoras.

Partindo de um desvio das linguagens transnacionais, Um Manifesto Hacker oferece dois tipos de proposições: algumas se referem à situação estratégica das classes subalternas como eu a via 25 anos atrás. Alguns deles precisam de revisão à luz das lutas desde então. O outro tipo de proposição está menos ligado a circunstâncias imediatas. Eles são um pouco mais inoportunos. Vou oferecer algumas reflexões tardias sobre ambos.

Resumidamente, as coisas tomaram um rumo que eu não previ, e que exige uma alternância não só da prática política, mas também da teoria. Georg Lukács disse em seu ensaio sobre o método marxista que mesmo que todas as suas descobertas particulares se mostrassem incorretas na prática, a teoria marxista ortodoxa permaneceria correta. Eu tenho exatamente a visão oposta: apenas aquelas descobertas que se comprovam na prática podem ser consideradas parte do “marxismo”. Ele não tem nenhuma teoria essencial, ortodoxa ou não.

Vinte e cinco anos atrás, parecia uma boa tática liberar informações da forma de propriedade. As forças de produção, neste caso as forças de produção de informação, ultrapassaram as relações de produção existentes. A produção de informação livre surgiu como uma prática a partir da qual se cria uma produção autônoma de conhecimento. De diferentes maneiras, Adorno e Pasolini se refugiaram da pressão progressiva da mercantilização (commodification) em formas culturais e midiáticas residuais, eu fazia parte de um movimento que buscava um espaço de liberdade não-mercantilizada em mídias emergentes e formas técnicas.

Embora tenha escrito grande parte de Um Manifesto Hacker isoladamente, no norte do estado de Nova Iorque, eu não estava sozinha. Fiz parte de uma vanguarda que se reuniu em espaços online para desenvolver teoria e prática dentro dessas formas emergentes de produção de informação. Tentamos fazer uma teoria, uma arte, uma cultura e uma política neste espaço relativamente livre de uma só vez. Isso foi um tempo antes de a internet se tornar um grande negócio. Sua infraestrutura era mantida principalmente por universidades. Descobrimos que era uma maneira relativamente barata e rápida de se organizar transnacionalmente, de conduzir experimentos, de encontrar afinidades.

Todas as vanguardas são, em certo sentido, vanguardas midiáticas, desde o dadaísmo e o surrealismo até o fluxus, a tropicália ou os situacionistas. Eles usaram a mídia de seu tempo, da impressão offset ao cinema, gravação de som, até mesmo o sistema postal, para criar matrizes transnacionais de invenção formal que eram ao mesmo tempo estéticas, políticas e culturais. Vimo-nos continuando essa prática, mas não meramente repetindo-a. Um Manifesto Hacker é uma teoria dessa prática. Como todas as vanguardas, teve suas facções e dissensões. Meu espaço de afinidade dentro dele girava em torno do grupo nettime.org.

O que para nós era uma prática de vanguarda rapidamente, e de forma independente, tornou-se um movimento social: o movimento pela informação livre. À medida que a internet se tornou uma forma de comunicação mais popular, todos começaram a compartilhar. Como diz a tese 126 do livro: “a informação quer ser livre, mas está acorrentada em todos os lugares”. (Uma frase que é um desvio de Rousseau e do teórico utópico da internet John Perry Barlow). Parecia que poderíamos abrir a forma-mercadoria da informação em favor de uma espécie de economia de dádiva (gift) abstrata.

Não era pra ser. Os marxistas autonomistas italianos sustentam que toda “inovação” na forma-mercadoria é impulsionada de baixo para cima, na medida em que tenta resolver um antagonismo de classe subordinada contra a forma-mercadoria por meio de sua recaptura por meio de uma mutação dessa forma. Foi mais ou menos isso que aconteceu. A classe dominante dominante (dominant rulling class), que chamo de classe vetorialista (vectorialist), recuperou a energia do movimento popular pela informação livre transformando-a em trabalho não remunerado.

Na verdade, é ainda pior do que isso. O capitalismo explora nosso trabalho; o vetorialismo explora nosso comunismo. Ele explora nossa necessidade de dar um presente de nossa sociabilidade uns aos outros. A resposta da classe dominante ao movimento social pela informação livre foi a criação de uma forma de propriedade ainda mais abstrata. As relações de produção alcançaram as forças de produção. Este ciclo agora tem uma extensão adicional, pois a chamada “inteligência artificial” é treinada no vasto tesouro de informações livres que criamos para nós mesmos para desenvolver uma técnica que possa substituir a própria classe hacker.

Sob o capitalismo, as forças de produção se desenvolveram reduzindo o trabalho à repetição e mesmice, e então substituindo o trabalhador por uma máquina que reproduzia de forma mecânica essa repetição. O que estava além dessa substituição era o hack, a produção da diferença, a atividade distintiva da classe hacker nas artes e nas ciências. O que a classe vetorialista está tentando agora é a substituição da classe hacker por máquinas capazes de fabricar a diferença. Máquinas que fazem isso mal, mas que do ponto de vista da classe dominante são preferíveis porque não podem entrar em greve.

Em suma, a situação é muito pior do que há um quarto de século. Vencemos algumas batalhas, mas perdemos a guerra. O livro que escrevi logo após Um Manifesto Hacker, “Gamer Theory”, já era uma intuição disso. Trata-se do enclausuramento do hack, ali figurado como jogo, em um espaço de jogo global, totalizante. Onde todas as nossas energias coletivas e criativas são direcionadas para formas que podem ser quantificadas, classificadas e ranqueadas. Lamento dizer, esse foi profético.

Revisei ainda mais a perspectiva política de Um Manifesto Hacker em meu livro posterior, “O Capital Está Morto”. Em meu livro “Raving”, ofereci pelo menos uma teoria e prática de onde podemos nos esconder, podemos encontrar uma relação com a técnica onde podemos pelo menos minimizar a captura de nossas energias hacker e obter algum prazer em formas de trabalho inútil.

Ao contrário de alguns teóricos que eu poderia mencionar, não estou no negócio de oferecer “esperança”. A perspectiva é ruim. Os movimentos populares viveram uma longa série de derrotas históricas. Estamos em retiro na maioria dos lugares. O benefício de estar em retirada é que há menos oportunistas por perto. Em vez disso, os oportunistas se rebatizaram como os “intelectuais” da reação.

As proposições táticas de Um Manifesto Hacker são de seu tempo. Até que ponto as proposições teóricas precisam ser abandonadas ou modificadas não cabe a mim dizer. Ainda acho o livro infinitamente produtivo, pelo menos para meu próprio trabalho e até para minha vida. Olhando para trás, encontro as sementes de todos os meus livros subsequentes. A série de livros que relê e recupera certas práticas marxistas e de vanguarda que se cruzam, por exemplo: “The Beach Beneath the Street”, “The Spectacle of Disintegration” e “Molecular Red”. Ou a série de livros que lêem outras teorias contemporâneas de forma camarada: “General Intellects” e “Sensoria”.

Até encontro uma conexão com os livros que escrevi no processo de me assumir como transexual: “Philosophy for Spiders”, “Reverse Cowgirl”, and “Love and Money, Sex and Death”. Há um conceito de natureza como diferença, natureza como hackeável, que prefigura o hackeamento do meu próprio corpo, a produção da diferença na e como minha própria carne.

Certamente existem conceitos que ainda considero úteis em Um Manifesto Hacker, sendo a natureza como diferença apenas um exemplo. A sua contraposição da expressão à representação, a sua alergia às identidades e aos invólucros. Isso me parece uma crítica antecipada ao ressurgimento do sentimento fascista. Ou a intuição de que a sobrevivência planetária no Antropoceno pode exigir uma superação da subordinação da produção à reprodução da mesmice da forma de propriedade. Que pode de fato haver uma técnica potencial que é mais abstrata do que, e não recuperável dentro da própria propriedade.

O que prezo mais do que a teoria neste livro é a prática, que mais tarde vim a chamar de baixa teoria (low theory). A prática da baixa teoria é a prática de fazer teoria em e com um movimento social, uma vanguarda ou um projeto comunitário de resistência minorizada. A baixa teoria pode recorrer aos recursos da alta teoria, que às vezes se autodenomina filosofia, mas que na maioria das vezes é erudição sobre filosofia. A universidade tem sido um lugar onde poderíamos conseguir empregos, mas os prêmios brilhantes de reconhecimento acadêmico não são o objetivo da baixa teoria. A baixa teoria acontece em uma temporalidade diferente, a das tendências históricas, conjunturas políticas, situações culturais, não a do sistema semestral.

Talvez o melhor sinal de que o livro ainda tem sua utilidade é que eu o considero plagiado com tanta frequência – o que acho divertido quando assume a forma de um desvio (détournement) engenhoso. De qualquer forma, fico feliz em ver que ainda fala a muitos tipos diferentes de leitores, em muitas partes diferentes do mundo. Perdi a conta do número de idiomas em que você pode encontrá-lo. É um livro que foi feito para ser hackeado.

Brooklyn, Nova Iorque, julho de 2023

*McKenzie Wark (New Castle, Austrália) é professora de Mídia e Estudos Culturais na New School for Social Research e Eugene Lang College em Nova York. Seus escritos e projetos políticos se voltam para a análise do neoliberalismo tecnológico, além de escrever sobre os diversos movimentos Situacionistas, mídia tática e movimento anti-globalização. Publicou no Brasil pela Funilaria e sobinfluencia “O capital está morto” e “Um manifesto hacker”. Também é autora de livros como “Molecular Red: Theory for the Anthropocene”, “Reverse Cowgirl”, “50 Years of Recuperation of the Situationist International”, “The Spectacle pf Disintegration” e outros, McKenzie é também DJ e amplamente vivída na cultura da música techno e seus movimentos.

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Como o ChatGPT está influenciando na disputa pelo controle do conhecimento https://baixacultura.org/2023/05/29/como-o-chatgpt-esta-influenciando-na-disputa-pelo-controle-do-conhecimento/ https://baixacultura.org/2023/05/29/como-o-chatgpt-esta-influenciando-na-disputa-pelo-controle-do-conhecimento/#respond Mon, 29 May 2023 22:40:00 +0000 https://baixacultura.org/?p=15255 É quase impossível identificar retroativamente as fontes e autorias retiradas sem autorização de bases de dados pelos bots. Apropriação do saber comum pode estar mais ameaçada – abrindo uma disputa sobre os direitos do autor

Por Leonardo Foletto*

O ano de 2023 tem sido permeado pelo tema de Inteligência Artificial (IA) quando se fala sobre tecnologias digitais e internet. Isso se deve em grande parte ao sucesso estrondoso do ChatGPT, uma IA generativa desenvolvida pela OpenAI, uma empresa dos Estados Unidos fundada em 2015 com um investimento inicial de U$ 1 bilhão, cerca de R$ 4,9 bilhões na cotação atual.

