Resultados da pesquisa por “luther blisset” – BaixaCultura https://baixacultura.org Cultura livre & (contra) cultura digital Tue, 20 Sep 2022 16:22:54 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.0.9 https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2022/09/cropped-adesivo1-32x32.jpeg Resultados da pesquisa por “luther blisset” – BaixaCultura https://baixacultura.org 32 32 Fagulha com autonomismo & hackativismo https://baixacultura.org/2019/11/20/fagulha-com-autonomismo-hackativismo/ https://baixacultura.org/2019/11/20/fagulha-com-autonomismo-hackativismo/#respond Wed, 20 Nov 2019 10:34:00 +0000 https://baixacultura.org/?p=13083

Em 20 de novembro de 2019, no aniversário de 10 anos da morte do Daniel Pádua*, o Fagulha Podcast conversou com Leonardo Foletto e Desobediente (respectivamente, editor do BaixaCultura e agitador cultural e autonomista, a dupla que mantém o curso “Tecnopolítica e ContraCultura“) sobre autonomismo, Luther Blissett, hacktivismo, composição de classe, Bifo, as influências do autonomismo italiano no anarquismo contemporâneo, no hacktivismo, e nas formas de luta libertárias de hoje.

Dá para escutar e baixar em MP3 neste link.

O podcast traz uma tentativa, também, de aproximar o autonomismo do pensamento anarquista – mais precisamente, do que se convencionou chamar de pós-anarquismo, uma série de mudanças na forma de pensar e agir do anarquismo que se deu a partir do evento conhecido como “Batalha de Seattle” em 1999, quando da ocasião da reunião da OMC (do qual já falamos por aqui). Aliás: a edição seguinte do Fagulha podcast trata justamente desse momento histórico e traz como convidados Acácio Augusto e Camila Jourdan.

Sobre o pós-anarquismo, cabe aqui algumas indicações dos nossos parceiros da editora Monstro dos Mares. A primeira é “Como o novo anarquismo mudou o mundo depois de Seattle e deu origem ao pós-anarquismo“, texto de Süreyyya Evren que detalha esses caminhos novos do anarquismo, principalmente sob a influência do pós-estruturalismo e do pós-modernismo; e o outro é “Políticas do Pós-Anarquismo“, de Saul Newman, que aprofunda a discussão sobre novos anarquismo a partir do pós-estruturalismo e também da Análise de Discurso e fala do momento e da problemática pós-anarquista. Ambos textos são parte do livro “Post-Anarchism, A Reader“, organizado por Süreyyya Evren e Duane Rousselle, publicado em 2011 e referências importantes para entender como se move o anarquismo hoje (e que você pode baixar aqui, de grátis). A seguir, dois trechos, do primeiro e do segundo, respectivamente:

“O anarquismo é amplamente aceito como “o” movimento por trás dos princípios organizacionais fundamentais dos movimentos sociais radicais no século XXI. A ascensão do movimento “antiglobalização” esteve ligada a um ressurgimento geral do anarquismo. Esse movimento foi colorido, enérgico, criativo, eficaz e “novo”. E o crédito pela maior parte dessa energia criativa foi para o anarquismo. O anarquismo parecia estar tomando de volta seu nome como movimento e filosofia política das conotações e metáforas de caos e violência. A estratégia da mídia corporativa de se concentrar exclusivamente na tática dos black blocs, infelizmente, não apenas reproduziu essas conotações, mas também ajudou a atrair mais atenção para os pensadores políticos e ativistas que entendiam o motivo de todo esse alarido. Por sua vez, surgiram trabalhos mais eruditos e políticos sobre o anarquismo e o novo “movimento”(EVREN, 2011)

O que torna esse movimento radical é sua imprevisibilidade e indeterminância – a forma como ligações e alianças inesperadas são formadas entre diferentes identidades e grupos que, de outra forma, teriam pouco em comum. Ao mesmo tempo em que esse movimento é universal, no sentido de invocar um horizonte emancipativo comum que constitui as identidades dos participantes, ele rejeita a falsa universalidade das lutas marxistas, que negam a diferença e subordinam as outras lutas ao papel central do proletariado – ou, mais precisamente, ao papel vanguardista do Partido. (NEWMAN, 2011).

Como falamos (Leonardo’s) no podcast, o autonomismo tem bastante referência no anarquismo, tanto que nos primeiros anos da década de 1960, mesmo reivindicando o marxismo nas primeiras revistas, os autonomistas foram chamados de anarcosociólogos, já que bebiam muito dos anarquismos italianos.

Fonte: Wikipedia

* Pra quem não conhece, saiba: Daniel Pádua foi um importante hacker e ativista brasileiro. Seu blog continua no ar e é um rico acervo do que se passava na internet brasileira entre 2001 e 2009. dpadua, como era conhecido, foi um dos idealizadores e articuladores da rede MetaReciclagem, trabalhou nos primeiros anos do MinC comandado por Gilberto Gil, na EBC e fomentou a articulação de muitos projetos de uma internet livre.

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Streaming e a “pirataria” digital atuam em parceria? https://baixacultura.org/2019/09/25/streaming-e-a-pirataria-digital-atuam-em-parceria/ https://baixacultura.org/2019/09/25/streaming-e-a-pirataria-digital-atuam-em-parceria/#respond Wed, 25 Sep 2019 14:59:46 +0000 https://baixacultura.org/?p=13003 Faz alguns anos que, aqui no BaixaCultura, temos uma seção em que publicamos trabalhos acadêmicos (TCCs, dissertações e teses) sobre os temas que tratamos (cultura livre, direito autoral, compartilhamento, “pirataria”, guerrilha da comunicação, contracultura digital, tecnopolítica), acompanhados de textos mais soltos que apresentam os trabalhos. Alguns dos trabalhos trataram, por exemplo, da relação do jornalismo com o compartilhamento a partir do The Pirate Bay; das táticas antimidiáticas contra o biopoder de Luther Blisset; da batalha entre propriedade intelectual e a cultura livre; um zine-dissertação que fala de produção de conhecimento.

O de hoje é a tese de Andressa Soilo, pesquisadora e agora doutora em Antropologia Social pela UFRGS. Abaixo está o texto que ela fez especialmente pra apresentar sua tese; ao final, seu trabalho está disponível na íntegra.

[Leonardo Foletto, editor]

 

O tema de minha tese surgiu de meu interesse pela prática da pirataria, e da então atraente e promissora tecnologia streaming. Em 2015, quando ingressei no doutorado em Antropologia Social na UFRGS, quando ainda sondava a temática de minha futura tese, o streaming vivia o apogeu de sua popularidade enquanto meio de distribuição e consumo de entretenimento, e irrompia como promessa, esperança, solução para aqueles desconfortáveis com a prática dita “pirata” – acesso não-autorizado de conteúdo.

As expectativas e os novos ares que tal tecnologia mobilizava à época estavam associados, sobretudo, a um possível declínio, e até morte da pirataria em razão das (cativantes) plataformas de streaming existentes. Essa atmosfera mobilizou não apenas um estranho frenesi pelo possível óbito de uma prática que resistia há duas décadas a nível global, mas também meu interesse em analisar as relações entre as plataformas de transmissão instantânea e a pirataria. Afinal, seria o colapso de um meio de acesso a conteúdo altamente popular? Seria o fim da pirataria? Quem recorreria a tal prática após a sólida notoriedade de serviços como Spotify e Netflix? Estaria a pirataria tão distante de tal tecnologia?

As perguntas eram diversas. Não havia quem, em meu círculo social, que não comentasse de alguma série ou documentário que assistiram na Netflix, ou que não mencionasse as playlists que faziam ou que lhes eram recomendadas pelo Spotify. O que a pirataria tinha a ver com essa localização de diversos adoradores do entretenimento na legalidade? Muito.

No período de julho de 2015 a maio de 2019 analisei, através etnografia no campo digital, as relações entre pirataria e o mercado legalizado de streaming de filmes, músicas e produções correlatas. Minha pesquisa teve como interlocutores, dados, campo e meio de transporte ao campo, o espaço digital oportunizado pela internet. Os agentes, as interações observadas, os dados produzidos foram possíveis através de redes de transmissão de dados, backbones, provedores de acesso, url’s (Uniform Resource Locator), sites, programas, algoritmos, hardwares, entre tantos outros agentes sociotécnicos capazes de produzir e estabelecer mediações entre pessoas e o contexto digital.

Analisei, especialmente, manifestações de serviços de streaming que tem como principal finalidade a venda de acesso/assinatura, como Spotify, Deezer, Netflix, Tidal, Hulu e Amazon Prime Video; as agências de 314 interlocutores localizados em 31 países praticantes da “pirataria” na mídia social Reddit, mais especificamente no subreddit Piracy; e a agência do programador da plataforma de streaming Leonflix, plataforma considerada pirata.

