Resultados da pesquisa por “kenneth goldsmith” – BaixaCultura https://baixacultura.org Cultura livre & (contra) cultura digital Tue, 08 Mar 2016 14:33:39 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.0.9 https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2022/09/cropped-adesivo1-32x32.jpeg Resultados da pesquisa por “kenneth goldsmith” – BaixaCultura https://baixacultura.org 32 32 “La Remezcla”, o zine nº2 https://baixacultura.org/2016/03/08/laremezclao-no2/ https://baixacultura.org/2016/03/08/laremezclao-no2/#comments Tue, 08 Mar 2016 14:33:39 +0000 https://baixacultura.org/?p=10640 12557107_10153391850433233_1422077697_o

Depois de falarmos da prática do deturnamento criada pelos situacionistas franceses, a 2º edição do zine amplia o número de páginas, textos e artistas convidados para tratar de um dos nossos grandes temas contemporâneos: LA REMEZCLA. Remix. Remistura. Desvio. Plágio. Cópia. (re) criação. (re) combinação. Várias palavras para abordar um mesmo assunto, sempre presente nestes quase oito anos de BaixaCultura e na vida de todo mundo que tem a internet como habitat.

Porque, como dissemos certa vez, numa sociedade dominada pela explosão de informações, talvez seja mais conveniente explorar as possibilidades de ressignificação daquilo que já existe do que acrescentar informações redundantes, mesmo quando estas são produzidas por meio da metodologia e da metafísica do “original”. Talvez.

A publicação começa com “REVALORIZAR O PLÁGIO NA CRIAÇÃO“, texto publicado em 2010 que, para falar de remix e plágio na criação artística, plagia e reedita um capítulo de “Distúrbio Eletrônico”, do coletivo Critical Art Ensemble. com trechos recombinados de outros textos, alguns deles destacados ao final da segunda parte como uma espécie de bibliografia, e outros sutilmente citados.

Segue para “NOTAS INÉDITAS SOBRE COPYRIGHT E COPYLEFT“, texto de 2005 em que o coletivo italiano Wu Ming se opõe à lógica de defesa do copyright, segundo a qual não é possível conciliar acesso livre às obras e remuneração digna ao artista, entre outros tópicos tratados. É a primeira tradução para o português desse texto, realizada por Reuben da Cunha Rocha (vulgo cavaloDADA) e publicada aqui em três partes durante 2009.

INSENSATO“, o terceiro texto, é um comentário de Jamer Guterres de Mello sobre sua dissertação de mestrado em educação na UFRGS, construída e apresentada com colagens, trechos de citação escritas a mão ou datilografados, fotos, colagens fotos-textos, tal qual um zine. Jamer, atualmente doutorando em comunicação e editor do Zinescópio, reflete sobre métodos científicos para uso nas ciências humanas a partir de diversas referências do cinema – em especial Orson Welles, Rogério Sganzerla e Jean-Luc Godard – e da literatura, Burroughs e o cut-up à frente, para trazer a estética dos fanzines como afirmação dos conceitos de Gilles Deleuze de potências do falso e do simulacro. São trechos desse trabalho que ilustram a sobrecapa destacável de “La Remezcla”.

zinesobre

Os dois últimos textos são de 2012 e trazem reflexões de dois escritores de hoje sobre criação artística e remix-plágio-recriação. O primeiro é uma “A LITERATURA SAMPLEADA DO MIXLIT“, uma entrevista com Leonardo Villa-Forte, criador do MixLit, espaço em que ele remixava autores distintos para produzir novos contos. Depois do MixLit Leonardo ainda faria oficinas de Remix Literário, o Paginário (instalação em espaço público com trechos de livros de ficção), além do mestrado em literatura na PUC-RJ sobre – adivinha o quê? – remix, além de produzir dois livros de ficção: “O Explicador”, volume de contos, e “O princípio de ver histórias em todo lugar”, romance, ambos publicado pela Editora Oito e Meio em 2015.