Seus sócios incluem personalidades notáveis como Sam Altman, CEO da empresa. Elon Musk, o bilionário excêntrico e segundo homem mais rico do mundo de acordo com a Bloomberg, foi um dos co-fundadores da empresa em 2015, mas abandonou o projeto após discordâncias com princípios éticos e modelos de financiamento da empresa.

O ChatGPT foi disponibilizado publicamente gratuitamente em 30 de novembro de 2022 e, em janeiro de 2023, já havia alcançado 100 milhões de usuários. Isso o torna a tecnologia de crescimento mais rápido da história até o momento. É importante ressaltar que essa IA generativa consegue gerar textos e imagens de forma automatizada, baseada no aprendizado de máquina.

Direito autoral e propriedade intelectual

Há inúmeras formas de abordar a discussão acerca dos impactos da Inteligência Artificial (IA) no cotidiano global. Podemos falar sobre as questões éticas que envolvem a adoção desses sistemas em salas de aula, por exemplo, assim como sobre mecanismos possíveis para regulamentar IAs e assegurar que evitem a disseminação de racismo algorítmico, discursos de ódio e desinformação;

Podemos falar também da precarização do trabalho digital, agora também o trabalho criativo (designers, ilustradores, produção de “conteúdos” em geral) às implicações políticas no extrativismo desigual de dados norte-sul global, a partir da acentuação do colonialismo de dados (Couldry e Mejías, 2019; Lippold e Faustino, 2022), o que pode nos levar a um modo de produção ainda pior que o capitalismo (Mckenzie Wark, 2023), agora baseado também no controle do “vetor da informação”, aquelas tecnologias que coletam grandes quantidades de dados, os ordenam, gerenciam e processam para extrair valor – como as IAs generativas.

Podemos, ainda, discutir como as IAs são utilizadas em trabalhos criativos de texto e imagem, ou refletir sobre as questões filosóficas que envolvem a simbiose entre a realidade humana e a realidade das máquinas — incluindo a possibilidade de uma superação da inteligência humana pela maquínica.

Contudo, eu opto por abordar a questão sob uma perspectiva diferente: a discussão sobre criação, cópia e propriedade intelectual na internet. O fato é que nem todo mundo está satisfeito com que as IAs generativas, como o ChatGPT e o Midjourney (usado para geração de imagens), consigam escrever livros infantis, ganhar competições de arte ou produzir artigos acadêmicos. Isso levanta uma série de questões sobre a autoria, a originalidade e a propriedade intelectual, que ainda carecem de respostas claras.

Cópia da cópia da cópia

A importância da cultura livre e dos movimentos que a promovem se torna ainda mais relevante em tempos de avanço das IAs generativas. Como mencionado anteriormente, essas tecnologias são capazes de criar obras artísticas, textos e outros tipos de conteúdo de forma automatizada, o que levanta questionamentos sobre a autoria e a propriedade dessas obras.

O copyleft e as licenças Creative Commons poderiam se mostrar, nesse contexto, ferramentas poderosas para garantir que as obras geradas pelas IAs generativas possam ser utilizadas e compartilhadas livremente, sem restrições ou limitações impostas pelos detentores de direitos autorais.

No entanto, é importante lembrar que a cultura livre não é apenas uma questão de licenciamento. Ela envolve uma transformação mais ampla na forma como a sociedade entende a cultura, o conhecimento e a criatividade, e busca colocá-los ao alcance de todos, promovendo a participação e a colaboração em vez da exclusão e da monopolização.

Nesse sentido, a cultura livre se apresenta como uma alternativa à lógica mercantilista que rege a indústria cultural e as políticas de propriedade intelectual, permitindo o florescimento de novas formas de criação, expressão e compartilhamento que fogem do controle das grandes corporações e das elites intelectuais.

Do copyleft emergiram, no início dos anos 2000, os Creative Commons: um conjunto de licenças e, posteriormente, uma ONG presente em mais de cinquenta países. A partir daí, expandiu-se a ideia de cultura e conhecimento livre, e potencializados movimentos como a Educação Aberta (Recursos Educacionais Abertos no Brasil), Ciência Aberta e OpenGlam (galerias, bibliotecas, arquivos e museus abertos), ainda em plena atividade globalmente.

Esses movimentos promovem o acesso a conhecimentos de interesse público, tais como produções científicas, livros didáticos e obras presentes em museus e bibliotecas públicas, frente às restrições impostas pelas empresas detentoras de direitos autorais em obras culturais e educacionais. Nesse sentido, a defesa da cultura livre e dos movimentos que a promovem se torna ainda mais urgente em um mundo cada vez mais dominado pelas IAs generativas e pela lógica da propriedade intelectual restritiva, garantindo que a criatividade e o conhecimento possam ser compartilhados e apropriados por todos, e não apenas por uma elite privilegiada.

O livre direito a cultura para IAs?

A partir desse panorama sobre a cultura livre, discutido em “A Cultura é Livre: uma história da resistência antipropriedade”, é possível estabelecer uma conexão com a Inteligência Artificial (IA). A popularização de sistemas como o ChatGPT coloca a propriedade intelectual em um momento histórico importante, já que vivemos em um mundo cada vez mais dominado por múltiplas cópias reproduzidas por sistemas algorítmicos “inteligentes”.

Nesse contexto, torna-se difícil reconhecer as fontes e identificar a autoria. É praticamente impossível fazer isso retroativamente, pois muitos sistemas de IA já extraíram informações de bases de dados da internet sem autorização e seguem produzindo novas ideias a partir do que aprenderam.

No âmbito jurídico, já há denúncias que questionam essa apropriação; três artistas iniciaram uma ação coletiva contra Stability.ai e Midjourney alegando violação direta e indireta de direitos autorais, uma vez que “estes sistemas pegaram bilhões de imagens de treinamento extraídas de sites públicos” e as usaram “para produzir imagens aparentemente novas por meio de um processo de software matemático”.

Entre especialistas em direito autoral, muitos se perguntam se a extração de conteúdo de terceiros por estas IAs generativas pode ser considerado “fair use” (uso justo), mecanismo da Lei dos Estados Unidos que estabelece como uso justo a reprodução de trechos para fins como crítica, comentário, notícias, ensino ou pesquisa.

Esse tipo de mecanismo de exceção, que sempre foi uma defesa do movimento da cultura livre para que grandes empresas da cultura não impedissem práticas como as pequenas citações musicais e de vídeo para fins de estudo ou paródia, por exemplo, agora tem sido estabelecido como a interpretação usada pelos tribunais dos Estados Unidos para permitir alguns usos de mineração de dados necessários para estes sistemas de IA funcionarem.

Pesquisadores da área indicam que, em breve, a quantidade de texto e imagem gerada por IAs tende a superar toda produção humana. Esse fato levanta a discussão sobre a apropriação do espaço comum (domínio público) das ideias.

Apropriação do espaço comum de ideias

Um número muito grande de obras produzidas pode exaurir a quantidade de expressões possíveis de uma ideia em um certo meio — música, por exemplo, onde já há casos de IAs, como a do Google Assistente, que reconhece amostras de uma música, trechos de até menos de um segundo.

Identificar pode significar também controlar e restringir; empresas de tecnologia já identificam e barram rapidamente a circulação de informações para defender a propriedade.

O rapper brasileiro Don L reconheceu o perigo e expressou sua opinião no Twitter: “O capitalismo vai acabar com a arte do sample. Sou totalmente contra ter que pagar por samples irreconhecíveis por um humano. Se for por essa lógica, deveria ter direito autoral pros instrumentos. Pagar pra Yamaha, Korg etc em toda música”.

Se todos os samples usados no hip hop fossem identificados, controlados e restritos, teria sido possível o nascimento do gênero musical? Quantos novos estilos literários, expressões artísticas e gêneros musicais deixariam de surgir se houvesse barreiras econômicas como essa?

Diante dessas questões, que surgem diante das dúvidas sobre como regular processos tecnológicos ainda em pleno desenvolvimento, parece ser importante discutir novamente o uso justo.

Manter a exceção de uso justo no direito autoral pode permitir que criadores e inventores continuem a combinar conhecimentos existentes para criar novas possibilidades, como faziam antes com a câmera e o sampler. Porém, é importante considerar as consequências do colonialismo de dados caso a mineração de milhares de textos e dados necessários para o funcionamento de sistemas de Inteligência Artificial privados e fechados seja considerada uso justo.

Seria possível invocar o copyleft novamente para equilibrar a discussão, garantindo que obras geradas por Inteligência Artificial (a partir de comandos humanos) sejam licenciadas abertamente apenas para determinados usos? Seria tecnicamente possível licenciar e controlar o copyleft, dada a dificuldade de distinguir cópia e original nesse contexto e o número crescente de obras geradas?

Seria também possível questionar se a obra de arte é realmente fruto apenas do espírito humano, como proposto no final de “A Cultura é Livre”. Se não for, seria hora de, assim como os povos indígenas já fazem há muito tempo, rever o antropocentrismo e dar a classificação de criadores a seres não-humanos, “artificiais” ou “naturais”?

As muitas perguntas sem resposta apenas reforçam o desafio que a popularização das IAs generativas nos apresenta ao pensar sobre o futuro da criação e da cultura livre.

* Texto publicado originalmente na revista Jacobin, por sua vez adaptado de outro, chamado “Cultura e conhecimento livre em tempos de IAs”, que pode ser visto no site da Fundação Rosa Luxemburgo Brasil-Paraguai.

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10 anos sem Aaron Swartz https://baixacultura.org/2023/01/11/10-anos-sem-aaron-swartz/ https://baixacultura.org/2023/01/11/10-anos-sem-aaron-swartz/#comments Wed, 11 Jan 2023 16:14:56 +0000 https://baixacultura.org/?p=15119

Hoje completou 10 anos da morte de Aaron Swartz.

Ativista pelo conhecimento livre, programador genial, pensador autodidata, pessoa profundamente colaborativa e coletiva, se suicidou aos 26 anos, em 11 de janeiro de 2013, depois de sofrer uma brutal perseguição judicial nos Estados Unidos por conta de um “roubo” de arquivos do repositório acadêmico da JSTOR (sigla para Journal Storage) enquanto era estudante do MIT. Aaron foi preso pela polícia em 6 de janeiro de 2011 por acusações de invasão de domicílio, após conectar um computador à rede do MIT e configurá-lo para baixar artigos da JSTOR usando uma conta de usuário convidado emitida para ele pela universidade (a que ele tinha direito por estar vinculado). A JSTOR, vale lembrar, é um arquivo de textos acadêmicos e revistas científicas criado em 1995 e que disponibiliza hoje mais de 12 milhões de artigos – e que, à época, cobrava US$ 19 mensais pelo acesso.