Após inúmeras horas de interação e análise no campo digital e depois da coleta de centenas de relatos e discursos de interlocutores, foi a mim possível visualizar respostas às perguntas que inicialmente me instigaram a produzir minha tese.

A pirataria não se apresenta “fora” da distribuição e consumo legalizados do entretenimento. Ela é uma coautora de tal formato de acesso, influenciando, inspirando e dialogando com o circuito da indústria formal. Minha pesquisa permite argumentar que a “pirataria” e os serviços de streaming atuam dialogicamente de modo a integrarem uma maleável e mutável cadeia relacional de negociações atravessada por moralidades, sentidos de justiça, criatividades, interações com a lei e desejos.

Constantemente ajustada por segmentos considerados ilegais, o mercado do entretenimento em streaming é produzido tanto por CEOS’s, produtores e artistas, quanto por programadores e usuários “piratas” que estabelecem, muitas vezes através de vias extralegais, os padrões do “dever ser” da indústria.

[Andressa Soilo]

A tese, chamada Habitando a distribuição do entretenimento: o regime de propriedade intelectual, a tecnologia streaming e a “pirataria” digital em coautoria“, está disponível para consulta e download.

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Charlatanismo Revolucionário e a destruição do estado https://baixacultura.org/2019/09/06/charlatanismo-revolucionario-e-a-destruicao-do-estado/ https://baixacultura.org/2019/09/06/charlatanismo-revolucionario-e-a-destruicao-do-estado/#respond Fri, 06 Sep 2019 12:24:46 +0000 https://baixacultura.org/?p=12965

Há algumas semanas chegou em nosso email uma mensagem, de autor anônimo, perguntando se gostaríamos de publicar um pequeno livro sobre a mentira como estratégia de guerrilha contra o poder (mais precisamente, o Estado). Junto do e-mail, criptografado, veio dois anexos: um texto resumindo a obra, com o sugestivo nome “texto para blog” e o livro em PDF, intitulado “Uma Ode à Mentira para Destruição do Estado”. Achamos curioso; costumamos receber sugestões de pauta, pedidos para esclarecer algumas dúvidas (a maioria técnicas), fazer contatos, pedir zines, informações sobre os cursos, ou simplesmente comentários aleatórios criticando ou nos elogiando, mas nunca um email não assinado com um material completo para publicação.

Fomos ler o livro em anexo e nos pareceu interessante; bem diagramado, curto (70 páginas), havia uma série de referências à guerrilha da comunicação que trabalhamos em oficinas, cursos e textos para esta página, como Wu Ming, The Yes Men e Luther Blisset, e outras tantas citações ótimas, como de Malatesta, Chomsky, Ranciere e até Dairan Paul, que defendeu uma monografia sobre Luther Blisset já comentada por aqui. Havia ideias um tanto confusas (propositadamente?), mas outras sacadas e citações deveras interessantes; apêndices com um ótimo conto popular russo do século XX e outro conto de um escritor anarquista espanhol do século XIX. De autoria, algumas pistas: se tratava de um trabalho final de uma graduação, em artes visuais, de alguém que mora em São Paulo – percebe-se pelos agradecimentos da obra – e dois nomes: Patrik e Berth Pool, tido como autores da obra e que também assinava o outro arquivo enviado como anexo, “texto para blog”. Na rede, nenhuma referência a estes nomes, juntos ou separados.

Resolvemos publicar. Segue, abaixo, o conteúdo deste arquivo; ao final, a obra para download, de onde também tiramos as imagens que ilustram esse post.

“A partir da observação da capacidade do Estado em cooptar todas as formas de artes contra-hegemônicas para delimitar sua segurança, notou-se que uma das ações que as classes dominantes e o governo mais praticam é o ato de mentir. A mentira do Estado sustenta os ideais de nacionalismo, mascara o racismo e ilude o consumidor através da publicidade.

Diante do quadro de ascensão das forças neoliberais e fascistas no mundo na atualidade, e reconhecendo a necessidade de encontrar novas formas de ação contra essas potências – pois alguns métodos tradicionais de luta já são, em certo ponto, facilmente interrompidos pelo Estado – o livro enxerga na utilização da mentira pelos dissidentes desse sistema, uma capacidade de provocação ácida das autoridades.

Esse recurso abre caminho para a infiltração de outras ações rebeldes que miram a destruição do Estado. Portanto, parte da ideia do livro, não coloca como fim e tampouco pinta como salvadora a utilização da mentira como ação contra-hegemônica, mas ela resgata na história do mundo ações individuais e coletivas de natureza semelhante e estimula a exaltação da criatividade por uma perspectiva da rebeldia.

É importante ressaltar que a valorização da mentira neste livro se dá pelo viés de manifestação artística, onde os mentirosos são possíveis performers e suas mentiras podem se materializar em qualquer que seja a linguagem mais adequada para fazê-las explodir. É nesse ponto que se conclama a inversão do objetivo usual do ofício do charlatão – mentia anteriormente para manipular consumidores; agora, mente para desmascarar as mentiras do capitalismo.
Em um segundo momento do livro, reconhece-se a importância do ofício do contador de histórias nos processos educativos em espaços configurados ou não como instituições de ensino. O contador conta ficções, farsas, mentiras, mas isso não confere para suas narrativas uma problemática antiética, sendo que muitas vezes os contos carregam valores morais e éticos nesse ambiente lúdico propositalmente instaurado. As histórias são potentes. As mentiras também.

Sendo assim, a mentira pode ser reconfigurada pelos educadores – e aqui atribui-se uma reverência ao contador de histórias – a fim de se criarem ensejos de uma sociedade que não corresponda aos critérios do capitalismo. As mentiras podem inventar causos exemplares de reação dos oprimidos ao Estado e incitar a subversão criativa rumo a libertação dos povos, e serem contempladas seguramente por uma perspectiva da esfera da Educação.

Por fim, adverte-se aos interessados que este livro foi escrito para a consagração do ritual de formação de um curso de graduação em Artes Visuais. Sustentado pela descrição de performances mentirosas e literatura duvidosa, a pretensão da queda do Estado é reduzida metodologicamente à própria composição literária deste trabalho para efeitos comparativos a cargo do leitor. Nesse contexto, também não deixa de se fazer uma autocrítica ao reconhecer as limitações da mentira no espectro da transformação social, mas assente sobre sua capacidade de inflamação do espírito revolucionário entre os dissidentes do capitalismo.

Patrik e Bert Pohl


Uma Onde à Mentira como Destruição do Estado.

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Tecnopolítica e contracultura: um experimento em ação https://baixacultura.org/2019/02/18/tecnopolitica-e-contracultura-um-experimento-em-acao/ https://baixacultura.org/2019/02/18/tecnopolitica-e-contracultura-um-experimento-em-acao/#comments Mon, 18 Feb 2019 15:42:26 +0000 https://baixacultura.org/?p=12728

Terminou na última quarta-feira, 13 de fevereiro, a primeira edição do curso “Tecnopolítica & Contracultura”, um passeio pelo pensamento e ação de autonomistas, anarquistas, hackers e outrxs rebeldes. Durante três dias, propomos – este que cá escreve, Leonardo Foletto, e Leonardo Retamoso palma – uma jornada por ideias, conceitos, práticas, ações e referências em busca da retomada de um pensamento tecnopolítico que bebe muito na fonte dos autonomismo e operaísmo italiano da década de 1960 para encontrar saídas de análise e ação dessa “ressaca da internet” que nos metemos neste final de década de 2010. Um público muito diverso, de cerca de 30 pessoas nos 3 dias, aceitou nossa proposta e embarcou no passeio: de recém saídos do Ensino Médio a professores pós-doutores de universidades, passando por artistas, programadores, designers, jornalistas e arquitetas, nos tornamos uma potente multidão em busca de abrir as caixas-pretas da tecnologia e entender como se dá essa louca composição que nos causa esperança e sofrimento, depressão e euforia, liberdade e prisão.