E “O FALSO PROBLEMA DA ESCRITA NÃO CRIATIVA” é Reuben da Cunha Rocha refletindo sobre o roubo na literatura a partir da circulação de Kenneth Goldsmith e a propagação do rótulo “escrita não-criativa”, num texto publicado aqui em 2012: “se a autoria é um fenômeno moderno tal como a conhecemos, o plágio criativo também o é, como atesta a energia que gigantes da modernidade como Lautréamont ou Walter Benjamin nele empregaram, o impulso de nutrição que o roubo representa em suas obras”, escreve o poeta, um dos criadores do BaixaCultura e autor de “As aventuras de cavalo Dada em + realidades q canais de TV” (2013) e “Na curva da cobra nos cornos do touro no couro do tigre na voz do elefante” (2015).

A edição de “La Remezcla” é deste que edita este site, Leonardo Foletto, e o design de Tereza Bettinardi, que já fez trabalhos pra Cosac Naify, Cia das Letras e hoje é uma das responsáveis pela A Escola Livre, espaço de discussão sobre novas formas de fazer e ensinar design. O zine tem 30 páginas + sobrecapa e foi impresso em A4 nornal frente e verso, p&b; a sobrecapa é uma A3 colorida de 80 e 120 g/m².

la remezcla1

O zine vai ser lançado em Porto Alegre na Aldeia, espaço cultural situado na rua Santana 252, duas quadras do parque da Redenção, no dia 18 de março, às 19h30. Vai rolar uma charla com o já citado Jamer Guterres de Mello, mais Gabriela Gelain, pesquisadora, mestranda em ciências da comunicação na unisinos e oficineira de zines; e Leo Felipe, escritor e jornalista. Algumas surpresas visuais e performáticas estão sendo planejadas pra esse dia.

Depois do lançamento, vai ser possível comprar pela internet, na página do nosso selo, a R$15, valor já com os custos de postagem (para o Brasil), adesivo e envelope carimbado.

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Fotos do lançamento do Zine em Porto Alegre, por Sheila Uberti (FotoLivre).

flyer impressão

Arte de divulgação: Tereza Bettinardi

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edição artesanal com suor e amor

 

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Banquinha

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teve piratebox com toda a biblioteca do site pra baixar


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O manifesto do círculo de poetas sampler de São Paulo https://baixacultura.org/2012/12/17/o-manifesto-do-circulo-de-poetas-sampler-de-sao-paulo/ https://baixacultura.org/2012/12/17/o-manifesto-do-circulo-de-poetas-sampler-de-sao-paulo/#comments Mon, 17 Dec 2012 15:11:42 +0000 https://baixacultura.org/?p=9504  

O círculo de poetas sampler de São Paulo foi um movimento criado no final dos anos 90 e início dos 2000 que se espalhou por diversas regiões da capital paulista. Veio, como muitos dessa época, na esteira do movimento punk e anarquista e se somou a nascente cultura digital (pelo menos no que diz respeito a que conhecemos hoje) para propor a ideia do remix, cut-up, também na literatura. Foi, talvez, um dos primeiros grupo organizados a falar disso abertamente no Brasil.

Abertamente? Sim, eles deixaram poucos textos sobre o tema, e o único que encontramos é o que publicamos abaixo: Manifesto da poesia sampler. Ali estão todas as influências (Burroughs, copyleft, Oswald de Andrade, Lautreamont, Roberto Piva, etc) para falar do esgotamento da linguagem e da necessidade de reapropiação do que já foi produzido até hoje ao invés da criação. Preceitos que, de alguma forma, se relacionariam com a escrita não-criativa de Kenneth Goldsmith e aparecem no MixLit de Leonardo Villa-Forte, entre outras iniciativas.

*

O manifesto (atenção: não confundir com o Manifesto da Literatura Sampler, de Fred Coelho e Mauro Gaspar, que tem 7 versões e em breve estará por aqui também) saiu no Rizoma, em 2002 – depois, foi compilado no ebook “Recombinação“. Continha uma introdução, em que se explica um pouco do círculo. Tudo muito caótico, mas que dá uma amostra do contexto anarquista da qual ele foi produzido.  Alguns trechos:

O círculo de poetas sampler de São Paulo foi criado na relação entre os cavaleiros templários e bruxas cidadãs, entre  sufraggetes e o movimento de poetas negros de Angola, entre @s escritor@s de Q e ladrões-ativistas do Leste Europeu, entre manifestantes anti-globalização no início deste século XXI, entre Seattle, São Paulo, Porto Alegre e Morro Agudo.

