Resultados da pesquisa por “notas sobre o futuro da música” – BaixaCultura https://baixacultura.org Cultura livre & (contra) cultura digital Fri, 17 May 2024 16:08:28 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.0.9 https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2022/09/cropped-adesivo1-32x32.jpeg Resultados da pesquisa por “notas sobre o futuro da música” – BaixaCultura https://baixacultura.org 32 32 Os interrompidos sonhos aceleracionistas da cultura popular https://baixacultura.org/2024/05/16/os-interrompidos-sonhos-aceleracionistas-da-cultura-popular/ https://baixacultura.org/2024/05/16/os-interrompidos-sonhos-aceleracionistas-da-cultura-popular/#comments Fri, 17 May 2024 00:02:48 +0000 https://baixacultura.org/?p=15653  

A proliferação da inteligência artificial generativa tem nos feito, nos últimos meses, redobrar o interesse por um conjunto de ideias agrupadas em torno do nome aceleracionismo. O termo tem lastro na teoria e filosofia política há pelo menos uma década. Nos últimos anos, tem ganhado repercussão também a partir da busca recente de empresas de IA generativa, como a Open IA, por uma “Inteligência Artificial Geral” que vá substituir ou superar a capacidade humana de pensar. Isso implica também na popularidade de ideias semelhantes como a singularidade, popularizada por Ray Kurzweil, que relaciona o crescimento tecnológico desenfreado da “super inteligência artificial” à mudanças irreversíveis ​​na civilização humana.

Usado a partir de “The persistence of Negative”, artigo de Benjamin Noys de 2010, o aceleracionismo tem como premissa a aceleração das forças do capital como meio de desterritorializar o sistema capitalista. É uma heresia política: “a insistência de que a única resposta política radical ao capitalismo não é protestar, agitar, criticar, nem tão pouco esperar seu colapso nas mãos de suas próprias contradições, mas sim acelerar suas tendências ao desenraizamento, à alienação, à decodificação, à abstração”, na definição de Armen Avanessian e Mauro Reis na introdução do ótimo “Aceleracionismo: estrategias para una transición hacia el postcapitalismo

O livro, publicado pela editora argentina Caja Negra em 2017, compila vários textos ainda não muito conhecidos no Brasil, como o “Manifesto por uma Política Aceleracionista”, de Nick Srnicek e Alex Willians, “Meltdow” e “Crítica do Miserabilismo Transcendental” de Nick Land, “Reflexões sobre o Manifesto por uma política aceleracionista” de Antonio Negri , “O Aceleracionismo questionado desde o ponto de vista do corpo” de Bifo Berardi, “Red Stack Attack! Algoritmos, capital e a automatização do comumde Tiziana Terranova, “O labor do inumano” de Reza Negarestani, entre outros, inclusive o texto apresentado logo abaixo, de Mark Fisher.

Duas visões disputam o aceleracionismo. A primeira é a apocalíptica, elaborada principalmente por Nick Land, filósofo cocriador (ao lado de Sadie Plant) do CCRU (Cybernetic Culture Research Unit) – herético grupo de pesquisa/coletivo teórico criado em 1995 na Universidade de Warwick, do qual Mark Fisher fez parte. Mais tarde, Land se tornaria um dos principais ideólogos da extrema direita mundial, apoiador de Trump e até mesmo de Bolsonaro, mentor de gente como Mencius Moldbug e Peter Thiel, reza a lenda que auto-exilado em Shangai já há alguns anos – uma parte de seus textos entre 1987 e 2007 estão compilados no livro “Fanged Noumena”, de 2011.

Figura excêntrica, Land falava já em 1993 (no texto “Meltdown”) que os humanos são apenas “meat puppets” (fantoches de carne) do capital, um obstáculo a ser superado para que o capitalismo alcance seus objetivos transhumanistas de adquirir agência própria a partir da aceleração descontrolada das finanças e da Inteligência Artificial, rumo ao caos e a destruição do planeta. Esta visão anti-humanista e monstruosa, que parece sair de um filme de terror gore, nasce de “uma crítica ao tom celebratório às tendências desterritorializantes do capitalismo”, como afirmam Victor Marques e Rodrigo Gonsalves no posfácio à edição brasileira de “Realismo Capitalista”, de Mark Fisher, lançada em 2020 pela Autonomia Literária. Ela dobra a aposta em orientação a um futuro onde a humanidade se tornaria um entrave ao desenvolvimento do tecno-capital, uma ideia que, por mais estranha e grotesca que possa parecer, serve de pano de fundo hoje para gente como Elon Musk e sua obsessão com a colonização de outros planetas, e também para o “anarcocapitalismo” de Javier Milei, na Argentina. Land considera o tecno-capital como o verdadeiro sujeito da história, sendo a humanidade o seu hospedeiro e não seu mestre – um tipo de frase que poderia sair da boca do presidente argentino num programa ruim de TV transmitido por streaming, com Milei vociferando ferozmente ladeado por seus quatro cachorros clonados pela empresa PerPETuate a partir do DNA do Conan, seu enorme mastim inglês morto em 2017.

A outra visão em disputa do aceleracionismo seria aquela mais à esquerda, adotada por Fisher a partir de 2010, onde ela afirma que ser aceleracionista é, seguindo a máxima de Bertold Brecht, “não começar das coisas boas e velhas, mas das coisas novas e ruins”. Um “recuar para a frente”, mesmo que “através da merda do capital”, para adotar uma postura não contrária à tecnologia ou neoludista, como às vezes ecoa em certa parte da esquerda, mas sim uma que possa avaliar “que tipo de inovações técnicas podem ser apropriadas a serviço da emancipação humana”, como afirmam Marques e Gonsales no posfácio à Realismo Capitalista. Nessa visão, é forte a presença do imaginário do fim do trabalho, de longa tradição teórica (remetendo inclusive ao primeiro livro escrito pelo já citado Bifo, “Contra Il lavoro”, publicado em 1970) em que a inteligência artificial, por exemplo, poderia estar à serviço da humanidade, reduzindo o trabalho repetitivo e deixando as pessoas com mais tempo para o lazer, os cuidados e o prazer. Este imaginário utópico-otimista está presente em obras como “Pós-Capitalismo: um guia para o nosso futuro”, de Paul Mason (2017), publicado (e fora de catálogo) no Brasil pela Cia das Letras, e “Comunismo de Luxo Totalmente Automatizado”, de Aaron Bastani, lançado em 2022 pela Autonomia Literária.

O texto “Manifesto por uma política aceleracionista”, de Nick Srnicek e Alex Willians, é central nessa visão, pois sintetiza uma disputa de imaginário de futuro à esquerda, pós-capitalista, para também desnaturalizar a ideia do realismo capitalista de Mark Fisher em que o capitalismo virou o “padrão” com o qual nenhuma outra forma política estrangeira pode disputar. Como escrevem Srnicek e Willians, “o que o aceleracionismo promove é um futuro mais moderno; uma modernidade alternativa que o neoliberalismo é intrinsecamente incapaz de gerar”. Ainda que esse futuro pós-capitalista seja uma incógnita, é necessário tentar imaginá-lo para que se consiga mobilizar coletivamente uma renovação política, econômica e social na esfera do desejo. Algo que, hoje, a extrema-direita consegue fazer muito bem ao se apropriar do discurso “anti-sistema” ultraliberal e neorreacionário, idealizado por figuras como Land.

Aqui entra o conceito elaborado pelo CCRU de hiperstição, que fala da necessidade de inventar futuros ficcionais para que eles possam se tornar reais. Para Fisher, seria necessário pensar uma prática hipersticional comunista que, por sua vez, tivesse algo de pragmático, para que não caia na utopia vazia que nos deixa na posição cômoda de estar com as mãos limpas, mas inúteis – e derrotadas. No campo da disputa de imaginários tecnológicos, ainda que não associados ao aceleracionismo, o resgate da história do Cybersin, por Evgeny Morozov em “The Santiago Boys”, entraria nessa linha, ao relembrar os erros da tentativa de construção de um sistema técnico que ligasse dezenas de fábricas no Chile de Salvador Allende nos anos 1970 [a principal referência aqui é “Cybernetic Revolutionaries: Technology and Politics in Allende’s Chile”, de Éden Medina]. Poderíamos incluir aqui também o Cooperativismo de Plataforma e a sua potente ideia da posse das plataformas ser distribuída de forma coletiva entre seus cooperados, e também o “Oráculo de Tecnologias Transfeministas”, criado pela Coding Rights (por Joana Varon e Sasha Constanza-Chok, com ilustrações de Clarote), um projeto que fornece ferramentas para permitir um brainstorming coletivo sobre imaginários alternativos, mais inclusivos e diversos, em torno das tecnologias.

O texto abaixo, produzido em 2013 (quatro anos antes da morte de Fisher), se apresenta não como um programa de ações do aceleracionismo, tal qual o já citado “Manifesto por uma política aceleracionista”, mas como uma análise política da cultura – a cultura musical, como Fisher costumava gostar de trazer, mas também a comportamental. A partir da crítica musical e cultural de Ellen Wilis, Fisher analisa como a direita neoliberal individualizou os desejos coletivos que a contracultura abriu nos anos 1960 para, então, reivindicar esse novo terreno – e a partir daí, cooptar a contracultura e reduzir seus ideias libertários a “relíquias estéticas” destituídas de sua radicalidade política inicial.

Nesse ponto, a esquerda dos final da década de 1990 e do início dos 2000, algo perdida após o altermundismo e a proliferação massiva da internet e das tecnologias digitais, passa a ser até mesmo anti-aceleracionista: “é reduzida a defender, sem competência, relíquias na forma de compromissos antigos (a social-democracia, o New Deal) ou a extrair um gozo tíbio de seu próprio fracasso em superar o capitalismo”, como Fisher escreve. Citando Wendy Brown, ele afirma que esta esquerda passa a buscar refúgio no familiar e no tradicional sem qualquer impulso para a frente ou orientação própria, um tipo de melancolia que contribui para o fracasso da cultura popular em gerar sonhos – inclusive estéticos – novos, que avancem radicalmente na direção de um “outro” ainda não existente. Daí vem a sugestão do aceleracionismo de Fisher em reforçar a necessidade também de um imaginário aceleracionista para a cultura. Ele, porém, não chega a apontar diretamente elementos desse imaginário, embora critique em outro texto (“Fantasmas da Minha Vida”, lançado no Brasil em 2022) o  “modo nostalgia”, expressão criada por Fredric Jameson nos anos 1980 para se referir aos cada vez mais comuns pastiches pós-modernos dos anos 1980 que se apegam à forma e as técnicas do passado. O “modo nostalgia” reverbera a sensação, compartilhada também por Bifo em “Depois do Futuro” (lançado no Brasil em 2019 e já comentado por aqui), de um “lento cancelamento do futuro”, ou da dificuldade de imaginar futuros na arte decorrente também do afogamento pela superoferta de informação libertada na rede.

Fisher provavelmente não tinha conhecimento dos avanços transfeministas, indígenas e afro futuristas das ações autônomas tecnológicas na América Latina, na África e na Ásia. Possivelmente também não conhecia o kuduro angolano ou o funk brasileiro, ritmos e estéticas musicais que, na nossa visão, apontam para o futuro – um futuro algo precário, muito remixador e globo periférico [como já falávamos em 2010!]. Um futuro que, mesmo olhando para o passado, traz elementos novos, talvez ainda não compreendidos o suficiente por uma classe intelectual política de esquerda. Ainda assim, a análise de Fisher é importante como diagnóstico e organização de caminhos possíveis para novos imaginários também tecnológicos – aceleracionistas ou não.

 

[Leonardo Foletto e Victor Wolfenbüttel]

“Uma revolução social e psíquica de magnitude quase inconcebível”: os interrompidos sonhos aceleracionistas da cultura popular 

Mark Fisher

Tradução: Victor Wolfenbüttel e Leonardo Foletto. Originalmente publicado no e-flux #46, junho de 2013

Vivemos um momento de profunda desaceleração cultural. As primeiras duas décadas deste século têm sido marcadas até agora por um senso extraordinário de inércia, repetição e retrospecção, estranhamente alinhado com as análises proféticas da cultura pós-moderna que Fredric Jameson começou a desenvolver na década de 1980. Sintonize o rádio em uma estação que toque as músicas mais contemporâneas, e você não encontrará nada que não pudesse ter ouvido na década de 1990. A afirmação de Jameson de que o pós-modernismo era a lógica cultural do capitalismo tardio representa agora um presságio ameaçador do (não) futuro da produção cultural capitalista: tanto política como esteticamente, parece que agora só podemos esperar mais do mesmo, para sempre.