O autonomismo italiano serviu como um primeiro recorte histórico de um movimento/período/grupo que, além de tomar ruas, fábricas e universidades, criou suas próprias tecnologias (como a Rádio Alice, pioneira rádio livre criada em 1977 e com boa parte de seu acervo nesse site) e não se furtou a disputar a tecnologia em vez de demonizá-la – ou idolatrá-la como a salvação para os problemas da humanidade, esquecendo do elemento humano e político em sua construção. Depois, os fabulosos 1990 trouxeram altermundistas, zapatistas, ciberativistas, hackers e militantes do software livre a compor uma poderosa frente contra o capital global que buscava (e ainda busca) a decomposição em busca da dominação. A criatividade, expressa na guerrilha da comunicação/artivismo, foi essencial nesse período, com os teatros midiáticos coletivos de Luther Blisset e Wu Ming, bem conhecidos de quem frequenta esse espaço virtual; os protestos pacíficos dos Tute Bianche, que iam para o front (mesmo) dos protestos com chamativas roupas e equipamentos de brinquedo para pontuar o ridículo do conflito armado; os sit-in virtuais em prol dos zapatistas, que interditavam sites estratégicos em prol de uma causa específica. Com esses e outros diversos exemplos, trouxemos a discussão para o presente e identificamos como a arte, quando formada pelo encontro ingovernável de corpos eróticos, é fundamental na mudança de perspectiva sobre ruas, computadores, governos, instituições e nós mesmos.

Por fim, trouxemos os hackers e sua ética de liberdade e transparência, fundamental para a construção da internet livre como a conhecíamos até pouco tempo atrás. Pontuamos no debate os princípios contraculturais da ética hacker (aqui tem bastante material sobre isso, feito para minhas aulas de Cultura Hacker e Jornalismo), mas ouvimos o feedback que, por menos discriminatórios que sejam alguns dos princípios hackers, a prática nos diz que muitos hackers e programadores endossam o machismo e a misoginia. Para reverter esse processo é fundamental o trabalho de iniciativas que relacionam as questões feministas e LGBTQ com as tecnologias digitais e a cultura hacker, como muitas das que divulgamos nesse post no 8 de março de 2018, hackerspaces como MariaLab, grupos como Mulheres na Tecnologia e iniciativas recentes como o portal Acoso Online, que trata de trazer informações sobre publicação sem consentimento de imagens e vídeos íntimos por meios eletrônicos.


Finalizamos, nas duas horas finais das 12h de curso, com algumas inquietações, sugestões de ações e trechos de textos que nos convidam a agir.
Abrir as caixas-pretas, da tecnologia e dos sistemas políticos, econômicos e institucionais, em busca da transparência desses sistemas é um objetivo sempre em vista.
Que a urgência desse momento de tantos retrocessos e conservadorismo global seja uma inquietação para agir, não para se desesperar; há muito o que se construir, se unir e (re) lembrar afinal porque somos humanos e porque o conhecimento que produzimos pode servir para a busca de justiça social e redução das desigualdades.
Que, na aceleração da infoesfera que nos entope de informação, limitar (ou organizar) os muitos estímulos vindo de todos lados é não somente razoável como necessário para agir.
Que é importante politizar o mal-estar, como nos fala Amador Fernandez-Savater; que esse mal-estar geral que vivemos em torno dos retrocessos e ascensão de práticas relacionadas ao que chamamos de fascismo pode ser elaborado enquanto força afirmativa de transformação e de construção de possibilidades e modos de viver. Não deixar o choro e o sofrimento em casa, mas sim trazê-los, junto com o mal-estar, para o debate (hay que vir llorado de casa!) e falar sobre ele. Mesmo que não se saiba onde essa discussão vai dar: no caminho podem ocorrer mudanças que nos tiram do imobilismo da crítica pela crítica. Aprender a viver a partir e com a crise é um primeiro passo para sair dela, o que inclui não negar o subjetivo e os afetos na política, mas unir estes afetos, destrinchá-los e trabalhar com eles, compartilhando vulnerabilidades – situações como a dos três dias de curso que propomos são algumas das possíveis de fazer essa discussão.

“A ação da multidão não é outra coisa que esta proliferação contínua de experiências vitais que têm em comum a negação da morte, a recusa radical e definitiva do que paralisa o processo da vida”. (Antonio Negri)]

[A ‘deserotização’ da vida cotidiana é o pior desastre que a humanidade pode conhecer…é que se perde a
empatia, a compreensão erótica do outro…” (Franco Berardi, Bifo)]

[“A ação … diz respeito, antes de mais nada, ao sentir. Agir significa modificar a maneira de sentir junto…” (Maurizio Lazzarato)]

[“Refiro-me à multidão de festa, à multidão de alegria, à multidão espontaneamente amorosa, embriagada apenas pelo prazer de se reunir por se reunir.” (Gabriel Tarde)]

[“… o mais profundo é a pele…” (Paul Valéry)]

“Tecnopolítica e Contracultura” é um experimento disparador de ideias e ações que visam a nos tirar da letargia do “não há nada a fazer”. Como tal, segue em outros locais e com outras pessoas; nas próximas semanas vamos avisando os próximos passos e datas. Aqui está o material guia utilizado no curso. Adelante!

 

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Tecnopolítica e contracultura – a estreia de um curso https://baixacultura.org/2019/01/17/tecnopolitica-e-contracultura-a-estreia-de-um-curso/ https://baixacultura.org/2019/01/17/tecnopolitica-e-contracultura-a-estreia-de-um-curso/#respond Thu, 17 Jan 2019 19:42:03 +0000 https://baixacultura.org/?p=12712
Se nos anos 1990, com o casamento do digital com a internet, enxergávamos enormes possibilidades de libertação (da informação de grandes grupos midiáticos, de liberdade de falar o que bem quiser, de criar tecnologias e mundos novos), hoje parece que estamos a lidar com consequências nefastas, representadas em uma palavra na moda nestes tempos: distopia.

Nos descuidamos – ou não conseguimos? – prestar atenção na ascensão de plataformas globais de tecnologia, que por sua vez construíram bolhas de informação que confirmam pontos de vista, espalham mentiras e criam realidades alternativas que em muitos casos não há informação comprovada que consiga mudar. Como podemos compreender o contexto tecnopolítico hoje? Que caminhos podemos apontar para discutirmos e transformarmos a política que sempre está junto na construção de tecnologias?

Para tentar fazer melhores perguntas e aproximarmos de respostas que nos convoquem pra ação, propomos esse curso: “Tecnopolítica e Contracultura“, que vai estrear no Centro de Pesquisa e Formação do SESC, em São Paulo, nos dias 11, 12 e 13 de fevereiro, das 14h às 18h, conduzido por o editor desta página, Leonardo Foletto, e Leonardo Palma, pesquisador independente, agitador cultural radicado em Santa Maria-RS, ativista da Rede Universidade Nômade e um profundo conhecedor da obra dos autonomistas italianos a partir da década de 1970. O curso busca resgatar um pensamento tecnopolítico em quatro momentos: 1) os autonomistas italianos da década de 1970;  2) pós-operaísmo, altermundistas, Fórum Social Mundial e mídia tática dos 1990; 3) hackers: paranóicos visionários, dos 1980, 1990 e 2000; e o 4) hoje, com a ascensão das redes sociais como principais espaços de discussão pública nas redes digitais e o fim da internet como a conhecemos nos 1990 e 2000.

Começamos nosso percurso pelos autonomistas surgidos no maio de 68′ italiano que durou mais de uma década. Falaremos do contexto de surgimento desse, digamos, movimento, sua construção no final dos 1960 com o importante papel das revistas (em especial, Quaderni Rossi, Clase Operaia, Primo Maggio) em tornar palpável a produção de subjetividade, por em circulação e entendimento certos conceitos e ideias; da articulação com a universidade (estudantes e professores) e com os operários das fábricas italianas; da construção de alguns aparatos sociotécnicos baseados nas ideias em circulação, como a Rádio Alice; e de como todo o fértil cenário contracultural estabelecido na Itália dessa época foi dissolvido, com a criminalização e o exílio de muitos de seus participantes. Trabalharemos nessa parte com autores e histórias de Antonio Negri, Franco “Bifo” Berardi, Paolo Virno, Maurizio Lazaratto, Mário Tronti, Giorgio Agamben, Silvia Federici, entre outrxs.

Passamos então para um segundo momento, final dos 1980 e início dos 1990, trazendo histórias, textos & aparatos do pós-operaísmo, altermundistas, net-art e mídia tática. A partir da saída de Negri da prisão (1983) e seu exílio na França, sua obra começa a ser redescoberta por uma esquerda ligada mais a Foucault, Deleuze e Guatarri do que aos “partidos” institucionalizados. Os Zapatistas de Chiapas, no México, recuperam os autonomistas italianos e praticamente inauguram um ciberativismo/hackativismo na então novata internet dos 1990, com ações na rede e fora dela que vão influenciar a potencialização do movimento altermundista e na Ação Global dos Povos, que explode a partir de 1999, em Seattle, e segue pelo menos até 2003. Essa rede pós-operaísmo está articulada com o nascimento do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, 2001; com um movimento potente de cultura digital (“networked cultures”) que propagou o conceito de mídia tática, muito propagado e trabalho no brasil dos 2000;  com coletivos como Luther Blisset, Wu Ming, Critical Art Ensemble; e com muitxs pesquisadores em torno da Nettime, lista de e-mails, até hoje ativa, que reúne alguns teóricos-práticos europeus da área, como Geert Lovink, Felix Stalder, John Holloway, Trebor Scholz, Bruce Sterling, entre outrxs.