O Círculo de Poetas Sampler de São Paulo (tirado de um anagrama escrito pelo Bandido da Luz Vermelha na cadeia), está em todos os cantos. De marginais a altos postos do governo, infiltrados em movimentos de cultura digital picaretas e em espetaculosas palestras sobre o Nada. Este manifesto, escrito entre o IRC e pombos-correios se desmembrou em manifestações na qual o Círculo não impôs sua marca (mal de nossos tempos?), mas sim, subrepticiamente, subvertendo a retrô-subversão contemporânea que alia Estética e Poder de maneira tão vulgar quanto no início da Revolução Industrial.

Hoje pouco se sabe desse círculo e dos seus integrantes. Se ele ainda existe, é certo que deve ter se dissipado, ganhado outro nome ou se espalhado por governos, redes (Metareciclagem? THacker?), ou em movimentos de cultura digital picaretascomo diz a introdução. A publicação desse texto também é uma tentativa de achar alguma pista do paradeiro do círculo.

 

Manifesto da Poesia Sampler

“O plágio é necessário. O progresso o implica”
Lautreamont

Que as idéias voltem a ser perigosas.

Vivemos um momento de impasse poético (comecemos com frases de efeito). A poesia brasileira contemporânea está estilhaçada em todos os caminhos possíveis e sofre de uma falta de identidade sem parecer. A poesia brasileira contemporânea (que é bom frisar nem sempre é moderna) não sabe como se comportar. Não há mais (des)caminhos claros e definidos.

Queremos então aqui, levar ao máximo a falta de perspectiva, usar ao máximo a queda das utopias (política, existencial, artística) para apresentar a poesia sampler. A poesia sampler ou sampleadora é e se quer ser ilegal. Usando os princípios e termos da música eletrônica que literalmente rouba trechos de outras músicas para se compor, a poesia sampler rouba idéias, trechos, citações, põe palavras em outros contextos. A sua originalidade é a falta de tê-la.

O problema da linguagem é o cerne da poesia sampler. É a constatação do esgotamento total da linguagem, é a constatação de não ter mais saída para a linguagem, que já foi (des) (re) construída ao máximo. É se emaranhar no labirinto (in)finito das experimentações e das brincadeiras. É poesia irresponsável. É a volta da morte do Copyright (viva o Copyleft). É a volta da morte da autoria. É a volta do plágio. Como disse Lautreamont, o progresso o implica. A poesia deve ser escrita por todos.

A poesia sampler pode servir como uma ponte para uma possível nova poesia e novos poetas. Ela pega esses cacos que todos já destruíram e brinca com eles e os muda de lugar e os troca, os confunde, os cita, os leva ao extremo da brincadeira poética.

Saturação da informação. Não mais novidades. Contra o mercado de novidades, contra a globalização e a mercantilização da novidade. O pensador moderno precisa saber escolher a informação. O poeta moderno precisa deslocar as mesmas palavras que conhece há séculos para outros contextos. Nem mesmo essa idéia é novidade. A poesia sampler, felizmente, está fadada ao jornal de ontem. Duchamp desce das escadas nu.

Desabando, logicamente, em Oswald de Andrade, nosso grande poeta antropófago: “Tudo que não é meu me pertence”. Lema do poeta e base da poesia mais inventiva e criativa brasileira. Diferente da chamada linha evolutiva da vanguarda poética brasileira
fincada no concretismo, a poesia sampler não é original ou melhor não se quer (é aí que tá o ovo de colombo). É poesia de poesias ou melhor, poesia que tira outras poesias do contexto e as coloca com outros sentidos, outras características, outra vida, incorporando até novas palavras, tanto é a liberdade da poesia sampler.

