Resultados da pesquisa por “notas sobre copyright” – BaixaCultura https://baixacultura.org Cultura livre & (contra) cultura digital Fri, 13 Oct 2023 23:21:44 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.0.9 https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2022/09/cropped-adesivo1-32x32.jpeg Resultados da pesquisa por “notas sobre copyright” – BaixaCultura https://baixacultura.org 32 32 Zine #2: La Remezcla https://baixacultura.org/zine-2-la-remezcla/ Wed, 14 Sep 2022 05:03:29 +0000 https://baixacultura.org/novo/?page_id=14574 O zine nº2 do BaixaCultura fala de um dos nossos grandes temas contemporâneos: La Remezcla. Remix. Remistura. Desvio. Plágio. Cópia. (re) criação. (re) combinação. Várias palavras para tratar de um mesmo assunto, sempre presente nestes quase oito anos de BaixaCultura e na vida de todo mundo que tem a internet como habitat. A edição de “La Remezcla” é de Leonardo Foletto e o design de Tereza Bettinardi, que já fez trabalhos pra Cosac Naify, Companhia das Letras e hoje é uma das responsáveis por “A Escola Livre”, espaço de discussão sobre novas formas de fazer e ensinar design. Mais infos sobre o zine

Sumário: Revalorizar o Plágio na CriaçãoNotas Inéditas sobre copyright e copyleftInsensatoA literatura sampleada do MixLitO falso problema da escrita não-criativa.

R$ 15 (com envelope carimbado e adesivo) + frete.

Interessou? Envie um e-mail para info@baixacultura.org que organizamos a compra toda por lá.

 

 

]]>
Zines #1 e #2: Deturnamento e La Remezcla https://baixacultura.org/zines/ Wed, 14 Sep 2022 05:01:13 +0000 https://baixacultura.org/novo/?page_id=14570 O tema escolhido pra primeira edição do zine foi o détournement, a partir de uma reedição de um texto já publicado aqui, o guia para os usuários do deturnamento (1957), dos situacionistas Guy Debord e Gil Wolman, e de uma apresentação feita exclusivamente para a publicação. A tradução para o português do guia foi feita por Railton Sousa Guedes, do Arquivo Situacionista Brasileiro/Projeto Periferia, publicada pela primeira vez no Rizoma.net (já não mais disponível) e revisada por nós. A tradução é a partir do texto em inglês de Ken Knabb, que, por sua vez, traduziu do francês original. Ou seja, estamos falando mais de uma outra edição do que propriamente de uma tradução.

Mais informações aqui.

R$ 15 (com envelope carimbado) + frete – ESGOTADO

 

 

O zine nº2 do BaixaCultura fala de um dos nossos grandes temas contemporâneos: La Remezcla. Remix. Remistura. Desvio. Plágio. Cópia. (re) criação. (re) combinação. Várias palavras para tratar de um mesmo assunto, sempre presente nestes quase oito anos de BaixaCultura e na vida de todo mundo que tem a internet como habitat. A edição de “La Remezcla” é de Leonardo Foletto e o design de Tereza Bettinardi, que já fez trabalhos pra Cosac Naify, Companhia das Letras e hoje é uma das responsáveis por “A Escola Livre”, espaço de discussão sobre novas formas de fazer e ensinar design. Mais infos sobre o zine

Sumário: Revalorizar o Plágio na CriaçãoNotas Inéditas sobre copyright e copyleftInsensatoA literatura sampleada do MixLitO falso problema da escrita não-criativa.

R$ 20 (com envelope carimbado e adesivo) + frete – ESGOTADO

Envie um e-mail para info@baixacultura.org que organizamos a compra toda por lá.

 

]]>
Notas sobre pandemia, vigilância e o Confucionismo na China https://baixacultura.org/2020/04/16/notas-sobre-pandemia-vigilancia-e-o-confucionismo-no-extremo-oriente/ https://baixacultura.org/2020/04/16/notas-sobre-pandemia-vigilancia-e-o-confucionismo-no-extremo-oriente/#comments Thu, 16 Apr 2020 14:23:24 +0000 https://baixacultura.org/?p=13166 Alguns já sabem, mas ando imerso em uma pesquisa sobre cultura livre a buscar relações na história bem anteriores à propagação do termo a partir do software livre, na década de 1970 e 1980. Essa investigação, que tem como objetivo a publicação de um livro sobre cultura livre neste 2020, tem feito diminuir um pouco as atividades cotidianas no BaixaCultura, e também me trazido algumas descobertas de práticas, ideias, momentos e ações que remetem a ideia de bens culturais livres desde a Antiguidade de Grécia e Roma, assim como a do Extremo Oriente.

Ao ler sobre as formas de enfrentamento do Coronavírus em países como China, Taiwan, Coréia do Sul e Japão, me deu vontade de antecipar aqui uma brevíssima parte da pesquisa do livro, que, mesmo tendo por foco a noção de propriedade intelectual, se relaciona à vigilância e a um certo modo coletivo de se organizar desses países, o que tem sido novamente discutido na filosofia a partir da pandemia. Segue abaixo o texto bruto, em processo, acrescido de uma reflexão sobre a influência do Confucionismo sobre o pensamento coletivo chinês no enfrentamento à pandemia.

Leonardo Foletto, editor do BaixaCultura

 

Foto: https://nextshark.com

Em “Shanzai: a arte da falsificação e da desconstrução na China”, o filósofo sul-coreano radicado na Alemanha Byung-Chul Han analisa diversas obras artísticas chinesas e ocidentais para trabalhar com a ideia de como são construídas as noções de autoria e originalidade no Extremo Oriente. Em dado momento, ele usa uma palavra para ilustrar na linguagem essa diferença, Ádyton, que em grego antigo, significa “inacessível” ou “intransitável”. A origem desta palavra remete ao espaço interior de um templo da Grécia Antiga que era completamente apartado do exterior onde se celebravam os cultos religiosos. “O isolamento define o sagrado”, diz Han, para então continuar que a noção do estar isolado para poder se encontrar com Deus, ou consigo mesmo, é diferente no Extremo Oriente, a começar pela arquitetura dos espaços ditos sagrados: “O templo budista se caracteriza pela permeabilidade ou pela abertura completa. Alguns templos tem portas e janelas que não fecham nada”.

No pensamento chinês não há ádyton, afirma Han, nem como espaço nem como ideia. Nada se separa nem se fecha: o pensamento de que algo esteja apartado ou isolado do todo é alheio ao modo de pensar predominante do Extremo Oriente, segundo Han. Assim, não haveria a ideia de original tal qual se entende no Ocidente, posto que a originalidade pressupõe um começo no sentido estrito, o que uma parte do pensamento chinês tradicional renega ao não conceber a criação a partir de um princípio absoluto e individual, mas sim pelo processo contínuo, sem começo nem final, sem nascimento nem morte, fundamentalmente coletivo. A desconfiança dos princípios imutáveis e dos “gênios” criativos individuais remete à falta de essência, à forma de pensar e produzir focada no coletivo e a um certo vazio que, aos olhos ocidentais – exemplificados por Han no pensamento crítico à estas noções orientais do filósofo alemão Hegel, um dos mais influentes pensadores do Ocidente – pode ser visto como hipocrisia, astúcia ou até mesmo imoralidade.

Uma parte desse modo de ver a verdade e o processo de criação como algo mais coletivo que individual remete à um dos princípios do Confucionismo (儒學), conjunto de doutrinas morais, éticas, filosóficas e religiosas criadas pelos discípulos de Confúcio após a sua morte, em 479 a.C, e que teve grande influência no pensamento chinês, e do Extremo Oriente de países como as Coréias, Japão, Taiwan e Vietnan, até início do século XX.

Natural da província de Lu, hoje Shantung, leste da China, Confúcio vinha de uma família nobre em decadência e teve diversas ocupações em sua vida – professor, funcionário público, político, carpinteiro, pastor – até cerca dos 50 anos de idade, quando começou a viajar com frequência pelas províncias chinesas e angariar discípulos em torno de sua filosofia baseada na vida simples, na coletividade e no altruísmo. Era uma proposta filosófica que retomava alguns costumes de dinastias chinesas mais antigas como Shang (1600–1046 a.C) e a própria Zhou (1046–256 a.C), período em que, segundo alguns autores, havia uma decadência moral e ética na sociedade chinesa.

A partir da Dinastia Han (206 a.C a 220 d.C), os ensinamentos de Confúcio passaram a exercer profunda influência nos governos e na sociedade chinesa, fornecendo o plano do que seria uma vida ideal e a régua pela qual as relações humanas deveriam ser medidas. Reinventados e reinterpretados por diversas pessoas ao longo dos séculos, suas ideias moldariam uma série de costumes nas áreas da educação, cultura, política e da relações sociais na China durante diferentes momentos da China Imperial. Só perderiam força no início do século XX, quando termina o período Imperial Chinês e o Confucionismo passa a ser acusado de ser tradicional demais para conviver com o dinamismo da então sociedade moderna ocidental. O movimento 4 de Maio, por exemplo, criticava a herança do Confucionismo como um obstáculo à modernização na busca por poder e riqueza na competição com outras nações do mundo ocidental.

A influência dos ensinamentos de Confúcio na forma de ver a criação na China e nos países do Extremo Oriente passa a ganhar certo repercussão no Ocidente, sobretudo nos estudos sobre propriedade intelectual e copyright, a partir do livro “To Steal a Book is An Elegant Offense: Intelectual Property Law in Chinese Civilization”, do professor de direito de William P. Alford. O título do livro, “Roubar um livro é uma ofensa elegante”, vem de um conceito popular (Qie Shu Bu Suan Tou) na China a partir de Kong Yiji, livro lançado não por acaso em 1919, ano das ações do Movimento 4 de Maio, por um conhecido escritor da época chamado Lu Xun. A história da obra gira em torno de um personagem central que dá nome ao livro, um intelectual autodidata alcoólatra e fracassado que frequenta uma taverna na cidade de Luzhen (魯鎮), base de outras ficções de Xun. Ele não passou no exame de xiucai, um dos muitos da China Imperial da época, e usa em seu discurso frases clássicas confusas, que geram desprezo entre os outros frequentadores do local, que o ridicularizam também por “fazer bicos”, e também roubar, para comer e beber. Uma de suas atividades era copiar manuscritos para clientes ricos; às vezes, também surrupiava livros desses clientes para trocar por vinho na taverna. “Roubar um livro é uma ofensa elegante” era o argumento que usava quando insultado pelos frequentadores do local.

O pesquisador Peter Yu, em “Intellectual Property and Confucianism“, afirma que Kong Yiji, o personagem principal, foi construído como um “arlequim caricato” representando um intelectual autodidata do período clássico chinês em decadência – no final do livro, o personagem morre espancado e é esquecido por todos. A obra é um exemplo da crença de Yu e do Movimento 4 de Maio, da qual Lu Xun fazia parte, de que a literatura deveria tenta evitar os “clichês” da lingüística tradicional chinesa que, a seu ver, dificultaram e restringiram o pensamento criativo das pessoas por séculos.