Na terceira parte, miramos um grupo de fazedores e pensadores que atua em paralelo aos autonomistas e altermundistas, às vezes se relacionando com estes e em outras não: os hackers. Surgidos enquanto grupo de pessoas e uma (contra) cultura no final dos 1960, os hackers se propagam pelos 1970, com a criação da internet e o começo da popularização dos computadores pessoais, pelos 1980, com o movimento do software livre, do copyleft e via hackerspaces, laboratórios de garagem que serão a base de um movimento, em especial em sua versão européia e latino-americana, que pratica a (contra) cultura tecnológica a partir dos princípios da autonomia digital, da segurança da informação e das táticas antivigilências. Aqui, destacamos alguns textos, ideias e projetos de Richard Stallman, criador do movimento do software livre e ainda hoje preside de Free Software Foundation, Gabriela Coleman, Tatiana Bazzichelli, Eric Raymond, Richard Barbrook, Pekka Himanen, Chaos Computer Club, Julian Assange, Linus Torvalds, entre outrxs também brasileirxs ligados aos grupos da MetaReciclagem, Transparência Hacker, BaixoCentro, Casa da Cultura Digital.

No desfecho, falamos do espírito da “Ressaca da Internet” já comentado em texto por aqui, mas que aprofundaremos no curso. e dos tempos de “decomposição” que vivemos, onde cada vez mais o “autômato” está tomando toda nossa força de imaginação, como fala Bifo em recente palestra na Argentina, em Novembro de 2018. Bifo, aliás, é um dos elos entre todos s momentos do curso; está presente da Itália dos 1970 aos altermundistas dos 1990, ainda hoje ativo pensando, escrevendo e propagando a ideia de que não devemos nos acomodar com a ascenção fascista que nos cerca, em especial no Brasil e na América Latina, e que a força de nosso pensamento e do conhecimento é demasiadamente mais rica do que a que apresentada neste cenário brutal em que vivemos neste 2019.

Como aperitivo do curso, o vídeo de Bifo acima comentado está aqui abaixo e sintetiza algumas questões a serem abordadas entre 11 e 13 de fevereiro. Aos que não forem de SP, aguardem, montamos esse curso com muito estudo e gosto para circular em outras cidades também. Inscrições e mais informações no site do Sesc.

Créditos imagens: divulgação do curso; autonomismo italiano; altermundismo; hackers;

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Mídia tática: uma introdução https://baixacultura.org/2016/01/20/midia-tatica-uma-introducao/ https://baixacultura.org/2016/01/20/midia-tatica-uma-introducao/#respond Wed, 20 Jan 2016 18:56:13 +0000 https://baixacultura.org/?p=10587 the-yes-men-bbc-world


Em novembro de 2015, apresentei um artigo no II Congresso Internacional de Net-ativismo, em São Paulo, que retomava a ideia de mídia tática, hoje nem tão falada quanto na segunda metade dos 1990 e nos 2000, e a relacionava com a cultura hacker. Os usos táticos das mídias é um assunto que às vezes costuma passar por esta página; por conta disso, fiz uma versão do artigo também como forma de documentar algumas ações efêmeras realizadas nesse período que se perderam na rede. Segue abaixo a primeira, com um histórico do conceito e algumas ações da “era de ouro”, final dos 1990 e início dos 2000. [
Leonardo Foletto] 

*

Existem várias (in) definições possíveis para mídia tática, mas convém começar pelo início, 1993, quando acontece em Amsterdam, Holanda, o Next Five Minutes (N5M), festival sobre arte, política, ativismo e mídia com artistas e ativistas dos Estados Unidos, Europa e ex-URSS interessados em explorar as possibilidades dos aparelhos eletrônicos domésticos como meio para a mobilização social. O termo surgiu a partir da ampliação do conceito de “televisão tática”, tema central do 1º N5M, que teve por objetivo expor e debater vídeos independentes e produções audiovisuais de cunho político realizados durante a segunda metade do século XX. Discutido internamente, mídia tática viria a nomear a segunda edição do N5M, em 1996, e assim aparece definido na seção de perguntas e respostas do site do festival:

O termo “mídia tática” se refere a uma utilização crítica e teorização das práticas de mídia que recorrem a todas às formas de mídias, antigas e novas, ambas lúcidas e sofisticadas, para a realização de diversos objetivos não comerciais, impulsionando todos os tipos de questões políticas potencialmente subversivas (recuperado da dissertação de mestrado de Anne Clinio na UFRJ, em 2011, porque a fonte original saiu do ar)

Um ano depois vem a primeira referência como um conceito estruturado, quando Geert Lovink e David Garcia publicam o texto “O ABC da Mídia Tática” (aqui o original em inglês, e a versão traduzida por Ricardo Rosas publicada pelo CMI Brasil), que circula numa lista de emails chamada Nettime que agrupava pessoas com algum envolvimento no N5M (e ainda agrupa, sendo uma lista interessantíssima de acompanhar que disponibiliza todo seu acervo no site Nettime.org).

Mídias táticas são o que acontece quando mídias baratas tipo ‘faça você mesmo’, tornadas possíveis pela revolução na eletrônica de consumo e formas expandidas de distribuição (do cabo de acesso público à internet), são utilizadas por grupos e indivíduos que se sentem oprimidos ou excluídos da cultura dominante. A mídia tática não apenas noticia eventos, porque elas nunca são imparciais, elas sempre participam e é isto que mais do que qualquer outra coisa as separa da mídia mainstream.

n5m

Site da 2º edição do N5M, 1996, que ajudaria a espraiar o conceito de mídia tática mundo afora

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Anúncio do N5M4, em 2003, o último que ocorreu.

A partir daí, ocorreriam mais dois festivais de Mídia Tática, 1999 e 2003, e um no Brasil (do qual já falamos por aqui). O termo ganharia o mundo com movimentos ativistas, artísticos e políticos dos anos 1990 e início dos 2000 que se descolam dos fazeres políticos tradicionais e buscam acompanhar as revoluções tecnológicas e culturais como base de suas ações e debates, como diz Paulo José Lara (autor da primeira dissertação de mestrado sobre o assunto, em filosofia na Unicamp, 2008).

Alguns exemplos de ações, grupos e movimentos agregados a ideia de mídia tática nesse contexto são a atuação de ativistas dos movimentos altermundistas, também chamados de antiglobalização; a ação de ativistas que veiculam programas de rádio em transmissores de baixa potência ou daqueles que elaboram vídeos com câmeras digitais e distribuem sua produção numa Internet pré smartphones e redes sociais gigantescas; o trabalho de programadores de software livre e de código aberto; a arte midiática e a net-art; pesquisas sobre a política e a economia das tecnologias da informação, em especial no que se convencionou chamar de net criticism, uma perspectiva crítica em relação à estrutura da internet que pode ser posicionada na encruzilhada interdisciplinar entre as artes visuais, movimentos sociais, cultura pop, e pesquisas acadêmicas (Ver Geert Lovink, Dynamics of Critical Internet Culture 1994-2001).

Formulado na Europa, dentro de um ciclo de debates pós queda do muro de Berlim que envolvia principalmente artistas, teóricos da comunicação, jornalistas, hackers, ativistas políticos e cientistas sociais, o termo apresenta uma mescla de referências entre movimentos sociais e artísticos do século XX e experiências de “usos da cultura” – maneiras de apropriação dos objetos técnicos e sua realização para determinada ação.

Nesse contexto, dialogam com a mídia tática vários movimentos e ações desviantes ao longo do século XX, como os (já citados por aqui) trazidos por Stewart Home em sua história da (anti) arte deste período, Assalto à Cultura, de 2005 (só disponível em sebos e raras livrarias hoje); o détournament dos situacionistas franceses; os happenings dos provos holandeses e dos integrantes do Fluxus (George Maciunas, John Cage, Nam June Paik, Yoko Ono e cia); a mail art o do it yourself punk dos anos 1970; o neoísmo dos fakes e nomes coletivos dos 1980; e o culture jamming dos 1980 pra cá. Também conversam com a mídia tática conceitos próximos como os de guerrilha da comunicação e guerrilha midiática, proposto por Luther Blisset: “a realização de um jogo de artimanhas recíprocas, uma forma de envolvimento da mídia em um trama impossível de se captar e de se entender, uma trama que provoca a queda da mídia, vítima de sua própria prática. Arte marcial pura: utilizar a força (e a estupidez) do inimigo, voltando-se contra ele” (em Guerrilha Psíquica, editado pela Conrad em 2001). Conceitos que, por sua vez, são desdobramentos de, entre outras referências, os estudos semióticos de Umberto Eco, que apontava a guerrilha semiótica como uma tática que se aproveita “de uma margem de indeterminação e em uma modificação das circunstâncias nas quais as mensagens são recebidas, sendo possível uma escolha nos modos de interpretação” (Umberto Eco em A Theory of Semiotics, 1976, traduzido por Paulo José Lara em sua dissertação).