Os promotores federais do caso nos Estados Unidos posteriormente indiciaram Aaron por fraude eletrônica e onze violações da ” Computer Fraud and Abuse Act”, lei estadunidense de 1986,  o que acarretou uma pena cumulativa máxima de US$ 1 milhão em multas, 35 anos de prisão, confisco de ativos, restituição do supostamente roubado e “supervised release”, uma espécie de liberdade condicional adicional ao tempo de detenção. Aaron recusou um primeiro acordo judicial e fez uma contraoferta, que a promotoria rejeitou. Dois dias depois dessa rejeição, foi encontrado morto em seu apartamento no Brooklyn, Nova York.

Aaron era um ativista singular. Aprendeu a programar muito cedo; aos 12, em 1999, criou o site “The Info Network”, uma enciclopédia gerada pelos próprios usuários. Aos 14, entrou para o grupo que criaria o RSS, um padrão de documento que apresenta as informações de um site de maneira simplificada – e que nós aqui já explicamos como funciona e o recomendamos para sair dos algoritmos das redes sociais, em texto de Victor Wolfenbüttel. Aos 15, Aaron se envolveu na co-fundação do Creative Commons, organização que criou as primeiras (e até hoje mais populares) licenças livres para obras diversas (na foto abaixo, ao lado de outro co-fundador e seu primeiro presidente, Lawrence Lessig). Aos 18, já tendo entrado e saído da Universidade de Stanford, fez parte do grupo que criou o Reddit, site de avaliação de links para conteúdo na web. Aos 19, fez parte do grupo que criou a Open Library, biblioteca que disponibiliza milhares de livros gratuitos, incorporada ao Internet Archive. Aos 21, em 2008, criou o Watchdog.net, site pioneiro em visualização de dados sobre políticos (infelizmente fora do ar, mas acessível via Wayback Machine).

Lessig e Aaron. Rich Gibson / CC BY

Neste mesmo 2008, escreveu a primeira versão do Manifesto da Guerrilla Open Acess, texto que circulou muito à época e três anos depois, em 2011, seria traduzido e publicado no BaixaCultura (publicaríamos também um memorial para Aaron, logo depois de sua morte). Um breve trecho do manifesto:

“Informação é poder. Mas, como todo o poder, há aqueles que querem mantê-lo para si mesmos. A herança inteira do mundo científico e cultural, publicada ao longo dos séculos em livros e revistas, é cada vez mais digitalizada e trancada por um punhado de corporações privadas. (…)

Obrigar pesquisadores a pagar para ler o trabalho dos seus colegas? Digitalizar bibliotecas inteiras mas apenas permitindo que o pessoal da Google possa lê-las? Fornecer artigos científicos para aqueles em universidades de elite do Primeiro Mundo, mas não para as crianças no Sul Global? Isso é escandaloso e inaceitável.

“Eu concordo”, muitos dizem, “mas o que podemos fazer? As empresas que detêm direitos autorais fazem uma enorme quantidade de dinheiro com a cobrança pelo acesso, e é perfeitamente legal – não há nada que possamos fazer para detê-los. Mas há algo que podemos, algo que já está sendo feito: podemos contra-atacar.

Aqueles com acesso a esses recursos – estudantes, bibliotecários, cientistas – a vocês foi dado um privilégio. Vocês começam a se alimentar nesse banquete de conhecimento, enquanto o resto do mundo está bloqueado. Mas vocês não precisam – na verdade, moralmente, não podem – manter este privilégio para vocês mesmos. Vocês têm um dever de compartilhar isso com o mundo.  E vocês têm que negociar senhas com colegas, preencher pedidos de download para amigos.”

O documentário “The Internet’s Own Boy: The Story of Aaron Swartz”, dirigido por Brian Knappenberger e lançado em 2014, conta um pouco da história de Aaron e pode ser visto e baixado no Internet Archive (em inglês). Há uma versão legendada em português circulando pelo YouTube.

 

O legado de Aaron tem se mantido através de diversas iniciativas, como o Aaron Swartz Day, portal e evento criado em 2013 e que tem ajudado também a manter projetos que tiveram o dedo de Aaron – na lista cima, faltou falar também do Secure Drop, software de código aberto para compartilhamento de informações, essencial para whisteblowers e usado por diversos veículos jornalísticos como The Intercept, The Guardian, TechCrunch, entre outros.

Nos 10 anos de sua morte, o Instituto Aaron Swartz, recém criado no Brasil a partir de integrantes do Partido Pirata, organizou uma live em homenagem à data. O evento teve a participação de Lisa Rein, também co-fundadora do CC, criadora do Aaron Swartz Day e que conheceu e trabalhou com o ativista de perto; Karina Menezes, pedagoga, professora da Faculdade de Educação da UFBA (FACED/UFBA) e integrante do Raul Hacker Club, de Salvador; Rafael Zanatta, diretor da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, mestre pela Faculdade de Direito da USP e doutorando pelo Instituto de Energia e Ambiente da USP; com mediação de Tatiana Kawamoto, bióloga, membro-fundadora do Instituto Aaron Swartz e participação na tradução de André Sobral, sociólogo e doutorando na UFRJ. Além de este que escreve.

Lisa respondeu a uma pergunta de Zanatta que me peguei pensando ao longo do dia: o que Aaron diria sobre o que a internet se tornou 10 anos após a sua morte, com toda a ascensão das redes sociais e a consequente “epidemia” de desinformação potencializada por elas? “Não tenho como saber, mas acho que ele estaria fazendo algo inovador. E chamando as pessoas para seguir adiante apesar de tudo”.

[Leonardo Foletto]

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Formas distribuídas de propriedade e autoria culturais na América Latina https://baixacultura.org/2022/09/26/formas-distribuidas-de-propriedade-e-autoria-culturais-na-america-latina/ https://baixacultura.org/2022/09/26/formas-distribuidas-de-propriedade-e-autoria-culturais-na-america-latina/#respond Mon, 26 Sep 2022 13:38:56 +0000 https://baixacultura.org/?p=14941 Na última semana, de quinta a sábado (22 a 24/9) aconteceu o “Digitalizar en común: formas distribuidas de propiedad y autoría culturales“, seminário organizado por Creative Commons Mexico, Wikimedia Mexico e Red en Defensa de los Derechos Digitales (R3D), a partir do Centro Cultural de Espanha do México. A programação teve a participação de vários ativistas e pesquisadores da cultura livre no continente e tratou de temas como copyleft, gestão dos direitos digitais e de bens culturais, acesso aberto e diversidade em perspectiva crítica, reformas de leis de direito autor no continente, entre outros.

Participei da mesa “Formas distribuidas de propiedad y autoría: los esfuerzos y particularidades en Latinoamérica”, com Jorge Gemetto (Artica Online, Uruguay), Viviana Rangel (Fundación Karisma, Colômbia), Franco Giandana (Fundación Vía Libre, Argentina) e moderação de Salvador Alcántar (México), Universidad de Guadalajara. Todos nós algo veteranos no tema, com pelo menos 5 (no meu caso, 14) anos participando do debate em torno da cultura livre na América Latina. Tentamos responder às (muitas) questões trazidas a partir desta ementa e destas questões:

En tiempos de privatización del conocimiento los países de Latinoamérica se ven particularmente afectados. Fenómenos como el colonialismo de datos, las leyes maximalistas de derechos de autor, el desentendimiento de los Estados hacia el fenómeno de la privatización de los bienes generados en las universidades públicas, las prácticas leoninas de editoriales académicas y un largo etcétera; parecen debilitar otros modelos de distribución más justos y equitativos. ¿Cuáles son los esfuerzos que se han hecho desde los países del Sur Global?; y, ¿cuál es el futuro de los bienes comunes digitales en este contexto? ¿Cuáles son las particularidades del contexto de los países del sur en cuanto a la compartición del conocimiento y qué estrategias podríamos seguir frente a otros esfuerzos de otras latitudes y geopolíticas?

_ ¿Qué papel juega la piratería digital dentro del contexto latinoamericano?

_ ¿Cuál es el rol de las bibliotecas (en cualquier formato) en el futuro de la accesibilidad del conocimiento en LA?

_ ¿Cuál es su prospección para los siguientes años sobre la propiedad intelectual en la región?

_ ¿Cuáles son las propuestas de la sociedad civil sobre propiedad intelectual y autoría en la región?

O vídeo onde a gente tenta (e nem sempre consegue) responder a estas questões pode ser visto na íntegra (até 1h40) aqui. E a íntegra do evento, com todas as outras mesas, podem ser vistas aqui (primeiro dia; segundo dia).

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Para reativar a Biblioteca do Comum https://baixacultura.org/2021/05/31/para-reativar-a-biblioteca-do-comum/ https://baixacultura.org/2021/05/31/para-reativar-a-biblioteca-do-comum/#respond Mon, 31 May 2021 14:03:20 +0000 https://baixacultura.org/?p=13669

Biblioteca Zhongshuge, em Chongqing

Criada em 2017 das junções dos acervos online do Intersaber e do BaixaCultura, a Biblioteca do Comum é uma biblioteca digital temática e de livre acesso dedicada à divulgação de obras intelectuais, autores e assuntos transdisciplinares, voltados à educação científica cidadã e ao fomento da imaginação social para o enfrentamento e superação das crises de nosso tempo. Reativamos ela para estes tempos de pandemia com um acervo enorme e de livre acesso (para download também) porque acreditamos que o conhecimento é um bem comum que, sendo abundante, nunca se esgota pelo uso, mas ao contrário: se multiplica quanto mais compartilhado é. Mensalmente teremos novos livros e conteúdos sobre eles nas redes.

As bibliotecas constituem os primeiros centros de informação das sociedades humanas. Desde os tabletes de argila até a atual era digital, elas vêm se adaptando continuamente aos novos meios para cumprir seu mandato de preservar e fornecer acesso à informação e ao conhecimento. O meio digital oferece uma acessibilidade impensável ao livro impresso, sobretudo com a rede mundial de computadores, permitindo o intercâmbio instantâneo ou quase instantâneo desse bem cultural em escala mundial. Neste contexto, o livro digital provocou uma reestruturação do consumo e do mercado de livros. As bibliotecas digitais dispensam a visita presencial nas bibliotecas físicas de modo que estas também tiveram que readaptar sua função para além do armazenamento e disponibilização de livros, propiciando acesso à internet e múltiplos encontros culturais.

Durante esse período de pandemia, também marcado no Brasil pela crise econômica e inflação que encarece o ainda mais o livro, e o distanciamento social que impôs o fechamento e restrições de bibliotecas e livrarias físicas, o acesso ao livro, no entanto, nunca foi tão facilitado pela multiplicação de bibliotecas e livrarias online e tendo em vista a ampliação do grau de conectividade das pessoas.