Mais quais seriam estes valores e ideias tradicionais qus os modernistas chineses iam contra? Para o Confucionismo chinês, explica Yu, o passado não é apenas uma reflexão da sociedade contemporânea, mas também a incorporação de valores culturais e sociais. Seus valores morais tinham a família como unidade básica da comunidade e o mundo seria uma conseqüência dessa unidade básica. Alford afirma em seu livro que “a indispensabilidade do passado para o crescimento moral pessoal ditava que houvesse amplo acesso à herança comum de todos os chineses”.

 

*

Photo by Kevin Frayer/Getty Images

Corta para 2020.

O mesmo Byung Chul-Han escreveu um texto para o El País chamado “O coronavírus de hoje e o mundo de amanhã“, publicado em 22 de março. Nele, comenta como países asiáticos estão lidando com a crise com muito monitoramento de dados e um esforço coletivo de uso de máscaras e medidas sanitárias que, segundo Han, tem sido mais efetivos que no Ocidente por conta de uma mentalidade coletiva (e autoritária) incutida nos países do Extremo Oriente há mais de mil anos pelo Confucionismo. Gostaria de destacar alguns trechos do texto de Han aqui para provocar uma discussão que, embora relacionada ao Coronavírus, vai além. Diz respeito à esse propagado espírito coletivo enraizado nos povos do Extremo Oriente em relação ao Ocidental, oriundo de filosofias como a do Confucionismo, mas também de outras como o Budismo e o Xintoísmo, e algumas consequências disso em relação à privacidade, ao Big Data e à vigilância, e como o modo de olhar para a privacidade pode ser decisivo para pensar em formas de soberania em tempos de algoritimização da vida.

“Na China e em outros Estados asiáticos como a Coreia do Sul, Hong Kong, Singapura, Taiwan e Japão não existe uma consciência crítica diante da vigilância digital e o big data. A digitalização os embriaga diretamente. Isso obedece também a um motivo cultural. Na Ásia impera o coletivismo. Não há um individualismo acentuado. O individualismo não é a mesma coisa que o egoísmo, que evidentemente também está muito propagado na Ásia.”

“Estados asiáticos como o Japão, Coreia, China, Hong Kong, Taiwan e Singapura têm uma mentalidade autoritária, que vem de sua tradição cultural (confucionismo). As pessoas são menos relutantes e mais obedientes do que na Europa. Também confiam mais no Estado. E não somente na China, como também na Coréia e no Japão a vida cotidiana está organizada muito mais rigidamente do que na Europa. Principalmente para enfrentar o vírus os asiáticos apostam fortemente na vigilância digital. Suspeitam que o big data pode ter um enorme potencial para se defender da pandemia. Poderíamos dizer que na Ásia as epidemias não são combatidas somente pelos virologistas e epidemiologistas, e sim principalmente pelos especialistas em informática e macrodados. Uma mudança de paradigma da qual a Europa ainda não se inteirou. Os apologistas da vigilância digital proclamariam que o big data salva vidas humanas.

“A consciência crítica diante da vigilância digital é praticamente inexistente na Ásia. Já quase não se fala de proteção de dados, incluindo Estados liberais como o Japão e a Coreia. Ninguém se irrita pelo frenesi das autoridades em recopilar dados. Enquanto isso a China introduziu um sistema de crédito social inimaginável aos europeus, que permitem uma valorização e avaliação exaustiva das pessoas. Cada um deve ser avaliado em consequência de sua conduta social. Na China não há nenhum momento da vida cotidiana que não esteja submetido à observação. Cada clique, cada compra, cada contato, cada atividade nas redes sociais são controlados. Quem atravessa no sinal vermelho, quem tem contato com críticos do regime e quem coloca comentários críticos nas redes sociais perde pontos. A vida, então, pode chegar a se tornar muito perigosa. Pelo contrário, quem compra pela Internet alimentos saudáveis e lê jornais que apoiam o regime ganha pontos. Quem tem pontuação suficiente obtém um visto de viagem e créditos baratos. Pelo contrário, quem cai abaixo de um determinado número de pontos pode perder seu trabalho. Na China essa vigilância social é possível porque ocorre uma irrestrita troca de dados entre os fornecedores da Internet e de telefonia celular e as autoridades. Praticamente não existe a proteção de dados. No vocabulário dos chineses não há o termo “esfera privada”.”

“Na China existem 200 milhões de câmeras de vigilância, muitas delas com uma técnica muito eficiente de reconhecimento facial. Captam até mesmo as pintas no rosto. Não é possível escapar da câmera de vigilância. Essas câmeras dotadas de inteligência artificial podem observar e avaliar qualquer um nos espaços públicos, nas lojas, nas ruas, nas estações e nos aeroportos.

Toda a infraestrutura para a vigilância digital se mostrou agora ser extremamente eficaz para conter a epidemia. Quando alguém sai da estação de Pequim é captado automaticamente por uma câmera que mede sua temperatura corporal. Se a temperatura é preocupante todas as pessoas que estavam sentadas no mesmo vagão recebem uma notificação em seus celulares. Não é por acaso que o sistema sabe quem estava sentado em qual local no trem. As redes sociais contam que estão usando até drones para controlar as quarentenas. Se alguém rompe clandestinamente a quarentena um drone se dirige voando em sua direção e ordena que regresse à sua casa. Talvez até lhe dê uma multa e a deixe cair voando, quem sabe. Uma situação que para os europeus seria distópica, mas que, pelo visto, não tem resistência na China.”
**

Foto: CNBC.com


Han conclui, em seu texto ao El País, que o
big data parece ser mais eficaz para combater o vírus do que “os absurdos fechamentos de fronteiras que estão sendo feitos nesses momentos na Europa”. E isso ocorre muito em função desse propagado espírito coletivo no Extemo Oriente, que não trata, por exemplo, com a mesma importância a proteção de dados pessoais como na Europa. Alheios à privacidade – ou tendo a liberdade individual como menos importante em relação à coletividade – os fornecedores chineses de telefonia celular e de Internet compartilham os dados sensíveis de seus clientes com os serviços de segurança e com os ministérios de saúde. O Estado sabe, aponta Han, onde estou, com quem me encontro, o que faço, o que procuro, em que penso, o que como, o que compro, aonde me dirijo. É possível que no futuro o Estado controle também a temperatura corporal, o peso, o nível de açúcar no sangue etc. Uma biopolítica digital que acompanha a psicopolítica digital que controla ativamente as pessoas.
Ele continua: “Em Wuhan (primeiro ponto de contágio da pandemia) se formaram milhares de equipes de pesquisa digitais que procuram possíveis infectados baseando-se somente em dados técnicos. Tendo como base, unicamente, análises de macrodados averíguam os que são potenciais infectados, os que precisam continuar sendo observados e eventualmente isolados em quarentena. O futuro também está na digitalização no que se refere à pandemia. Pela epidemia talvez devêssemos redefinir até mesmo a soberania. É soberano quem dispõe de dados. Quando a Europa proclama o estado de alarme e fecha fronteiras continua aferrada a velhos modelos de soberania.”

Apesar das medidas, Han não acredita que o vírus vai, por si só, derrotar o capitalismo ou nos fazer repensar o “normal” em que vivemos hoje. Ele vai na linha de que, após o vírus, terá de vir uma revolução humana: “Somos NÓS, PESSOAS dotadas de RAZÃO, que precisamos repensar e restringir radicalmente o capitalismo destrutivo, e nossa ilimitada e destrutiva mobilidade, para nos salvar, para salvar o clima e nosso belo planeta. É uma perspectiva que muitos (ótimos) textos tem apontado, entre eles este “Imaginar Gestos que Barrem o Retorno da Produção“, de Bruno Latour, e outros da coleção Pandemia da editora n-1 no Brasil.

Uma das (muitas) questões filosóficas colocadas por trás nessa situação é: até que ponto o Estado pode interferir na liberdade individual? Se a liberdade individual de ir e vir interfere na saúde de todxs, ela deve ser cerceada? Em outro artigo, agora na Folha de S. Paulo, Han comenta que a pandemia do coronavírus indica retorno à sociedade disciplinar, como falada por Focault.  “Os Estados asiáticos, ao contrário do Ocidente, permaneceram como sociedades disciplinares. A coletividade diretamente vinculada à disciplina predomina na Ásia. (…) Por lá, em meio à pandemia, uma lei de emergência de duração ilimitada foi aprovada“. Ele finaliza com uma dicotomia questionável: O vírus está deixando o liberalismo e individualismo ocidental obsoleto? Ou a epidemia incontrolável com incontáveis ​​mortes é o preço da liberdade que temos que aceitar?

Longe de querer dar conta de uma questão tão complexa que põe em questão diversas teorias da liberdade, meu papel aqui é apenas instigar esse debate, como muitos outros estão fazendo por aí, caso desse ótimo vídeo realizado por Filipe Campello, professor de filosofia da UFPE e integrante do canal Noz Coletivo, e André Ramiro, diretor do Instituto de Pesquisa e Direito e Tecnologia do Recife (IP.Rec), que reproduzo aqui abaixo.

 

 

]]>
https://baixacultura.org/2020/04/16/notas-sobre-pandemia-vigilancia-e-o-confucionismo-no-extremo-oriente/feed/ 1
“La Remezcla”, o zine nº2 https://baixacultura.org/2016/03/08/laremezclao-no2/ https://baixacultura.org/2016/03/08/laremezclao-no2/#comments Tue, 08 Mar 2016 14:33:39 +0000 https://baixacultura.org/?p=10640 12557107_10153391850433233_1422077697_o

Depois de falarmos da prática do deturnamento criada pelos situacionistas franceses, a 2º edição do zine amplia o número de páginas, textos e artistas convidados para tratar de um dos nossos grandes temas contemporâneos: LA REMEZCLA. Remix. Remistura. Desvio. Plágio. Cópia. (re) criação. (re) combinação. Várias palavras para abordar um mesmo assunto, sempre presente nestes quase oito anos de BaixaCultura e na vida de todo mundo que tem a internet como habitat.

Porque, como dissemos certa vez, numa sociedade dominada pela explosão de informações, talvez seja mais conveniente explorar as possibilidades de ressignificação daquilo que já existe do que acrescentar informações redundantes, mesmo quando estas são produzidas por meio da metodologia e da metafísica do “original”. Talvez.

A publicação começa com “REVALORIZAR O PLÁGIO NA CRIAÇÃO“, texto publicado em 2010 que, para falar de remix e plágio na criação artística, plagia e reedita um capítulo de “Distúrbio Eletrônico”, do coletivo Critical Art Ensemble. com trechos recombinados de outros textos, alguns deles destacados ao final da segunda parte como uma espécie de bibliografia, e outros sutilmente citados.