Pelo menos por enquanto, parece que a crise financeira de 2008 fortaleceu o poder do capital. Os programas de austeridade implementados com tanta agilidade na sequência da crise viram uma intensificação – em vez de um desaparecimento ou diluição – do neoliberalismo. A crise pode ter retirado a legitimidade do neoliberalismo, mas isso serviu apenas para mostrar que, na falta de qualquer força contrária eficaz, o poder capitalista pode agora prosseguir sem a necessidade de legitimidade. As ideias neoliberais são como a litania de uma religião cujo poder social sobreviveu à capacidade de ter fé dos crentes. O neoliberalismo está morto, mas continua. As explosões militantes de 2011 pouco fizeram para perturbar a sensação generalizada de que as únicas mudanças serão para pior.

Women packaging the Beatles’ album Rubber Soul at the Hayes Vynil Factory, England. A number of Beatles vynils bore the sentence “Manufactured in Hayes.”

Para entender o que pode estar em jogo no conceito de aceleracionismo estético, talvez valha a pena contrastar o estado de espírito dominante em nossos tempos com o tom afetivo de um período anterior. Em seu ensaio de 1979, “The Family: Love It or Leave It” (A família: ame-a ou deixe-a), a crítica musical e cultural Ellen Willis observou que o desejo da contracultura de substituir a família por um sistema de criação coletiva dos filhos implicaria “uma revolução social e psíquica de magnitude quase inconcebível [1]”. É muito difícil, em nossos tempos de esvaziamento, recriar a confiança da contracultura de que tal “revolução social e psíquica” não só poderia acontecer, como já estaria em processo de desenvolvimento. A vida de Willis, assim como a de muitos da sua geração, foi moldada pelo embalo dessas esperanças e por depois vê-las murchar gradualmente à medida que as forças de reação recuperavam o controle da história. Provavelmente, não há melhor relato do recuo da contracultura dos anos 60, da ambição prometeica para a autodestruição, a resignação e o pragmatismo, do que a coleção de ensaios de Willis, “Beginning To See The Light. A contracultura dos anos 60 pode ter sido reduzida a uma série de relíquias estéticas “icônicas” – demasiado familiares, de circulação interminável, des-historicizadas –, despojadas de conteúdo político, mas o trabalho de Willis permanece como uma dolorosa lembrança do fracasso da esquerda. Como Willis deixa claro na introdução do livro, ela se via frequentemente em desacordo com o que considerava o autoritarismo e o estatismo do socialismo dominante. Embora a música que ela ouvisse na época falasse de liberdade, o socialismo parecia ter mais a ver com centralização e controle estatal. A história de como a contracultura foi cooptada pela direita neoliberal nos é familiar agora, mas o outro lado desta narrativa fala sobre a incapacidade da esquerda de se transformar face às novas formas de desejo às quais a contracultura deu voz.

A ideia de que os “anos 60 conduziram ao neoliberalismo” se complica se damos ênfase no desafio às estruturas familiares. Porque então fica claro que a direita não absorveu correntes e energias contraculturais sem deixar vestígios. A conversão da rebelião contracultural em prazeres de consumo capitalistas necessariamente ignora a ambição da contracultura de acabar com as instituições da sociedade burguesa. Uma ambição que, da perspectiva do novo “realismo” que a direita impôs com sucesso, parece ingênua e sem esperança.

A política da contracultura era anticapitalista, argumenta Willis, mas isso não implicava em uma rejeição direta de tudo o que era produzido no capitalismo. O prazer e o individualismo certamente foram importantes para o que Willis caracterizava como a sua “disputa com a esquerda [2]”. Contudo, o desejo de acabar com a família não poderia ser construído apenas nestes termos; tratava-se inevitavelmente também de formas novas e sem precedentes de organização coletiva (porém não estatistas). A polêmica de Willis “contra as noções correntes da esquerda sobre o capitalismo avançado” considerava, na melhor das hipóteses, apenas como parcialmente verdadeiras as ideias de que “a economia de consumo nos torna escravos das mercadorias, que a função dos meios de comunicação de massa é manipular as nossas fantasias, e que por isso atingiremos a satisfação pessoal com a compra de mercadorias do sistema [3]”. A cultura popular – e a música em particular – era um terreno de luta mais do que de domínio do capital. A relação entre formas estéticas e política era instável e incipiente – a cultura não apenas “expressava” posições políticas já existentes, mas também antecipava uma política por vir (que também foi, muitas vezes, uma política que nunca de fato chegou).

Ellen Willis reading ‟No More Fun and Games,” a Journal of Female Liberation. Courtesy of the Ellen Willis’ family.

O papel da música como um dos motores da aceleração cultural do final dos anos 50 até o ano 2000 teve a ver com a sua capacidade de sintetizar diversas energias, tropos [4] e formas culturais, tanto quanto qualquer outra característica específica da própria música. A partir do final dos anos 50, a música tornou-se a zona onde as drogas, as novas tecnologias, as ficções (científicas) e os movimentos sociais podiam combinar-se para produzir sonhos – vislumbres sugestivos de mundos radicalmente diferentes da ordem social existente. (A ascensão do “realismo” de direita implicou não apenas a destruição de formas particulares de sonho, mas a própria supressão da função de sonhar na cultura popular.) Por um momento, bem no coração da música comercial, abriu-se um espaço de autonomia para os músicos explorarem e experimentarem. Neste período, a música popular foi definida por uma tensão entre os desejos e imperativos (geralmente) incompatíveis dos artistas, do público e do capital. Sua conversão em mercadoria não era o ponto em que esta tensão seria sempre e inevitavelmente resolvida em favor do capital; em vez disso, as próprias mercadorias poderiam ser os meios pelos quais correntes rebeldes poderiam se propagar: “Os meios de comunicação de massa ajudaram a espalhar a rebelião, e o sistema gentilmente comercializou produtos que a encorajaram, pela simples razão de que havia dinheiro a ser ganho com os rebeldes que também eram consumidores. Num certo nível, a revolta dos anos 60 foi uma ilustração impressionante da observação de Lênin de que “o capitalista te venderá a corda para enforcá-lo [5]”.

Isso agora parece bastante otimista, uma vez que, como todos nós sabemos, não foi o capitalista quem acabou enforcado. O marketing da rebelião acabou sendo mais sobre o triunfo do marketing do que da rebelião. O golpe da direita neoliberal consistiu em individualizar os desejos que a contracultura abriu, e, em seguida, reivindicar o novo terreno libidinal. A ascensão da nova direita foi baseada no repúdio à ideia de que a vida, o trabalho e a reprodução poderiam ser transformados coletivamente – agora, o capital seria o único agente de transformação. O recuo de qualquer contestação séria à família é um lembrete de que o clima de reação que cresceu a partir da década de 1980 não foi apenas sobre a restauração de algum poder econômico estritamente definido: foi também sobre o retorno – no nível da ideologia, não necessariamente do fato empírico – de instituições sociais e culturais que pareciam possíveis de serem eliminadas na década de 1960.

No seu ensaio de 1979, Willis insiste que o regresso do familiarismo foi central para a ascensão da nova direita, que estava prestes a ser confirmada, em grande estilo, com a eleição de Ronald Reagan nos EUA e de Margaret Thatcher no Reino Unido. “Se existe uma tendência cultural que definiu os anos 70”, escreve Willis, “foi o ressurgimento agressivo do chauvinismo familiar [6]”. Para Willis, talvez o sinal mais perturbador deste novo conservadorismo tenha sido a aceitação da família por partes da esquerda [7] – uma direção reforçada pela tendência dos antigos adeptos da contracultura (inclusive ela própria) de (re)tornar-se à família, devido a um misto de exaustão e derrotismo. “Lutei, fiz minha parte, cansei de ser marginal. Eu quero entrar!” [8]. A impaciência – o desejo de uma mudança súbita, total e irrevogável; do fim da família dentro do tempo de uma geração – deu lugar a uma resignação amarga quando isso (inevitavelmente) não aconteceu.

Cover of The Alien Critic # 7, Nov 1973. Cover artist: Steven Fabian.

Agora podemos nos voltar para a controversa questão do aceleracionismo. Quero situar o aceleracionismo não como uma forma herética de marxismo, mas como uma tentativa de convergir, intensificar e politizar as dimensões mais desafiadoras e exploratórias da cultura popular. O desejo de Willis de “uma revolução social e psíquica de magnitude quase inconcebível” e a sua “disputa com a esquerda” sobre o desejo e a liberdade podem oferecer uma maneira diferente de pensar o que está em jogo neste conceito tão mal compreendido. Uma certa visão do aceleracionismo, talvez agora dominante, afirma que a posição equivale a uma torcida pela intensificação de qualquer processo capitalista, especialmente o “pior”, na esperança de que isso leve o sistema a um ponto de crise terminal. (Um exemplo disto seria a ideia de que votar em Reagan e Thatcher nos anos 80 foi a estratégia revolucionária mais eficaz, uma vez que suas políticas supostamente levariam à insurreição). No entanto, esta formulação é questionável, na medida em que assume aquilo que o aceleracionismo rejeita – a ideia de que tudo o que é produzido “sob” o capitalismo pertence integralmente ao capitalismo. Em contraste, o aceleracionismo sustenta que existem desejos e processos que o capitalismo dá origem e dos quais se alimenta, mas que não consegue conter. É a aceleração destes processos que empurrará o capitalismo para além dos seus limites. O aceleracionismo é também a convicção de que o mundo desejado pela esquerda é pós-capitalista – que não há possibilidade de retorno a um mundo pré-capitalista e que não há desejo sério de regressar a este mundo, mesmo que pudéssemos.

A artimanha aceleracionista depende de uma certa compreensão do capitalismo, melhor articulada por Deleuze e Guattari em Anti-Édipo (um texto que, não por coincidência, surgiu na esteira da contracultura). Na famosa formulação do Anti-Édipo, o capitalismo é definido pela sua tendência a descodificar/desterritorializar ao mesmo tempo que recodifica/reterritorializa. Por um lado, o capitalismo desmantela todas as estruturas, normas e modelos sociais e culturais existentes do sagrado; por outro, revive inúmeras formações aparentemente atávicas (identidades tribais, religiões, poder dinástico…):

“A axiomática social das sociedades modernas está contida entre dois polos, e não para de oscilar de um polo a outro. Tais sociedades, nascidas da descodificação e da desterritorialização, sobre as ruínas da máquina despótica, estão contidas entre o Urstaat, que bem gostariam de ressuscitar como unidade sobrecodificante e reterritorializante, e os fluxos desencadeados que as levam em direção a um limiar absoluto. Elas recodificam com toda a força, a golpes de ditadura mundial, de ditadores locais e de polícia toda-poderosa, enquanto descodificam ou deixam descodificar as quantidades fluentes de seus capitais e de suas populações. Elas estão contidas entre duas direções: arcaísmo e futurismo, neoarcaísmo e ex-futurismo, paranoia e esquizofrenia [9]”.

Esta descrição capta estranhamente a forma como a cultura capitalista se desenvolveu a partir da década de 1970, com a desregulamentação neoliberal amoral almejando um projeto de dessacralização e mercantilização sem limites, complementada por um neoconservadorismo explicitamente moralizante, que procura reavivar e reforçar tradições e instituições mais antigas. No nível do conteúdo proposto, esses futurismos e neoarcaísmos se contradizem, mas e daí?

“Nunca uma discordância ou um disfuncionamento anunciaram a morte de uma máquina social que, ao contrário, se alimenta habitualmente das contradições que provoca, das crises que suscita, das angústias que engendra e das operações infernais que a revigoram: o capitalismo aprendeu isso e deixou de duvidar de si, e até os socialistas deixavam de acreditar na possibilidade da sua morte natural por desgaste. As contradições nunca mataram ninguém [10]”.

Se o capitalismo é definido como a tensão entre desterritorialização e reterritorialização, entende-se então que uma forma (talvez a única) de superar o capitalismo seja remover os amortecedores da reterritorialização. Daí a notória passagem do Anti-Édipo, que poderia servir de epígrafe ao aceleracionismo:

“Então, qual solução, qual via revolucionária? (…) Retirar-se do mercado mundial, como Samir Amin aconselha aos países do Terceiro Mundo, numa curiosa renovação da “solução econômica” fascista? Ou ir no sentido contrário, isto é, ir ainda mais longe no movimento do mercado, da descodificação e da desterritorialização? Pois talvez os fluxos ainda não estejam suficientemente desterritorializados e suficientemente descodificados, do ponto de vista de uma teoria e de uma prática dos fluxos com alto teor esquizofrênico. Não retirar-se do processo, mas ir mais longe, “acelerar o processo”, como dizia Nietzsche: na verdade, a esse respeito, nós ainda não vimos nada [11]”.

A passagem é enigmática e provocadora – o que Deleuze e Guattari querem dizer ao associar o “movimento do mercado” com “descodificação e desterritorialização”? Infelizmente eles não explicam, o que tornou fácil para os marxistas ortodoxos enquadrarem esta passagem como um exemplo clássico de como 1968 conduziu à hegemonia neoliberal – mais uma capitulação da esquerda à lógica da nova direita. Esta leitura foi facilitada pela utilização desta passagem na década de 1990 por Nick Land para fins explicitamente antimarxistas. Mas e se lermos esta seção do Anti-Édipo não como uma retratação do marxismo, mas como um novo modelo para o que o marxismo poderia ser? É possível que o que Deleuze e Guattari delineavam aqui fosse o tipo de política que Ellen Willis defendia: uma política que fosse hostil ao capital, mas viva ao desejo; uma política que rejeitasse todas as formas do velho mundo em favor de uma “nova terra”; isto é, uma política que exigisse “uma revolução social e psíquica de magnitude quase inconcebível”?