A poesia sampler já nasce velha. É criminosa, é pagã, é lírica, é crítica, é publicitária. Como no poema de um dos poetas sampler escrito em cima de um dos poemas mais (re)conhecidos de Oswald de Andrade: Erro de Português. O poeta sampler subverte a idéia original do poema, ou melhor, encontra nele, uma possível (re)interpretação. Eis:

Erro de Brazileiro
O português
quando aqui chegou
as índias todas ele comeu
o problema é que
elas continuam gozando
até hoje

A poesia sampler leva a tradição pra outro lugar, usando-a, anarquicamente. É a contradição máxima que vivemos. É seguir a tradição, negando-a. Não há mais diferenças entre nada. Tudo pode ser usado. Guerrilha Cultural. Abalar os conceitos das afirmações. São poetas sem poemas. Esses conceitos, além de terem surgido com a música eletrônica, também são influenciados pelos grupos filosóficos anarquistas, principalmente por Luther Blisset e os artistas neo-dadaístas e os situacionistas. Somos todos.

Somos um. Somos nenhum. Não temos reflexo em espelho algum. Literatura pra nossa geração. Somos poetas burros escrevendo para uma geração burra. Assassinamos jornalistas culturais com poemas de Eliot. Somos o oco da oca tupiniquim interplanetária. Soy loco por ti, America. Vivemos a era do não-criador. Era do sampleador. Acumulamos citações como heróicos saqueadores de túmulos. Sempre voltamos ao mesmo ponto: não há nada de novo debaixo do sol. O que podemos fazer é mudar o sol de lugar (terminemos com frases de efeito).

Assinado pelo Círculo de Poetas Sampler de São Paulo

e terminemos com mais um poeminha:
“Quando nossos poetas vão cair na vida?
deixar de ser broxas para ser bruxos?”
Roberto Piva

 Créditos imagens: 1 (sampler), 2 (Bliss),
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A literatura sampleada do mixlit https://baixacultura.org/2012/08/17/a-literatura-sampleada-do-mixlit/ https://baixacultura.org/2012/08/17/a-literatura-sampleada-do-mixlit/#respond Fri, 17 Aug 2012 16:01:01 +0000 https://baixacultura.org/?p=10647 12803293_10208040960156966_5977087546051905039_n

Psicólogo de formação e escritor e tradutor por profissão, Leonardo Villa-Forte é o cara por trás do blog. Escreve/remixa pequenos contos, publicados de forma periódica no MixLit, em que coloca para conversar diversos autores distintos, as vezes de gênero, nacionalidades e estilos completamente diferentes. Ao final, indica todas as referências dos trechos que usou, que depois são agrupados em tags no blog.

A aplicação dos princípios do remix na ficção literária ainda é uma prática rara, que tem paralelos recentes na escrita não-criativa de Kenneth Goldsmith e no Manifesto da Poesia Sampler, de Fred Coelho e Mauro Gaspar, e mais antigos no cut-up de William Burroughs e Brion Gysin. Coincidência ou não, em todos estes textos que publicamos aqui sobre o assunto mencionamos como um exemplo da ideia de samples na literatura o caso do MixLit. Chegou, então, a ver de falar dele.

A iniciativa tem tido boa cobertura da imprensa tradicional. Também por conta disso, Leonardo passou a dar oficinas sobre remix literário em alguns eventos, o que certamente tem contribuído para a reflexão inteligente sobre a prática (e tudo o mais) que ele mostra na entrevista abaixo.

mixlit

Segue abaixo a conversa na íntegra, realizada via rede:

Curiosidade: quanto tempo tu leva pra produzir um conto novo MixLIT? Muita gente diz que o “copiar e colar” é mais fácil do que criar, mas o copiar, colar E rearranjar de modo a fazer sentido não é ainda mais difícil do que “somente” criar?