Segue para “NOTAS INÉDITAS SOBRE COPYRIGHT E COPYLEFT“, texto de 2005 em que o coletivo italiano Wu Ming se opõe à lógica de defesa do copyright, segundo a qual não é possível conciliar acesso livre às obras e remuneração digna ao artista, entre outros tópicos tratados. É a primeira tradução para o português desse texto, realizada por Reuben da Cunha Rocha (vulgo cavaloDADA) e publicada aqui em três partes durante 2009.

INSENSATO“, o terceiro texto, é um comentário de Jamer Guterres de Mello sobre sua dissertação de mestrado em educação na UFRGS, construída e apresentada com colagens, trechos de citação escritas a mão ou datilografados, fotos, colagens fotos-textos, tal qual um zine. Jamer, atualmente doutorando em comunicação e editor do Zinescópio, reflete sobre métodos científicos para uso nas ciências humanas a partir de diversas referências do cinema – em especial Orson Welles, Rogério Sganzerla e Jean-Luc Godard – e da literatura, Burroughs e o cut-up à frente, para trazer a estética dos fanzines como afirmação dos conceitos de Gilles Deleuze de potências do falso e do simulacro. São trechos desse trabalho que ilustram a sobrecapa destacável de “La Remezcla”.

zinesobre

Os dois últimos textos são de 2012 e trazem reflexões de dois escritores de hoje sobre criação artística e remix-plágio-recriação. O primeiro é uma “A LITERATURA SAMPLEADA DO MIXLIT“, uma entrevista com Leonardo Villa-Forte, criador do MixLit, espaço em que ele remixava autores distintos para produzir novos contos. Depois do MixLit Leonardo ainda faria oficinas de Remix Literário, o Paginário (instalação em espaço público com trechos de livros de ficção), além do mestrado em literatura na PUC-RJ sobre – adivinha o quê? – remix, além de produzir dois livros de ficção: “O Explicador”, volume de contos, e “O princípio de ver histórias em todo lugar”, romance, ambos publicado pela Editora Oito e Meio em 2015.

E “O FALSO PROBLEMA DA ESCRITA NÃO CRIATIVA” é Reuben da Cunha Rocha refletindo sobre o roubo na literatura a partir da circulação de Kenneth Goldsmith e a propagação do rótulo “escrita não-criativa”, num texto publicado aqui em 2012: “se a autoria é um fenômeno moderno tal como a conhecemos, o plágio criativo também o é, como atesta a energia que gigantes da modernidade como Lautréamont ou Walter Benjamin nele empregaram, o impulso de nutrição que o roubo representa em suas obras”, escreve o poeta, um dos criadores do BaixaCultura e autor de “As aventuras de cavalo Dada em + realidades q canais de TV” (2013) e “Na curva da cobra nos cornos do touro no couro do tigre na voz do elefante” (2015).

A edição de “La Remezcla” é deste que edita este site, Leonardo Foletto, e o design de Tereza Bettinardi, que já fez trabalhos pra Cosac Naify, Cia das Letras e hoje é uma das responsáveis pela A Escola Livre, espaço de discussão sobre novas formas de fazer e ensinar design. O zine tem 30 páginas + sobrecapa e foi impresso em A4 nornal frente e verso, p&b; a sobrecapa é uma A3 colorida de 80 e 120 g/m².

la remezcla1

O zine vai ser lançado em Porto Alegre na Aldeia, espaço cultural situado na rua Santana 252, duas quadras do parque da Redenção, no dia 18 de março, às 19h30. Vai rolar uma charla com o já citado Jamer Guterres de Mello, mais Gabriela Gelain, pesquisadora, mestranda em ciências da comunicação na unisinos e oficineira de zines; e Leo Felipe, escritor e jornalista. Algumas surpresas visuais e performáticas estão sendo planejadas pra esse dia.

Depois do lançamento, vai ser possível comprar pela internet, na página do nosso selo, a R$15, valor já com os custos de postagem (para o Brasil), adesivo e envelope carimbado.

***
Fotos do lançamento do Zine em Porto Alegre, por Sheila Uberti (FotoLivre).

flyer impressão

Arte de divulgação: Tereza Bettinardi

photo284962726834448757

edição artesanal com suor e amor

 

photo284962726834448764

Banquinha

photo284962726834448774

teve piratebox com toda a biblioteca do site pra baixar


photo284962726834448768 photo284962726834448772 photo284962726834448773 photo284962726834448777 photo284962726834448778 photo284962726834448780

photo284962726834448767photo284962726834448779

]]>
https://baixacultura.org/2016/03/08/laremezclao-no2/feed/ 1
Invasão hacker de guerrilha no interior paulista https://baixacultura.org/2015/07/24/invasao-hacker-de-guerrilha-no-interior-paulista/ https://baixacultura.org/2015/07/24/invasao-hacker-de-guerrilha-no-interior-paulista/#respond Fri, 24 Jul 2015 12:34:34 +0000 https://baixacultura.org/?p=10297 IMG_8164

De 16 a 19 de julho, participamos da 1º edição do Festival #Hashtag, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Produzido pelo Sesc Ribeirão Preto, o festival trouxe à cidade da boa cerveja Colorado (e seu bar de cervejas artesanais, o Cervejarium) ações de cultura digital: oficinas, debates e palestras, culminando com a Invasão do Ônibus Hacker em dois parques locais no final de semana.

IMG_8022

A primeira oficina foi a de Cultura livre: criação, pirataria e direito autoral na era digital. Mais uma fala do que propriamente uma oficina, tratou de discutir tópicos que abordamos aqui na página, do remix ao copyleft, passando (e focando) no software livre e no status quo do direito autoral hoje, com a internet a chacoalhar as estruturas daquilo que foi criado lá em 1710, com o Statute of Anne, como o Wu Ming nos conta em “Notas sobre copyright e copyleft II“. Foi uma versão atualizada e remixada das oficinas de pirataria que já fizemos algumas vezes no próprio Ônibus Hacker, a primeira em 2012. Já a apresentação utilizada como base é a mostrada nas referências da disciplina de Ciberativismo e Cultura Livre, na Unisinos.

É uma oficina que funciona como um panorama das últimas questões ocasionadas pelas transformações na cultura a partir da internet. Por conta disso, aborda diversos assuntos sem adentrar muito em cada um deles – precisaríamos de dias, talvez até semanas, pra tentar explicar como funciona em minúcias o direito autoral, a citação ou o plágio criativo, para citar três exemplos. Também em função disso, é uma conversa que conta com a participação do público: quase todo mundo tem uma opinião, uma experiência ou uma dúvida para falar sobre a criminalização do download, plágio na música, as vanguardas anticopyright ou o software livre, para citar temas que foram motivos de debate com as cerca de 15 pessoas que participaram da oficina na sala de internet livre, no centro de Ribeirão.

foto hashtag me poe na boa

IMG_8046

A segunda oficina que participamos no #Hashtag foi uma estreia: Guerrilha de Comunicação. Tratamos de apresentar ideias, exemplos e causos utilizados por coletivos que já falamos bastante por aqui, como os Adbusters, Wu Ming, Luther Blisset, Provos, BaixoCentro, e táticas como as de distanciamento, sobreidentificação, happenings, snipers (os franco-atiradores semióticos), nomes coletivos, fakes, entre outras. [Confira aqui a apresentação que fizemos]. A partir daí, conversamos sobre que situações e táticas poderíamos aplicar no final de semana, quando o Ônibus Hacker estaria com sua invasão na cidade. Levantamos informações sobre o que ocorreu recentemente em Ribeirão Preto e dois fatos gritaram por alguma ação guerrilheira-ativista: a eminente expulsão de moradores da comunidade João Pessoa para o aumento do aeroporto da cidade, Leite Lopes; e o recente aumento do salário de vereadores em 26%, combinado com a aprovação de um PL que assegura a correção anual do salário dos edis; até então, essa correção era de quatro em quatro anos.

Discutimos sobre que ação seria possível de por em prática em um final de semana. Foi o momento de brainstorming a partir dos exemplos vistos na oficina: a pintura das ruas na abertura do BaixoCentro, o vídeo das Olimpíadas de Santa Tereza feito pela Mídia Ninja/Casa Coletiva, a notícia (falsa?) da construção de um condomínio em pleno parque da Redenção, em Porto Alegre, entre outros. Eis que decidimos por uma ideia: produzir uma partida de futebol de 27s – o absurdo tempo que durou a sessão que os vereadores de Ribeirão Preto aprovaram a correção anual de seus salários – com, de um lado, o time dos que votaram a favor, 17, segundo contagem inicial; e do outro os 5 que votaram contra. Ficou decidido que usaríamos máscaras de todos os edis e teríamos uma narração como a de futebol no rádio. Fechados nessa ideia, combinamos de organizar tudo junto da invasão hacker e da oficina de Produção Cultural de Guerrilha, que a produtora Evelyn Gomes conduz faz alguns anos.

IMG_8068


img_8063

Optimized-IMG_8076

No sábado, a invasão hacker foi no parque Tom Jobim, um amplo e desconhecido local situado na periferia de Ribeirão Preto, achado só via Open Street Maps (e não no Google Maps, sabe-se lá porquê). Lá, sob um sol forte e um calor (25Cº) seco, saíram oficinas como as de animação em stop motion, construção de composteira de balde, eletrônica para pequenos, costura de legumes de pano, multimídia livre (alternativas em software livre para edição em vídeo e áudio), entre outras num dos cardápios mais variados de oficinas que o Ônibus Hacker já ofereceu em seus 5 anos de existência. O público, predominantemente infantil, foi intenso especialmente na de eletrônica com Luis Leão, que contou com a ajuda de vários Makey Makey Littlebits pra ajudar a criançada a entender a comunicação eletrônica dos objetos, e na de costura hacker, com Fabrício Zuardi, que ficou praticamente a tarde inteira sentado ao redor de uma mesa com uma máquina de costura lidando com as crianças e suas tentativas de fazer cenouras e tomates de pano, além de ensinar alguns pontos básicos de crochê.

Entre estas outras oficinas ocorridas no sábado, a de produção cultural de guerrilha reuniu parte do grupo da oficina que oferecemos no dia anterior + alguns interessados novos. Nos sentamos em círculo ao redor de Evelyn e um flipchart com palavras-chaves relacionadas a produção cultural: evento, logística, barulho, lixo, ocupação, pessoas, rua. Ela foi fazendo algumas perguntas básicas, como que é cultura e o que é guerrilha, e a partir daí discutimos que ação poderíamos fazer na rua, no dia seguinte, domingo, junto do 2º dia da invasão hacker. Optamos pela ideia da partida de futebol dos vereadores, já conversada antes, e combinamos os detalhes da produção para acontecer no parque Dr. Luis Carlos Raya, localizado num bairro de classe média-alta da cidade e reduto eleitoral de alguns dos vereadores que votaram a favor do aumento dos salários.