Um ponto de convergência entre Willis e Deleuze e Guattari foi a sua crença comum de que a família estava no centro da política de reação. Para Deleuze e Guattari, talvez seja a família, mais do que qualquer outra instituição, a principal agência da reterritorialização capitalista: a família como estrutura transcendental (“mamãe-papai-eu”) assegura provisoriamente a identidade em meio e contra as tendências líquidas do capital, sua propensão a dissolver todas as certezas preexistentes. É por esta razão, sem dúvida, que alguns esquerdistas recorrem à família como um antídoto e escape ao colapso capitalista – mas isto é ignorar a forma como o capitalismo depende da função reterritorializadora da família.

Não é por acaso que a infame afirmação de Margaret Thatcher de que “não existe sociedade, apenas indivíduos” teve de ser complementada por “… e as suas famílias”. É também significativo que em Deleuze e Guattari, tal como noutros teóricos anti psiquiátricos como R. D. Laing e David Cooper, o ataque à família estivesse associado a um ataque às formas dominantes de psiquiatria e psicoterapia. A crítica de Deleuze e Guattari à psicanálise baseia-se na maneira como ela isola o indivíduo do campo social mais amplo, privatizando as origens do sofrimento no “teatro” edipiano das relações familiares. Eles argumentam que a psicanálise, em vez de analisar a forma como o capitalismo realiza esta privatização psíquica, apenas a repete. Também é notável que as lutas antipsiquiátricas retrocederam tanto quanto as lutas pela família: para que o sistema de realidade da nova direita fosse naturalizado, era necessário que essas lutas, indissociáveis da contracultura, fossem não apenas derrotadas, mas sim que desaparecessem.

Vale a pena parar aqui para refletir sobre o quão longe a esquerda está de defender com confiança o tipo de revolução que Deleuze e Guattari e Ellen Willis esperavam. A análise de Wendy Brown sobre a “melancolia de esquerda” no final da década de 1990 ainda capta dolorosamente (e de forma embaraçosa) os impasses libidinais e ideológicos em que a esquerda muitas vezes se vê presa. Na verdade, Brown descreve o que é uma esquerda anti-aceleracionista: uma esquerda que, sem qualquer impulso para a frente ou orientação própria, é reduzida a defender, sem competência, relíquias na forma de compromissos antigos (a social-democracia, o New Deal) ou a extrair um gozo tíbio de seu próprio fracasso em superar o capitalismo. Muito longe de estar do lado do inimaginável e do inédito, esta é uma esquerda que se refugia no familiar e no tradicional. “O que surge”, escreve Brown,

“é uma esquerda que opera sem uma crítica profunda e radical do status quo ou sem uma alternativa convincente à ordem existente das coisas. Mas talvez ainda mais preocupante, é uma esquerda que se tornou mais apegada à sua impossibilidade do que à sua potencial fecundidade; uma esquerda que se sente mais à vontade vivendo não na esperança, mas na sua própria marginalidade e fracasso; uma esquerda que está presa em uma estrutura de apego melancólico a um certo nicho de seu próprio passado morto, cujo espírito é fantasmagórico, cuja estrutura de desejo é retrógrada e punitiva [12]”.

Foi precisamente esta tendência esquerdista para o conservadorismo, a defensiva e a nostalgia que permitiram que Nick Land provocasse a esquerda dos anos 90 com o Anti-Édipo, argumentando que a “destruição criativa” do capital era muito mais revolucionária do que qualquer coisa que a esquerda fosse capaz de projetar agora.

Margret Thatcher supporting pro-market campaigners in Parliament Square, on the eve of polling for the common market referendum, 1975. Photo: A/P.

Não há dúvidas de que esta melancolia persistente contribuiu para o fracasso da esquerda em tomar a iniciativa após a crise financeira de 2008. A crise e suas consequências até agora justificaram a visão de Deleuze e Guattari de que “as máquinas sociais têm o hábito de se alimentar… das crises que provocam.” O domínio contínuo do capital pode ter tanto a ver com o fracasso da cultura popular em gerar novos sonhos como com a qualidade inercial das posições e estratégias políticas oficiais. Onde a cultura popular de vanguarda do século XX permitiu todos os tipos de ensaios experimentais daquilo que Hardt e Negri chamam de “monstruoso, violento e traumático… processo revolucionário de abolição da identidade [13]”, os recursos culturais para este tipo de desmantelamento do eu estão agora um tanto desnudados. Michael Hardt disse que “o conteúdo positivo do comunismo, que corresponde à abolição da propriedade privada, é a produção autônoma da humanidade – uma nova visão, uma nova maneira de ouvir, pensar, amar [14]”. O tipo de reconstrução da subjetividade e das categorias cognitivas que o pós-capitalismo irá implicar é tanto um projeto estético como algo que pode ser entregue por qualquer tipo de agente parlamentar ou estatista. Hardt refere-se à discussão de Foucault sobre a frase de Marx “o homem produz o homem”. O programa que Foucault descreve na sua explicação sobre esta frase (abaixo) precisa ser recuperado pela cultura caso se almeje alguma esperança de alcançar a “revolução social e psíquica de magnitude quase inconcebível” com que a cultura popular uma vez sonhou:

“O problema não é recuperar a nossa identidade “perdida”, libertar nossa natureza aprisionada, nossa verdade mais profunda; em vez disso, o problema é avançar em direção a algo radicalmente Outro. O centro da questão ainda parece estar na frase de Marx: o homem produz o homem… Para mim, o que deve ser produzido não é um homem idêntico a si mesmo, exatamente como a natureza o teria desenhado ou de acordo com a sua essência; pelo contrário, devemos produzir algo que ainda não existe e sobre o qual ainda não podemos saber como e nem o que será [15]”.

NOTAS

[1]: Ellen Willis, Beginning To See The Light: Sex, Hope and Rock-and-Roll (Hannover and London: Wesleyan University Press, 1992), p. 158.
[2]: No original, “quarrel with the left”. Ellen Willis, Beginning To See The Light: Sex, Hope and Rock-and-Roll (Hannover and London: Wesleyan University Press, 1992), p.16
[3]: Ellen Willis, Beginning To See The Light: Sex, Hope and Rock-and-Roll. Hannover and London: Wesleyan University Press, 1992.
[4]: No original, “tropes“, que significa literalmente tropo, mas que possui proximidade de sentido à metáfora.
[5]: Ellen Willis, Beginning To See The Light: Sex, Hope and Rock-and-Roll. Hannover and London: Wesleyan University Press, 1992, p.16.
[6]: Ibid., 150.
[7]: “On the left, family chauvinism often takes the form of nostalgic declarations that the family, with its admitted faults, has been vitiated by modern capitalism, which is much worse (at least the family is based on personal relations rather than soulless cash, etc., etc.).” Ibid., 152.
[8]: Ibid., 161.
[9]: Gilles Deleuze e Félix Guattari, O Anti-Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia 1. Trad. Luiz B. L. Orlandi. São Paulo; Editora 34, 2010. p.345.
[10]: Ibid., p. 202.
[11]: Ibid., p.318
[12]: Wendy Brown, “Resisting Left Melancholy,” Boundary 2 26:3 (1999): 19–27.
[13]: “Para muitas pessoas, de fato, a família é o principal se não exclusivo local de experiencia social coletiva, acordos de trabalho cooperativo, carinho e intimidade. Baseia-se nos commons, mas ao mesmo tempo o corrompe, impondo uma série de hierarquias, restrições, exclusões e distorções.” Tradução. de Clarice Pelotas. Antonio Negri e Michael Hardt, Commonwealth. Cambridge, MA: Belknap Press, 2009. p 339.
[14]: Michel Hardt, “The Common in Communism,” in eds. Costas Douzinas and Slavoj Žižek, The Idea of Communism. New York: Verso, 2010. p.141.
[15]: Michel Foucault, Observações sobre Marx (Nova York: Semiotext(e), 1991), 121.

 

 

 

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Anonymous e a nova ordem musical: o Anontune https://baixacultura.org/2012/04/24/anonymous-e-a-nova-ordem-musical-o-anontune/ https://baixacultura.org/2012/04/24/anonymous-e-a-nova-ordem-musical-o-anontune/#respond Tue, 24 Apr 2012 02:33:01 +0000 https://baixacultura.org/?p=6559

Que o mundo da música mudou com o advento do digital tu já deve estar cansado de saber, de tanto que falamos por aqui na série Notas Sobre o Futuro da Música.

Que estamos num mundo sem respostas únicas prontas e cheio de oportunidades para todos criarem as suas respostas, de acordo com suas especificidades, tu também deve saber: Gilberto Gil falou disso aqui, em 2009, e nós reiteramos sempre que pudemos – tipo agora.

Uma das últimas novidades nessa seara, que busca uma alternativa ao compartilhamento de músicas na rede, e que ainda está em vias de se concretizar, tem o nome de “Anontune” e está sendo desenvolvida pelos Anonymous. É uma plataforma que “puxa” músicas em streaming de outros lugares – como YouTube e o SoundCloud –  e permite que o usuário coloque e compartilhe essas músicas em playlists pessoais do modo que bem entender, segundo informações da Wireddo qual o Pitchfork e a revista paulistana NegoDito se basearam.

O pontapé inicial do desenvolvimento foi dado por volta do dia 23 de fevereiro deste 2012, um mês depois do fechamento do MegaUpload. Nessa ocasião, como tu bem lembra se acompanha esta página, o Anonymous promoveu um ataque ao departamento de justiça dos EUA, a Universal e a RIAA – além de ter disponibilizado vários links para download de discos e filmes do conglomerado Universal/Sony.

A new way to find music

Mas a ideia da plataforma é mais antiga. Segundo informações que a Wired obteve por e-mail de um dos criadores do Anontune, o projeto foi iniciado por um grupo de desenvolvedores há seis anos, quando o Anonymous em si nem passava de uma brincadeira.

Diz este desenvolvedor que a ideia veio de um papo qualquer sobre músicas, artistas favoritos e modelos de negócio. “As pessoas realmente usam o YouTube como um player de música. No entanto, ele é realmente uma droga para isso, é muito desorganizado”. O que aconteceria se você pudesse combinar músicas de sites como o MySpace, Yahoo, YouTube e outros e criar playlists mais robustas e organizadas?

Foi o que mais ou menos pensaram os criadores do Anontube  – e devem ainda estar pensando como viabilizar totalmente isso, porque o site está em modo very beta, 20% pronto, segundo infos da Wired.

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=LGHN_8Ay04A&feature=player_embedded]

Apesar dos 20% finalizado, o Anontune já tem muita coisa a se notar. É uma plataforma de música social, focada na busca e no consumo de música. Lembra um pouco o GrooveShark, a principal plataforma de música livre – pelo menos por enquanto.

Três frases explicativas pipocam do site very beta:

Completely free, no charge.

_ Ever wanted to instantly share the music on your iPod with your friends, without having to upload all of it somewhere? Simply upload your iPod music database and Anontune will do the rest – and it will only take a few minutes!

[Você sempre quis compartilhar instantaneamente a música em seu iPod com seus amigos sem ter que carregar tudo isso em algum lugar? Basta fazer upload de seu banco de dados de músicado iPod e o Anontune fará o resto – e levará apenas alguns minutos!, em tradução livre – e rápida]

Import playlists right from your iPod.

We don’t charge you anything for the use of Anontune. It’s completely and entirely free to use. No catch, no hidden costs, no “premium” subscriptions.

[Nós não cobramos nada pelo uso de Anontune. É completa e inteiramente livre. Sem pegadinhas, sem custos ocultos, sem assinaturas “Premium”.]

Listen to music from multiple sources.

Anontune itself does not host any music files. It simply searches for music on YouTube, Soundcloud, and other websites. The development of Anontune never stops, and in the future many more sources will be added!

[O Anontune em si não hospeda nenhum arquivo de música. Ele simplesmente procura por música no YouTube, Soundcloud, e outros sites. O desenvolvimento do Anontune nunca para, e no futuro muitos mais recursos serão adicionados!]

O Anontune trabalha num conceito esperto: automatizar o que a maioria das pessoas fazem manualmente. Depois de configurar uma conta, os usuários podem criar listas de reprodução – basta digitar os nomes das músicas a ouvir para acessá-las – ou escolher entre os nomes das músicas importadas de seus players. Fizemos a primeira opção na imagem acima: digitamos Led Zeppelin e apareceu alguns vídeos da banda inglesa.

Há um “motormusic”, executado no navegador do usuário, que busca a música na rede. Por enquanto, a maioria das músicas vem do YouTube e do SoundCloud, mas existe a intenção de  incluir MySpace, YahooMusic e outros serviços.