Os dados do mercado editorial brasileiro levantados pela pesquisa do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) mostram a resiliência do hábito de leitura no país, apesar da queda de 6% das vendas do setor em 2020, em relação a 2019. A pesquisa revela que ao mesmo tempo em que as livrarias físicas apresentaram uma queda nas vendas na ordem de 32%, as livrarias exclusivamente virtuais ampliaram sua participação em 84% no mesmo período. Como afirmou o presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), Vitor Tavares, muitos brasileiros encontraram por meio da leitura uma maneira de enfrentar esse período difícil e explorar o mundo. Já o ano de 2021, ainda inserido no contexto pandêmico, vem apresentando um cenário mais feliz ao mercado livreiro. O 4º painel SNEL/Nielsen aponta um salto expressivo em relação a 2020. Até aqui, o crescimento em volume foi de 131,27%, o que, segundo a análise, se dá em razão tanto da reabertura do comércio quanto dos esforços comerciais do segmento para enfrentar a crise, como um maior investimento em canais de venda online.

A Biblioteca do Comum se inscreve neste cenário incerto tendo como objetivo a ampliação do alcance às obras literárias livres das restrições de direitos autorais, pelo copyleft, e daquelas que já estão fora dos catálogos das editoras e por isso são difíceis de encontrar. 

Trata-se de uma biblioteca de humanidades digital e temática, isto é, focada em materiais voltados à pesquisa acadêmica e à educação científica, não apenas da ciência ocidental, mas de uma multiplicidade de cosmovisões, por meio de assuntos que debatem os problemas contemporâneos e prezam pelo fortalecimento dos bens comuns, da diversidade cultural e ecológica.

Para realizar seu objetivo de mediar o contato entre livros e leitores, a Biblioteca do Comum quer incidir positivamente na problemática conjuntura em que nos encontramos. Mesmo com toda a vantagem da acessibilidade que a internet oferece aos bens culturais, como o livro, este meio está longe de ser o paraíso idílico do conhecimento que muitos otimistas da tecnologia previram anos atrás. A internet não distingue entre o verdadeiro e o falso, o importante e o trivial, o duradouro e o efêmero. Para os desavisados, cada fonte que aparece na tela tem o mesmo peso e credibilidade que todas as outras. Desse modo, enfrentamos graves problemas políticos da desinformação planejada que provoca  descrença na ciência. Uma descrença que vem custando caro à coletividade nestes tempos de vacinação. As informações postadas na rede se misturam com assuntos diferentes e se perdem num amálgama caótico que os internautas digerem diariamente. Nesse sentido, as experiências de bibliotecas digitais e divulgação científica para serem efetivas devem ser realizadas com certos métodos e cuidados.

Assim, o trabalho da Biblioteca do Comum, além da curadoria de seu conteúdo que visa coletar o que tem de mais relevante em cada assunto, também envolve um compartilhamento contextualizado. Consideramos importante munir os leitores de informações sobre os/as autores, o contexto sociopolítico e cultural em que a obra ou o pensamento foi produzido, sua influência. Para tanto, a Biblioteca do Comum conta com recursos de coleções e exposições.

Ao facilitar o acesso ao livro digital, não estamos desestimulando a aquisição do livro impresso, pelo contrário. O livro digital não substitui a beleza e o conforto da leitura do livro impresso. A sensação de tocar as páginas, sentir o cheiro do papel, tanto do livro novo quanto do velho, apreciar os detalhes da lombada e da contracapa ou decorar as estantes são experiências que o livro digital não pode proporcionar. Mesmo com acesso ao digital, o livro impresso continua a ser o preferido entre os leitores. Por isso, ao contribuir com a formação de ávidos leitores, estamos atuando em sinergia com o mercado de livros impresso.

 

Por fim, um problema que nos aflige neste momento é a ameaça da taxação dos livros no Brasil pela proposta de reforma tributária do governo Bolsonaro. Este mesmo governo que zerou impostos sobre a importação de armas de fogo quer tributar em 12% os livros, o que na prática poderá provocar um aumento na casa dos 20% no preço do livro, que é um bem isento de impostos desde a Constituição Federal de 1946. Em 2003, foi instituída a Política Nacional do Livro com o objetivo de garantir acesso e uso do livro a todos os cidadãos. Em 2021, o ministro da economia Paulo Guedes afirmou que este é um produto de elite que poderá pagar a diferença.

A Biblioteca do Comum defende o acesso universal ao conhecimento, por isso nos somamos à campanha #Defendaolivro: diga não à taxação de livros, lançada pela Associação Brasileira de Editores e Produtores de Conteúdo e Tecnologia Educacional (Abrelivros), a CBL e o SNEL, em conjunto com outras entidades ligadas ao mercado editorial.

Leia o manifesto e assine a petição.

[Luis Eduardo Tavares e Leonardo Foletto]

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Como funciona (e lucra) o capitalismo de vacinação na pandemia https://baixacultura.org/2021/04/14/como-funciona-e-lucra-o-capitalismo-de-vacinacao-na-pandemia/ https://baixacultura.org/2021/04/14/como-funciona-e-lucra-o-capitalismo-de-vacinacao-na-pandemia/#comments Wed, 14 Apr 2021 20:02:49 +0000 https://baixacultura.org/?p=13606

As empresas farmacêuticas, seus chefes e acionistas já estão ganhando bilhões com as vacinas contra COVID, em um dos exemplos mais nefastos de como lucrar a partir de uma doença. Isso se deve em grande parte a um sistema, perverso em sua origem, que concentra a capacidade de produção na mão de poucos – sejam empresas ou Estados – o que intensifica e produz novas desigualdades na distribuição e consumo desses produtos. Nesse sistema, a indústria farmacêutica age em parceria com os Estados: primeiro, recebe subsídios governamentais para desenvolver medicamentos; em seguida, na combinação de preços geralmente muito acima dos custos, o que gera lucros exorbitantes para além dos que são considerados “necessários”, dentro desse sistema, para investimentos de risco como vacinas. Enquanto isso, os países mais pobres são deixados para trás novamente: 90% da produção das vacinas está sendo distribuída em países considerados desenvolvidos, enquanto que o restante pode demorar anos para ter vacinas suficientes para dar conta de suas populações. Pior: com a defesa ferrenha, por parte dos governos destes países, dos direitos de propriedade intelectual das empresas, evita-se (ou dificulta) que os países mais pobres possam produzir vacinas de modo mais rápido e barato. 

Traduzimos (melhor dizendo: adaptamos) dois textos do site britânico Corporate Watch [este e este], que desde 1996 cobre e pesquisa corporações, para dar mais detalhes dos abusivos lucros que a indústria farmacêutica obtém a partir da exploração das patentes de medicamentos produzidos, em sua maior parte, a partir de dinheiro público. A tradução é de Victor Wolffenbüttel e a adaptação de Leonardo Foletto (colaboraram Tatiana Dias e Alexandre Abdo). 

Fonte: Médicos Sem Fronteiras

Cinco maneiras pelas quais as grandes empresas farmacêuticas ganham tanto dinheiro*

A indústria farmacêutica é lucrativa: as gigantes da área têm taxas de lucro de até 20% – mais do que o dobro de outros setores. Mas como elas ganham tanto dinheiro? 

1) Persiga o lucro, e não as demandas 

Um dos maiores problemas com um sistema que direciona a pesquisa médica mais para obtenção de lucros em vez das necessidades de saúde da população é que o investimento em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) é canalizado para os produtos que podem gerar mais dinheiro para as empresas farmacêuticas. Os melhores negócios são os medicamentos para pacientes que precisam de  medicações caras (como câncer) e os que vão ser usados por muito tempo. Os melhores pacientes são os dos EUA, onde os preços dos remédios são mais altos e certas condições crônicas do sistema de saúde local exigem prescrições repetidas. Ou onde as drogas são altamente viciantes, como no caso de opióides como o Oxycontin, indicado para o tratamento de dores moderadas a severas por período de tempo prolongado.

Por outro lado, as vacinas de dose única contra epidemias que afetam principalmente os países mais pobres são o exemplo clássico de um mau negócio. Assim, a pesquisa sobre vacinas foi relativamente negligenciada até o ano passado – quando a COVID-19 se tornou um problema global e o financiamento do Estado entrou em ação. 

2) Patentear tudo 

As empresas farmacêuticas detêm patentes – licenças que garantem seus direitos de “propriedade intelectual” – de novos medicamentos. Isso significa que ninguém mais pode produzir o mesmo medicamento sem sua permissão durante a vigência da patente, que é de 20 anos na maioria dos países. 

A ideia do livre mercado é que, se uma empresa obtém altos lucros, novos participantes poderão entrar fazendo a mesma coisa (produto, medicamento, etc), mas mais barato, puxando então para baixo os preços e os lucros de todo esse mercado. As patentes significam que as empresas farmacêuticas têm monopólios legais sobre medicamentos específicos: como nenhuma outra empresa pode baixar os preços, elas podem estabelecê-los e obter grandes lucros. 

O sistema de propriedade intelectual é imposto por governos em todo o mundo sob o acordo TRIPS, que é um dos principais documentos da Organização Mundial do Comércio (OMC). Alguns estados são apoiadores mais fervorosos do que outros; os EUA são particularmente conhecidos como um forte defensor da propriedade intelectual das empresas; a UE não está muito atrás (como mostra este relatório recente do Corporate Europe Observatory). 

Governos como da Índia e África do Sul, juntamente com ONGs como a Médicos Sem Fronteiras, pediram que as patentes de vacinas fossem canceladas durante a pandemia da COVID-19. Isso poderia permitir que os países mais pobres comecem a fabricar suas próprias vacinas a preço de custo – em vez de esperar até 2023 para que as empresas farmacêuticas atendam aos seus pedidos. A ideia sofreu forte oposição dos EUA, UE, Reino Unido e outros países ricos, como contamos aqui no BaixaCultura em janeiro

3) Preços muito, muito mais altos do que os custos 

Como os apoiadores da indústria farmacêutica justificam um sistema que nega medicamentos a preços acessíveis para bilhões de pessoas? O argumento é que essa é a única maneira de cobrir os custos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de novos medicamentos. O principal grupo de lobby da indústria dos EUA, a Pharmaceutical Research and Manufacturers of America (PHRMA), afirma: “Em média, leva de 10 a 15 anos e custa US $ 2,6 bilhões para desenvolver um novo medicamento, incluindo o custo de muitas falhas”. Sem patentes, dizem, os “rivais” (atenção ao vocabulário) poderiam simplesmente copiar suas receitas e ninguém se daria ao trabalho de desenvolver novos medicamentos. 

As empresas farmacêuticas gastam, em média, cerca de 20% de toda a receita de vendas em P&D. Isso é realmente alto em comparação com outras indústrias: apenas a aviação e a indústria espacial têm percentual maior em P&D. Mesmo assim, as vendas cobrem os custos muitas vezes. Uma vez que os medicamentos estão na linha de produção, os custos reais de fabricação são minúsculos em comparação com os preços frequentemente altos (ao contrário das naves espaciais e de aviões, que são muito caros de produzir por unidade). Essa diferença é o que explica aquela já citada margem de lucro de 20% que a indústria farmacêutica obtém com seus produtos.