Além das atividades do ônibus, o parque também teve contação de história e um sarau comandado por Tiago Chapolin, agitador cultural da cidade. Ribeirão, assim como São Paulo e outras tantas cidades no país, tem visto florescer uma cena forte de saraus em que a literatura se mistura ao rap, ao ativismo contra o extermínio negro nas periferias e à poesia, pura e simples. Foi dando esse tom que o sarau no parque Tom Jobim encerrou as atividades do primeiro dia.

Optimized-IMG_8086

Optimized-IMG_8088

Optimized-IMG_8090

foto hashtag makey

Criançada com littlebits na oficina de Eletrônica

Optimized-IMG_8099

Optimized-IMG_8101

foto hashtag sarau

O domingo de invasão começou com um café da manhã tardio. Por volta das 13h, com o sol a pino, é que a maior parte dos participantes da invasão chegou ao local, uma antiga pedreira com um belo gramado, um lago e muitos patos. Vale dizer: fomos a pé (alguns de táxi) pois o Busão estava na oficina para conserto do alternador e da ré, estragadas no dia anterior, situação que rendeu um empurra coletivo já à noite para manobrar no parque sem precisar dar ré. O que seria do Ônibus Hacker sem as quebradas rotineiras, não? Uma equipe que acompanhou a viagem inteira do Busão gravou as imagens dos empurrões (e tropeções) no escuro para um documentário sobre o ônibus, que está sendo produzido via edital Jovem Doc.

As oficinas de domingo seguiram o amplo e diverso cardápio do dia anterior: origami, lambe-lambe, descartografia (com oferenda à Pachamama numa árvore do parque, a cargo do EcoaEcoa Coletivo) além da repetição da de costura hacker/crochê, sucesso de público da invasão, uma roda de conversa sobre segurança na rede e algumas instantâneas que não deu pra saber que estavam acontecendo. São tantas oficinas possíveis/realizadas (reza a lenda que já ocorreu até uma “oficina de conchinha”, numa viagem mais longa ao Uruguai) que uma piada interna metalinguística comum no Ônibus é a de que tem que acontecer uma “oficina de oficinas” coletiva.

Assim como dia anterior, a Rádio Hacker funcionou no sistema de som levado pelo SESC e também num dial FM ao redor do parque, num raio de 1 a 4 KM, através de um transmissor (livre) que o Ônibus carrega desde 2011. Tiago Luan (vulgo Tuiuiu) pilotou a rádio com música, chamadas pras oficinas e algumas entrevistas rápidas. Foi a partir dela que se deu a convocação para ação do futebol dos vereadores- chamada “A Partida De Futebol Mais Rápida do Mundo”: precisávamos de 22 participantes para dividir os times entre os que votaram a favor e contra o aumento dos salários.

Jogar futebol num parque com um belo gramado num domingo de sol a tarde parece convidativo, então dezenas de pessoas (a maioria, novamente, de crianças) se apresentaram para o jogo. Fizemos as máscaras dos vereadores a partir das imagens do jogo “Cara a Cara”, produzido pelo Labhacker de SP e distribuímos conforme a votação: 17 pra um lado, 5 pro outro. Produzimos um texto de apresentação da ação, para ser lido logo antes da narração da partida – que acabou ficando a cargo do próprio presidente da Câmara de Vereadores, Walter Gomes, com surpreendente traquejo de narrador, no vídeo transmitido pela TV Câmara (e disponível no Youtube) no dia da votação; simulamos duas traves a partir de cones e canos e um cronômetro, para marcar os 27s, numa TV grande ligada a um computador. Antes de começar, um participante da oficina, que esteve desde sexta feira de Guerrilha, apresentou a escalação de cada um dos jogadores/vereadores. Estava pronto o cenário pro happening.

Mas na hora da partida, é claro que tantos elementos “organizados” penderiam para o caos. E assim foi: a divisão dos times não se deu exatamente como na votação, e logo no início da partida dois “jogadores” saíram correndo com a bola pra um lado levando a marcação e praticamente todos os outros jogadores juntos, enquanto Walter Gomes narrava como um locutor esportivo nos alto-falantes o nome do projeto em votação. Uma cena nonsense que lembrou o famoso Futebol dos Filósofos do Monthy Phtyon, uma referência também mostrada na oficina. Quando bateram os 27s de partida, com o presidente da câmara na narração gritando “Aprovado!”, alguns dos jogadores se surprenderam: “ahhh, já acabou? só isso?”. Um menino, que havia insistido para ficar no time dos contrário ao aumento, falou: “mas não é justo! quero jogar um jogo justo”.

Ainda que bastante caótica, a ação funcionou como um “erro-experimento” de guerrilha a partir da técnica de criação de eventos para ressaltar o absurdo de uma situação real parodiada. E só aconteceu, mesmo que com vários “erros” de primeira vez, com a participação efetiva de muita gente, da oficina na sexta ao Ônibus Hacker no final de semana. Parece ser cada vez mais necessário, no mundo-vasto-mundo de informações da internet, por em prática uma ideia, mesmo que uma ainda em fase experimental e não acabada, do que ficar matutando uma ideia genial por meses e não conseguir por ela em prática.

No final da invasão, já a noite, ainda rolou a oficina pública de orçamento, em que Pedro Markun convidava os participantes a dividir o orçamento de sua cidade ideal conforme as pastas reais de uma cidade brasileira: educação, saúde, meio ambiente, cultura, legislativo, etc. Funciona como um jogo de tabuleiro: cada grupo escolhe quantos pontos vai para cada pasta, de um máximo total estimado do orçamento municipal. Depois, a distribuição do orçamento da cidade ideal foi confrontada com a de Ribeirão Preto, e com algumas discrepâncias notadas (por ex: a destinação para educação foi menor na ideal do que na Ribeirão Preto) vai se detalhando como funciona a distribuição de recursos públicos em um município. É uma ótima forma de aprender política jogando.

E, ufa, antes das 5h de viagem Ribeirão-Campinas-SP ainda teve uma nova roupa nova pro ônibus, a cargo dos grafiteiros Lelin, Lola e Brô.

Optimized-IMG_8125
Optimized-IMG_8123

Optimized-IMG_8259

Optimized-IMG_8160

Optimized-foto hashtag de cima

Optimized-IMG_8251
Optimized-IMG_8156

Optimized-IMG_8270
Optimized-IMG_8313

Fotos: Sheila Uberti (1,2,4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 22, 23, 24)
Me põe na boa (3, 11, 14), Raul Costa (20) Mais fotos aqui.

P.s (atualização 26/7): Fotos da “Partida De Futebol Mais Rápida do Mundo”, pelo coletivo Fuligem. Na sequência, os dois times escalados (1 e 2) e a partida (3 e 4). E o vídeo-registro, editado pelos participantes da oficina.

futebol hashtag ribeiraofutebol hashtag ribeirão 2futebol hashtag ribeirao 3futebol hashtag ribeirao 4

]]>
https://baixacultura.org/2015/07/24/invasao-hacker-de-guerrilha-no-interior-paulista/feed/ 0
Como fazer fortuna roubando dos outros: os piratas de Hollywood https://baixacultura.org/2012/10/17/como-fazer-fortuna-roubando-dos-outros-os-piratas-de-hollywood/ https://baixacultura.org/2012/10/17/como-fazer-fortuna-roubando-dos-outros-os-piratas-de-hollywood/#respond Wed, 17 Oct 2012 13:00:29 +0000 https://baixacultura.org/?p=9413

Olhe bem pra essa foto p&b com esses senhores sisudos e bem vestidos. São integrantes da Motion Picture Patents Company, o primeiro grande truste de estúdios de cinema dos Estados Unidos. Entre as nobres figuras está Thomas Edison, empresário/inventor de mais de 2 mil patentes. Data: 1908.

Um ano antes, Thomas Edison – que mais do que inventor, foi um patenteador – tinha ganho na corte dos EUA o  monopólio de exploração de uma novidade tecnológica: o cinetógrafo, na época a primeira câmera de cinema bem-sucedida. Esse monopólio significava que qualquer câmera de cinema igual ao cinetógrafo que estivesse rodando nos Estados Unidos tinha que ter permissão do senhor Edison para funcionar.

Até então, o assédio de Edison sobre os fabricantes ou distribuidores “não autorizados” de sua máquina eram bem conhecidos. O apoio jurídico foi o que ele esperava para criar a MPPC, um cartel de patentes composto das principais empresas da película e fornecedores da época, principalmente de Nova York, a meca do cinema do cinema mudo do início do século.

Patente do cinetógrafo, por Edison

Como se esse tipo de controle não fosse suficiente, a MPPC fundou outra companhia, chamada “General Film Company“, cujo objetivo era adquirir todo o estoque de filmes do país e bloquear a importação de filmes estrangeiros. Em 1911, a General Film adquiriu 68 “sacos” de distribuição de filmes e negou a licença para outras 11, segundo informa este livro.

Foi o que bastou para uma das empresas afetadas se rebelar. A “Greater New York Film Rental Company” optou por não vender nem aceitar o preço de Edison. O proprietário era um empresário de origem húngara que tinha começado no negócio em 1904, com a compra de uma empresa no Brooklyn por 1 600 dólares – e que, anos depois, seria dono de um império de 400 milhões de doletas. Seu nome era William Fox.

Adolph Zukor (Paramount), William Fox (Twenty Century Fox), Carl Laemmle (Universal), Samuel Goldwyn (MGM), William Wadsworth Hodkinson (Paramount)

Eufemismos

Desafiando Edison e seus amigos da MPPC, um grupo de donos de sala de cinema e produtores decidiu ignorar o monopólio e a lei. Ainda que a MPPC produzisse filmes num ritmo alucinante de um por semana em seus estúdios, Fox e seus comparsas achava que havia um mercado muito maior, para qual essa oferta não era suficiente.

Muitos desses empreendedores do cinema se chamavam de “independentes” para se diferenciar da turma de Edison. Mas estes claramente poderiam ser chamados de “ilegais”, ou “piratas”, ou “ladrões de propriedade intelectual”, segundo os parâmetros da época, porque não pagavam royalties pelas patentes nem pediam permissão para usar o invento dos outros. Ainda fabricavam equipamentos “ilegalmente” e mantinham uma rede de distribuição de filmes clandestina. Por conta da perseguição que sofriam, resolveram fugir de Nova York e da sanha gananciosa da turma de Edison.

Nasce Hollywood

Os exibidores, produtores e diretores “independentes” tinham por objetivo fugir da Big Apple e se estabelecer a uma distância razoável da cobrança de royalties dos advogados da MPPC. O lugar encontrado foi do outro lado do país, um subúrbio de 5000 habitantes chamado Hollywood, a 4500 km de NY – convenientemente próximo da fronteira com o México, caso precisassem fugir de novo.