A ideia é fornecer uma plataforma flexível e aberta para usuários ouvirem música sem ter de “piratear” nada. Como? Sem hospedar nada, apenas direcionando para os links certos em outros sites e permitindo reorganizar essas músicas em formas de listas, sem download – e isso tudo podendo ser feito também de forma anônima.

[Este paper explica as intenções da ferramenta]

Resta saber 1) onde este site conseguirá ser hospedado e 2) como a polícia do copyright vai encarar uma iniciativa desse tipo do Anonymous. Se hoje já não há nenhuma simpatia com os “piratas da internet” – como a televisão sempre insiste em taxar os hackers & crackers – é certo que a força contra o grupo aumentará quando o Anontube estiver finalizado.

Ainda assim, eles não parecem ter medo. Diz o anon à Wired. “We need to think bigger. This is Operation Mozart”.

Créditos: 1 (Anonymous), 2, 3 (Anontube), 4.
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Notas sobre o futuro da música (5): pagamento voluntário https://baixacultura.org/2012/04/10/notas-sobre-o-futuro-da-musica-5-pagamento-voluntario/ https://baixacultura.org/2012/04/10/notas-sobre-o-futuro-da-musica-5-pagamento-voluntario/#respond Tue, 10 Apr 2012 10:04:14 +0000 https://baixacultura.org/?p=6453

O conhecimento acumulado como professor em Harvard e palestrante assíduo sobre os efeitos na economia e no mercado de uma “nova” esfera pública interconectada permite Yochai Benkler fazer exemplares análises de muitas coisas decorrentes e/ou inseridas nestes temas.

É o caso, por exemplo, dos modelos de negócio da música em tempos de internet, tema de um artigo de 2009 que foi traduzido para a Revista Auditório nº1, publicado pelo seu Centro de Estudos, em São Paulo.

O texto se chama “Modelos de Pagamento Voluntário“. Nesta 5º edição da série Notas Sobre o Futuro da Música, comentamos & reproduzimos trechos do artigo de Benkler, que tem poderosos insights para todos interessados em entender um pouco mais o cenário do negócio da música hoje. O texto original em inglês tá aqui.

Benkler começa o artigo citando, nos primeiros parágrafos, os dois exemplos de pagamentos voluntários mais proeminentes da indústria musical dos últimos anos: o caso pague-quanto-quiser de “In Rainbows” (2007), do Radiohead, e o “Ghosts I-IV”, de Trent Reznor, do Nine Inch Nails – disco (capa logo abaixo) de 2008 distribuído de graça, em versões mais simples, e (bem) pago  em edições deluxe, o que rendeu ao total mais de 1,6 milhão de dólares.

Reznor e o Radiohead tiraram vantagens de dois fatos, segundo Benkler:

_ Os músicos sempre receberam uma fração minúscula das rendas geradas pelas vendas de cópias de sua música. Assim, não é preciso de muito para que um artista ganhe com downloads o mesmo que ganhava com os direitos sobre as vendas de seus CDs.

As pessoas se importam muito mais com os artistas e com as músicas que elas amam do que com o taxista que as leva ao aeroporto, ou com o garçom que lhes serve o jantar, mesmo que seja um jantar sofisticado. E mesmo que saibamos que o pagamento voluntário, nesse caso a gorjeta, é parte relevante da renda dos taxistas e garçons, achamos ao mesmo tempo ridículo pensar nessas gorjetas, ou pagamentos voluntários, como parte da renda de artistas que podem contar com elas para sobreviver.

“Ghosts I-IV”, álbum do Nine Inch Nails lançado em vários formatos

A partir dessas constatações, Benkler constrói sua argumentação sobre os modelos voluntários de pagamentos na música em 6 tópicos – comentados, reproduzidos e reduzidos a 3, para não alongar demais o texto, a seguir:

1) Fãs pagam mais quando não são obrigados a pagar

O artigo cita um estudo de 2010 (de mais de 60 páginas, em que o próprio autor participou) que analisa ganhos de três artistas não muito conhecidos dos Estados Unidos para construir uma afirmação: a de que a estratégia melhor sucedida é tornar a música acessível para download em um formato de alta qualidade, sem medidas de proteção tecnológica, e com opções de pagamento que vão de “gratuito” a “pagamento mínimo de x, ou mais.

O modelo usado por Reznor do Nine Inch Nails ilustra esse caso. Ele incluia: (a) streaming gratuito da música; (b) download gratuito de parte das faixas (no caso de Ghosts I-IV, um quarto de cada uma), sem pagamento mínimo; (c) um download completo por 5 dólares, um CD por 10 dólares; (d) uma edição de luxo por 75 dólares; e uma edição ultraluxuosa limitada e esgotada por 300 dólares.

Jonathan Coulton, o que se saiu melhor entre os três artistas citados no estudo, deixou sua música acessível em diversos formatos e níveis de qualidade a um preço de 1 dólar por faixa; algumas estão disponíveis gratuitamente. Ele vendia também um dispositivo USB com uma animação e vários álbuns por 50 dólares.

Assim explica Benkler: “A estrutura geral do sistema de pagamento voluntário, portanto, apoia-se na prática de evitar a obrigatoriedade estrita de pagamento. Primeiro, a música se torna acessível em formatos utilizáveis e fáceis de fazer download. Segundo, o sistema de pagamento ou é inteiramente voluntário, ou conta com mecanismos que garantem que a definição do preço seja razoavelmente voluntária“.

2) Comunicação com/entre os fãs: construindo uma comunidade

nin.com, exemplo de site interativo fãs-artista

É importante reconhecer, ressalta o texto, “que não se trata simplesmente de lançar um site estático com uma opção de pagamento“. É necessário a construção de uma comunidade, um envolvimento mais abrangente que estabeleça uma relação de confiança e reciprocidade entre os artistas e seus fãs.

Coulton e Reznor, por exemplo, tem sites com diversas possibilidades de interação – que vão desde contas específicas no twitter e facebook a blogs estilo “diário de bordo”, fóruns para contato direto entre os fãs (mediante registro gratuito, no caso do site do NIN) e até um espaço wiki, no caso do site de Coulton.

Benkler cita no artigo um outro exemplo criativo de interação, que é a experiência da cantora e compositora britânica Imogene Heap com o projeto Heapsong. Heap convida fãs para fazerem uploads de áudio, sugestões de letras, fotos e vídeos para que ela use e incorpore em um novo projeto de álbum a cada três anos – uma intensificação da experiência de pedir aos fãs para  remixarem e criarem um vídeo das músicas, algo que o NIN e o Coulton costumam fazer.

No Brasil, um músico que usa desses tipo de estratégias é Leoni. Um dos principais críticos do famigerado ECAD, o violonista e compositor ex-Kid Abelha lançou recentemente a 4º edição de um concurso de composição, em que estimula os usuários a produzirem letras para melodias suas.

O concorrente grava um vídeo no YouTube com a sua letra para a música (com ele ou outro intérprete cantando) e passa por uma série de eliminatórias, escolhidas por voto popular, até as finais, escolhidas por um juri artístico. [Veja o regulamento completo].

Leoni, um exemplo brasileiro de interação efetiva com os fãs

3) Desencadeando uma dinâmica de reciprocidade

A última constatação de Benkler antes da conclusão parece óbvia, mas as vezes não é. É preciso criar um ambiente colaborativo em que haja reciprocidade e sinceridade na relação artista-fã.

Diz o texto: “Pesquisas importantes de ciência do comportamento sugerem que a maior parte da população reage à confiança com confiança, e à generosidade com gene rosidade. A criação de comunidades envolvidas e atuantes, a tomada de risco prática por confiar nos usuários e o reconhecimento público do valor do trabalho dos fãs na criação da experiência da música com o artista, tudo isso presumivelmente, segundo modelos sociais, tem como resultado a cooperação.

Para construir essa reciprocidade, é necessário substituir o moralismo (do tipo “se você baixar minha música de grátis, vai ser preso!”) por uma ética de respeito mútuo entre os envolvidos. A loja de MP3 de Coulton, por exemplo, apresenta explicitamente uma chamada: “Já roubou? Sem problemas. Se você quiser doar algum dinheiro, você pode fazê-lo através da Amazon ou do Paypal. Ou, para algo ligeiramente mais divertido, compre um robô, um macaco ou uma banana, que aparecerão aqui com a sua mensagem.”

O site de Jonathan Coulton tem até uma wiki.

Benkler conclui com uma ressalva aos apressadinhos na busca de adotar qualquer caminho:

Ainda que essas experiências sejam praticamente novas, as evidências sistemáticas, ainda que incipientes, sugerem que esses sistemas dão margem a níveis relevantes de doação ou contribuição. Não serão o bastante para enriquecer um artista, como tampouco o sistema baseado nas vendas de CDs enriqueceu. Mas esses sistemas tampouco empobrecerão o artista de sucesso, como sugerem as reações usuais da indústria fonográfica ao tema nesses últimos 15 anos. Antes, tais sistemas parecem oferecer um importante componente na estratégia geral de que os artistas podem se valer para sobre viver fazendo a música que mais amam fazer.

Mais do que “a” saída, os pagamentos voluntários (seja para downloads on-line ou para edições especiais, físicas e outros produtos exclusivos) parecem abrir uma importante avenida para os artistas que buscam tentar sobreviver e prosseguir em seu trabalho.

Adeus, artista intocável

Outra conclusão também é possível: artista “intocável” que não quer interagir com seus fãs, seu tempo acabou. Não há mais dinheiro na indústria para “proteger” e encher de mimos o artista, fazendo com que este viva numa realidade paralela dos “pobres mortais fãs”.

É claro que este tipo de atitude, que se perpetuou durante boa parte do tempo de 1960 pra cá, ainda se dá hoje em alguns casos, especialmente naqueles que ainda são bancados pelos últimos dólares da Indústria Musical. Mas é fácil prever que isso tende a acabar pelo simples fato de que há MUITOS mais canais de contato fã-artista – e cada vez mais é difícil fugir de todos eles.

Como Benkler encerra o artigo: o desenho da interação hoje exige elementos projetados para obter uma dinâmica de reciprocidade, ao invés do antagonismo que o sistema tradicional, transposto ao ambiente de rede digital, tende a criar.

Créditos: 1 (Benkler), 2 (Ghosts) 4 (Leoni; Renan Braga) 6 (O Artista).

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Notas sobre o futuro da música (4): as estratégias de David Byrne https://baixacultura.org/2012/02/20/notas-sobre-o-futuro-da-musica-4-as-estrategias-de-david-byrne/ https://baixacultura.org/2012/02/20/notas-sobre-o-futuro-da-musica-4-as-estrategias-de-david-byrne/#comments Mon, 20 Feb 2012 13:14:56 +0000 https://baixacultura.org/?p=6335

David Byrne – músico, escritor, ciclista, frontman do Talking Heads, re-descobridor de Tom Zé e “um inovador lendário de si mesmo” – escreveu em dezembro de 2007 um texto intitulado “Estratégias de sobrevivência para artistas emergentes – e megaestrelas“.

O artigo foi publicado na revista Wired, acompanhado de uma conversa de Byrne com Thom Yorke, do Radiohead, sobre música e novos modelos de negócio, bem à época em que o Radiohead lançava “In Rainbows” no esquema “pague o quanto quiser”.

O texto já tinha ganho uma tradução bem resumida para o espanhol, feita por este blog aqui em 2009 – que está fora do ar. Em junho de 2010 veio à tona uma tradução para o português no site Music News – que também já não está disponível na rede.

Já havíamos publicado o artigo juntamente com a conversa de Byrne com Yorke. Mas por conta do tamanho do papo dos dois músicos, as pensatas de Byrne acabaram se perdendo na barra de rolagem, e pouca gente deve ter lido o texto. Aproveitamos o tempo livre de carnaval para dar uma revisada nessa tradução [acredite, por melhor que seja, sempre se encontra erros numa tradução; fique a vontade para achar os nossos e avisar nos comentários] e republicamos aqui abaixo o texto, re-editado (com links novos e crocantes).

Acreditamos que o texto, assim como os outros da série “Notas sobre o futuro da música“, é recheado de “food for thinking“, como dizem os que dominam a língua de Shakespeare – “coisas/comida pra pensar”, numa tradução tosca para a nossa língua de Camões.

Mesmo tendo sido publicado em 2007, onde o mundo digital era outro e “In Rainbows” recém arrombava as portas das gravadoras (e as mentes daquelas bandas que acreditavam que só uma gravadora os colocaria na “fama”), as estratégias de sobrevivência de Byrne são extremamente válidas para músicos e não-músicos que querem entender o mecanismo da música hoje.

Elas servem, também, para realçar uma convicção nossa: a de que o mundo de hoje, em transformação ultraveloz e sem respostas prontas para NADA, é demais de fascinante.