A insulina custa em média menos de 6 dólares por frasco para produzir, mas é vendida por até 275 dólares nos Estados Unidos – um exemplo dado pelo grupo da campanha Pacientes por Drogas Acessíveis (Patients for Affordable Drugs). Na Europa, a gigante farmacêutica Gilead cobrou uma média de 55.000 euros por um tratamento de 12 semanas contra a hepatite C – quando os remédios custam menos de 1 euro por comprimido para fabricar [fonte]. Esses exemplos extremos ilustram um padrão; um estudo acadêmico da Universidade do Sul da Califórnia descobriu que as empresas farmacêuticas dos EUA têm uma margem média de lucro bruto de 71% nas vendas de medicamentos – ou seja, o dinheiro que ganham com um medicamento após descontado o custo de produção, mas antes das despesas de toda a empresa, como marketing, impostos ou bônus executivos. 

4) Minimize o risco 

As empresas farmacêuticas argumentam que têm de assumir o risco de desenvolver medicamentos experimentais que nunca chegam ao mercado. Por exemplo, o custo médio de um novo medicamento contra o câncer foi estimado em 648 bilhões de dólares. A cifra de 2,6 bilhões de dólares citada no PHRMA acima é, na verdade, uma estimativa de “risco ponderado” que “inclui o custo de muitas falhas”. Se uma empresa farmacêutica inventar 10 medicamentos que custam 260 milhões de dólares cada, mas apenas um for aprovado, então a empresa teve o custo de 2,6 bilhões de dólares no total para produzir um remédio que possa ser vendido. 

Só que, na realidade, as grandes empresas farmacêuticas “inventam” apenas alguns dos medicamentos que patenteiam e vendem.Uma análise de dois gigantes da “Big Pharma” mostra que a Pfizer desenvolveu apenas 10 dos 44 medicamentos mais vendidos “da casa” (23%) – e a Johnson & Johnson desenvolveu apenas 2 de 18 (11%). A “inovação” ocorre em grande parte em laboratórios universitários e governamentais, ou em empresas de pesquisa menores. 

E muito disso é financiado pelo estado. Os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, o principal (mas não o único) órgão governamental de pesquisa médica do país, doam 39,2 bilhões de dólares por ano para universidades, escolas médicas e outras organizações de pesquisa. 

Uma vez que os medicamentos foram descobertos, os gigantes farmacêuticos intervêm – para comprar uma licença, ou uma empresa inteira – uma vez que o medicamento já se provou por meio de testes iniciais. (Veja um relatório recente dos EUA sobre esse tema.) As vacinas contra COVID-19 são exemplos clássicos. 

5) Lobby, lobby, lobby

A indústria farmacêutica é poderosa, com muitos amigos influentes. Nos Estados Unidos, o país com os preços de medicamentos mais altos do mundo, o setor farmacêutico gasta mais do que qualquer outro setor em lobby. Ao longo de 22 anos, as empresas farmacêuticas e grupos da indústria gastaram 4,45 bilhões de dólares em lobby com políticos dos EUA – quase o dobro do valor do segundo mais gastador, o mercado de seguros. De acordo com a OpenSecrets, a indústria tem mais de 1.450 lobistas trabalhando para ela, dentre os quais 66% são ex-funcionários do governo. E esta é apenas a face mais publicamente conhecida, oficialmente declarada, da influência política da indústria farmacêutica – ela apenas arranha a superfície de um mundo de doações políticas, cargos de diretoria, “portas giratórias” e muito mais. 

Um relatório do Corporate Europe Observatory detalha como a União Europeia se tornou um instrumento cúmplice na defesa dos direitos de propriedade farmacêutica. As dez maiores empresas farmacêuticas gastaram até 16 milhões de euros em lobby lá em 2019. No Reino Unido, surgiram histórias sobre como a indústria financia grupos de pacientes para que eles ajudem a fazer lobby por novos tratamentos medicamentosos; ou sobre como o sistema público de saúde encomenda pesquisas como estratégia de compra de um grupo de lobby financiado pela indústria. 

Vale salientar que governos, como o inglês, o dos países da União Europeia e os Estados Unidos, também são grandes (os maiores) clientes farmacêuticos, que pegam bilhões de seus contribuintes para comprar os medicamentos das empresas. 

Fonte: Corporate Watch

Vacinas contra a covid-19: quanto estas empresas irão lucrar este ano? 

O Corporate Watch examinou três das quatro principais vacinas que têm circulado no mundo: BioNTech e Pfizer, Astra Zeneca e Oxford University, e Moderna. Quanto dinheiro as empresas por trás delas vão ganhar? Como eles têm sido apoiados pelo setor público? E onde o dinheiro vai parar? 

BioNTech / Pfizer: lucro estimado de 4 bilhões de dólares, após vendas de 15 bilhões. A Pfizer diz que já tem pedidos acumulados de 15 bilhões de dólares em vacinas, onde cada dose está precificada em 19 dólares. Segundo o Financial Times, a margem de lucro pode ficar perto de 30% neste ano. Trabalhando sem nenhum melindre para maximizar o lucro, a empresa está sendo uma negociante dura com países mais ricos e também com os mais pobres. 

Moderna: lucro estimado de US $ 8 bilhões de dólares, após vendas de 18,4 bilhões. A Moderna diz que está a caminho de produzir pelo menos 700 milhões de vacinas pré-encomendadas em 2021. As injeções da Moderna são as mais caras, entre 25 e 37 dólares a dose, e a empresa diz que o custo de produção de suas vacinas será de apenas 20% do preço de venda. 

Oxford / AstraZeneca: lucro desconhecido, após vendas previstas de 6,4 bilhões de dólares em 2021. Está vendendo pelo preço mais barato (por enquanto) e prometeram produzir a preço de custo sem obter lucro durante a pandemia. Mas o que isso realmente significa? Um contrato visto pelo Financial Times sugere que eles poderiam declarar o fim da pandemia e aumentar os preços a qualquer momento a partir de julho de 2021. E o contrato da AstraZeneca com a Universidade de Oxford permite que a empresa ganhe até 20% além do custo de fabricação das injeções. Em outro indício dos limites da promessa de vender “a preço de custo”, alguns países mais pobres, incluindo Bangladesh, África do Sul e Uganda, podem ter que pagar mais pela vacina do que a União Europeia porque têm menos poder de barganha do que os grandes, que estão pegando a primeiro parte da produção das vacinas.

Vale destacar que as vacinas estão sendo compradas por governos em todo o mundo em encomendas antecipadas por atacado. Esses números de lucro, portanto, vêm predominantemente das vendas a autoridades públicas. Como vemos abaixo, os governos também subsidiaram maciçamente o desenvolvimento das vacinas. Portanto, o setor público está pagando duas vezes: primeiro financiando a pesquisa e depois comprando os resultados a preços inflacionados. 

E nos próximos anos? 

Isso é uma incógnita. Dada a quantidade de vacinas em desenvolvimento, a competição pode manter os custos baixos. Mas se algumas se mostrarem mais eficazes do que outras, e a vacinação contra covid-19 se tornar um evento anual como as vacinas contra gripe, os lucros podem continuar acumulando nos próximos anos. E uma vez que a intensidade da pandemia diminua, todas as empresas podem se sentir livres para aumentar ainda mais os preços.O diretor financeiro da Pfizer, por exemplo, disse a analistas que o preço atual “não é um preço normal, que é de 150, 175 dólares por dose. Depois da pandemia, obviamente vamos conseguir vendê-las por um maior preço ”. As empresas/consórcios responsáveis pelas três principais vacinas em planos declarados de aumentar os preços das vacinas contra o coronavírus em um futuro próximo e capitalizar a presença duradoura do vírus.

Posições dos países em relação às patentes das vacinas. Fonte: Médicos Sem Fronteiras

Quanto custou o desenvolvimento das vacinas? 

Os números exatos são segredos corporativos, mas parece provável que cada uma tenha custado cerca de 1 bilhão de dólares para serem desenvolvidas. A pesquisa inicial para uma nova vacina epidêmica pode custar em média 68 milhões de dólares – embora as injeções contra COVID-19 tenham sido desenvolvidas muito mais rápido. Mas o principal custo é a execução de testes de “Fase 3” em grande escala – para as vacinas contra a COVID-19, eles foram maiores do que o normal, com dezenas de milhares de voluntários

De que outra forma as empresas irão se beneficiar? 

As vacinas são um grande golpe de relações públicas. As empresas se tornaram nomes conhecidos, e no bom sentido. Isso é uma reviravolta para uma indústria que foi insultada como poucas outras após décadas de especulação. Só agora está começando a ser questionado no debate público se as vacinas poderiam ter sido produzidas de uma forma mais acessível e justa – pelo menos no Reino Unido. 

A ciência que sustenta as vacinas contra covid-19 também pode ser usada pelas empresas para tratar – e lucrar com – outras doenças. A Moderna espera que sua tecnologia de mRNA possa ser usada para tratar o câncer, o “mercado” farmacêutico mais lucrativo. A Vaccitech, mencionada acima, está arrecadando grandes somas de investidores, na esperança de que sua tecnologia contra covid-19 possa ser usada para tratar hepatite e MERS (Síndrome Respiratória do Oriente Médio).O desenvolvimento da ciência provavelmente foi ajudado por “testes de estrada” durante a preparação da vacina. 

Quem inventou as vacinas? 

BionNTech / Pfizer: A pesquisa foi realizada pela BioNTech, uma empresa alemã de pesquisa farmacêutica. A Pfizer  entrou como parceira assim que a vacina estava pronta para os testes. 

Moderna: a vacina foi co-desenvolvida pela Moderna e cientistas do governo dos EUA que trabalham para o National Institute of Health (NIH) (Instituto Nacional de Saúde). Há algum mistério sobre os papéis exatos do NIH e da Moderna, quem possui a propriedade intelectual e por que o governo dos EUA, aparentemente, permitiu que a Moderna ficasse com todos os lucros

Oxford / AstraZeneca: Cientistas da Oxford University no seu Instituto Jenner e Oxford Vaccines Group, liderados pelos professores Sarah Gilbert e Adrian Hill. 

As empresas apresentam as vacinas contra COVID-19 como um triunfo para a ciência corporativa. Mas na verdade apenas uma das vacinas analisadas, a BionNTech/Pfizer, foi desenvolvida pelo setor privado (ganhar dinheiro com as invenções dos outros é uma jogada farmacêutica clássica – leia nossa explicação aqui). Além disso, todas as equipes se beneficiaram da pesquisa inicial do Shanghai Public Health Clinical Center (Centro Clínico de Saúde Pública de Xangai), que publicou o primeiro sequenciamento genômico do vírus da COVID-19 gratuitamente no site de código aberto virological.org

Havia algum plano para produzir vacinas sem as Big Pharma lucrarem? 