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Mas a fonte mais presente no conceito original é, sem dúvida, Michel de Certeau e A Invenção do Cotidiano. Publicado originalmente em 1980, o livro examina as maneiras de fazer criativas com que as pessoas individualizam e se apropriam da cultura de massa, de objetos cotidianos até planejamentos urbanos e rituais, leis e linguagem. No capítulo 3, o autor francês traz a distinção entre tática e estratégia que é essencial para o entendimento da mídia tática. Ele define como estratégia “o cálculo (ou a manipulação) das relações de forças que se tornam possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder (uma empresa, um exército, uma cidade, uma instituição científica) pode ser isolado” (na 20º edição, de 2013, p.93).

As táticas seriam, em oposição, procedimentos que “jogam com os mecanismos da disciplina e não se conformam com ela a não ser para alterá-los” (p.94). Assim, enquanto as estratégias seriam gestos típicos de uma modernidade militar e científica, que valoriza as estruturas e o lugar, as táticas seriam ações típicas de uma pós (ou pré-modernidade), que valorizariam o movimento e o tempo – ou “às circunstâncias que o instante preciso de uma intervenção transforma em situação favorável”, como diz o autor francês na p.96. Os usos que consumidores (usuários, segundo o autor) fazem de textos e objetos que os rodeiam são diferentes dos esperados ou imaginados por aqueles detentores do poder estabelecido ou de posse dos objetos; são usos táticos, rebeldes, “ações de apropriação e engano que desobedecem ao pré estabelecido, truques engenhosos, astúcias de caçadores, mobilidades nas manobras, operações polimórficas, achados alegres, poéticos e bélicos”, como diz o autor francês na p.98. Ao identificar a distinção estratégia e tática analisando a cultura popular, De Certeau, segundo o “ABC da Mídia Tática”, transferiu a ênfase das representações para os usos das representações. A partir daí ele sugeriria algumas maneiras de pensar práticas cotidianas – como o habitar, circular, falar, ler – que estabeleceriam um vocabulário complexo que identificaria as maneiras que a cultura popular buscaria romper com o que lhe é imposto pelas estruturas do poder ou de consumo. Aquilo que se chama de “vulgarização” ou “degradação” de uma cultura seria, então

“um aspecto, caricaturado e parcial, da revanche que as táticas utilizadoras tomam do poder dominador da produção. O consumidor não poderia ser identificado ou qualificado conforme os produtos jornalísticos e comerciais que assimila: entre eles (que deles se serve) e esses produtos (indícios da “ordem” que lhe é imposta), existe o distanciamento mais ou menos grande do uso que se faz deles. Deve-se, portanto, analisar o uso por si o mesmo”. (DE CERTEAU, 2013, p.90)

Inicialmente pensadas por De Certeau no auge da cultura de massa um-muitos dos anos 1970, a ideia de tática foi reapropriada em um cenário de proliferação da internet e do desenvolvimento dos dispositivos digitais do início dos anos 1990 por Lovink, Garcia e outros. A internet anunciava a possibilidade da convivência do modelo massivo um-muitos com a do muitos-muitos, e os artistas e ativistas reunidos em torno do N5M viram como os usos das mídias poderiam se tornar táticos – porque criativos e rebeldes aos pré estabelecidos – e assim tanto subverter a ordem política quanto dar voz a grupos grupos e indivíduos que se sentiam oprimidos ou excluídos da cultura dita dominante.

O conceito de mídia tática despontaria, então, num contexto de renascença do midiativismo, misturando uma ação política de engajamento de artistas com as novas tecnologias. Por um lado ativista em relação a subversão, mesmo que temporária, da ordem política, e por outro lado artístico, porque criativo e de experimentação com as então novas mídias digitais da época.

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Os primeiros trabalhos identificados enquanto mídia tática, originários do campo artístico e de uma postura crítica sobre a função da arte na sociedade contemporânea, ajudam a ilustrar esta compreensão das táticas como forma de resistência criativa e subversão das mensagens e das plataformas dominantes. Segundo Lovink num texto de 2011 (“Atualizando a mídia tática. Estratégias de midiativismo”, presente num dos capítulos do livro “Informação, Conhecimento e Poder: Mudança tecnológica e inovação social“), estes exemplos se situam na “era de ouro” da MT, que vai de 1993 a 1999, quando o acesso a equipamentos baratos e fáceis de usar fomentou um novo sentido de autonomia entre ativistas, programadores, teóricos, curadores e artistas que impulsionou experimentação de formas alternativas de narrativas. Alguns exemplos de ações e coletivos deste momento foram:

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_ Flood net em apoio aos zapatistas, desenvolvido pelo Eletronic Disturbance Theater, uma estrutura ad hoc com os integrantes do coletivo Critical Art Ensemble. A tática realizada com maior destaque foi a do sit-in virtual, um tipo de ação direta contra um determinado site com o objetivo de torná-lo inacessível a partir da coordenação de acesso simultâneo por diversas pessoas à mesma página alvo. O grupo organizou ataques em dez datas significativas para o movimento Zapatista, depois registrada em abril de 1998. Para participar, as pessoas deveriam acessar determinada URL, clicar em um link e manter o navegador aberto durante o período programado para a ação; o aplicativo acionado recarregaria a mesma URL várias vezes por minuto impossibilitando o acesso à página, num tipo de ação, chamada Ataque de negação de serviço – DDoS, que seria muito utilizada pelo Anonymous e outros grupos hackativistas posteriormente.

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_ www.gwbush.com; desenvolvido pelo ®TMark, um coletivo conhecido por suas ações anticoporativas, era um site (inicialmente cópia do oficial) construído como tática para interferir na campanha eleitoral do então candidato à presidência dos Estados Unidos, George W. Bush, em 1999. Numa época em que desenvolver sites ainda era algo difícil e para poucos, gerou repercussão na mídia – em especial por conta de questionar a negação do consumo de cocaína por parte de Bush – confundiu eleitores e provocou pronunciamentos do candidato de que “deveria haver limite” à liberdade.

_ The Yes Men Project e o caso DowEthics.com; A dupla de ativistas Andy Bichlbaum e Mike Bonanno, do The Yes Men, é conhecida por ações de produzir danos a indivíduos e entidades que causam estragos sociais, econômicos e ambientais (crimes, no julgamento dos ativistas). São “correções de imagem” realizadas a partir da personificação dos representantes destas empresas. A de mais sucesso ocorreu em 2004, quando Andy concedeu uma entrevista para a rede de televisão britânica BBC como executivo da empresa Dow Chemicals (vídeo acima) e afirmou que, passados 20 anos do desastre químico causado na cidade indiana de Bhopal que matou 20 mil pessoas, a empresa assumiria a responsabilidade e indenizaria os atingidos em U$ 12 bilhões. Pro Brasil de 2016, seria como se um integrante de um coletivo de ativistas tivesse convencido a Globo de que era um executivo da Samarco, principal responsável pela tragédia em Bento Rodrigues – Mariana, e concedesse entrevista num programa como o Jornal da Globo assumindo que a empresa vai pagar uma indenização de bilhões de reais às famílias atingidas (o que, convenhamos, deveria ser o mínimo, não?).

Era um trote: Yes Men havia criado um site espelho da empresa, chamado dowethics.com, que os jornalistas da emissora britânica entraram em contato erroneamente para combinar uma entrevista. Durante duas horas, a entrevista circulou pela internet, foi repetida na mesma BBC e só então a empresa Dow Chemicals notificou a emissora que o entrevistado era um impostor. Como contra-ataque, a empresa solicitou o cancelamento do serviço de IPS (Internet Service Provider) para a empresa que hospedava o site falso. Segundo a dissertação de Anne Clinio (2011), quando o site se tornou offline, outros ativistas se mobilizaram pela causa defendida pelo Yes Men Project e criaram vários sites espelho para escapar da censura e oferecer fontes múltiplas para as informações divulgadas pela dupla. Mais detalhes da ação podem ser vistos na Wikipedia

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Protestos em 1999 no Brasil. Foto: André Ryoki

_ Independent Media Center (Indymedia); foi uma criação de diversas entidades no campo da época chamada mídia alternativa com o intuito de realizar a cobertura dos protestos de Seattle em razão da reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 30 de setembro de 1999. Desenvolveram um site que oferecia diversos materiais – cobertura em tempo real, relatórios, fotos, vídeos e áudios – das manifestações num sistema de publicação aberto, ou seja, qualquer um poderia submeter seu material para publicação, sem filtros editoriais. A intenção era organizar uma cobertura de orientação alternativa àquela realizada na mídia tradicional, num contexto em que a publicação na internet não era acessível a qualquer pessoa: não havia redes sociais como as que conhecemos hoje, e os blogs recém iniciavam sua trajetória – o primeiro sistema gratuito e facilitado de publicação de conteúdo (CMS) a se tornar popular, o blogger, havia começado a funcionar também em 1999. Depois dos protestos em Seattle, uma rede internacional IndyMedia se constituiu e se mantém hoje em mais de 160 países.