O tempo que levo para produzir um novo conto MixLit pode variar desde duas horas horas a quatro ou cinco dias. Essa variação depende principalmente dos livros que utilizo para fazer o conto em questão: se são livros que conheço – que já li anteriormente – ou se são novos para mim. Dos livros que já li, sei qual é o universo, o tempo, a pessoa do narrador, o estilo da escrita, lembro de determinadas passagens ou cenas. Esse conhecimento prévio ajuda a encontrar mais rapidamente possíveis continuações entre os textos. Quando trabalho com livros que ainda não li, preciso de algum tempo para estabelecer familiaridade e intuir se funciona em ligação aos outros textos.

Quanto às diferenças de dificuldades, é um tipo de avaliação bastante difícil de se fazer. Estou certo de que não é fácil rearranjar fragmentos de modo a construir um sentido, e não só um sentido, mas um sentido com o qual eu me satisfaça. Parto da regra de que não posso escrever nada com minha própria mão e por isso às vezes é bastante angustiante ver que dois trechos poderiam se ligar e cair bem juntos, mas falta algo entre eles, algo que não estou encontrando nos livros. Nessa ocasião, é preciso repensar todo o texto. Por outro lado, existe a tranquilidade que vem da ideia de que tudo está em algum lugar, e que só é preciso encontrar – a ideia de que não será preciso partir do zero. Na criação de mão própria muitas dificuldades podem ser resolvidas com um planejamento prévio ou com o próprio aquecimento da mão, ir escrevendo e escrevendo, até a coisa acabar andando por si, a narrativa se desenhar.

Nenhuma das duas são saídas para o MixLit: não posso planejar previamente, nem posso ir aquecendo a mão. São dificuldades diferentes. O prazer também é diferente. Na criação de mão própria posso guiar a frase como bem entender, desde suas mínimas até as máximas unidades, estabelecer um ritmo e levar a narrativa para onde eu quiser. No MixLit, apesar da ideia de que posso levar para onde eu quiser, na verdade não posso, pois estou restrito àquilo que oferecem os livros que tenho. Assim, apesar de as duas ações resultarem em texto, sinto que a melhor resposta é dizer que as dificuldades são de naturezas diferentes.

Como você produz os contos remixados? Seleciona o que acha interessante num banco de dados, depois vai reconstruindo e misturando de forma algo aletatória? ou o método é mais caótico?

O método é mais artesanal. Não construo um banco de dados prévio. Tudo acontece na hora em que resolvo produzir um texto. Cerco-me de alguns livros escolhidos já intuindo que sejam possíveis de apresentarem conexões. Leio trechos de cada um, marco passagens que podem render ligações e assim vou passando de um livro a outro, enquanto transcrevo para o computador as passagens que seleciono. Nisso já tenho a noção de qual passagem pode ser um bom início, qual pode ser um bom final, qual pode preparar certa situação. Depois faço com elas um arranjo. Às vezes funciona de primeira. Às vezes não, e nessas horas tenho duas opções: mudar os livros, cercar-me de outros, ou avançar na (re)leitura dos que escolhi, ler páginas e páginas, até encontrar alguma passagem que pareça de fato encaixar com as outras, acrescentando algo ao texto. Quando vejo que a coisa não está caminhando bem, paro e vou terminar o texto no dia seguinte. Frequentemente misturo livros que venho lendo ou li recentemente com outros que estão há anos nas minhas estantes.

Como é produzir um trabalho em colaboração com textos novos ou clássicos da literatura? Dada a natureza normalmente solitária da literatura, seria esta forma uma “literatura colaborativa”?

É divertido. Sinto como se colocasse os livros para conversar e fosse, aos poucos, construindo um livro infinito, um livro que transborda suas páginas, como se certa linha de uma livro escapasse do limite do seu papel e fosse se esticando e esticando até repousar em outra linha, de uma outra página, de um outro livro. Uma linha infinita que poderia nunca acabar, e pela qual todos os livros pudessem dar as mãos. Gosto da imagem, do mapa que venho traçando. Por outro lado, menos mental, é uma ação bastante física, de um prazer quase infantil, entre o destruir e o construir. Retirar, recortar, picotar parágrafos estabelecidos e criar os meus, mudar o concreto de lugar e fazer dos textos impressos peças móveis, construir blocos que fiquem em pé, ver o texto quase como um Lego, um Tetris, uma conversa virtual onde sempre se está aberto à participação de um novo convidado, isso tudo me entusiasma.