Inicialmente, a Oxford considerou permitir que uma série de fabricantes produzissem sua vacina sem vender direitos exclusivos a nenhuma corporação. Mas, de acordo com o Wall Street Journal, executivos seniores da universidade, junto com seu principal financiador –  a Fundação Bill e Melinda Gates – argumentaram que não poderiam administrar uma “implantação global” sem a ajuda de uma grande indústria farmacêutica. A universidade inicialmente entrou em negociações com a gigante farmacêutica americana Merck, antes de finalmente assinar com a AstraZeneca em abril de 2020. O negócio firmado envolve uma licença completa para produzir e vender a vacina em troca de 90 milhões de dólares e 6% de participação nos royalties futuros, que, segundo a universidade, serão reinvestidos em pesquisas médicas. A Vaccitech Ltd, uma empresa privada derivada cujos diretores incluem os professores Gilbert e Hill, receberá 24% da receita da universidade. 

Quanto subsídio público eles receberam?

BioNTech / Pfizer: 465 milhões de euros (cerca de 550 milhões de dólares). A pesquisa foi financiada de forma privada, mas receberam um empréstimo de desenvolvimento de 100 milhões de euros do Banco Europeu de Investimento e uma doação de 365 milhões de euros do governo alemão para ajudar na manufatura. 

Oxford / AstraZeneca: cerca de 1,3 bilhões de dólares. A vacina veio de uma pesquisa de longo prazo na Universidade de Oxford, financiada pelo governo do Reino Unido e diversas outras fontes. O governo contribuiu com mais de 87 milhões de libras esterlinas para desenvolver a nova vacina no início de 2020. Os EUA adicionaram 1,2 bilhões de dólares a mais como parte de sua “Operação Warp Speed”. 

Moderna: mais de 955 milhões de dólares. O financiamento do governo dos EUA incluiu: uma quantia não divulgada para os testes da Fase 1 em março de 2020; 483 milhões de dólares em abril para Fase 2 e o início dos testes da Fase 3; e outros 472 milhões de dólares para expandir os testes de fase 3 em julho. A Moderna também recebeu uma doação de 1 milhão de dólares de Dolly Parton. 

Além desses subsídios para pesquisa, as empresas receberam enormes encomendas de governos antes mesmo de suas vacinas serem aprovadas para uso. O governo dos Estados Unidos, por exemplo, fez pré-encomendas massivas, de 1,95 e 1,53 bilhões de dólares das vacinas da BioNTech / Pfizer e Moderna por meio de sua chamada “Operação Warp Speed”. 

Quem receberá o dinheiro? 

Pfizer / BioNTech: Os lucros são divididos igualmente entre as duas empresas. Os acionistas receberão “dividendos” – dinheiro pago a partir dos lucros das empresas. Os principais acionistas da Pfizer são fundos de investimento globais: especialmente Vanguard Group (7,6%), State Street Global Advisors (5%) e BlackRock (4,9%). Administrado por algumas das pessoas mais ricas e poderosas do mundo, como o CEO da Blackrock, Larry Fink, estes três fundos controlam aproximadamente 20 trilhões de dólares dos ativos mundiais. Enquanto isso, o CEO da Pfizer, Albert Bourla, ganhou as manchetes vendendo 4,2 milhões de libras esterlinas em ações da Pfizer no dia em que anunciou que sua vacina funcionava. 

A BioNTech é geralmente apresentada como uma história de sucesso da pobreza à riqueza para dois médicos imigrantes, o casal Uğur Şahin e Özlem Türeci. A vacina os tornou bilionários. Mas os principais proprietários da empresa, que detinham cerca de 50% no ano passado, são os gêmeos investidores em biotecnologia Thomas e Andreas Struengmann. Eles ganharam seus primeiros bilhões com a empresa de medicamentos genéricos Hexal, que fundaram na década de 1980 e depois venderam para a Novartis em 2005. 

Moderna: Os acionistas incluem o presidente Noubar Afeyan (14% de participação no início da pandemia), o CEO Stéphane Bancel (9%) e os professores Timothy Springer (Harvard) e Robert Langer (MIT) – que, de repente, passaram de diretores de uma empresa deficitária a multimilionários. As ações da Moderna aumentaram enormemente de valor durante a pandemia e Bancel, em particular, vendeu parte de suas participações da empresa nos últimos meses, arrecadando milhões em dinheiro. A Moderna passou a ser listada na bolsa de valores em 2018; seu maior investidor institucional é o fundo de investimento escocês Baillie Gifford, que tem em torno de 11% das ações. As gigantes americanas Vanguard e BlackRock vêm em seguida, com 5,7% e 4,1% cada. Um mistério ainda não claramente respondido sobre a vacina Moderna é se algum dinheiro vai voltar para o governo dos EUA, que a “co-desenvolveu” e financiou. 

Oxford / AstraZeneca: AstraZeneca, com sede em Londres, é uma megacorporação global pertencente aos mesmos grandes fundos de investimento da Pfizer e outros. No final de 2020, seus três maiores proprietários eram BlackRock (7,5%), Wellington Management (5,2%) e Capital Group (4,3%). De acordo com o Wall Street Journal, a Universidade de Oxford receberá 6% dos pagamentos futuros de royalties. 24% deles serão repassados ​​para a Vaccitech Ltd, uma empresa privada derivada cujos diretores incluem os pesquisadores de vacinas, professores Gilbert e Hill. Cada um deles possui cerca de 5% das ações da Vaccitech. O principal acionista (46%) é uma empresa de investimentos chamada Oxford Sciences Innovation (OSI), criada pela universidade para canalizar capital para seus negócios derivados. A OSI tem vários acionistas além da própria universidade – incluindo Google Ventures, Huawei, a empresa farmacêutica chinesa Fosum (que também possui ações da Moderna), o sultanato de Omã, bem como bancos e fundos de private equity. 

Poderia ter sido diferente? 

A pesquisa inicial que sequenciou o genoma COVID-19 e deu início à corrida das vacinas foi publicada com código aberto, de uso gratuito para todos. Imagine se a pesquisa de vacinas também fosse publicada abertamente e sem patentes, para que todos os fabricantes, inclusive no sul global, pudessem produzir o que necessitam a preço de custo? Haveria, claro, ainda outros problemas, como a escassez de material para a produção dos imunizantes. Mas como afirmou Yuanqiong Hu, conselheiro na área legal e de políticas da MSF, não é uma questão de “ou / ou”, mas de “E/ E”. “Os governos precisam de um pacote completo de kits de ferramentas, incluindo acordos de transferência de tecnologia e medidas legais, como a proibição de patentes”. 

As três vacinas analisadas aqui poderiam também, ao menos, ter processos de produção um pouco mais parecidos com os que os fabricantes chineses e russos fizeram com suas respectivas vacinas, a Sinovac e a Sputnik V, que tiveram compartilhados seu licenciamento, “know-how” e sua tecnologia com diferentes países. É o caso do Brasil (via Instituto Butantan), Turquia e Indonésia, que estão produzindo a Sinovac em processo de colaboração, assim como nos Emirados Árabes Unidos, onde a Sinopharm (produtora da vacina chinesa) montou uma grande unidade para atender não só o país árabe mas diversos países aliados na região. Já a vacina russa tem acordos de produção com pelo menos cinco empresas farmacêuticas diferentes na Índia para fornecer algo como 500 milhões de doses este ano, assim como acordos semelhantes com a Coréia do Sul e outros locais. 

Vale ressaltar, entretanto, que estamos ainda falando de capitalismo; as empresas destes países adotam estratégias mais flexíveis para a celebração de acordos, mas ainda com cifras de milhões e propriedades intelectuais. O governo do Estado de São Paulo, por exemplo, comprou 46 milhões de doses da Sinovac por 90 milhões de dólares, um valor que é 10 vezes menor do que os Estados Unidos estão pagando para a Pfizer/Biotech e Moderna. 

Por fim, os governos poderiam usar de sua atribuição de representar o interesse público para organizar esforços de fato coletivos contra um inimigo comum que é mundial. Trata-se de um jogo onde a vitória só é completa quando todos ganham e onde o preço de perder é a morte. Diante disso, o simples fato destes governos não estarem articulando uma vasta rede de cooperação internacional também pode ser considerado um crime. Especialmente aqueles em que, além de não fazer o que como representantes de interesse público se esperaria, ainda atrapalham; caso hoje do Brasil, pária mundial, incentivador de tratamento preventivo não comprovado e boicotador de ações que já demonstraram funcionar, como os Lockdows e o uso de máscaras seguras.

Algumas leituras adicionais:

_ Bad Pharma – Ben Goldacre. Um levantamento muito detalhado da má prática da indústria farmacêutica, particularmente olhando para a questão de quem os resultados dos testes são sistematicamente manipulados.

_ Pharma – Gerald Posner (2020). Uma história jornalística da indústria farmacêutica (principalmente dos EUA) e seus crimes.

_ relatório do Accountability Office do governo americano (2017) sobre a indústria farmacêutica dos EUA oferece uma visão geral útil das principais questões.

_ Pacientes por Drogas Acessíveis – grupo de campanha dos EUA

_ Corporate Europe Observatory – relatórios sobre a política da indústria farmacêutica na Europa

_ Campanha Vacinas Para Todos (Portugal);

_ Lab Procomum sobre a quebra de patentes;

_ Campanha Vacina para todas e “Todos pelas Vacinas” (Brasil);

* Diferente do restante do conteúdo do BaixaCultura, o texto abaixo está licenciado em CC BY NC; esta é a licença do conteúdo do site Corporate Watch.

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https://baixacultura.org/2021/04/14/como-funciona-e-lucra-o-capitalismo-de-vacinacao-na-pandemia/feed/ 1
Quebrar patentes e liberar o conhecimento na pandemia https://baixacultura.org/2021/01/20/quebrar-patentes-e-liberar-o-conhecimento-na-pandemia/ https://baixacultura.org/2021/01/20/quebrar-patentes-e-liberar-o-conhecimento-na-pandemia/#comments Wed, 20 Jan 2021 11:57:52 +0000 https://baixacultura.org/?p=13357

Estamos chegando a quase um ano de pandemia e uma pergunta ainda não foi respondida: por que não estamos discutindo intensamente a quebra compulsória de patentes para as vacinas contra a covid-19? Por que não estamos falando de flexibilização de direitos de propriedade intelectual em equipamentos/produtos que auxiliam o combate à pandemia ou ao acesso à literatura acadêmica que possibilita o avanço de pesquisas científicas que estudem o novo coronavírus e suas implicações? 