No Brasil, o IndyMedia ajudou a formar o Centro de Mídia Independente (CMI), um coletivo de autopublicação que está na base do ativismo digital brasileiro. “A ideia foi fazer um site de mídia que mostrasse as nossas lutas. É diferente de montar um coletivo de mídia. Nós precisávamos do nosso próprio veículo”, conta Elisa Ximenes, membro do coletivo brasileiro, em entrevista à Tatiana de Mello Dias nesta boa reportagem (“CMI: o coletivo que fundou o ativismo digital“) na Galileu. De integrantes do CMI saiu também o Saravá, coletivo que mantém o principal servidor de iniciativas ativistas do Brasil e um dos mais destacados grupos tecnopolíticos brasileiros – se você se interessa pelo assunto, vá ler uma ótima entrevista com Sílvio Rhatto, um dos integrantes do grupo, em “Cartografias da Emergência”, lançado ano passado.

Na segunda parte do artigo falaremos das apropriações gambiarrísticas e hackers da mídia tática no Brasil.

Imagens: N5M e Tactical Media (fonte), De Certeau (fonte), protestos 1999 (fonte).

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https://baixacultura.org/2016/01/20/midia-tatica-uma-introducao/feed/ 0
Guerrilha da comunicação https://baixacultura.org/2015/11/29/guerrilha-da-comunicacao/ https://baixacultura.org/2015/11/29/guerrilha-da-comunicacao/#respond Sun, 29 Nov 2015 15:07:33 +0000 https://baixacultura.org/?p=10536 Seria a melhor subversão a alteração dos códigos em vez da destruição destes? Partindo dessa ideia, de algumas leituras e da documentação ao longo dos anos de ações “guerrilheiras” de comunicação aqui no Baixa, é que nasceu a oficina de Guerrilha da Comunicação. 

A ideia da oficina é a de apresentar teoria e prática de táticas de comunicação de guerrilha, dos nomes fake à produção de notícias falsas, passando pelo subvertising (propagandas anti­consumo com símbolos do capitalismo), cut­-up, happenings, eventos falsos e outras práticas agrupadas na ideia de artivismo.

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Realizamos uma primeira versão da oficina no Festival #Hashtag, em Ribeirão Preto – SP, em julho deste ano. Tratamos de apresentar ideias, exemplos e causos utilizados por coletivos que já falamos bastante por aqui, como osAdbusters, Wu Ming, Luther Blisset, Provos, BaixoCentro, e táticas como as de distanciamento, sobreidentificação, happenings, snipers (os franco-atiradores semióticos), nomes coletivos, fakes, entre outras. A partir de um fato da época na cidade, fizemos um happening chamado “Partida De Futebol Mais Rápida do Mundo”, registrado em imagens aqui e neste vídeo, editado pelos participantes da oficina.

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Fizemos (assim como na primeira, em parceira com o Fotolivre.org) uma segunda versão da oficina em novembro, junto ao Centro de Mídias Populares, com a equipe do núcleo de produção multimídia e para internet do Brasil de Fato. De menor tempo de duração, desta vez fizemos um apanhado das táticas apresentadas anteriormente e trouxemos mais exemplos, de situações mais cotidianas e fáceis (como os memes) à casos históricos do hackativismo, como o caso Dow Ethics, do Yes Men, e o Eletronic Disturbance Theater, ação do Critical Art Ensemble em apoio aos zapatistas.

Ao final, dividimos em grupo os cerca de 30 participantes dos mais variados países da américa latina (contamos gente de Cuba, Venezuela, Argentina, Uruguai, Colômbia, Bolívia e Chile) para propor ações guerrilheiras em suas realidades. A agilidade dos memes foi uma das táticas escolhidas e consta que alguns deles já estão circulando pelas redes… Confira abaixo fotos das oficinas e, por fim, o pdf (mais de 40 páginas!) com a apresentação utilizada na oficina.

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Apresentação Guerrilha SP

Referências teóricas da oficina:
BLISSET, Luther. Guerrilha Psíquica. Sao Paulo, Conrad, 2001.
BLISSET, Luther. BRÜNZELS, Sonja. Como acabar con el mal: manual de guerrila de la comunicación. Vírus Editorial; Barcelona, 2000.

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Imagens: Nike Boy (Adbusters), Subertising, Florian Riviere. 

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Invasão hacker de guerrilha no interior paulista https://baixacultura.org/2015/07/24/invasao-hacker-de-guerrilha-no-interior-paulista/ https://baixacultura.org/2015/07/24/invasao-hacker-de-guerrilha-no-interior-paulista/#respond Fri, 24 Jul 2015 12:34:34 +0000 https://baixacultura.org/?p=10297 IMG_8164

De 16 a 19 de julho, participamos da 1º edição do Festival #Hashtag, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Produzido pelo Sesc Ribeirão Preto, o festival trouxe à cidade da boa cerveja Colorado (e seu bar de cervejas artesanais, o Cervejarium) ações de cultura digital: oficinas, debates e palestras, culminando com a Invasão do Ônibus Hacker em dois parques locais no final de semana.

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A primeira oficina foi a de Cultura livre: criação, pirataria e direito autoral na era digital. Mais uma fala do que propriamente uma oficina, tratou de discutir tópicos que abordamos aqui na página, do remix ao copyleft, passando (e focando) no software livre e no status quo do direito autoral hoje, com a internet a chacoalhar as estruturas daquilo que foi criado lá em 1710, com o Statute of Anne, como o Wu Ming nos conta em “Notas sobre copyright e copyleft II“. Foi uma versão atualizada e remixada das oficinas de pirataria que já fizemos algumas vezes no próprio Ônibus Hacker, a primeira em 2012. Já a apresentação utilizada como base é a mostrada nas referências da disciplina de Ciberativismo e Cultura Livre, na Unisinos.

É uma oficina que funciona como um panorama das últimas questões ocasionadas pelas transformações na cultura a partir da internet. Por conta disso, aborda diversos assuntos sem adentrar muito em cada um deles – precisaríamos de dias, talvez até semanas, pra tentar explicar como funciona em minúcias o direito autoral, a citação ou o plágio criativo, para citar três exemplos. Também em função disso, é uma conversa que conta com a participação do público: quase todo mundo tem uma opinião, uma experiência ou uma dúvida para falar sobre a criminalização do download, plágio na música, as vanguardas anticopyright ou o software livre, para citar temas que foram motivos de debate com as cerca de 15 pessoas que participaram da oficina na sala de internet livre, no centro de Ribeirão.

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A segunda oficina que participamos no #Hashtag foi uma estreia: Guerrilha de Comunicação. Tratamos de apresentar ideias, exemplos e causos utilizados por coletivos que já falamos bastante por aqui, como os Adbusters, Wu Ming, Luther Blisset, Provos, BaixoCentro, e táticas como as de distanciamento, sobreidentificação, happenings, snipers (os franco-atiradores semióticos), nomes coletivos, fakes, entre outras. [Confira aqui a apresentação que fizemos]. A partir daí, conversamos sobre que situações e táticas poderíamos aplicar no final de semana, quando o Ônibus Hacker estaria com sua invasão na cidade. Levantamos informações sobre o que ocorreu recentemente em Ribeirão Preto e dois fatos gritaram por alguma ação guerrilheira-ativista: a eminente expulsão de moradores da comunidade João Pessoa para o aumento do aeroporto da cidade, Leite Lopes; e o recente aumento do salário de vereadores em 26%, combinado com a aprovação de um PL que assegura a correção anual do salário dos edis; até então, essa correção era de quatro em quatro anos.