O resto é conhecido. Longe da sanha patenteadora de Edison e da MPPC, o grupo de “independentes” fundou os principais estúdios de cinema dos Estados Unidos – Fox, Warner Brothers, Universal, Paramount, MGM. E os que se mantiveram sob a guarda da tecnologia de Edison morreram esquecidos com seus estúdios – “Biograph Studios”, “Essanay Film Manufacturing Company”, “Kalem Company”.

Este mesmo grupo de independentes que criou Hollywood está atualmente na linha de frente de outro grupo que você conhece muito bem, a Motion Picture Association of America (MPAA). Um século atrás eles fugiram para evitar pagar royalties para o “dono da propriedade intelectual” de câmera de cinema, inovação técnica que tinha permitido todo o seu negócio. Hoje, caçam “piratas” que ousam distribuir e usufruir de seus produtos sem autorização pela internet.

E a história se repete: novos empreendedores, agora do ciberespaço, fogem dos advogados de Hollywood para não pagar pelo conteúdo dos estúdios/gravadoras, ou distribuir estes mesmos produtos via P2P. Mas, depois de um século de globalização, parece que não há mais distância suficientemente segura, pelo menos não dentro da terra.

Paralelismos

Em 1920, quando a polícia dos EUA chegou ao Oeste para investigar as empresas instaladas em Hollywood, as patentes de Edison estavam por expirar. Isso porquê, naquela época, as patentes duravam 17 anos. Isso mesmo: 17 anos. O copyright do início do século passado (tanto nos EUA quanto em outros países) lidava com um período bem mais razoável do que os de agora: 14 anos desde a data de publicação. Hoje são absurdos 70 anos após a morte do autor para a obra entrar em domínio público. E pode ser mais, se o governo dos EUA ceder de novo a armadilha Disney.

Durante os anos de vigência das patentes de Edison, Hollywood ganhou fortunas “com o trabalho intelectual de outros” sem pagar um centavo de royalties. Um século depois, casos como o do Megaupload – em que Kim Dotcom ganha fortunas com publicidade em arquivos digitais –  servem também para dizer pra Hollywood o quanto eles estão perdendo dinheiro em caçar estes “piratas”, e não roubar seus modelos de negócio.

Outro paralelo entre os dois casos é a conclusão de “é fora do monopólio que se incentiva a inovação“. Assim como as start-ups inovadoras de hoje, que não raro exploram o mercado do cinema na rede desafiando o monopólio de Hollywood, a constatação dos “independentes” que fugiram de NY não foi só tecnológica, mas de mercado: encontraram formas de criar audiências para filmes mais sofisticados e longa-metragens, convertendo assim o cinema em algo massivo e rentável. Coisa que Edson e a MPPC não conseguiram fazer em Nova York.

O esquema produtivo de Hollywood

W. W. Hodkinson é conhecido como “o homem que inventou Hollywood“. Foi ele que organizou uma forma de comercialização vertical entre estúdios, produtores e exibidores que permitiu a produção de longa-metragens e a distribuição em larga escala. Potencializou também o marketing no cinema e implementou o sistema de promoção conhecido nos meios teatrais, o “star system”, em que um reduzido grupo de estrelas garantiam o êxito dos filmes.

Como outros, Hodkinson esteve com Edison na MPPC, mas teve resistência em aplicar suas ideias. Em 1912, estabeleceu contato com os “independentes”, em especial com Adolph Zukor, com quem fundaria em 1914 a Paramount Pictures.

Na clandestinidade

Carl Laemmle (na foto acima) foi outro dos personagens desta saga de renegados. Laemmle começou com um “nickelodeon“, como se chamavam os pequenos cinemas de bairro no início do século, mas logo cresceu e comprou uma distribuidora de filmes. Passou então a querer comercializar filmes estrangeiros, e aí a fúria do truste de Edison o impediu.
O caminho foi a clandestinidade: fundou a “Independent Moving Pictures”que reuniu vários estúdios descontentes de Nova York, e teve em seu primeiro filme, ““Hiawatha” , de 1914,  um sucesso considerável na época.

Em um artigo do New York Times de 1912, Laemmle relatou alguns dos percalços para conseguir filmar “fora da lei”. A MPPC leu o texto e, em represália, entrou com uma representação contra o empresário, alegando que a máquina que usava para fazer filmes (acima) infringia as patentes da época. Foi o que bastou para Laemmle seguir para Hollywood e fundar a hoje poderosa Universal Pictures.

Mudanças de nome

 

Schmuel Gelbfisz é o último personagem dos “independentes” que destacamos aqui. De origem polonesa, Gelbfisz primeiramente emigrou para a Inglaterra e lá passou a se chamar “Samuel Goldfish”. Em 1898 chegou a Nova York e em 1913, junto com seu cunhado Jesse Lask (futuro co-fundador da Paramount), ingressou na produção de filmes. Assim como os outros, fugiu para Hollywood, onde esteve vinculado a Paramount durante alguns anos, até trocar de nome outra vez e, com ele, criar sua própria companhia: Samuel Goldwyn Pictures, que seria comprada pela Metro Pictures Corporation e passaria a se chamar “Metro-Goldwyn-Mayer” – a famosa MGM do leão que ruge.

 

Notas:1] Desnecessário dizer que “os independentes” em alguns anos se tornaram os grandes estúdios e um novo monopólio foi criado, que teve de ser desafiado na década de 1940 por gente como Orson Welles, Walt Disney ou Charles Chaplin, que formariam a United Artist… mas isso é outra história.
2] Texto traduzido/adaptado/remixado do Taringa. As fotos são de lá também, exceto Hollywood,  MGM, KIm Dotcom
 
]]>
https://baixacultura.org/2012/10/17/como-fazer-fortuna-roubando-dos-outros-os-piratas-de-hollywood/feed/ 0
Wu Ming e um maremoto anticopyright https://baixacultura.org/2012/07/09/wu-ming-e-um-maremoto-anticopyright/ https://baixacultura.org/2012/07/09/wu-ming-e-um-maremoto-anticopyright/#comments Mon, 09 Jul 2012 09:15:27 +0000 https://baixacultura.org/?p=6457

Damos sequência aqui ao trabalho iniciado neste post, a saber: republicar os textos da excelente biblioteca do site Rizoma.net, editado pelo saudoso Ricardo Rosas.

O texto de hoje é  do coletivo italiano Wu Ming. Os italianos, como já falamos por aqui, são um grupo que desde meados da década de 1990 milita sob a sigla do copyleft – até 1999 eles atendiam pelo nome de Luther Blissett Project

Foram, provavelmente, um dos primeiros coletivos “organizados” a fazer a ponte do anarquismo/punk da década de 1980 para a cultura digital/livre das décadas seguintes (e de hoje). [NE: O Wu Ming nos escreveu, via twitter, que não são anarquistas, mas sim marxistas libertários].Fizeram isso em uma porção de ações e textos, dos quais destacamos o Notas sobre Copyright e Copyleft, que já publicamos/traduzimos em 2009.

Olhaí: “Partimos do reconhecimento da gênese social do saber. Ninguém tem idéias que não tenham sido direta ou indiretamente influenciadas por suas relações sociais, pela comunidade de que faz parte etc. e então se a gênese é social também o uso deve permancer tal qual“.

*

As práticas do Wu Ming [expressão chinesa que também significa ‘cinco nomes’, a depender da entonação com que se fala] contra a lógica da cultura oficial – monetarista, individualista, apoiada no mito da celebridade e do gênio criador, este personagem não exatamente falso, mas que serve de fundo ideológico pro ideal de originalidade que sustenta a indústria do copyright – ocorrem em várias frentes.

Não apenas os livros do grupo podem ser oficial e gratuitamente baixados e livremente copiados, como os 5 integrantes do coletivo trabalham de fato coletivamente, assinando como grupo a autoria de vários de seus livros. Entre eles está o romance Q – O caçador de hereges, que desafia o argumento de que a pirataria mata o artista de fome, disponível pra download há vários anos e em várias línguas e ainda assim um best seller.

Mesmo os trabalhos individuais trazem a marca do grupo. O belo New Thinglançado no Brasil pela editora Conrad, é assinado por Wu Ming 1, mas a voz continua coletiva: o livro imita a edição de documentário, e toda a narrativa se desenrola através dos depoimentos dos personagens, apenas editados por um invisível diretor. Além disso, esta que seria uma espécie de narrativa policial (misteriosos assassinatos envolvendo músicos de jazz ocorrem na New York dos anos 60) traz toda a discussão em torno da cultura livre, desde o método da colagem até a tecnologia P2P.

A identidade do autor não é um segredo, e nem a de seus pares. Wu Ming 1 nasceu Roberto Bui – Wu Ming 2 é Giovanni Cattabriga, Wu Ming 3 é Luca de Meo, Wu Ming 4 é Federico Guglielmi e Wu Ming 5, Riccardo Pedrini. O coletivo contra-explica: “quem, ainda hoje, continua dizendo frases do tipo: ‘os 5 escritores que se escondem por trás do pseudônimo coletivo ‘Wu Ming” ou ‘que sentido faz não assinarem seus verdadeiros nomes, se na realidade todos sabem como eles se chamam?’ está convidado a efetuar as seguintes substituições: ’97′ no lugar de ’5′; ‘músicos’ no lugar de ‘escritores’; ‘London Symphony Orchestra’ no lugar de ‘Wu Ming’”. Tá bom assim?

No site do Wu Ming [na China, uma assinatura bastante comum entre os dissidentes que lutam por democracia e liberdade de expressão], como era de se esperar, há (além dos livros) diversos textos disponíveis pra download. No blog em inglês e espanhol, também. A grata surpresa está aqui, vários desses textos disponíveis em português, que vão desde colaborações e entrevistas concedidas à imprensa brasileira até ensaios e textos sobre cultura livre e pirataria – que é o caso do texto que republicamos aqui, copyright e maremoto.

Apesar de escrito no início da década passada (2001, 2002), copyright e maremoto é um texto deveras importante hoje. Primeiro porque faz, de forma didática, um balanço daquilo que já falamos por aqui faz tempos: “durante dezenas de milênios a civilização humana prescindiu do copyright“. Obras como Gilgamesh, o Mahabharata e o Ramayana, a Ilíada e a Odisséia jamais exisitiriam se naquela época o copyright estivesse valendo.

Segundo porque fala sabiamente que “terminou para sempre uma fase da cultura“.  A “cultura de massas” da era industrial (centralizada, normatizada, unívoca, obsessiva pela atribuição do autor, regulada por mil sofismas) está cedendo lugar a uma outra “cultura” (livre, de nichos?) que tem afinidade com a cultura popular (excêntrica, disforme, horizontal, baseada no “plágio”, regulada pelo menor número de leis possível). Taí uma relação importante (cultura livre/cultura popular) de ser feita para compreender o mundo hoje, cada vez mais globo-periférico.