A quebra de patentes poderia possibilitar a produção descentralizada das vacinas e desmistificar seu processo de produção, uma vez que seu código é aberto e pode ser visto e remixado por qualquer um*. Poderia, também, dar um impulso à produção de produtos como ventiladores, máscaras e equipamentos de proteção usados na prevenção e no tratamento da covid-19. Já a flexibilização de licenças de direito autoral na produção de conhecimento espalharia a informação científica, especialmente para aquelas pessoas – notadamente pesquisadoras/es do Sul Global – que têm menos possibilidade de pagar por acesso a livros e revistas científicas caras.

Cabe dizer que, se não estamos discutindo como deveríamos, há algumas ações. Já falamos em nossa newsletter que o Creative Commons puxou uma proposta global de liberar as patentes das tecnologias e medicamentos ligados ao tratamento da Covid, chamada Open Covid Pledge, que já obteve bons resultados no licenciamento aberto de produtos.

Mas duas situações recentes sugerem que, mesmo em uma pandemia, o lucro ainda parece prevalecer ante à saúde da população e o livre acesso ao conhecimento.

Quebra de patentes durante a pandemia

Em setembro de 2020, a Organização Mundial do Comércio (OMC) debateu uma proposta da Índia e África do Sul, depois apoiada pela China, sobre a quebra temporária das patentes de todas as tecnologias de saúde necessárias ao enfrentamento da pandemia. O argumento foi o que nos soa óbvio: deve prevalecer a proteção da saúde da população durante uma pandemia e de que o conhecimento envolvendo o combate à doença deve circular, e não ficar preso em propriedades intelectuais. Nas palavras de Mustaqeem De Gama, conselheiro da Missão Permanente da África do Sul (chamada MSF) junto à OMC, que ajudou a redigir a proposta: “O que essa proposta de renúncia faz é abrir espaço para mais colaboração, para transferência de tecnologia e para que mais produtores venham para garantir que tenhamos escalabilidade em um período de tempo muito mais curto”.

Dezenas de países de renda baixa e média (em inglês, Low-income and middle-income countries LMICs) apoiam a proposta. Mas o Brasil – que já foi vanguarda nessa discussão com a quebra de patentes dos medicamentos contra a AIDS, em 2001, com o então ministro da Saúde José Serra – e alguns países ditos desenvolvidos não. Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, Noruega e a União Européia rejeitaram a proposta argumentando que o sistema de propriedade intelectual é necessário para incentivar novas invenções de vacinas, diagnósticos e tratamentos, que podem secar em sua ausência. Eles negaram a alegação de que a propriedade intelectual é uma barreira ao acesso dizendo que o acesso igualitário pode ser alcançado por meio de licenciamento voluntário, acordos de transferência de tecnologia e um compromisso assumido perante o mercado (!) por financiadores ou doadores para vacinas. Para estes países, quebra de patentes é a abordagem errada para a produção de vacinas porque vacinas “são produtos biológicos complexos em que as principais barreiras são as instalações de produção, a infraestrutura e o know-how, não a propriedade intelectual”, afirmou o norueguês John-Arne Røttingen, que preside a Solidarity Trial of COVID-19 treatments, iniciativa que ajuda a encontrar um tratamento eficaz para COVID-19, lançado pela Organização Mundial da Saúde e parceiros.

Em uma das duas reuniões na OMC no fim do ano passado, um porta-voz da União Europeia disse: “não há evidências de que os direitos de propriedade intelectual dificultam o acesso a medicamentos e tecnologias relacionadas ao COVID-19”. Na mesma ocasião, o governo do Reino Unido declarou: “o mundo precisa urgentemente de acesso a esses novos produtos para combater a pandemia, razão pela qual um sistema de propriedade multilateral forte e robusto que possa enfrentar esse desafio é vital”. Reino Unido e União Européia são dois dos maiores financiadores do COVAX (The COVID-19 Vaccines Global Access Facility), iniciativa de colaboração global que apoia a pesquisa e o desenvolvimento de novas vacinas, com investimentos e negociação de preços com empresas farmacêuticas. A meta da COVAX é ter 2 bilhões de doses para distribuir até o final de 2021, o que deve ser suficiente para ajudar os países (membros e doadores) a vacinar 20% de suas populações. Para os países que ficam de fora, a meta mal chega a 3% da população, segundo informação do The Conversation.

A argumentação técnica de que as vacinas são complexas demais para se produzir e quebrar as patentes não ajudaria esconde preconceito e perversidade. É lógico que produzir uma vacina é um processo custoso, que envolve muitas informações, processos e amostras biológicas, linhas de células ou bactérias, que, para serem comprovadas pelas agências reguladoras científicas, precisam ser testadas em diferentes situações com bons resultados, como a ciência nos ensina desde o século XIX. Mas, em se tratando de uma pandemia que já chegou a casa do milhão de mortes, qual o problema de também se quebrar patentes? Liberar a patente não vai fazer com que qualquer um produza vacinas; os mesmos critérios de validação da ciência também valem sem patentes, assim como também vale sem patentes a fiscalização das agências reguladoras como a brasileira Anvisa, por exemplo. Como afirmou Yuanqiong Hu, conselheiro na área legal e de políticas da MSF, não é uma questão de “ou / ou”, mas de “E/ E”. “Os governos precisam de um pacote completo de kits de ferramentas, incluindo acordos de transferência de tecnologia e medidas legais, como a proibição de patentes”. 

Vale lembrar também que, segundo as regras internacionais da OMC chamadas TRIPS (sigla em inglês para “Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio”), a possibilidade da quebra de patentes é restrita aos países em desenvolvimento – em anos anteriores, as regras do tratado foram usadas inclusive pelo Brasil, como mostra esse artigo científico de 2020 no Journal of International Business Policy. Portanto, a quebra de patentes ainda não afetaria tanto o lucro das farmacêuticas, em sua maior parte obtido na venda de produtos para os Estados Unidos e a União Européia, como exemplifica esse gráfico das receitas da Pfizer, uma das principais empresas mundiais na área.

Em defesa pela quebra de patentes, a missão liderada pela África do Sul e a Índia na OMC trouxe exemplos de como a propriedade intelectual tem criado barreiras ao acesso a medicamentos e à vacinas no mundo. Citou a batalha legal na Índia entre Médicos Sem Fronteiras e Pfizer sobre sua vacina pneumocócica, onde uma patente bloqueou o desenvolvimento de versões alternativas do imunizante. Na Coréia do Sul, a Pfizer processou a SK Bioscience, que havia desenvolvido uma vacina pneumocócica conjugada, forçando o desenvolvedor coreano a encerrar a produção de PCV-13. A missão sul-africana/indiana argumentou ainda, segundo o artigo de Ann Danaiya Usher  no periódico Lancet, que uma situação semelhante surgirá com as vacinas contra a COVID-19, a menos que sejam tomadas medidas para lidar com as barreiras de propriedade intelectual. Pode ocorrer também outro problema ainda mais grave:  não ter vacinas para todos, como o representante indiano na OMC falou em reunião fechada nesta última semana, principalmente devido à falta de imunizantes, componente essencial da vacina e que poderia ser produzido em diferentes lugares se houvesse a quebra de patentes.

Embora a missão não tenha tido sucesso ainda, há a expectativa de levar a questão ao Conselho Geral da OMC e estimular um debate mais amplo sobre questões de saúde pública. Como afirma o conselheiro da missão, Mustageem De Gama: “Percebemos que essa renúncia [da discussão] não é uma bala de prata. A COVID provou que o sistema de propriedade intelectual não funciona. Não foi projetado para lidar com pandemias. Tenho esperanças que isso nos colocará no caminho para falar sobre como reformar o sistema de propriedade intelectual para reagir às necessidades das pessoas dos países membros. Porque esta não é a única pandemia que enfrentaremos.”

Fechamento do conhecimento científico sobre a covid-19

A segunda situação ocorreu no final de 2020. No dia 21 de dezembro, as editoras científicas Elsevier, Wiley e American Chemical Society ajuizaram uma ação na Alta Corte de Nova Déli, na Índia, pedindo que os provedores de internet bloqueassem o Sci-Hub e a Libgen, sites que disponibilizam livremente o acesso a livros e artigos acadêmicos protegidos por paywall. A acusação era de que as plataformas violavam os direitos autorais em grande escala e que, devido à natureza das plataformas (conhecidas como “Pirate Bay da Ciência”), o bloqueio de acesso pelos provedores de internet seria a única solução eficaz disponível. Segundo informações do Torrent Freak, a ação, de 2.169 páginas, foi recebida pelo Sci-Hub, que, com pouquíssimo tempo para a avaliação, solicitou uma prorrogação, garantindo ao tribunal (pdf) que “nenhum novo artigo ou publicação, em que os demandantes têm direitos autorais, seria inserido”. O juiz presidente da Corte ouviu os apelos e concordou que um atraso para permitir uma análise mais detalhada seria apropriado. Com mais tempo para responder, o Sci-Hub começou uma campanha para angariar apoio entre pesquisadores, acadêmicos e cientistas – entre eles a Breakthrough Science Society, organização científica indiana, que manifestou apoio em uma nota pública que denuncia o jeito de operar de editoras acadêmicas como a Elsevier: 

“Editores internacionais (como a Elsevier) criaram um modelo de negócios no qual tratam o conhecimento criado por pesquisas acadêmicas financiadas pelo dinheiro dos contribuintes como sua propriedade privada. Aqueles que produzem esse conhecimento – os autores e revisores de artigos de pesquisa – não são pagos e, ainda assim, essas editoras ganham bilhões de dólares com a venda de assinaturas para bibliotecas em todo o mundo a taxas exorbitantemente infladas que a maioria das bibliotecas institucionais na Índia, e até mesmo em países desenvolvidos, não podem pagar. Sem uma assinatura, um pesquisador tem que pagar entre US$ 30 e US$ 50 para fazer o download de cada artigo, o que a maioria dos pesquisadores indianos não pode pagar. Em vez de facilitar o fluxo de informações de pesquisa, essas empresas o estão restringindo.”

Como disse Alexandre Abdo, pesquisador no laboratório LISIS-IFRIS em Paris e facilitador da rede Ciência Aberta, as editoras Elsevier, Wiley e a American Chemical Society decidiram que o meio da pandemia de Covid-19 é o momento acertado para entrar com uma ação para bloquear o Sci-Hub num país pobre e vulnerável. O agravante vem em vários sentidos pois, segundo Abdo, “cientistas precisam de acesso à literatura mais do que nunca para lidar com a crise; médicos nem se fala, e a maioria das instituições de saúde não tem como pagar acesso; muitos pesquisadores estão em home-office, de forma que mesmo quem teria acesso pela universidade está com esse acesso dificultado, se não impossibilitado; grandes números de grupos cidadãos mobilizados para contribuir aos esforços científicos dependem do Sci-Hub; para não falar de cidadãos buscando se manterem informados e melhor combater falsidades”.