Discutimos sobre que ação seria possível de por em prática em um final de semana. Foi o momento de brainstorming a partir dos exemplos vistos na oficina: a pintura das ruas na abertura do BaixoCentro, o vídeo das Olimpíadas de Santa Tereza feito pela Mídia Ninja/Casa Coletiva, a notícia (falsa?) da construção de um condomínio em pleno parque da Redenção, em Porto Alegre, entre outros. Eis que decidimos por uma ideia: produzir uma partida de futebol de 27s – o absurdo tempo que durou a sessão que os vereadores de Ribeirão Preto aprovaram a correção anual de seus salários – com, de um lado, o time dos que votaram a favor, 17, segundo contagem inicial; e do outro os 5 que votaram contra. Ficou decidido que usaríamos máscaras de todos os edis e teríamos uma narração como a de futebol no rádio. Fechados nessa ideia, combinamos de organizar tudo junto da invasão hacker e da oficina de Produção Cultural de Guerrilha, que a produtora Evelyn Gomes conduz faz alguns anos.

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No sábado, a invasão hacker foi no parque Tom Jobim, um amplo e desconhecido local situado na periferia de Ribeirão Preto, achado só via Open Street Maps (e não no Google Maps, sabe-se lá porquê). Lá, sob um sol forte e um calor (25Cº) seco, saíram oficinas como as de animação em stop motion, construção de composteira de balde, eletrônica para pequenos, costura de legumes de pano, multimídia livre (alternativas em software livre para edição em vídeo e áudio), entre outras num dos cardápios mais variados de oficinas que o Ônibus Hacker já ofereceu em seus 5 anos de existência. O público, predominantemente infantil, foi intenso especialmente na de eletrônica com Luis Leão, que contou com a ajuda de vários Makey Makey Littlebits pra ajudar a criançada a entender a comunicação eletrônica dos objetos, e na de costura hacker, com Fabrício Zuardi, que ficou praticamente a tarde inteira sentado ao redor de uma mesa com uma máquina de costura lidando com as crianças e suas tentativas de fazer cenouras e tomates de pano, além de ensinar alguns pontos básicos de crochê.

Entre estas outras oficinas ocorridas no sábado, a de produção cultural de guerrilha reuniu parte do grupo da oficina que oferecemos no dia anterior + alguns interessados novos. Nos sentamos em círculo ao redor de Evelyn e um flipchart com palavras-chaves relacionadas a produção cultural: evento, logística, barulho, lixo, ocupação, pessoas, rua. Ela foi fazendo algumas perguntas básicas, como que é cultura e o que é guerrilha, e a partir daí discutimos que ação poderíamos fazer na rua, no dia seguinte, domingo, junto do 2º dia da invasão hacker. Optamos pela ideia da partida de futebol dos vereadores, já conversada antes, e combinamos os detalhes da produção para acontecer no parque Dr. Luis Carlos Raya, localizado num bairro de classe média-alta da cidade e reduto eleitoral de alguns dos vereadores que votaram a favor do aumento dos salários.

Além das atividades do ônibus, o parque também teve contação de história e um sarau comandado por Tiago Chapolin, agitador cultural da cidade. Ribeirão, assim como São Paulo e outras tantas cidades no país, tem visto florescer uma cena forte de saraus em que a literatura se mistura ao rap, ao ativismo contra o extermínio negro nas periferias e à poesia, pura e simples. Foi dando esse tom que o sarau no parque Tom Jobim encerrou as atividades do primeiro dia.

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Criançada com littlebits na oficina de Eletrônica

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O domingo de invasão começou com um café da manhã tardio. Por volta das 13h, com o sol a pino, é que a maior parte dos participantes da invasão chegou ao local, uma antiga pedreira com um belo gramado, um lago e muitos patos. Vale dizer: fomos a pé (alguns de táxi) pois o Busão estava na oficina para conserto do alternador e da ré, estragadas no dia anterior, situação que rendeu um empurra coletivo já à noite para manobrar no parque sem precisar dar ré. O que seria do Ônibus Hacker sem as quebradas rotineiras, não? Uma equipe que acompanhou a viagem inteira do Busão gravou as imagens dos empurrões (e tropeções) no escuro para um documentário sobre o ônibus, que está sendo produzido via edital Jovem Doc.

As oficinas de domingo seguiram o amplo e diverso cardápio do dia anterior: origami, lambe-lambe, descartografia (com oferenda à Pachamama numa árvore do parque, a cargo do EcoaEcoa Coletivo) além da repetição da de costura hacker/crochê, sucesso de público da invasão, uma roda de conversa sobre segurança na rede e algumas instantâneas que não deu pra saber que estavam acontecendo. São tantas oficinas possíveis/realizadas (reza a lenda que já ocorreu até uma “oficina de conchinha”, numa viagem mais longa ao Uruguai) que uma piada interna metalinguística comum no Ônibus é a de que tem que acontecer uma “oficina de oficinas” coletiva.

Assim como dia anterior, a Rádio Hacker funcionou no sistema de som levado pelo SESC e também num dial FM ao redor do parque, num raio de 1 a 4 KM, através de um transmissor (livre) que o Ônibus carrega desde 2011. Tiago Luan (vulgo Tuiuiu) pilotou a rádio com música, chamadas pras oficinas e algumas entrevistas rápidas. Foi a partir dela que se deu a convocação para ação do futebol dos vereadores- chamada “A Partida De Futebol Mais Rápida do Mundo”: precisávamos de 22 participantes para dividir os times entre os que votaram a favor e contra o aumento dos salários.

Jogar futebol num parque com um belo gramado num domingo de sol a tarde parece convidativo, então dezenas de pessoas (a maioria, novamente, de crianças) se apresentaram para o jogo. Fizemos as máscaras dos vereadores a partir das imagens do jogo “Cara a Cara”, produzido pelo Labhacker de SP e distribuímos conforme a votação: 17 pra um lado, 5 pro outro. Produzimos um texto de apresentação da ação, para ser lido logo antes da narração da partida – que acabou ficando a cargo do próprio presidente da Câmara de Vereadores, Walter Gomes, com surpreendente traquejo de narrador, no vídeo transmitido pela TV Câmara (e disponível no Youtube) no dia da votação; simulamos duas traves a partir de cones e canos e um cronômetro, para marcar os 27s, numa TV grande ligada a um computador. Antes de começar, um participante da oficina, que esteve desde sexta feira de Guerrilha, apresentou a escalação de cada um dos jogadores/vereadores. Estava pronto o cenário pro happening.

Mas na hora da partida, é claro que tantos elementos “organizados” penderiam para o caos. E assim foi: a divisão dos times não se deu exatamente como na votação, e logo no início da partida dois “jogadores” saíram correndo com a bola pra um lado levando a marcação e praticamente todos os outros jogadores juntos, enquanto Walter Gomes narrava como um locutor esportivo nos alto-falantes o nome do projeto em votação. Uma cena nonsense que lembrou o famoso Futebol dos Filósofos do Monthy Phtyon, uma referência também mostrada na oficina. Quando bateram os 27s de partida, com o presidente da câmara na narração gritando “Aprovado!”, alguns dos jogadores se surprenderam: “ahhh, já acabou? só isso?”. Um menino, que havia insistido para ficar no time dos contrário ao aumento, falou: “mas não é justo! quero jogar um jogo justo”.

Ainda que bastante caótica, a ação funcionou como um “erro-experimento” de guerrilha a partir da técnica de criação de eventos para ressaltar o absurdo de uma situação real parodiada. E só aconteceu, mesmo que com vários “erros” de primeira vez, com a participação efetiva de muita gente, da oficina na sexta ao Ônibus Hacker no final de semana. Parece ser cada vez mais necessário, no mundo-vasto-mundo de informações da internet, por em prática uma ideia, mesmo que uma ainda em fase experimental e não acabada, do que ficar matutando uma ideia genial por meses e não conseguir por ela em prática.

No final da invasão, já a noite, ainda rolou a oficina pública de orçamento, em que Pedro Markun convidava os participantes a dividir o orçamento de sua cidade ideal conforme as pastas reais de uma cidade brasileira: educação, saúde, meio ambiente, cultura, legislativo, etc. Funciona como um jogo de tabuleiro: cada grupo escolhe quantos pontos vai para cada pasta, de um máximo total estimado do orçamento municipal. Depois, a distribuição do orçamento da cidade ideal foi confrontada com a de Ribeirão Preto, e com algumas discrepâncias notadas (por ex: a destinação para educação foi menor na ideal do que na Ribeirão Preto) vai se detalhando como funciona a distribuição de recursos públicos em um município. É uma ótima forma de aprender política jogando.

E, ufa, antes das 5h de viagem Ribeirão-Campinas-SP ainda teve uma nova roupa nova pro ônibus, a cargo dos grafiteiros Lelin, Lola e Brô.

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Fotos: Sheila Uberti (1,2,4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 22, 23, 24)
Me põe na boa (3, 11, 14), Raul Costa (20) Mais fotos aqui.