Estratégias de sobrevivência para artistas emergentes – e megaestrelas

Eu costumava ter uma gravadora. Este selo, Luaka Bop, ainda existe, embora eu não esteja mais envolvido em sua execução. Meu último disco saiu pela Nonesuch, uma subsidiária do império Warner Music Group. Eu também tenho lançado música por gravadoras independentes como Thrill Jockey, e eu tenho prensado CDs e vendido-os em turnê. Eu faço turnê a cada ano, e eu não vejo isso como uma simples perda de líderança em vendas de CD. Então eu vi esse negócio de ambos os lados. Ganhei dinheiro, e fui roubado. Tive liberdade criativa e fui pressionado para fazer hits. Eu tenho lidado com o comportamento de diva de músicos loucos, e eu vi registros gêniais de artistas maravilhosos ficarem completamente ignorados. Eu amo música. Eu sempre amarei. Ela salvou a minha vida, e eu aposto que não sou o único que pode dizer isso.

O que é chamado hoje o negócio da música, no entanto, não é o negócio de produzir música. Em algum momento ele se tornou o negócio de vender CDs em caixas de plástico e esse negócio vai acabar em breve. Mas isso não é uma má notícia para a música, e certamente não é uma má notícia para os músicos. De fato, com todas as formas de atingir um público, nunca houve mais oportunidades para os artistas.

Onde as coisas estão caminhando? Bem, para algumas pessoas os gráficos são assim:

Alguns vêem esse quadro como uma tendência terrível. O fato do Radiohead estrear seu mais recente álbum online [In Rainbows, 2007] e Madonna abandonar a Warner Bros para a Live Nation, empresa promotora de shows, é considerado como um sinal do fim do negócio da música como a conhecemos. Na verdade, estes são apenas dois exemplos de como os músicos estão cada vez mais capazes de trabalhar fora da relação das gravadoras tradicionais. Não existe uma maneira única de se fazer negócio estes dias. Para mim, existem na verdade seis modelos viáveis. Essa variedade é boa para os artistas, pois lhes dá mais possibilidades de ganhar dinheiro e viver da profissão. E é bom para o público também, que terá mais – e mais interessante – música para ouvir. Vamos voltar e ter alguma perspectiva.

O que é  música?
Primeiro, uma definição dos termos. O que é isso que estamos falando aqui? O que exatamente está sendo comprado e vendido? No passado, a música era algo que você ouvia e experimentava – ela servia tanto como um evento social como uma forma puramente musical. Antes da tecnologia de gravação existir, você não podia separar a música do seu contexto social. Canções épicas e baladas, trovadores, espetáculos da corte, música de igreja, cantos xamânicos, cantores de bar, música cerimonial, música militar, música para dançar – isso era muito bonito, tudo vinculado a funções sociais específicas. Era comum e freqüentemente utilitarista. Você não pode levar para casa, copiá-la, vendê-la como uma mercadoria (exceto a folha da partitura, mas isso não é a música em si), ou mesmo ouví-la novamente. A música era uma experiência, intimamente ligada a sua vida. Você podia pagar para ouvir música, mas depois de fazê-lo, a experiência acabava, restava apenas a lembrança.

A tecnologia mudou tudo no século 20. Música – ou o seu artefato registrado, pelo menos – tornou-se um produto, uma coisa que poderia ser comprada, vendida, trocada, e repetida indefinidamente em qualquer contexto. Isto levantou a economia da música, mas nossos instintos humanos permaneceram intactos. Eu passo muito tempo com fones nos meus ouvidos escutando gravações, mas eu ainda saio para estar no meio da multidão com o público. Eu canto para mim mesmo, e sim, toco um instrumento (nem sempre muito bem).

Nós sempre queremos usar a música como parte do nosso tecido social: para reunir em concertos e em bares, mesmo se o som for péssimo, para passar música de mão em mão (ou via Internet) como uma forma de moeda social; a construir templos onde só o “nosso tipo de gente”, pode ouvir música (casas de ópera e salas de sinfonia); queremos saber mais sobre os nossos poetas favoritos – suas vidas amorosas, suas roupas, suas crenças políticas. Isso revela um desejo eterno  num contexto muito mais amplo que um pedaço de plástico. Pode-se dizer que este impulso faz parte de nossa composição genética.

Tudo isso é o que comentamos quando falamos de música.

Tudo isso.

O que as gravadoras fazem?
Ou, mais precisamente, o que eles fizeram?

* Financiamento de sessões de gravação
* Fabricação de produtos
* Distribuição de produtos
* Criação de um mercado
* Empréstimos e adiantamentos em dinheiro para as despesas (viagens, vídeos, cabelo e maquiagem)
* Assessoria e orientação de artistas em suas carreiras e gravações
* Manipulação da contabilidade

Este foi o sistema que evoluiu ao longo do século passado para comercializar o produto, isto é, o suporte físico –  vinil, fita ou disco – que contém a música.Mas muitas coisas mudaram na última década, que reduzem o valor destes serviços aos artistas.

Por exemplo: os custos de gravação caíram para quase zero. Artistas normalmente precisavam de selos para bancar suas gravações. A maioria das pessoas não tem os US $ 15.000 (mínimos) necessários para alugar um estúdio profissional e pagar um engenheiro de som e um produtor. Para muitos artistas esse não é mais o caso. Agora um álbum pode ser feito no mesmo laptop que você usa para checar e-mail.

Custos de produção e distribuição estão se aproximando de zero. Esse costumava ser um ponto que tornava impraticável a distribuição de uma gravação. Com LPs e CDs, haviam os custos de produção de base, custos de impressão, transporte e assim por diante. Para se pagar esses custos era necessário vender em volume, porque era assim que muitos desses custos eram amortizados. Hoje não mais: a distribuição digital é bastante livre. Não sai mais barato distribuir por unidade um milhão de cópias que uma centena delas.

Turnê não é apenas promoção. performances ao vivo costumavam ser vistas como formas de divulgar um novo produto – um meio para se chegar a um fim e não um fim em si mesmo. Bandas que entravam em dívidas para fazer turnê, recuperariam suas perdas mais tarde através de recordes de vendas. Para ser franco, está tudo errado. É retrógrado. Apresentações são um acontecimento em si, uma habilidade distinta, diferente de fazer uma gravação. E para aqueles que podem fazê-lo, é uma maneira de ganhar a vida.

Assim, com todas estas mudanças, o que acontece com os selos? Alguns irão sobreviver. Nonesuch, onde fiz vários álbuns, prosperou sob propriedade da Warner Music Group, operando com uma equipe enxuta de 12 pessoas e permanecendo focado no talento. “Artistas como Wilco, Philip Glass, kd lang, e outros têm vendido mais aqui do que quando foram chamados por grandes gravadoras”, Bob Hurwitz, presidente da Nonesuch, me disse, “mesmo durante um período de declínio.”

Mas alguns selos vão desaparecer. Em uma conversa recente que tive com Brian Eno (que está produzindo o próximo álbum do Coldplay [Viva La Vida] e compõe com o U2), ele estava entusiasmado com o I THINK MUSIC – uma rede online de bandas indie, fans e lojas – e pessimista sobre o futuro das gravadoras tradicionais.

[NE: Ironicamente, o I Think Music deixou de funcionar ontem, 19/2/2012].

Estruturalmente, eles são muito grandes“, disse Eno. “E eles estão totalmente na defensiva agora. A única idéia que eles tem é de que podem lhe dar um grande advance – o que ainda é atraente para muitas bandas jovens que estão começando. Mas isso é tudo que eles representam agora: o capital“.

Então, onde os artistas se encaixam nesta paisagem está mudando? Encontramos novas opções, novos modelos.

As seis possibilidades
Onde havia um, agora são seis: seis modelos possíveis de distribuição de música, variando de um em que o artista não faz nada, até aquele onde o artista faz quase tudo.Não surpreendentemente, quanto mais envolvido é o artista, mais ele pode fazer por suas vendas. O modelo totalmente DIY certamente não é para todos – mas esse é o ponto. Agora há escolha.

1. Num extremo da escala está o modelo 360, modelo esse em que todos os aspectos da carreira do artista são conduzidos pelos produtores, promotores, profissionais de marketing e gerentes. A idéia é que você pode conseguir grande exposição e vendas, impulsionado por uma máquina que o trabalho que se beneficia de tudo o que você faz. O artista se torna uma marca, de propriedade e operado pela gravadora e, em teoria isto dá à empresa uma perspectiva de longo prazo e interesse em consolidar a carreira do artista. Pussycat Dolls, Korn e Robbie Williams fizeram acordos como este, mantendo esse modelo em tudo o que tocam. Camisetas, gravações, shows, vídeos, molho de churrasco. O artista muitas vezes fica com um monte de dinheiro em sua frente. Mas duvido que as decisões criativas serão deixadas em suas mãos. Como regra geral, quando o dinheiro entra, sai o controle criativo. O parceiro de capital simplesmente tem muita coisa em jogo.

Este é o tipo de acordo que Madonna fez com a Live Nation. Por um reporte de $ 120 milhões, a empresa – que até agora tem principalmente produzido e promovido concertos – vai pegar um pedaço de suas receitas de shows e da venda de sua música. Eu, por exemplo, não gostaria de estar em dívida com a Live Nation – uma subsidiária da Clear Channel, um conglomerado de rádio que transformou as ondas radiofônicas em conteúdo banal. Mas Madge é uma garota esperta, ela sempre foi adepta de controlar seu próprio material, por isso vamos ver.

2. O próximo é o que eu vou chamar o negócio de distribuição padrão. Isso é mais ou menos o que eu vivi por muitos anos como membro do Talking Heads. A gravadora banca a gravação e lida com a fabricação, distribuição, imprensa e promoção. O artista recebe uma porcentagem do royalties, depois que todos os outros custos são reembolsados. O selo, neste cenário, detém os direitos autorais da gravação. Para sempre.

Há um outro entrave com esse tipo de negócio: A estrela pop típica geralmente vive em dívida com sua gravadora e com uma série de outras entidades, e se acontecer um período de seca, eles podem ir à falência. Michael Jackson, MC Hammer, TLC – o perigo da dívida e seu prolongamento excessivo é uma velha história.

Acontece que a jogada foi um movimento negócio savvy. No primeiro mês, cerca de um milhão de fãs baixaram In Rainbows. Cerca de 40 por cento deles pagou por ele, de acordo com a comScore, a uma média de US $ 6 cada, a compensação da banda cerca de US $ 3 milhões. Além disso, uma vez que possui a gravação original (o primeiro da banda), Radiohead também foi capaz de licenciar o álbum para uma gravadora para distribuir a maneira antiga – em CD. Em os E.U., ele vai à venda 01 de janeiro através TBD Records / ATO Records Group.

Claro, muitos dos serviços tradicionalmente fornecidos pelas gravadoras no âmbito do acordo padrão estão sendo cultivados fora dele. Imprensa e publicidade, marketing digital, design gráfico – todos estão muitas vezes manipulados por empresas menores e independentes. Mas quem paga dá o tom. Se a gravadora paga a subempreiteiros, em seguida, a gravadora decide em última instância quem ou o que tem prioridade. Se eles “não ouvirem o single”, eles podem dizer que sua gravação não irá sair.

Então o que acontece quando as vendas online eliminam muitas destas despesas? Olhe para o iTunes: $ 10 pelo download de um CD reflete a redução de custos de distribuição digital, o que parece justo – em primeiro lugar. É certamente melhor para os consumidores. Mas depois que a Apple pegar seus 30%, a porcentagem de royalties é aplicada e o artista – surpresa! – não tem a melhor situação.

Não por coincidência, os problemas aqui são semelhantes aos da recente greve dos roteiristas de Hollywood. Estarão gravadoras bandas e artistas juntos ou entrarão em choque?

3O acordo de licença é similar ao negócio padrão, exceto que, neste caso, o artista retém os direitos autorais e propriedade da fita master da gravação. O direito de explorar essa propriedade é concedido a um selo por um período limitado de tempo – geralmente de sete anos. Depois disso, os direitos de licença para programas de TV, comerciais e o que mais ocorrer são revertidos para o artista. Se os membros dos Talking Heads detivessem os direitos da master em seu catálogo, nós ganharíamos duas vezes mais em licenciamento do que ganhamos agora – e é aí que artistas como eu perdem em suas rendas.

Se uma banda fez um registro próprio e não precisa de criação ou ajuda financeira, vale a pena olhar este modelo. Ele permite um pouco mais de liberdade criativa, pois você pode ter menos interferência dos indivíduos em grandes questões. O outro lado é que pelo fato do selo não ser proprietário da master, ele vai investir menos para fazer do lançamento um sucesso.

Mas com o selo certo, o acordo de licença pode ser uma ótima maneira de seguir. Este é a relação que o Arcade Fire tem com a Merge Records, uma gravadora independente que fez muito pela banda evitando grandes gastos, abordagem principal das grandes gravadoras. “Parte dessa relação é ser apenas realista e não se colocar num buraco“, diz o co-fundador da Merge Mac McCaughan. “Recomendamos às bandas com quem trabalhamos que não façam vídeos. Gosto de vídeos, mas eles não vendem um lote de gravações. O que realmente vende discos é estar em turnê – e artistas podem realmente fazer dinheiro na turnê se mantiverem seus orçamentos baixos.