O Twitter do Sci-Hub, com mais de 187 mil seguidores, estava sendo usada pela criadora do site, Alexandra Elbakyan, para receber declarações de apoio da comunidade científica para o processo contra as editoras. Mas, no dia 8 de janeiro deste 2021, a rede social suspendeu a conta do Sci-Hub. O motivo está relacionado à “política de falsificação” do Twitter, uma verdadeira caixa-preta: não lista nenhum pedido de remoção concreto, mas simplesmente menciona a violação da política e o fato de que sua decisão não pode ser apelada. “Sua conta foi permanentemente suspensa devido a uma violação das políticas do Twitter, em particular a “Counterfeit policy” [Política de falsificação].Esta decisão não está sujeita a apelação”, escreveu o Twitter para a Sci-Hub, segundo o Torrent Freak. Vale lembrar que, nessa mesma semana, o Twitter também suspendeu a conta de Donald Trump, por incitar violência nos protestos do Capitólio – depois de anos de mentiras espalhadas e violação sistemática dos Termos de Conduta da plataforma

Voltamos às perguntas que abrem esse texto: Por que não estamos discutindo a quebra compulsória de patentes para as vacinas contra a covid-19? Por que não falamos da flexibilização de direitos de propriedade intelectual ou do livre e amplo acesso ao conhecimento em meio a pandemia? 

A primeira resposta que surge a ambas é até óbvia: porque não interessa aos países desenvolvidos e à indústria farmacêutica, que vão lucrar muito com as vacinas – seja em iniciativas de aceleração como a COVAX ou em vendas à países mais pobres do sul global. As editoras científicas predatórias como a Elsevier também vão lucrar (já estão) com a produção acadêmica global, potencializada pelo desejo coletivo de buscar entender melhor esse micro ser tão mortal. Como sabemos, a desigualdade social, política, econômica, informacional é um projeto que se perpetua porque poucos enriquecem ao custo da exploração de muitos, e aqui está mais um exemplo cristalino, caso algum lapso de otimismo nos faça esquecer de como funciona o capitalismo. 

A segunda resposta não é tão óbvia. Desde sua invenção, no século XVIII, a partir dos primeiros copyrights ingleses e dos direitos de autor francês, a propriedade intelectual se consolidou de tal forma que hoje, três séculos depois, ela se parece ter se transformado no único sistema de mediação de posse legal entre o ser humano e suas invenções. Naturalizamos a tal ponto a existência de uma propriedade intelectual que temos dificuldade de imaginar possibilidades que não sejam dentro da propriedade. O fato de pouco falarmos sobre alternativas (ou de suspensão) da propriedade intelectual em meio à pandemia indica uma derrota como humanidade: aceitamos o pensamento dominante de que, de fato, o direito de quem produz as vacinas é maior do que o acesso a ela; que quem faz algo complexo como uma vacina deve, em primeiro lugar, receber pelo trabalho, e só em segundo lugar, o acesso a este produto deve ser público e gratuito, amplo e irrestrito. Que o direito à propriedade é maior que o direito à vida.

O fracasso das tentativas de discutirmos, como opção real e coletiva, a suspensão completa da propriedade intelectual de produtos de claro benefício coletivo como as vacinas parece ser também reflexo da aceitação desse destino do fim (do mundo, não do capitalismo informacional do século XXI). Diz muito também sobre nossas escolhas destrutivas enquanto humanidade. Se, como afirmou Franco Berardi “Bifo” em entrevista ao The Intercept Brasil, “ou fundamos uma nova sociedade ou acabaremos com a espécie humana”, parece mais claro, depois da pandemia do novo coronavírus, que essa sociedade só será possível se não existir propriedade intelectual.

 

Leonardo Foletto

[Com informações e colaboração de The Lancet, InternetLab, Ciência Aberta, Alexandre Abdo, André Houang, Elias Maroso e Tatiana Dias]

*O texto da patente é, a princípio, acessível num registro de patentes. O que a quebra permitiria é o uso efetivo, a adaptação e o aprimoramento, além da produção por um número maior de atores.

 

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Cultura livre do sul global – um manifesto https://baixacultura.org/2018/12/21/cultura-livre-do-sul-global-um-manifesto/ https://baixacultura.org/2018/12/21/cultura-livre-do-sul-global-um-manifesto/#respond Fri, 21 Dec 2018 19:13:20 +0000 https://baixacultura.org/?p=12676

Nascido enquanto movimento mais ou menos organizado a partir da pauta anticopyright, a cultura livre é, para a maior parte da população do sul (e do norte também) global, uma incógnita. Cultura livre é compartilhar cultura nas redes para todes? É acesso livre e gratuito à bens culturais, em licenças que favorecem o compartilhamento? é buscar práticas alternativas ao copyright de remuneração para autorxs e produtorxs de conteúdo? uma crítica à propriedade intelectual que restringe e criminaliza o intercâmbio de cultura, potencializado ainda mais a partir da internet? um movimento social “digital” em prol do conhecimento aberto? uma cultura feita de forma “livre”, sem amarras com movimentos, organizações e quaisquer outros fatores que tornam a cultura presa e fechada?

No Encontro de Cultura Livre do Sul, realizado nos dias 21, 22 e 23 de novembro de 2018 na internet, discutimos e buscamos respostas para algumas destas questões acima descritas e outras mais. Durante as 6 mesas de debate do encontro, das discussões nas plataformas digitais e redes sociais, falamos sobre políticas públicas e marcos legais de direitos do autor; digitalização de acervos e acesso ao patrimônio cultural em repositórios livres; de laboratórios, produtoras colaborativas, hackerspaces, hacklabs e outras formas de organizações que defendem e praticam no dia a dia a cultura livre; de como nos inserimos em uma rede internacional e da questão da defesa dos bens comuns que a cultura livre também faz; das muitas formas de produção cultural – editorial, musical, audiovisual, encontros, fotográficas – que estão sendo realizadas no âmbito das licenças e da cultura livre; e das plataformas, conteúdos e práticas educacionais que tem o livre como paradigma de ação e propagação.

Com os mais de 200 participantes inscritos que tomaram parte desses três dias, pensamos sobre as especificidades da cultura livre no sul global em relação ao norte. A discussão sobre a liberdade de usos e produção de tecnologias livres tem sido fundamental para a cultura livre desde o princípio, mas acreditamos que, no sul, temos a urgência maior de nos perguntar para quê e quem servem nossas tecnologias livres. Não basta somente discutir se vamos usar ferramentas produzidas em softwares livres ou se vamos optar por licenças livres em nossas produções culturais: necessitamos pensar em tecnologias, ferramentas e processos livres que sejam usadas para dar espaço, autonomia e respeito aos menos favorecidos, financeira e tecnologicamente, de nossos continentes, e para diminuir as desigualdades sociais em nossos locais, desigualdades estas ainda mais visíveis no contexto de ascensão fascista global que vivemos nesse 2018.

Desde o sul, temos que pensar na cultura livre como um movimento e uma prática cultural que dialogue intensamente com as culturas populares de nossos continentes; que respeite e converse com os povos originários da América, que estão aqui em nosso continente vivendo em uma cultura livre muito antes da chegada dos “latinos”; que defenda o feminismo e os direitos iguais a todes, sem distinção de raça, cor, orientação sexual, identidade e expressão de gênero, deficiência, aparência física, tamanho corporal, idade ou religião; que dialogue com a criatividade recombinante das periferias dos nossos continentes, afeitas ao compartilhamento comunitário e sendo alvo principal do extermínio praticado por nossas polícias regionais; que busque resguardar nossa privacidade a partir de táticas antivigilância e na defesa do direito ao anonimato e à criptografia; e que lute pela propagação das fissuras no sistema capitalista, buscando, a partir de uma prática cultural e tecnológica anticopyright, formas alternativas e solidárias de vivermos em harmonia com Pachamama sem esgotar os recursos já escassos de nosso planeta.

Pensar e fazer a cultura livre desde o sul requer pensarmos na urgência das necessidades de sobrevivência do nosso povo. Requer nos aproximarmos da discussão sobre o comum, conceito chave que nos une na luta contra a privatização dos recursos naturais, como os oceanos e o ar, mas também dos softwares livres e dos protocolos abertos e gratuitos sob os quais se organiza a internet. Nos aproximar do comum amplia nosso campo de disputa no sul global e nos aproxima do cotidiano de comunidades, centrais e periféricas, que lutam no dia a dia pela preservação dos bens comuns.

Importante lembrar que o conceito de comum do qual buscamos nos aproximar deve ser pensado como algo em processo, como um fazer comum (commoning em inglês). Isto é, não termos em vista somente o produto em si – livro, vídeo, música, hardware ou software livres – mas a nossas próprias práticas e dinâmicas através das quais juntos criarmos novas formas de viver, conviver e também produzir. Este é o fazer comum. Por isso, é tão importante mantermos vivas essas redes que acabamos de ativar, essas conexões que percorreram todas as mesas e todas as plataformas nas quais mapeamos, escrevemos, registramos e gravamos.

Para os próximos anos, nos comprometemos a seguir os esforços de tornar a cultura livre um movimento que, além de lutar por tecnologias, produtos e práticas culturais não proprietárias, também batalhe pela redução da desigualdade social de nossos continentes a partir do ativismo pela liberdade do conhecimento em prol de comunidades mais justas, autônomas, igualitárias, respeitosas e livres. Temos, como objetivos para os próximos 5 anos (2019 – 2024):

_ Realizar encontros bianuais, online ou presencial, com o objetivo de desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento e defesa da cultura livre e dos bens comuns;

_ Alimentar e divulgar mais amplamente as plataformas para o mapeamento e curadoria de iniciativas de cultura livre;

_ Criar e manter fóruns online para incentivar o debate e as trocas entre os diferentes projetos/atores de cultura livre do Sul, especialmente no intervalo dos encontros;

_ Propor formações contínuas em cultura livre, de modo a relacionar as práticas e conceitos trabalhados à pessoas e projetos do sul global;

_ Promover espaços seguros de inclusão e diversidade dentro dos debates sobre cultura livre, garantindo a igualdade de direitos. Em nossos espaços serão rejeitados todos os tipos de práticas e comportamentos homofóbicos, racistas, transfóbicos, sexistas ou excludentes de alguma forma;

_ Fortalecer a liberdade de expressão, acesso à informação e a criação de espaços democráticos de comunicação que garantam avanços nas discussões sobre cultura livre e na construção democrática das políticas sobre o tema;

Internet, Ibero-américa, sul-global, 23 de novembro de 2018

Assinam os coletivos:

BaixaCultura, Brasil
Casa da Cultura Digital Porto Alegre, Brasil
Ártica, Uruguay
Ediciones de La Terraza, Argentina
Em Rede, Brasil
Nodo Común, Iberoamérica
Rede das Produtoras Culturais Colaborativas, Brasil
Rede iTEIA.NET, Brasil
Libreflix, Brasil

Pad para aderir ao manifesto (adicione o nome da pessoa ou grupo no final)

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