Nas Oficinas de Remix Literário que dou, essa parte da ação física sobre os textos é uma das preferidas, as pessoas realmente parecem gostar e sentir o texto se construindo através delas pelo meio do recorte, arranjo e colagem. Além de divertido, é intrigante. Ainda consigo ter a sensação de que é algo esquisito. Por mais que tenha alguém teoricamente no controle, nunca sei onde a coisa vai dar. Preciso confiar na capacidade de tornar os fragmentos um texto integral, e entender que aquilo pode virar algo meu, que diga respeito a mim. Isso é o que geralmente acontece.

Quanto ao termo “literatura colaborativa”, parece-me que tem sido mais aplicado a iniciativas de coletivos de pessoas que se agrupam para escrever. Penso já ter ouvido falar de sites ou livros digitais que estão sendo ou foram escritos assim, com várias pessoas inserindo frases suas, sem a figura de um único cérebro no controle. Se você lembrar das comunidades no Orkut, as conversas se davam assim. Uma pessoa lançava um tópico e então abaixo dela assistíamos a uma crescente inserção de comentários vindos de conhecidos (se frequentávamos aquela comunidade) ou desconhecidos. Quem se prestasse a ler um tópico inteiro, poderia encontrar, quase ao vivo, a formação de sentido sendo operada coletivamente, a partir dos fragmentos inseridos. O MixLit tem alguma semelhança com esse formato. Se ele seria a forma mais aproximada da expressão “literatura colaborativa”, eu não sei. É uma boa questão, que me leva a pensar em diferenças de método, procedimento e resultado.

Não sei se o MixLit é mais ou menos “literatura colaborativa” do que esses sites ou artigos ou histórias que as pessoas escrevem em conjunto. O caso de Borges com Bioy Casares, por exemplo, com livros que escreviam sob um pseudônimo único, o recente O verão de Chibo, de Vanessa Barbara e Emilio Fraia, também escrevendo em dupla, o #24H de Bernardo Gutierrez, um livro que nunca termina e incorpora comentários de leitores… enfim, são muito variadas as iniciativas destes tempos que vivemos, inserir uma ou outra sob certo termo depende mais do quão precisa é a definição desse termo.

Como a criação artística influencia e tem sido influenciada pela cultura do compartilhamento das redes digitais?

Creio que os criadores da minha geração formam um terreno especialmente particular, pois devemos ser os últimos a lembrar de um tempo sem internet, ao mesmo tempo que entramos nela não muito tarde. De certa maneira, isso gera uma cisão interessantíssima entre os discursos, o físico e longevo, e o digital e passageiro.

No meu caso específico penso que a questão do compartilhamento me levou a ver mobilidade e movimento (físicos, não só mentais) em coisas que pareciam estanques. Mas esse tipo de atravessamento parece tão natural que é uma daquelas coisas que a gente não consegue determinar uma única fonte. A criação muda na medida em que o criador está em contato ou não com a nova cultura. Você pode pensar em alguns escritores, como Michel Laub, que em seu Diário da Queda usa parágrafos bem curtos e numerados, um forma de organizar o texto que, a meu ver, dialoga muito, e de maneira inteligente, com a cultura digital. Mas você pode ir até livros tempos pré-internet, como o Arcades Project, de Walter Benjamim, ou quadros cubistas de Picasso, e ver que a compartimentação, a fragmentação e a mobilidade já estavam no olhar do artista.

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Você pode pensar simplesmente que esses trabalhos prefiguraram e indicaram os tempos por vir, ou, o que acredito ser mais interessante, considerar que esses trabalhos não só indicaram, mas construíram e participaram ativamente da formação de um certo tipo de olhar contemporâneo. Isso pode ser sentido muito vivamente pela leitura/experimentação de alguns dos poemas concretistas de Haroldo de Campos ou Décio Pignatari. Ali, a maior construção não é só a obra, mas a construção de um próprio leitor, do qual se demanda procedimentos incomuns de leitura. Você pode pensar em livros de aforismos, como o de Karl Krauss, ou de poemas curtos, como o 1 de Gonçalo Tavares, ou o Rilke Shake, de Angélica Freitas, ou O silêncio como contorno da mão, de Elaine Pauvolid, e pensar que poderiam caber muito bem como posts de uma rede social, um Twitter. Mas os aforismos de Karl Krauss foram escritos muito antes disso tudo.