[NE: O fabuloso vídeo de “The Suburbs”, do Arcade Fire, talvez tenha feito Merge mudar de ideia…]

4. Então há o acordo de participação nos lucros. Eu fiz algo parecido com isso com meu álbum “Lead Us Not Into Temptation em 2003. Eu tive um adiantamento mínimo do selo Thrill Jockey – uma vez que os custos de gravação foram cobertos por um orçamento de trilha sonora de um filme – e nós dividimos os lucros desde o primeiro dia. Eu mantive os direitos da master. A Thrill Jockey faz algum marketing e assessoria de imprensa. Eu posso ou não ter vendido tantos discos quantos numa empresa maior, mas no final levei para casa uma parte maior de cada unidade vendida.

5. No acordo de fabricação e distribuição, o artista faz tudo, exceto fabricar e distribuir o produto. Muitas vezes as empresas que fazem estes tipos de negócio também oferecem outros serviços, como marketing. Mas dados os números envolvidos, eles não podem fazer muita coisa, por isso o incentivo aqui é limitado. Grandes gravadoras tradicionais não fazem acordos M & D (manufacturing and distribution).

Neste cenário, o artista recebe um controle criativo absoluto, mas é uma grande aposta. Aimee Mann faz isso, e ele funciona muito bem para ela. “Muitos artistas não percebem o quanto dinheiro eles poderiam fazer por conservar a propriedade e licenciamento de suas obras diretamente“, disse a mim o gerente de Mann, Michael Hausman. “Se for feito corretamente, você é pago rapidamente, e começa a ser pago novamente e novamente. Isso é uma grande fonte de renda.”

6. Finalmente, no extremo da escala, está o modelo de distribuição própria, onde a música é auto-produzida,  auto-escrita, auto-executada e auto-comercializada. CDs são vendidos em shows e através de um site. A promoção é uma página do MySpace. A banda compra ou loca um servidor para lidar com as vendas de download. Dentro dos limites do que podem pagar, esses artistas tem total controle criativo. Na prática, especialmente para artistas emergentes, isso pode significar liberdade sem recursos – uma espécie bastante abstrata de independência. Para aqueles que pretendem ter o seu material na estrada e tocar ao vivo, os cortes e restrições financeiras são ainda mais profundos. Backup de orquestras, telas de vídeo e luzes estranhas de alta tecnologia não são baratos.

O Radiohead adotou esse modelo DIY para vender “In Rainbows” online – e, em seguida, deu um passo adiante, permitindo que os fãs dessem seu próprio preço para o download. Eles não foram os primeiros a fazer isso. Issa (anteriormente conhecida como Jane Siberry) foi pioneira no modelo “pague o que quiser” há alguns anos – mas o movimento do Radiohead foi muito maior. Pode ser menos arriscado para eles, mas é um claro sinal de mudanças reais em andamento. Como um dos gestores do Radiohead, Bryce Edge, me disse: “A indústria reagiu como se o fim estivesse próximo. Eles desvalorizaram a música, dando tudo por nada.” O que não era verdade: “Nós pedimos que as pessoas dessem o seu valor, o que é uma semântica muito diferente para mim“.

Nesta extremidade do espectro, o artista está pronto para receber a maior percentagem de receitas provenientes da venda por unidade – venda de qualquer coisa. Provavelmente, a maior porcentagem de poucas vendas, mas nem sempre. Artistas fazendo isso para si podem realmente fazer mais dinheiro do que uma estrela pop masiva, embora os números de vendas possam parecer minúsculos em comparação. Naturalmente, nem todos são tão inteligentes quanto os meninos nerds do Radiohead. A Pete Doherty, provavelmente, não deve-se entregar o volante.

Liberdade versus pragmatismo

Estes modelos não são absolutos. Podem mudar e evoluir. Michael Hausman e Aimee Mann tomaram o caminho total Do It Yourself em primeiro lugar, recebendo ordens de pagamento e enviando CDs em envelopes de correio expresso; mais tarde, eles licenciaram suas gravações com distribuidores. E todas as coisas mudam com o tempo. No futuro, veremos mais artistas seguindo estes vários modelos ou misturando e combinando diferente versões deles. Para artistas já estabelecidos e emergentes – que leram que “o negócio da música vai pelo ralo” – isso é realmente um grande momento, cheio de opções e possibilidades. O futuro da música como uma carreira está aberto.

Muitos que colocam o dinheiro na frente nunca saberão que pensar a longo prazo poderia ter sido mais acertado. Mega artistas pop ainda precisarão que poderosos os empurrem e realizem esforços de marketing para cada novo lançamento, coisa que somente as gravadoras tradicionais podem proporcionar. Para outros, o que hoje chamamos de uma gravadora poderia ser substituído por uma pequena empresa que canaliza renda e fatura de várias entidades e mantém as contas em ordem. Um grupo de artistas de nível médio pode fazer este modelo de trabalho. United Musicians, uma companhia que Michael Hausman fundou, é um exemplo.

Gostaria de aconselhar os artistas pessoalmente para manter os seus direitos autorais. Direitos autorais são um meio pelo qual você pode receber o pagamento por alguma interpretação de suas músicas, samplers ou utilização de música para um filme ou comercial. Isso, para um compositor, é o seu plano de pensões.

Cada vez mais, é possível também para os artistas assegurarem os direitos de suas gravações. Isso lhes garante um outro pedaço do bolo lucrativo de licenciamento e lhes dá também o direito de explorar o seu trabalho em meios a serem inventados no futuro – implantes cerebrais musicais e assim por diante.

Não existe um modelo único de trabalho para todos. Há espaço para todos nós. Alguns artistas são a Coca-Cola e Pepsi da música, enquanto outros são o vinho fino. E isso é ótimo. Eu gosto de “Umbrella” da Rihanna e de “Ain’t No Other Man“, da Christina Aguilera. Às vezes, uma “bebida suave corporativa” é o que você quer – mas não à custa de outra coisa. No passado recente, muitas vezes parecia ser tudo ou nada, mas talvez agora não sejamos mais forçados a escolher.

Enfim, todas essas situações têm de satisfazer as mesmas necessidades humanas: por que nós precisamos fazer música? Como é que vamos visitar um lugar em nossas mentes e um lugar em nossos corações que a música nos leva? Posso obter um bilhete de ida e volta?

Realmente, não é isso que queremos ao comprar, vender, trocar ou baixar música?

David Byrne está colaborando atualmente com o Fatboy Slim e Brian Eno. Separadamente.
Fontes dos Gráficos: Jupiter Research, Recording Industry Association of America, Almighty Institute of Music Retail, Wired Research

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https://baixacultura.org/2012/02/20/notas-sobre-o-futuro-da-musica-4-as-estrategias-de-david-byrne/feed/ 2
Notas sobre o futuro da música (3): Andrew Dubber e a era digital https://baixacultura.org/2011/11/21/notas-sobre-o-futuro-da-musica-1/ https://baixacultura.org/2011/11/21/notas-sobre-o-futuro-da-musica-1/#comments Mon, 21 Nov 2011 11:45:45 +0000 https://baixacultura.org/?p=5785

O Auditório Ibirapuera é um prédio maravilhoso arquitetado por Oscar Niemeyer (ou seus asseclas) localizado no parque do Ibirapuera, em São Paulo. É uma casa de shows, com uma programação recheada de música boa, brasileira e internacional, a preços até que acessíveis (R$20 inteira, R$10 meia) e um Centro de Estudos, que inclui a Escola e o núcleo de Cultura Digital.

É desse centro de estudos que saiu a Revista Auditório, uma publicação que, por enquanto, tem dois números com textos excelentes – uma edição especial chamada “Repensando Música” e a outra, a nº1, com nomes como Allen Ginsberg, David Byrne, Guilherme Wisnik, Paulo Lins, Luis Nassif, Romulo Froés, Idelber Avelar, Alexandre Matias, Pena Schmidt e Yochai Benkler falando também de música, além de (mais uma) boa entrevista com Kenneth Goldsmith, do UbuWeb.

As duas revistas foram editadas por Lauro Mesquita, Alexandre Casatti, Joaquim Toledo Jr., Juliana Nolasco e Tiago Mesquita, que desde já merecem os nossos parabéns pelo belo trabalho realizado. As edições, que podem ser baixadas naquele link do parágrafo acima, tem muita munição para divulgar, discutir, refletir, coisa que tentaremos fazer a partir dos próximos parágrafos.

*

Na Revista Auditório nº1, um texto que merece atenção especial nesse post é “O Verdadeiro Futuro da Música“, por Andrew Dubber – um cara abalizado pra falar sobre o assunto: é professor-assistente de Inovação na Indústria da Música do Centro de Mídia e Pesquisa Cultural de Birmingham, “provavelmente a única pessoa com esse título profissional”, como ele diz no texto.

Sendo o “futuro” da música algo que Dubber lida em sua rotina diária, suas opiniões sobre isso são bem pertinentes. Por exemplo, saca esse trecho abaixo onde ele dá um direto na cara dos futurólogos de ocasião:

A verdade nua e crua é que aquilo para o qual você quer se preparar é algo absolutamente impossível de se conhecer. Não só não será a continuação de algo que vem crescendo paulatinamente – permitindo que os especialistas apontem e digam “Veja – ali está o futuro e será algo grande” – nem tampouco reconheceremos quando virmos. Somos  particularmente ruins em reconhecer o que é importante até que seja importante. Mas somos ainda piores em reconhecer o que é o futuro e o que não é. 

O futuro não é celular. Não é o Facebook. Não é áudio em streaming. Não é assinatura, não é música ao vivo e não são aplicativos. Já  temos tudo isso. Isso é o presente e mesmo, até certo ponto, o passado da  músicanão é o futuro.

Dubber continua a disferir diretos nos futurólogos dizendo que, mais do que ficar inventando coisas só pelo prazer de dizer depois que foi tu quem inventou isso antes de todo mundo, melhor é prestar atenção as trocentas coisas que estão acontecendo hoje. O truque, diz ele, é não tentar adivinhar o que vai acontecer em seguida, mas simplesmente tentar entender o mundo como é agora e então enfrentar a questão.

A única coisa pior que ficar tentando adivinhar o futuro é fingir que ainda estamos no passado, continuar agindo como sempre agimos, e depois insistir que o resto do mundo se comporte da mesma forma – coisa que, tu sabe, as gravadoras, os grandes estúdios de Hollywood e outros barões do copyright continuam a fazer.

Assim Dubber finaliza esta parte: “Quando o mundo muda à sua volta, você não pode continuar fazendo o que sempre fez, e não se pode obrigar que as pessoas façam o que costumavam fazer, só porque isso o deixa feliz. É preciso compreender o ambiente  contemporâneo da mídia e se adaptar a ele”. É uma variação da frase: Tá morrendo? Deixa morrer e ver o que vem no lugar – se vier algo.

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Até a cultura digital, música era sempre comercializada assim: em massa

Para contextualizar a discussão, o professor inglês propõe uma divisão da história da mídia em “eras”, algo que tem sido bastante usado nos textos sobre o assunto hoje – nós mesmos fizemos algo do tipo nesse e nesse post, baseados num artigo de Alex Primo.

Ele começa com a era oral, onde apenas falávamos uns com os outros e histórias eram contadas e passadas de geração em geração. Este período durou cerca de 10 mil anos; nele, diz Dubber, “a forma principal de ganhar dinheiro com música nessa época era viajando de um lugar a outro, cantando e contando histórias“. Foi a era do trovador.

Depois veio a era da escrita, que provavelmente durou cerca de mil anos – a escala, mais que a precisão do tempo, é o que vale aqui, lembra o professor. Nessa época, o principal meio de se fazer dinheiro com música foi através do mecenato. “Pessoas ricas e membros dos mais altos escalões do clero pagavam aos compositores para irem morar com eles, escrever músicas e depois entregar as partituras a músicos profissionais para que interpretassem o que estava escrito e tocassem música para dançar nas festas dos ricos, e hinos e oratórios para as grandes catedrais”, escreve Dubber na página 113.

A terceira é a era da produção em massa, que vem com a imprensa de Gutemberg. É a era da produção, impressão e de alfabetização em massa, que traz consequências de todas as ordens e durou cerca de 500 anos. Nela, o principal meio de fazer dinheiro com música foi a produção em massa de partituras de música; foi através de apresentações de um repertório internacional em todo o mundo que essa tecnologia se tornou possível.

Na sequência, vem aquela em que muitos de nós nascemos: a era elétrica. É o período da comunicação de massa, com públicos nacionais, globais, e da música compartilhada, do consumo simultâneo de produtos de mídia. O modo principal de se fazer dinheiro com música é gravando e transmitindo. “É a abordagem do ‘faça um, venda muitos’ da era da impressão, mas aumentada e turbinada, porque é a própria apresentação musical que está sendo produzida em massa e que repercute”.