Fizemos pequenas alterações no texto, suprimindo exemplos ligados ao contexto italiano e desatualizados. Tai:

Copyright e maremoto

Wu Ming

Fonte: Site da coleção Baderna (e-book Rizoma: Recombinação).

Atualmente existe um amplo movimento de protesto e transformação social em grande parte do planeta. Ele possui um potencial enorme, mas ainda não está completamente consciente disso. Embora sua origem seja antiga, só se manifestou recentemente, aparecendo em várias ocasiões sob os refletores da mídia, porém trabalhando dia a dia longe deles. É formado por multidões e singularidades, por retículas capilares no território. Cavalga as mais recentes inovações tecnológicas. As definições cunhadas por seus adversários ficam-lhe pequenas. Logo será impossível pará-lo e a repressão nada poderá contra ele.

É aquilo que o poder econômico chama “pirataria”. É o movimento real que suprime o estado de coisas existente. Desde que – a não mais de três séculos – se impôs a crença na propriedade intelectual, os movimentos underground e “alternativos” e as vanguardas mais radicais a tem criticado em nome do “plágio” criativo, da estética do cut-up e do “sampling”, da filosofia “do-it-yourself”. Do mais moderno ao mais antigo se vai do hip-hop ao punk ao proto-surrealista Lautréamont (“O plágio é necessário. O progresso o implica. Toma a frase de um autor, se serve de suas expressões, elimina uma idéia falsa, a substitui pela idéia justa“). Atualmente essa vanguarda é de massas.

Durante dezenas de milênios a civilização humana prescindiu do copyright, do mesmo modo que prescindiu de outros falsos axiomas parecidos, como a “centralidade do mercado” ou o “crescimento ilimitado”. Se houvesse existido a propriedade intelectual, a humanidade não haveria conhecido a epopéia de Gilgamesh, o Mahabharata e o Ramayana, a Ilíada e a Odisséia, o Popol Vuh, a Bíblia e o Corão, as lendas do Graal e do ciclo arturiano, o Orlando Apaixonado e o Orlando Furioso, Gargantua e Pantagruel, todos eles felizes produtos de um amplo processo de mistura e combinação, reescritura e  transformação, isto é, de “plágio”, unido a uma livre difusão e a exibições diretas (sem a interferência dos inspetores da Società Italiana degli Autori ed Editori)

Até pouco tempo, as paliçadas dos “enclosures” culturais impunham uma  visão limitada, e logo chegou a Internet. Agora a dinamite dos bits por segundo leva aos ares esses recintos, e podemos empreender aventuradas excursões em selvas de signos e clareiras iluminadas pela lua. A cada noite e a cada dia milhões de pessoas, sozinhas ou coletivamente, cercam/violam/rechaçam o copyright. Fazem-no apropriando-se das  tecnologias digitais de compressão (MP3, Mpge etc.), distribuição (redes telemáticas) e reprodução de dados (masterizadores, scanners). Tecnologias que suprimem a distinção entre “original” e “cópia”.

Usam redes telemáticas peer-to-peer (descentralizadas, “de igual para igual”) para compartilhar osdados de seus próprios discos rígidos. Desviam-se com astúcia de qualquer obstáculo técnico ou legislativo. Surpreendem no contrapé as multinacionais do entretenimento erodindo seus (até agora) excessivos ganhos. Como é natural, causam grandes dificuldades àqueles que administram os chamados “direitos autorais”.

Não estamos falando da “pirataria” gerida pelo crime organizado, divisão extralegal do capitalismo não menos deslocada e ofegante do que a legal pela extensão da “pirataria” autogestionada e de massas. Falo da democratização geral do acesso às artes e aos produtos do engenho, processo que salta as barreiras geográficas e sociais. Digamos claramente: barreira de classe (devo fornecer algum dado sobre o preço dos CDs?).

Esse processo está mudando o aspecto da indústria cultural mundial, mas não se limita a isso. Os “piratas” debilitam o inimigo e ampliam as margens de manobra das correntes mais políticas do movimento: nos referimos aos que produzem e difundem o “software livre” (programas de “fonte aberta” livremente modificáveis pelos usuários), aos que querem estender a cada vez mais setores da cultura as licenças “copyleft” (que permitem a reprodução e distribuição das obras sob condição de que sejam abertas”), aos que querem tornar de “domínio público” fármacos indispensáveis à saúde, a quem rechaça a apropriação, o registro e a frankeinsteinização de espécies vegetais e seqüências genéticas etc. etc.

O conflito entre anti-copyright e copyright expressa na sua forma mais imediata a contradição fundamental do sistema capitalista: a que se dá entre forças produtivas e relações de produção/propriedade. Ao chegar a um certo nível, o desenvolvimento das primeiras põem inevitavelmente em crise as segundas. As mesmas corporações que vendem samplers, fotocopiadoras, scanners e masterizadores controlam a indústria global do entretenimento, e se descobrem prejudicadas pelo uso de tais instrumentos. A serpente morde sua cauda e logo instiga os deputados para que legislem contra a autofagia.

A conseqüente reação em cadeia de paradoxos e episódios grotescos nos permite compreender que terminou para sempre uma fase da cultura, e que leis mais duras não serão suficientes para deter uma dinâmica social já iniciada e envolvente. O que está se modificando é a relação entre produção e consumo da cultura, o que alude a questões ainda mais amplas: o regime de propriedade de produtos do intelecto geral, o estatuto jurídico e a representação política do “trabalho cognitivo” etc.

De qualquer modo, o movimento real se orienta a superar toda a legislação sobre a propriedade intelectual e a reescrevê-la desde o início. Já foram colocadas as pedras angulares sobre as quais reedificar um verdadeiro “direito dos autores”, que realmente leve em conta como funciona a criação, quer dizer, por osmose, mistura, contágio, “plágio”. Muitas vezes, legisladores e forças da ordem tropeçam nessas pedras e machucam os joelhos.

A open source e o copyleft se estendem atualmente muito além da programação de software: as “licenças abertas” estão em toda parte, e tendencialmente podem se converter no paradigma do novo modo de produção que liberte finalmente a cooperação social (já existente e visivelmente posta em prática) do controle parasitário, da expropriação e da “renda” em benefício de grandes potentados industriais e corporativos.

A força do copyleft deriva do fato de ser uma inovação jurídica vinda debaixo que supera a mera “pirataria”, enfatizando a pars construens* do movimento real. Na prática, as leis vigentes sobre o copyright (padronizadas pela Convenção de Berna de 1971, praticamente o Pleistoceno) estão sendo pervertidas em relação a sua função original e, em vez de obstacularizá-la, se convertem em garantia da livre circulação.

O coletivo Wu Ming – do qual faço parte – contribui a esse movimento inserindo em seus livros a seguinte locução (sem dúvida aperfeiçoável): “Permitida a reprodução parcial ou total da obra e sua difusão por via telemática para uso pessoal dos leitores, sob condição de que não seja com fins comerciais“. O que significa que a difusão deve permanecer gratuita… sob pena de se pagar os direitos correspondentes.

Eliminar uma falsa idéia, substituí-la por uma justa. Essa vanguarda é um saudável “retorno ao antigo”: estamos abandonando a “cultura de massas” da era industrial (centralizada, normatizada, unívoca, obsessiva pela atribuição do autor, regulada por mil sofismas) para adentrarmos em uma dimensão produtiva que, em um nível de desenvolvimento mais alto, apresenta mais do que algumas afinidades com a cultura popular (excêntrica, disforme, horizontal, baseada no “plágio”, regulada pelo menor número de leis possível).

As leis vigentes sobre o copyright (entre as quais a preparadísima lei italiana de dezembro de 2000) não levam em conta o “copyleft”: na hora de legislar, o Parlamento ignorava por completo sua existência, como puderam confirmar os produtores de software livre (comparados aos “piratas”) em diversos encontros com deputados. Como é óbvio, dada a atual composição das Câmaras italianas, não se pode esperar nada mais que uma diabólica continuidade do erro, a estupidez e a repressão. Suas senhorias não se dão conta de que, abaixo da superfície desse mar em que eles só vêem piratas e barcos de guerra, o fundo está se abrindo. Também na esquerda, os que não querem aguçar a vista e os ouvidos, e propõem soluções fora de época, de “reformismo” tímido (diminuir o IVA* do preço dos CDs etc.), podem se dar conta demasiado tarde do maremoto e serem envolvidos pela onda.

*: Pars construens é uma expressão que desgina um “argumento construtivo” em algum debate, em contraponto ao “pars destruens“. A distinção foi feita por Francis Bacon, ainda em 1620.

Créditos Imagens: 1 (Steve Workers, by We Are Müesli), 3 (Wu Ming Blog)
]]>
https://baixacultura.org/2012/07/09/wu-ming-e-um-maremoto-anticopyright/feed/ 1
Anonymous e a nova ordem musical: o Anontune https://baixacultura.org/2012/04/24/anonymous-e-a-nova-ordem-musical-o-anontune/ https://baixacultura.org/2012/04/24/anonymous-e-a-nova-ordem-musical-o-anontune/#respond Tue, 24 Apr 2012 02:33:01 +0000 https://baixacultura.org/?p=6559

Que o mundo da música mudou com o advento do digital tu já deve estar cansado de saber, de tanto que falamos por aqui na série Notas Sobre o Futuro da Música.

Que estamos num mundo sem respostas únicas prontas e cheio de oportunidades para todos criarem as suas respostas, de acordo com suas especificidades, tu também deve saber: Gilberto Gil falou disso aqui, em 2009, e nós reiteramos sempre que pudemos – tipo agora.

Uma das últimas novidades nessa seara, que busca uma alternativa ao compartilhamento de músicas na rede, e que ainda está em vias de se concretizar, tem o nome de “Anontune” e está sendo desenvolvida pelos Anonymous. É uma plataforma que “puxa” músicas em streaming de outros lugares – como YouTube e o SoundCloud –  e permite que o usuário coloque e compartilhe essas músicas em playlists pessoais do modo que bem entender, segundo informações da Wireddo qual o Pitchfork e a revista paulistana NegoDito se basearam.

O pontapé inicial do desenvolvimento foi dado por volta do dia 23 de fevereiro deste 2012, um mês depois do fechamento do MegaUpload. Nessa ocasião, como tu bem lembra se acompanha esta página, o Anonymous promoveu um ataque ao departamento de justiça dos EUA, a Universal e a RIAA – além de ter disponibilizado vários links para download de discos e filmes do conglomerado Universal/Sony.

A new way to find music

Mas a ideia da plataforma é mais antiga. Segundo informações que a Wired obteve por e-mail de um dos criadores do Anontune, o projeto foi iniciado por um grupo de desenvolvedores há seis anos, quando o Anonymous em si nem passava de uma brincadeira.