O que acontece é que nossa cultura, hoje, está muito propícia para que esse tipo de trabalho (textos breves) retorne. O romance com mais de mil páginas está de difícil apreciação, como bem fala Italo Calvino em seu “Se um viajante numa noite de inverno“, livro também muito adequado a entrar nessa conversa e temporalmente não muito distante de nós. O caldo que ferve a cultura privilegia, em tempos, certos tipos de expressão, e em outros tempos, outros tipos de expressão. O romance está vivo – há um prazer muito específico em imergir dentro de um universo, dentro de uma história, e acompanhar seus desdobramentos, um prazer pouco substituível, digamos assim – o que acontece é que um criador, hoje, precisa estar muito ciente do tempo que irá demandar do seu leitor. O que, fazendo uma revisão ao que falei acima, não necessariamente se mede em páginas, pois há livros que, com poucas páginas, pedem uma degustação concentrada, como os de Raduan Nassar, e outros que, com muitas páginas, são lidos rapidamente, como muitos romances policiais e de mistério.

Sinto que, na cultura de compartilhamento, você está sempre com muito material e pouco tempo. Quando você lê um livro, aquilo é tudo que você tem à sua frente. Ao computador, qualquer arquivo aberto é mais um entre milhares que estão atrás dele, logo ali no seu desktop e no seu navegador. Há uma sensação de acúmulo e variedade que dificulta a imersão e privilegia a circulação. Esse tipo de leitura é o que uso quando vou fazer um MixLit. Fico feliz em conseguir realizar mais de um modo de leitura.

A cultura do compartilhamento também interferiu, obviamente, na noção de autoria. Com o compartilhamento um certo documento ou arquivo adquire vida própria, independente do seu autor ou do formato original em que foi lançado ao mundo. A cerimônia, no sentido de um respeito excessivo perante um material ou uma ideia, vai-se extinguindo aos poucos nesse lastro. E, como o avesso dessa mudança, revelou-se ainda mais a alegria de se desenhar um trajeto, traçar um percurso de leitura, apresentar o passo-a-passo, inventoriar o ambiente, desvendar as peças do interior da máquina. Quando o caminho fica turvo, clareá-lo é um prazer. Daí surgem até mesmo poemas, como “Directory”, de Robert Fitterman, que traço o trajeto de uma pessoa dentro de um shopping. No caso do MixLit, que trabalha mais com prosa, tento desfrutar de procedimentos, visões e ideias próprios de uma época digital, sem que isso seja uma perda em termos de narrativa. Fazer com que a chamada “experimentação” seja uma aliada, e não um obstáculo.

O que sinto é que a cultura digital mudou o homem. E que aquele rio, onde o mesmo homem não conseguia se banhar, torna-se outro cada vez mais rapidamente. Ao menos em certa camada do homem, pois há definitivamente uma camada onde a mudança ocorre de maneira muito lenta, ou simplesmente não ocorre. Hoje podemos ter a diversidade de encontrar criadores em maior e menor diálogo com a estética da cultura digital, uma diversidade que, me parece, será cada vez menor, pois está acontecendo uma passagem, talvez análoga à passagem que sofreram os autores de televisão, meio em que a geração mais velha de roteiristas é mais afeita à influência do rádio e hoje há uma geração que viveu mais as séries e o cinema.