Dubber explica detalhadamente o funcionamento dessa era, que durou cerca de 100 anos.

O truque econômico na era da mídia elétrica é “altos custos fixos, baixos custos marginais”. Isto é, custa caro gravar um disco, mas fazer cópias sai quase de graça, em relação ao preço cobrado no varejo. Há um custo grande para se produzir um vídeo de música, mas cada espectador adicional custa fundamentalmente nada em termos de custos adicionais. O cenário ideal, a propósito, é que haja um disco de um cantor que todo mundo compre no mundo inteiro. Quase chegamos a isso com Michael Jackson, a certa altura.

***

Santo Vaso Nosso de cada dia na era digital, por Millor

Pois aí é que entramos na era digital. Dubber enfatiza: não estamos mais na era elétrica, mesmo que muitos de nós (alô gravadoras, alguns artistas, ECAD) vejam ela como a “forma natural” de hoje.

E explica: “Ainda podemos contar histórias em volta da fogueira e sair cantando por aí para ganhar dinheiro. Ainda podemos escrever música sob encomenda e escrever nossas composições em papel para que nossos amigos toquem. Ainda é possível ter um negócio perfeitamente legítimo imprimindo e vendendo partituras de música ou ter uma casa de espetáculos em que os artistas populares locais apresentam um repertório importante. Mas a questão é que esses não são mais os meios principais de se produzir, distribuir ou consumir música. Não é aí que está o dinheiro”.

A configuração é outra. O inglês diz que “é uma questão de compreender o muito para muitos, o mundo comunicativo coloquial, vernáculo e interligado em que vivemos, e então, assim como nossos antecedentes musicais, encontrar um meio através do qual nossos talentos, habilidades, dons e habilidades empreendedoras possam adquirir renda com isso de que gostamos tanto”.

Mas a notícia péssima é que não, ainda não sabemos como se ganha dinheiro com música na era digital. Não há uma resposta pronta, mas algumas possibilidades e oportunidades. E não há mais destas oportunidades porque, como cita com precisão o texto, “a maior parte da indústria da música no planeta ainda age como se estivesse mais ou menos na era elétrica, só que com alguns brinquedinhos novos. Ainda priorizamos a gravação e a transmissão como se continuassem a ser o meio principal de ganhar dinheiro com música – apesar de todas as provas em contrário”.

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Conjunto de suposições (regras?) sobre o futuro da música

Na sequência conclusiva do artigo, Dubber fala de algo que deveria ser óbvio: em vez de querer prever o futuro da música (ou de qualquer coisa), o melhor é perceber o presente em que estamos e inventar um futuro.

“O verdadeiro desafio para a indústria da música não é se manter ou se adaptar às mudanças da mídia.  O desafio está em inovar. Surgir com algo realmente novo, no qual ninguém tenha pensado ainda. Ser o primeiro a ligar, com uma nova forma, a composição à produção da música e a distribuição da música ao consumo da música, e vislumbrar o que deverá acontecer com a promoção da música ao final de tudo isso”.

Esse parte acima não te faz lembrar, mesmo que vagamente, na iniciativa de lançamento do novo disco da Bjork que falamos aqui? A ideia do software como música é uma alternativa que está, de alguma forma, tentando “inventar” um futuro, ainda que baseado nas possibilidades do presente. É uma estratégia que consegue pensar em produção, circulação e consumo ao mesmo tempo, tudo se ligando num mesmo lugar (o software).

Há, claro, riscos nessa via do software: um deles é o fato de, no disco de Bjork, o aplicativo ser Apple, só visualizado em Iphone, um sistema fechado. Outro risco que se corre é o de, se o software como música “pegar”, todos quererem adotá-lo como “o” formato a ser seguido, replicando assim uma mesma solução para produtos com características bem diferentes.

Não vai dar certo. Impor um único sistema e fazer o mundo inteiro se adequar para que ele seja sustentável não costuma funcionar em nenhum lugar do mundo, nem em qualquer tempo. Por mais difícil que seja para quem está na labuta diária, a ideia parece ser mais a que Gilberto Gil citou numa fala já reproduzida por aqui:  “A digitalização não exige que toda obra de arte seja de graça, mas que um modelo próprio de comercialização seja criado para cada necessidade”.


Créditos imagens: 1, capa Revista Auditório, 2, 3, 4.
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Notas sobre o futuro da música (2): David Byrne encontra Thom Yorke https://baixacultura.org/2010/06/09/o-encontro-de-byrne-com-yorke-e-as-estrategias-para-um-mundo-novo/ https://baixacultura.org/2010/06/09/o-encontro-de-byrne-com-yorke-e-as-estrategias-para-um-mundo-novo/#comments Wed, 09 Jun 2010 18:00:13 +0000 https://baixacultura.org/?p=3147

A revista Wired de dezembro de 2007 publicou uma conversa entre Byrne e Thom Yorke, do Radiohead, que na época, estava recém lançando o emblemático “In Rainbows”. Traduziremos aqui a introdução e o papo inteiro, cheios de gírias e correndo o sério risco de cometer aberrações tradutórias. Mas qualquer coisa comentem e sugiram melhorias.

David Byrne e Thom Yorke sobre o Valor Real da Música

Parecia uma ideia louca. Quando o Radiohead disse que iria lançar seu novo álbum, In Rainbows, por download no esquema pague-o-quanto-quiser, você pensaria que o grupo tinha virado comunista. Afinal, Thom Yorke e companhia são um dos grupos mais bem sucedidos do mundo – um querido da crítica e favorito dos fãs por quase 15 anos. Eles não tinham lançado um novo álbum em mais de quatro anos, o mercado estava ansioso para o próximo disco. Então, por que o Radiohead faria uma experiência tão radical?

Acontece que a jogada foi um astuto movimento de negócios. No primeiro mês, cerca de um milhão de fãs baixaram In Rainbows. Cerca de 40 % deles pagaram por ele, de acordo com a comScore, a uma média de seis dólares cada, compensando a banda com aproximadamente US$ 3 milhões. Além disso, uma vez que possui a gravação original (o primeiro da banda), o Radiohead também pode licenciar o álbum para uma gravadora e distribuir a maneira antiga – em CD. Nos Estados Unidos, o disco vai à venda dia 01 de janeiro pela TBD Records/ATO Records Group.

Mesmo que o pague-o-quanto-quiser tenha funcionado para o Radiohead, no entanto, é difícil imaginar o modelo rendendo para Miley Cyrus – também conhecida como a patricinha hippie top das paradas Hannah Montana. A gravadora de Cyrus, Walt Disney Records, vai manter a venda de CDs no Wal-Mart, muito obrigado. Mas a verdade é que o Radiohead não pretendia iniciar uma revolução com In Rainbows. O experimento prova simplesmente que há uma profusão de oportunidades para a inovação nos negócios da música – este é apenas um dos muitos novos caminhos. Wired convidou David Byrne – um inovador lendário de si mesmo e o homem que escreveu a canção “Radio Head” dos Talking Heads – para conversar com Yorke sobre a estratégia de distribuição do In Rainbows e o que os outros podem aprender da experiência.

Byrne: OK.

Yorke: [Para o assistente.] Feche a maldita porta.

Byrne: Bem, bom disco, muito bom disco.

Yorke: Obrigado. Excelente.

Byrne: [Risos].

Yorke: É isso, não é?

Byrne: É isso aí, estamos feitos. [Risos.] OK. Vou começar perguntando algumas coisas do negócio. O que você fez com esse disco não era tradicional, nem mesmo no sentido de envio de cópias para a imprensa e tal.

Yorke: A maneira que nós denominamos isso foi “nossa data de vazamento.” Cada gravação das últimas quatro – incluindo minha gravação solo – tinha sido vazada. Então, a idéia era, vamos vazar isso, então.

Byrne: Primeiramente haveria uma data de lançamento, e cópias adiantadas seriam enviadas aos colunistas meses antes disso.

Yorke: Sim, e então você telefonaria e diria: “Você gostou? O que você acha?” E é de três meses de antecedência. E, então, seria: “Você faria isso para a revista”, e talvez este jornalista tenha escutado. Todos esses jogos bobos.

Byrne: Isso é principalmente sobre as paradas, certo? Sobre o funcionamento da comercialização e do pré-lançamento até o momento que um disco sai de modo que – bum! – ele vai para as paradas.

Yorke: Isso é o que as grandes gravadoras fazem, sim. Mas isso não nos faz bem, porque nós não avançamos [para as outras camadas de fãs]. A principal coisa foi, havia todo esse exagero [com a mídia]. Nós estávamos tentando evitar todo o jogo de quem fica primeiro com as resenhas. Naqueles dias havia tanto papel para preencher, ou papel digital para preencher, que qualquer um que escreva as primeiras coisas é copiado e colado. Qualquer um que tenha a sua opinião primeiro tem todo esse poder. Especialmente para uma banda como a nossa, é totalmente uma sorte se essa pessoa está conosco ou não. Isso só parece selvagemente injusto, eu acho.

Byrne: Portanto, esse [Tal] se desvia de todos esses colunistas e vai direto para os fãs.

Yorke: De certa forma, sim. E foi uma emoção. Nós masterizarmos, e dois dias depois ele estava no site sendo, você sabe, pré-lançado. Isso foi só umas poucas semanas realmente emocionantes para ter aquela conexão direta.

Byrne: E deixar as pessoas escolherem os seus próprios preços?

Yorke: Isso foi uma idéia [do empresário Chris Hufford]. Nós todos pensávamos que ele estava maluco. Enquanto estávamos colocando o site, ainda estávamos dizendo: “Você tem certeza disso?” Mas foi muito bom. Nos liberou de alguma coisa. Não era niilista, implicando que música não valia nada. Era o total oposto. E as pessoas entenderam isso tal como foi concebido. Talvez seja apenas pessoas tendo um pouco de fé no que estamos fazendo.

Byrne: E isso funciona para vocês. Vocês têm um público formado. Como eu – se eu ouço que há algo de novo de vocês lá fora, eu vou sair e comprar sem confiar no que os colunistas dizem.

Yorke: Bem, sim. A única razão que nós poderíamos nem ter saído com essa, a única razão que ninguém nem dá a mínima, é o fato de que nós passamos por toda a linha dos negócios em primeiro lugar. Não é suposto ser um modelo para qualquer outra coisa. Era simplesmente uma resposta a uma situação. Estamos fora do contrato. Temos o nosso próprio estúdio. Temos este novo servidor. Que diabos faríamos então? Esta foi a coisa óbvia. Mas só funcionou para nós por causa de onde estamos.

Byrne: E quanto às bandas que estão começando?

Yorke: Bem, primeiro e antes de tudo, você não assina um imenso contrato de gravação que tira de você todos os seus direitos digitais, então quando você vender algo no iTunes, você consegue absolutamente nada. Essa seria a primeira prioridade. Se você é um artista emergente, deve ser assustador no momento. Então de novo não vejo uma desvantagem em todas as grandes gravadoras não terem acesso a novos artistas, porque elas não têm idéia do que fazer com eles agora de qualquer forma.

Byrne: Deve ser uma coisa fora de suas cabeças.

Yorke: Exatamente.

Byrne: Eu estive me perguntando: Por que lançar essas coisas – CDs, álbuns? A resposta que eu tiro disso é, bem, às vezes é artisticamente viável. Não é apenas uma coleção aleatória de músicas. Às vezes, as canções têm uma linha comum, mesmo que não seja óbvio ou até consciente por parte dos artistas. Talvez seja apenas porque todo mundo está pensando musicalmente da mesma maneira por dois meses.

Yorke: Ou anos.

Byrne: No entanto isso leva tempo. E outras vezes, existe um óbvio …

Yorke: … Propósito.

Byrne: Certo. Provavelmente, o motivo pelo qual é um pouco difícil de romper completamente com o formato de álbum é, se você está começando uma banda no estúdio, faz sentido do ponto de vista financeiro fazer mais do que uma música de uma vez. E faz mais sentido, se você está pondo todo o esforço em executar e fazer qualquer outra coisa a mais, se há um tipo de pacote.

Yorke: Sim, mas outra coisa é o que esse pacote pode fazer. As canções podem se amplificar cada uma se você colocá-los na ordem correta.

Byrne: Você sabe, mais ou menos, de onde o seu rendimento vem? Para mim, é provavelmente muito pouco da música atual ou vendas de discos. Eu faço um pouco em turnê e, provavelmente, a maioria vem de material de licenças. Não para comerciais – eu licencio para filmes e séries de televisão e esse tipo de coisa.

Yorke: Certo. A gente faz algo disso.

Byrne: E para algumas pessoas, os custos para sair em turnê são realmente baixos, então eles fazem muito em cima isso e não se preocupam com nada além.