Diz este desenvolvedor que a ideia veio de um papo qualquer sobre músicas, artistas favoritos e modelos de negócio. “As pessoas realmente usam o YouTube como um player de música. No entanto, ele é realmente uma droga para isso, é muito desorganizado”. O que aconteceria se você pudesse combinar músicas de sites como o MySpace, Yahoo, YouTube e outros e criar playlists mais robustas e organizadas?

Foi o que mais ou menos pensaram os criadores do Anontube  – e devem ainda estar pensando como viabilizar totalmente isso, porque o site está em modo very beta, 20% pronto, segundo infos da Wired.

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=LGHN_8Ay04A&feature=player_embedded]

Apesar dos 20% finalizado, o Anontune já tem muita coisa a se notar. É uma plataforma de música social, focada na busca e no consumo de música. Lembra um pouco o GrooveShark, a principal plataforma de música livre – pelo menos por enquanto.

Três frases explicativas pipocam do site very beta:

Completely free, no charge.

_ Ever wanted to instantly share the music on your iPod with your friends, without having to upload all of it somewhere? Simply upload your iPod music database and Anontune will do the rest – and it will only take a few minutes!

[Você sempre quis compartilhar instantaneamente a música em seu iPod com seus amigos sem ter que carregar tudo isso em algum lugar? Basta fazer upload de seu banco de dados de músicado iPod e o Anontune fará o resto – e levará apenas alguns minutos!, em tradução livre – e rápida]

Import playlists right from your iPod.

We don’t charge you anything for the use of Anontune. It’s completely and entirely free to use. No catch, no hidden costs, no “premium” subscriptions.

[Nós não cobramos nada pelo uso de Anontune. É completa e inteiramente livre. Sem pegadinhas, sem custos ocultos, sem assinaturas “Premium”.]

Listen to music from multiple sources.

Anontune itself does not host any music files. It simply searches for music on YouTube, Soundcloud, and other websites. The development of Anontune never stops, and in the future many more sources will be added!

[O Anontune em si não hospeda nenhum arquivo de música. Ele simplesmente procura por música no YouTube, Soundcloud, e outros sites. O desenvolvimento do Anontune nunca para, e no futuro muitos mais recursos serão adicionados!]

O Anontune trabalha num conceito esperto: automatizar o que a maioria das pessoas fazem manualmente. Depois de configurar uma conta, os usuários podem criar listas de reprodução – basta digitar os nomes das músicas a ouvir para acessá-las – ou escolher entre os nomes das músicas importadas de seus players. Fizemos a primeira opção na imagem acima: digitamos Led Zeppelin e apareceu alguns vídeos da banda inglesa.

Há um “motormusic”, executado no navegador do usuário, que busca a música na rede. Por enquanto, a maioria das músicas vem do YouTube e do SoundCloud, mas existe a intenção de  incluir MySpace, YahooMusic e outros serviços.

A ideia é fornecer uma plataforma flexível e aberta para usuários ouvirem música sem ter de “piratear” nada. Como? Sem hospedar nada, apenas direcionando para os links certos em outros sites e permitindo reorganizar essas músicas em formas de listas, sem download – e isso tudo podendo ser feito também de forma anônima.

[Este paper explica as intenções da ferramenta]

Resta saber 1) onde este site conseguirá ser hospedado e 2) como a polícia do copyright vai encarar uma iniciativa desse tipo do Anonymous. Se hoje já não há nenhuma simpatia com os “piratas da internet” – como a televisão sempre insiste em taxar os hackers & crackers – é certo que a força contra o grupo aumentará quando o Anontube estiver finalizado.

Ainda assim, eles não parecem ter medo. Diz o anon à Wired. “We need to think bigger. This is Operation Mozart”.

Créditos: 1 (Anonymous), 2, 3 (Anontube), 4.
]]>
https://baixacultura.org/2012/04/24/anonymous-e-a-nova-ordem-musical-o-anontune/feed/ 0
A biblioteca rizomática de Ricardo Rosas https://baixacultura.org/2012/03/09/a-biblioteca-rizomatica-de-ricardo-rosas/ https://baixacultura.org/2012/03/09/a-biblioteca-rizomatica-de-ricardo-rosas/#comments Fri, 09 Mar 2012 15:28:40 +0000 https://baixacultura.org/?p=6375

Ricardo Rosas foi uma das figuras mais proeminentes do ciberativismo brasileiro pré-popularização das redes sociais. Em 2002, quando Mark Zuckerberg recém entrava em Harvard e o Twitter não era nem ideia, o cearense de Fortaleza criou o Rizoma.net, um site que, ao longo de sete anos de existência, abrigou o melhor acervo nacional de artigos sobre hackativismo, contracultura e intervenção urbana.

Em 2003, Rosas fincaria de vez sua importância na cultura digital brasileira ao ser um dos organizadores do Mídia Tática Brasil, histórico encontro inspirado no holandês Next5Minutes, realizado na Casa das Rosas e no SESC, em plena Av. Paulista, entre 13 e 16 de março, que reuniu Gilberto Gil, John Perry Barlow, Richard Barbrook, Peter Pál PebartGiuseppe Cocco, André Lemos, Beá Tibiriçá, Gilson Schwartz, Hernani Dimantas, Lucas Bambozzi, Suely Rolnik, dentre outras tantas figuras e coletivos interessantes e representantivos da cultura digital da época. Foi um dos primeiros encontros no país a aproximar artistas, hackers, aficcionados por tecnologia e ativistas políticos.

Capa do site do Mídia Tática 2003

Além disso, o Mídia tática de 2003 é considerado por muitos o berço das políticas de cultura digital no MinC brasileiro. Foi ali que, segundo conta Claudio Prado, ele e Gilberto Gil – que mediou a mesa de abertura com John Perry Barlow, Richard Barbrook, Danilo Santos de Miranda (diretor regional do SESC), Beá Tibiriçá (na época, coordenadora do Governo Eletrônica da Prefeitura de SP) e Ricardo Rosas – tiveram o primeiro papo acertando os pontos para o trabalho com cultura digital no mistério. Gil já estava antenado no assunto, muito alimentado pelo antropólogo Hermano Vianna.

A mesa de abertura do Mídia Tática foi uma faísca só. Dizem aqueles que lá estiveram que foi um momento histórico: Barbrook,  professor da universidade de Westminster nos EUA (e que é comunista) detonou Barlow, vice-presidente da Electronic Freedom Foundation (e que já foi do partido Republicano); ambos tinham (ainda tem?) visões diferentes de mundo e, também, de cultura digital.

[Para os que ficaram curiosos, os arquivos desse debate podem ser baixados, parte 1 e parte 2; agradeço ao Felipe Fonseca pelos links].

A partir do Mídia Tática, Claudio Prado encontraria José Murilo Jr,  que ate hoje é o coordenador de cultura digital do MinC, Uirá Porã, Sérgio Amadeu e outras figuras que seriam alguma das principais responsáveis por colocar na cabeça do governo, via Gil, os conceitos de software livre, inclusão digital e copyleft – ideias que, hoje, sabemos que andam amplamente esquecidas pela ministra Ana de Hollanda.

Capa de Anarquitextura, do Rizoma

Ricardo faleceu em 11 de abril de 2007, em sua cidade natal, Fortaleza, por problemas de saúde. A relevância de seu trabalho também fez com que fosse homenageado em Fortaleza dando nome ao prêmio de arte e cultura digital da cidade.

De 2002 a 2009, o Rizoma.net abrigou um acervo significativo de artigos, traduções, entrevistas sobre hackativismo, contracultura e intervenção urbana. Parte desse acervo saiu do ar com o site, mas foi recuperado pelo coletivo CCR (Centro de Criação de Ruídos), que se dispôs a editorar em PDF os textos das seções do site. Num esforço conjunto com o Vírgula-imagem e com Jesus – assim se identificou o voluntário que enviou as últimas contribuições por email, segundo conta a Select – criou-se uma página onde estão disponíveis todos os PDFs e links.

Tem muita coisa boa. São 18 PDFs disponibilizados para download e visualização no Issuu, em edições intituladas “Neuropolítica“, “Lisergia Visual“, “Hierografia“, “Desbunde“, “Anarquitextura“, “Recombinação“, dentre outros. Todos são documentos importantes da contracultura, digital ou não, brasileira, e interessarão muito aos curiosos sobre o assunto.

Capa de "Recombinação"

Para se ater aquele tema que gostamos mais de falar por aqui, destacamos a edição sobre “Recombinação“. São 153 páginas de artigos, entrevistas e traduções em 37 textos que todos, sem excessão, poderiam ser abordados em posts diferentes por aqui. Tem Critical Art Ensemble com “Plágio Utópico, Hipertextualidade e Produção Cultural Eletrônica“, que re-plagiamos nos posts “Revalorizar o Plágio na Criação“; “Copyright e Maremoto“, dos italianos do Wu Ming, ambos textos do coletivo Baderna.org, que organizou a maravilhosa coleção Baderna da Conrad.

Brasil?  Tem “Manifesto da Poesia Sampler“, do Círculo de Poetas Sampler de São Paulo. “Por que somos contra a propriedade intelectual“, de Pablo Ortellado; “O que é arte xerox“, de Hugo Pontes”. “Entrevista o coletivo Re:Combo“, por Giselle Beiguelman. “A Cultura da Reciclagem“, por Marcus Bastos.

Traduções de textos clássicos? Tem “Montagem“, de Sergei Einsenstein. “Um Guia para o usuário do Detournament“, de Gil Wolman e Guy Debord (que já comentamos por aqui). “O método do cut-up“, de William Burroughs.

E muito mais coisas legais, que não vamos citar mais para não ficar cansativo. Melhor: vamos, nos próximos meses, republicar algum desses textos, com uma apresentação e/ou ensaio crítico – ou, caso precise, de alguma atualização. É uma forma de divulgá-los mais amplamente e, também, homenagear o belo legado que o Rizoma e Ricardo Rosas deixaram.