P.s (atualização 26/7): Fotos da “Partida De Futebol Mais Rápida do Mundo”, pelo coletivo Fuligem. Na sequência, os dois times escalados (1 e 2) e a partida (3 e 4). E o vídeo-registro, editado pelos participantes da oficina.

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https://baixacultura.org/2015/07/24/invasao-hacker-de-guerrilha-no-interior-paulista/feed/ 0
[Oficina teórico-prática] GUERRILHA DA COMUNICAÇÃO (4 a 6h) https://baixacultura.org/2015/05/25/oficina-teorico-pratica-guerrilha-da-comunicacao-4-a-6h/ https://baixacultura.org/2015/05/25/oficina-teorico-pratica-guerrilha-da-comunicacao-4-a-6h/#respond Mon, 25 May 2015 04:12:32 +0000 https://baixacultura.org/novo/?p=14535

Seria a melhor subversão a alteração dos códigos em vez da destruição destes? Partindo dessa ideia, de algumas leituras e da documentação ao longo dos anos de ações “guerrilheiras” de comunicação aqui no site, é que nasceu a oficina de Guerrilha da Comunicação. A proposta da oficina é a de apresentar teoria e prática de táticas de comunicação de guerrilha: distanciamento, sobreidentificação, happenings, snipers (os franco-atiradores semióticos), subvertising (propagandas anti­consumo com símbolos do capitalismo), cut­-up, happenings, eventos eventos falsos e outras práticas agrupadas na ideia de artivismo. Nomes como Adbusters, Critical Art Ensemble, Wu Ming, Luther Blisset, William Burroughs, Stewart Home, En Medio, Espai in Blanc Provos e BaixoCentro são algumas das referências da oficina.

Veja um resumo das 3 edições abaixo: 

Publicações

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Luther Blisset e a guerra antimidiática contra o biopoder https://baixacultura.org/2014/02/07/luther-blisset-e-as-taticas-antimidiaticas-contra-o-biopoder/ https://baixacultura.org/2014/02/07/luther-blisset-e-as-taticas-antimidiaticas-contra-o-biopoder/#respond Fri, 07 Feb 2014 11:56:30 +0000 https://baixacultura.org/?p=9802 Luther_Blissett

A monografia de Dairan Paul “O guerrilheiro Luther Blisset: criação de táticas antimidiáticas contra o biopoder”, é um primor de análise: relaciona Foucault, Hardt & Negri, Michel de Certeau, neoísmo/mail art com o contexto histórico dos centros sociais italianos e até as teorias do jornalismo para falar dos trotes (as “pranks”) que Luther Blisset fez na mídia italiana do início dos anos 1990. É o trabalho final do aluno no curso de jornalismo da UFSM, banca realizada em dezembro de 2013 que o editor desta página e quem cá escreve hoje, Leonardo Foletto, participou.

LB, talvez a identidade coletiva mais conhecida desde então, chegou a enganar os jornais italianos durante um ano, plantando notícias, provas e cartas falsas e escancarando a fragilidade do jornalismo preguiçoso que se quer mediador da “realidade”. Foi um caso exemplar de mídia tática, que Dairan traz para seu trabalho com farta documentação histórica (muita delas traduzidas diretamente do original em italiano, com ajuda da orientadora Aline Dalmolin) num texto preciso – e que muito tem a dizer também sobre táticas parecidas utilizadas hoje, num mundo hiperconectado de redes sociais.

Algum tempo depois que participei da banca, escrevi um post no Facebook falando isso tudo acima e dando os parabéns ao novo jornalista formado na UFSM. Senti um interesse enorme de amigos e conhecidos pelo trabalho – afinal Luther Blisset vive!  – e convidei Dairan para escrever um relato sobre a feitura de seu TCC. É esse texto que vocês vão ler logo abaixo, seguido da sua monografia, “O guerrilheiro Luther Blisset: Táticas antimidiáticas contra o biopoder“, que está disponível desde hoje na nossa biblioteca.

lutherblissetproject

O primeiro contato que tive com o nome Luther Blissett ocorreu através de uma música. A banda só poderia ser underground, é claro, para citar um tema obscuro confinado em uma Itália da década de 1990. Mas, quando comecei a ler sobre Blissett, entendi que aquele fenômeno ainda fazia muito sentido nos dias de hoje – e daí até adquirir o Guerrilha Psíquica foi um pulo. O problema é que esse livro (assinado pelo próprio L. B. e lançado no Brasil pela Conrad na ótima Coleção Baderna) acabou sendo a minha “bíblia blissetiana” durante um bom tempo, já que há poucos trabalhos sobre L. B. no Brasil – e Guerrilha não se trata exatamente de um estudo científico, mas de relatos das ações e dos propósitos de Blissett.

Durante o estado da arte dessa monografia, pude constatar que o meu objeto de pesquisa é muito mais citado do que estudado, servindo como exemplo para trabalhos que versam sobre direitos autorais, ativismo, cultura wiki, etc. O seu aspecto que mais chamou minha atenção – a disseminação de notícias falsas que enganaram diversos jornais italianos – não era debatido. Quando o tema estava posto em algum trabalho, continha basicamente citações do Guerrilha Psíquica contando as narrativas fantásticas criadas pelo Blissett – de prostitutas soropositivas que furavam a camisinha de seus clientes até rituais de missa negra que incluíam estupro; prato cheio para o sensacionalismo dos tabloides locais. Nada de novo para quem já tinha lido a única publicação em português de L. B.

Foi delineando esse aspecto do fenômeno Luther Blissett que resolvi, então, analisar quais eram as táticas antimidiáticas utilizadas para impregnar as notícias falsas dentro dos jornais da época. O artigo de Marco Deseriis sobre L. B. (um dos poucos estudos que tratam exclusivamente dele) foi de suma importância para a pesquisa. A partir do autor, pude compreender Blissett como uma resistência biopolítica frente ao biopoder midiático – a criação de narrativas falsas sobre ritos satânicos como forma de desvelar a cruzada moral realizada pela mídia que acusava, por exemplo, diversos satanistas da época de pedófilos (a exemplo do caso Marco Dimitri, que fora inocentado posteriormente). Blissett também representa a figura do comum, remetendo aos estudos de Michael Hardt e Antonio Negri. Uma produção comum de caráter imensurável (dado que o contexto que situo Blissett é o do trabalho imaterial, onde a produção reside nas relações sociais e, portanto, torna-se difícil de ser quantificada) e excessivo (pois Blissett é formado justamente por esses trabalhadores imateriais, que utilizam da criatividade para se voltar contra o biopoder, na força-cérebro que o espetáculo não consegue capturar).

Uma vez que defini Blissett como resistência, o segundo movimento teórico do trabalho foi assimilar o fenômeno como uma mídia tática, em oposição à mídia alternativa. Esses conceitos ainda são discutidos dentro do meio acadêmico, sem uma definição exata – o que, de certa forma, é proposital. A dissertação de Henrique Mazetti foi um achado, justamente por discorrer sobre essas duas formas de correntes críticas a partir de quatro dimensões: espaço-temporal (remetendo a Certeau), política, midiática e discursiva. O que concluí analisando as táticas de Blissett é que elas somente ocorrem a partir da própria mídia, pois não possuem um lugar de fala próprio (como é o caso da mídia alternativa). Ao prezar pelas experimentações, a tática ridiculariza seu inimigo e a si mesma; ela não precisa se embasar por argumentos racionais e se autolegitimar. Daí uma série de brincadeiras feitas por L. B. onde a risada é a sua principal arma, e rir da mídia parece ser seu intuito. Isso, é claro, não despolitiza as ações de Blissett. Entendo que elas são tanto culturais como políticas, e que as duas esferas são indissociáveis – portanto, sua caracterização como uma resistência híbrida, que toma para si tanto aspectos de vanguardas artísticas (a utilização de um nome múltiplo a partir do Neoísmo e da mail art) como o referencial neomarxista de Negri, para constituir uma resistência biopolítica a partir da criatividade e da cooperação imaterial.

Este trabalho, obviamente, não se pretende uma bíblia blissettiana, mas busca colocar em pauta dentro da academia um tema que (surpreendentemente) pouco aparece nos estudos sobre cibercultura. Mesmo que se constitua por um objeto de duas décadas atrás, a figura de Blissett pode ser entendida como um embrião do aconteceu em Seattle, no ano de 1999, ou mesmo nos protestos do Brasil, mais recentemente. E, se ainda quisermos regionalizar mais a existência de L. B., recentemente uma notícia postada por Zero Hora retrata a farsa da construtora Luther Blissett que resolveu construir um parque em meio à Redenção, em Porto Alegre. Em algum lugar, de algum modo, Blissett parece ainda existir – inclusive escrevendo monografias sobre si mesmo.

[Dairan Paul]

Imagens: http://www.inenart.eu/
 
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