Yorke: Nós sempre entramos em turnê dizendo: “Desta vez, não vamos gastar o dinheiro. Desta vez, vamos fazer o básico.” E então é: “Ah, mas nós precisamos deste teclado. E destas luzes.” Mas, no momento, ganhamos dinheiro principalmente de turnês. As quais são difíceis para mim conciliar, porque eu não gosto de todo o consumo de energia, a viagem. É um desastre ecológico, viajar, fazer turnês.

Byrne: Bem, existem os ônibus biodiesel e tudo isso.

Yorke: Sim, depende de onde você consegue o seu biodiesel. Há maneiras de minimizar isso. Fizemos uma dessas medições de carbono recentemente em que eles avaliaram o último período da turnê que fizemos, e tentaram descobrir onde estavam os maiores problemas. E foi obviamente todos viajando para o show.

Byrne: Ah, você quer dizer o público.

Yorke: Yeah. Especialmente nos Estados Unidos. Todo mundo dirige. Então, como vamos abordar isso? A ideia é que toquemos em locais urbanos, com alguns sistemas de transporte alternativos a carros. E minimizar o vôo do equipamento, o envio por navio tudo. Nós não podemos ser enviados no navio, no entanto.

Byrne: [Risos].

Yorke: Se você for no Queen Mary ou algo assim, na verdade é pior do que voar. Então voar é sua única opção.

Byrne: Você está fazendo dinheiro com o download de In Rainbows?

Yorke: Em termos de receita digital, fizemos mais dinheiro com este disco do que com todos os outros álbuns do Radiohead juntos, para sempre – em termos de qualquer coisa na rede. E isso é loucura. É em parte devido ao fato de que a EMI não estava nos dando todo o dinheiro das vendas digitais. Todos os contratos assinados em uma determinada época não têm nenhuma dessas coisas.

Byrne: Então, quando o álbum sair como um CD físico, em Janeiro, vai contratar sua própria empresa de marketing?

Yorke: Não. Isso começa a ficar um pouco mais tradicional. Quando nós começamos primeiro com a idéia, não íamos fazer um CD normal físico. Mas depois de um tempo que era como, bem, isso é só esnobismo. [Gargalhada.] A, que está pedindo por problemas, e B, que é esnobe. Então, agora estão falando em colocar no rádio e esse tipo de coisas. Eu acho que é normal.

Byrne: Eu estive pensando sobre como a distribuição e lojas de discos e CDs e todas essas coisas que estão mudando. Mas estamos falando de música. O que é música, o que a música faz para as pessoas? O que as pessoas pegam disso? Para que é isso? Essa é a coisa que está sendo mudada. Nem todas as outras coisas. As outras coisas é o carrinho de compras que segura um pouco disso.

Yorke: É um serviço de entrega.

Byrne: Mas as pessoas continuarão a pagar para ter essa experiência. Você cria uma comunidade com a música, não só nos shows mas falando sobre isso com seus amigos. Ao fazer uma cópia e entregá-la aos seus amigos, você estabeleceu um relacionamento. A implicação é que eles agora são obrigados a lhe dar algo de volta.

Yorke: Yeah, yeah, yeah. Eu só estava pensando enquanto você dizia que: Como é que uma gravadora põe suas mãos naquilo? Isso me faz pensar no livro Sem Logo em que Naomi Klein descreve como as pessoas da Nike pagariam caras para imitar os jovens e agradá-los. Eu sei por fato que as grandes gravadoras fazem a mesma coisa. Mas ninguém nunca me explicou exatamente como. Quero dizer, eles se escondem em torno de fóruns de discussão e postam “Você já ouviu falar do …”? Talvez eles façam isso. E então eu estava pensando no filme do Johnny Cash, quando Cash entra e diz: “Eu quero fazer um disco ao vivo em uma prisão”, e sua gravadora acha que ele é maluco. Ainda naquela época, a gravadora foi capaz de alguma forma compreender o que os jovens queriam e de dar para ele [a oportunidade]. Considerando agora, eu penso que há uma falta de compreensão. Não é sobre quem está roubando quem, e não se trata de ordens judiciais, e não é sobre DRM e todo esse tipo de coisa. É sobre se a música afeta você ou não. E por que você iria se preocupar com um artista ou com uma empresa depois que as pessoas copiam a sua música se a música em si não é valorizada?

Byrne: Você está valorizando o sistema de entrega como oposto da relação e da coisa emocional…

Yorke: Você está avaliando a companhia ou o interesse dos artistas em vez da música em si. Eu não sei. Nós sempre fomos muito ingênuos. Nós não temos outra alternativa para fazer isso. É a única coisa óbvia a se fazer.

[Marcelo De Franceschi]
Créditos: Imagem de abertura do ensaio daqui.

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Notas sobre o futuro da música (1): Romulo Froés e a música brasileira de hoje https://baixacultura.org/2010/04/05/insights-musicais-1/ https://baixacultura.org/2010/04/05/insights-musicais-1/#comments Mon, 05 Apr 2010 13:00:11 +0000 https://baixacultura.org/?p=2878 .

O feriadão de páscoa me trouxe muitas dúvidas, discussões e leituras sobre a Indústria Musical de hoje, incluso as potencialidades e os limites da cena brasileira/paulista/independente. Antes que eu (ou vocês) falem “mas o que isso tem a ver com o BaixaCultura?”, eu vos digo o que todo mundo sabe: todas estas dúvidas são decorrentes da tal “revolução” digital que falamos aqui desde setembro de 2008, data de criação deste espaço.

[A palavra “revolução”, ainda que colocada entre aspas, não precisaria estar desse modo, porque, afinal de contas, a wikipédia me diz que revolução – do latim revolutio, “uma volta” – é uma fundamental transformação social no poder ou nas estruturas organizacionais que têm lugar em um período relativamente curto de tempo, o que se aplica perfeitamente no caso da cultura, especialmente na música, não?]

O grande catalisador de insights, e pré-insights-que-ainda-precisam-de-tempo-para-fixar, foi essa entrevista com Rômulo Froés, publicado em 1º de abril no Scream & Yell, dos melhores sítios de jornalismo cultural no Brasil desde 2000 (!), ano de sua criação. Rômulo, o que canta na foto que abre este post, é músico, cantor e compositor com três discos no currículo (“Calado”, de 2004, “Cão”, de 2006, e o duplo “No chão sem o chão”, lançado ano passado) e uma das cabeças pensantes mais interessantes da nova safra musical brasileira.

É difícil resumir a entrevista, ou fazer um “the best of” com os melhores momentos, ou ainda um lide (no jargão jornalístico, o primeiro parágrafo da notícia, que traz as informações básicas ao responder as perguntas “O quê?”, “Quem?”, “Quando?”, “Onde?”, “Como?”, e “Por quê?”). São muitas questões relacionadas, abordagens distintas , assuntos tratados em mais de cinco horas de entrevista relatadas em muitos milhares de caracteres. Basta dizer, por hora, que Rômulo faz um diagnóstico com rara lucidez do estado da arte da cena musical brasileira, e de como a “revolução” digital tem papel fundamental nessa história.

Um exemplo do que estou falando está nesse trecho:

A gente tem um mercado falido. A Tropicália surgiu no final dos anos 60, com militares no poder, mas eles ainda conseguiram aparecer no mercado, conseguiram chamar a atenção.

Era a TV começando a rolar, né. A internet é o quarto momento disso. Primeiro teve a indústria fonográfica, que começou a gravar disco. Depois o rádio, a TV e agora a internet.(…) A internet, de certa forma, fodeu uma galera também. O povo da MPB que fica chorando por causa da pirataria, falando que não vende disco, tipo o Fagner reclamando na TV. O Fagner se fodeu, em certo sentido. A Biscoito Fino [Gravadora com diversos artistas da MPB em eu catálogo, responsável pela notificação e consequente ameça de processo à diversos blogs que disponibilizavam discos desses artistas para download] fica reclamando…  uma banqueira. E tem a minha turma, que só existe por causa da internet. Só que talvez seja a geração mais difícil de assentar e se mostrar justamente porque o negócio ficou muito amplo. É muita gente fazendo no mundo inteiro a toda hora. Está cada vez mais difícil de formar o negócio.

É que hoje existe uma oferta muito grande de coisas. Antigamente você tinha um disco do Caetano e só ia pintar um disco da Gal, do Chico, meses depois. Então você ficava um bom tempo em cima daquele disco do Caetano. Agora a gente tem o seu disco e na semana seguinte sai o da Lulina…

(…) Acho que a gente pertence a uma geração que tem uma percepção diferente. E tem que parar com isso. Eu cada vez me ponho mais o desafio: posso ser esse cara pra sempre, do meu tamanho, que gravo meus disquinhos, vendo mil cópias e é isso, acabou. Talvez não exista mais o fenômeno Caetano Veloso, Gilberto Gil, os caras que fizeram música de invenção e ainda assim tiveram apelo popular no Brasil inteiro. Talvez não tenha mais. Estou cada vez mais me forçando a isso: você grava teu disco, tem uma turma que ouve, um povo te chama pra fazer entrevista, que gosta de você e é isso, acabou. Talvez a sua tia nunca vá saber que você grava disco. Tem um monte de parente meu que não sabe que eu gravo.

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Se encaixarmos a fala de Rômulo com a de Gil ao final dessa postagem, temos uma opinião in process. Vejamos Gil:

“O problema é que vocês querem que apareça outro modelo único, que não vai exigir esforço algum e te traga o sono de volta. A digitalização não exige que toda obra de arte seja de graça, mas que um modelo próprio de comercialização seja criado para cada necessidade. A tendência atual é que pensemos não na propriedade, mas no comum, no compartilhado”.

Para não descontextualizar: Gil respondia a uma banda de Santos, que achava muito bonito essa história de cultura livre, creative commons, etc, mas queria saber mesmo é de ganhar dinheiro. A ideia de ganhar dinheiro com música obviamente que não deve ser descartada, mas relativizada, porque rios de dólares para comprar iates de ouro e criar lago particulares dentro de sua própria casa estavam diretamente relacionadas à enorme quantidade de pessoas que consumiriam à sua arte, algo que hoje não mais pode acontecer.

Dito de outra forma, a quantidade astronômica de lucro dos artistas (mas principalmente das gravadoras) estava relacionada à cultura de massa da qual a música se inseria – e ainda se insere. Mas hoje nem toda música está nessa lógica de consumo massivo, e me arrisco a dizer que teremos cada vez menos música entrando nesse esquema, o que fatalmente fará com que excentricidades do mais alto luxo como as citadas sejam casos de museu – e de dinossauros que tem saudade dessa época, não por acaso aqueles que mais são contrários a qualquer coisa que diga respeito ao livre compartilhamento de arquivos.

O fato de existir a possibilidade de não haver mais luxos para os músicos não tem nada a ver com não ter mais dinheiro para os mesmos. É claro que tem, só que de outras formas, de acordo com a música e as possibilidades de cada um. Alguns tem a ideia de que um salário digno, uma conquista não só dos músicos mas de toda uma classe trabalhadora através da história, venha a ser abolido por completo em nome do intercâmbio cultural e da “panacéia” do grátis. Ora, o salário digno continuará existindo – a menos que tu considere milhões de dólares na conta e doze Ferraris Maranello na garagem como o único soldo digno para sua “arte”.

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Como um exercício de pensamento, imaginemos hoje que o século XX nunca tivesse existido – recordemos que antes do nascimento da indústria fonográfica os músicos costumavam ganhar a vida tocando de cidade em cidade. Tentemos explicar a alguma espécie de alienígena o que é essa tal de música. Poderíamos dizer que existem pessoas que gravam em casa (se possível, em um estúdio profissional) canções que tentam enriquecer a sua existência e a do próximo – ou que gravam para fazer as pessoas dançarem, o que de outro modo também pode se encaixar no “enriquecer” a existência. Que assim que terminam, colocam na internet para que escute quem queira. Que as pessoas podem escutar estas canções de grátis a partir de um computador com acesso à internet. Que se estas mesmas pessoas gostarem muito do que ouviram podem obter estas canções em alguns estabelecimentos restritos e raros, conhecido como lojas. Que, se o grupo ou artista que a criou vai atuar na tua cidade, tu poderá, normalmente mediante pago, ir ao show, escutá-la novamente agora ao vivo e com mais algumas quantas pessoas. E que, por fim, se tu gostar ainda mais depois de ter assistido ao show, pode comprar um ou mais objetos em que aquela “música” – ou qualquer coisa relacionada à imagem de quem a criou – esteja presente, obtendo assim um grau elevado de vinculação com aquele que, lá no início, “enriqueceu” a sua simplória existência.

Te parece muito mal tudo isso?

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[Leonardo Foletto.]

P.s: Os insights surgidos da entrevista, ainda em ação, vão proporcionar outras postagens. O último parágrafo desse post é uma livre-adaptação de um texto publicado na revista espanhola Rock Delux, edição especial 2000-2009 publicada em novembro de 2009, chamado “La industria musical española diez años después del tsunami”, que, de tão boa contextualização que faz, será em breve traduzido e remixado por aqui.

Créditos imagens: 1, 2, 3.
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