Capa de "Afrofuturismo", do Rizoma

Pra encerrar este post, vai uma compilação de textos que Rosas deixou, organizado por Marcelo Terça-Nada, do Vírgula-Imagem:

 Táticas de Aglomeração – Publicação do Reverberações 2006
Gambiarra: alguns pontos para se pensar uma tecnologia recombinante (PDF) – Caderno VideoBrasil
Nome: coletivos | Senha: colaboração – FILE / Sabotagem
Notas sobre o coletivismo artístico no Brasi – Trópico/UOL
Hibridismo Coletivo no Brasil: Transversalidade ou Cooptação? – Fórum Permanente/Fapesp
Alguns comentários sobre Arte e Política – Canal Contemporâneo
Hacklabs, do digital ao analógico (tradução) – Suburbia
The Revenge of Lowtech : Autolabs, Telecentros and Tactical Media in Sao Paulo (PDF) – Sarai.net

]]>
https://baixacultura.org/2012/03/09/a-biblioteca-rizomatica-de-ricardo-rosas/feed/ 7
Notas sobre o futuro da música (3): Andrew Dubber e a era digital https://baixacultura.org/2011/11/21/notas-sobre-o-futuro-da-musica-1/ https://baixacultura.org/2011/11/21/notas-sobre-o-futuro-da-musica-1/#comments Mon, 21 Nov 2011 11:45:45 +0000 https://baixacultura.org/?p=5785

O Auditório Ibirapuera é um prédio maravilhoso arquitetado por Oscar Niemeyer (ou seus asseclas) localizado no parque do Ibirapuera, em São Paulo. É uma casa de shows, com uma programação recheada de música boa, brasileira e internacional, a preços até que acessíveis (R$20 inteira, R$10 meia) e um Centro de Estudos, que inclui a Escola e o núcleo de Cultura Digital.

É desse centro de estudos que saiu a Revista Auditório, uma publicação que, por enquanto, tem dois números com textos excelentes – uma edição especial chamada “Repensando Música” e a outra, a nº1, com nomes como Allen Ginsberg, David Byrne, Guilherme Wisnik, Paulo Lins, Luis Nassif, Romulo Froés, Idelber Avelar, Alexandre Matias, Pena Schmidt e Yochai Benkler falando também de música, além de (mais uma) boa entrevista com Kenneth Goldsmith, do UbuWeb.

As duas revistas foram editadas por Lauro Mesquita, Alexandre Casatti, Joaquim Toledo Jr., Juliana Nolasco e Tiago Mesquita, que desde já merecem os nossos parabéns pelo belo trabalho realizado. As edições, que podem ser baixadas naquele link do parágrafo acima, tem muita munição para divulgar, discutir, refletir, coisa que tentaremos fazer a partir dos próximos parágrafos.

*

Na Revista Auditório nº1, um texto que merece atenção especial nesse post é “O Verdadeiro Futuro da Música“, por Andrew Dubber – um cara abalizado pra falar sobre o assunto: é professor-assistente de Inovação na Indústria da Música do Centro de Mídia e Pesquisa Cultural de Birmingham, “provavelmente a única pessoa com esse título profissional”, como ele diz no texto.

Sendo o “futuro” da música algo que Dubber lida em sua rotina diária, suas opiniões sobre isso são bem pertinentes. Por exemplo, saca esse trecho abaixo onde ele dá um direto na cara dos futurólogos de ocasião:

A verdade nua e crua é que aquilo para o qual você quer se preparar é algo absolutamente impossível de se conhecer. Não só não será a continuação de algo que vem crescendo paulatinamente – permitindo que os especialistas apontem e digam “Veja – ali está o futuro e será algo grande” – nem tampouco reconheceremos quando virmos. Somos  particularmente ruins em reconhecer o que é importante até que seja importante. Mas somos ainda piores em reconhecer o que é o futuro e o que não é. 

O futuro não é celular. Não é o Facebook. Não é áudio em streaming. Não é assinatura, não é música ao vivo e não são aplicativos. Já  temos tudo isso. Isso é o presente e mesmo, até certo ponto, o passado da  músicanão é o futuro.

Dubber continua a disferir diretos nos futurólogos dizendo que, mais do que ficar inventando coisas só pelo prazer de dizer depois que foi tu quem inventou isso antes de todo mundo, melhor é prestar atenção as trocentas coisas que estão acontecendo hoje. O truque, diz ele, é não tentar adivinhar o que vai acontecer em seguida, mas simplesmente tentar entender o mundo como é agora e então enfrentar a questão.

A única coisa pior que ficar tentando adivinhar o futuro é fingir que ainda estamos no passado, continuar agindo como sempre agimos, e depois insistir que o resto do mundo se comporte da mesma forma – coisa que, tu sabe, as gravadoras, os grandes estúdios de Hollywood e outros barões do copyright continuam a fazer.

Assim Dubber finaliza esta parte: “Quando o mundo muda à sua volta, você não pode continuar fazendo o que sempre fez, e não se pode obrigar que as pessoas façam o que costumavam fazer, só porque isso o deixa feliz. É preciso compreender o ambiente  contemporâneo da mídia e se adaptar a ele”. É uma variação da frase: Tá morrendo? Deixa morrer e ver o que vem no lugar – se vier algo.

**

Até a cultura digital, música era sempre comercializada assim: em massa

Para contextualizar a discussão, o professor inglês propõe uma divisão da história da mídia em “eras”, algo que tem sido bastante usado nos textos sobre o assunto hoje – nós mesmos fizemos algo do tipo nesse e nesse post, baseados num artigo de Alex Primo.

Ele começa com a era oral, onde apenas falávamos uns com os outros e histórias eram contadas e passadas de geração em geração. Este período durou cerca de 10 mil anos; nele, diz Dubber, “a forma principal de ganhar dinheiro com música nessa época era viajando de um lugar a outro, cantando e contando histórias“. Foi a era do trovador.

Depois veio a era da escrita, que provavelmente durou cerca de mil anos – a escala, mais que a precisão do tempo, é o que vale aqui, lembra o professor. Nessa época, o principal meio de se fazer dinheiro com música foi através do mecenato. “Pessoas ricas e membros dos mais altos escalões do clero pagavam aos compositores para irem morar com eles, escrever músicas e depois entregar as partituras a músicos profissionais para que interpretassem o que estava escrito e tocassem música para dançar nas festas dos ricos, e hinos e oratórios para as grandes catedrais”, escreve Dubber na página 113.

A terceira é a era da produção em massa, que vem com a imprensa de Gutemberg. É a era da produção, impressão e de alfabetização em massa, que traz consequências de todas as ordens e durou cerca de 500 anos. Nela, o principal meio de fazer dinheiro com música foi a produção em massa de partituras de música; foi através de apresentações de um repertório internacional em todo o mundo que essa tecnologia se tornou possível.

Na sequência, vem aquela em que muitos de nós nascemos: a era elétrica. É o período da comunicação de massa, com públicos nacionais, globais, e da música compartilhada, do consumo simultâneo de produtos de mídia. O modo principal de se fazer dinheiro com música é gravando e transmitindo. “É a abordagem do ‘faça um, venda muitos’ da era da impressão, mas aumentada e turbinada, porque é a própria apresentação musical que está sendo produzida em massa e que repercute”.

Dubber explica detalhadamente o funcionamento dessa era, que durou cerca de 100 anos.

O truque econômico na era da mídia elétrica é “altos custos fixos, baixos custos marginais”. Isto é, custa caro gravar um disco, mas fazer cópias sai quase de graça, em relação ao preço cobrado no varejo. Há um custo grande para se produzir um vídeo de música, mas cada espectador adicional custa fundamentalmente nada em termos de custos adicionais. O cenário ideal, a propósito, é que haja um disco de um cantor que todo mundo compre no mundo inteiro. Quase chegamos a isso com Michael Jackson, a certa altura.

***

Santo Vaso Nosso de cada dia na era digital, por Millor

Pois aí é que entramos na era digital. Dubber enfatiza: não estamos mais na era elétrica, mesmo que muitos de nós (alô gravadoras, alguns artistas, ECAD) vejam ela como a “forma natural” de hoje.

E explica: “Ainda podemos contar histórias em volta da fogueira e sair cantando por aí para ganhar dinheiro. Ainda podemos escrever música sob encomenda e escrever nossas composições em papel para que nossos amigos toquem. Ainda é possível ter um negócio perfeitamente legítimo imprimindo e vendendo partituras de música ou ter uma casa de espetáculos em que os artistas populares locais apresentam um repertório importante. Mas a questão é que esses não são mais os meios principais de se produzir, distribuir ou consumir música. Não é aí que está o dinheiro”.

A configuração é outra. O inglês diz que “é uma questão de compreender o muito para muitos, o mundo comunicativo coloquial, vernáculo e interligado em que vivemos, e então, assim como nossos antecedentes musicais, encontrar um meio através do qual nossos talentos, habilidades, dons e habilidades empreendedoras possam adquirir renda com isso de que gostamos tanto”.

Mas a notícia péssima é que não, ainda não sabemos como se ganha dinheiro com música na era digital. Não há uma resposta pronta, mas algumas possibilidades e oportunidades. E não há mais destas oportunidades porque, como cita com precisão o texto, “a maior parte da indústria da música no planeta ainda age como se estivesse mais ou menos na era elétrica, só que com alguns brinquedinhos novos. Ainda priorizamos a gravação e a transmissão como se continuassem a ser o meio principal de ganhar dinheiro com música – apesar de todas as provas em contrário”.

****

Conjunto de suposições (regras?) sobre o futuro da música

Na sequência conclusiva do artigo, Dubber fala de algo que deveria ser óbvio: em vez de querer prever o futuro da música (ou de qualquer coisa), o melhor é perceber o presente em que estamos e inventar um futuro.

“O verdadeiro desafio para a indústria da música não é se manter ou se adaptar às mudanças da mídia.  O desafio está em inovar. Surgir com algo realmente novo, no qual ninguém tenha pensado ainda. Ser o primeiro a ligar, com uma nova forma, a composição à produção da música e a distribuição da música ao consumo da música, e vislumbrar o que deverá acontecer com a promoção da música ao final de tudo isso”.

Esse parte acima não te faz lembrar, mesmo que vagamente, na iniciativa de lançamento do novo disco da Bjork que falamos aqui? A ideia do software como música é uma alternativa que está, de alguma forma, tentando “inventar” um futuro, ainda que baseado nas possibilidades do presente. É uma estratégia que consegue pensar em produção, circulação e consumo ao mesmo tempo, tudo se ligando num mesmo lugar (o software).

Há, claro, riscos nessa via do software: um deles é o fato de, no disco de Bjork, o aplicativo ser Apple, só visualizado em Iphone, um sistema fechado. Outro risco que se corre é o de, se o software como música “pegar”, todos quererem adotá-lo como “o” formato a ser seguido, replicando assim uma mesma solução para produtos com características bem diferentes.

Não vai dar certo. Impor um único sistema e fazer o mundo inteiro se adequar para que ele seja sustentável não costuma funcionar em nenhum lugar do mundo, nem em qualquer tempo. Por mais difícil que seja para quem está na labuta diária, a ideia parece ser mais a que Gilberto Gil citou numa fala já reproduzida por aqui:  “A digitalização não exige que toda obra de arte seja de graça, mas que um modelo próprio de comercialização seja criado para cada necessidade”.


Créditos imagens: 1, capa Revista Auditório, 2, 3, 4.
]]>
https://baixacultura.org/2011/11/21/notas-sobre-o-futuro-da-musica-1/feed/ 2