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Essa tal de literatura copyleft https://baixacultura.org/2012/08/07/essa-tal-de-literatura-copyleft/ https://baixacultura.org/2012/08/07/essa-tal-de-literatura-copyleft/#respond Tue, 07 Aug 2012 15:17:52 +0000 https://baixacultura.org/?p=8816

Numa conversa típica, o jornalista espanhol radicado em São Paulo Bernardo Gutierrez fala muito. Normal: pra quem vive disso, falar bem, e rápido, agregando informações novas e relevantes, é importante. De cada 10 palavras que usa, provavelmente uma delas será “hackear” e outra será “copyleft”. Outras serão conectivos, mais outras duas em espanhol e o resto é imprevisível.

Periodista com longa estrada na mídia tradicional espanhola e como correspondente em diversos países do mundo, ele cansou de trabalhar na “imprensa tradicional”. Passou a, para usar seu vocabulário, “hackeá-la”: se aproximou dos movimentos de cultura digital da Espanha, em especial o 15M, para dizer que existem outros caminhos, o que, pensando nos meios de comunicação, talvez possa ser chamado de “pós-jornalismo“.

Com isso em mente, foi militar por uma “cultura copylef” e prestar consultoria a quem não entende disso (ou quer entender mais) através da FuturaMedia, empresa que é “CEO”.  Passou a fazer improváveis deslocamentos do conceito de copyleft para, quem sabe, ajudar na sua divulgação/discussão/comparação. Por exemplo, fez uma interessante provocação: pescou as 4 liberdades do software livre, a base do copyleft, e aplicou nas cidades, dando o nome de “cidades copyleft“. Veja:

Libertad 0. Libertad para ejecutar la ciudad sea cual sea nuestros propósito

Libertad 1. Libertad para estudiar el funcionamiento de la ciudad y adaptarlo a tus necesidades – el acceso al código fuente es condición indispensable para eso.

Libertad 2. La libertad para redistribuir copias y ayudar así a tu vecino.

Libertad 3. La libertad para mejorar la ciudad y luego publicarlo para el bien de toda la comunidad.

Faz sentido, não?

Mesmo que como provocação – já que, como disse Felipe Fonseca nesse texto essencial sobre o assunto, “Cidades, Coisas, Pessoas” (acredite, você precisa ler este texto), essa analogia não deve ser interpretada de maneira absoluta, uma redução da realidade cotidiana a meros sistemas informacionais, mas sim como abertura à modificação.

*

Além de jornalista, Bernardo é escritor, e essa área é outra que ele tem usado o termo copyleft. Ele acaba de lançar o livro #24h, pela editora DPR, de Barcelona, um relato ficcional sobre as 24h, entre os dias 16 e 17 de maio de 2011, antes que a a Puerta del Sol em Madrid fosse tomada pelos “indignados”.

O “copyleft” de #24h diz respeito a própria forma que o livro é construído, incorporando comentários, tweets e links de pessoas que participaram do processo que Bernardo deixou aberto, em um blog na rede, enquanto escrevia o livro. O resultado é um quase como um blog offline: entradas como parágrafos, textos próprios e alheios, tudo misturado numa narrativa que tenta recriar 24h na vida de um mundo caótico de excessos como o do século XXI.

Bernardo assim explica :

#24H es una excusa troyana, vaya, para hablar de algunos asuntos presentes en el escrito y para abordar estos tiempos convulsos en los que vivimos:  el copyleft, la participación ciudadana, 15M, Anonymous,  urbanismo P2P, crisis de la democracia participativa, la Europa que se desmorona, el procomún, la corrupción, la sociedad en red, la remezcla o la cultura digital…  #24H, además, es un intento de viabilizar otro modelo de gestión cultural sin tantos intermediarios.

Desnecessário dizer que o livro está em licença Creative Commons, que permite modificações e compartilhamento, desde que sem fins comerciais e distribuindo por esta mesma licença. O objetivo de Bernardo é que seu livro seja como um código fonte de software, remixável ao gosto do freguês. “Cualquier lector podrá despedazarlo, remezclarlo o continuarlo en la sala de remezclas que hemos preparado“, escreve.

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Bernardo vai lançar o livro hoje, no Centro Cultural da Espanha, em São Paulo, às 19h. Com esse pretexto, convidou para uma charla sobre literatura remix/copyleft/de código aberto (escolha um nome e seja feliz) as espanholas Silvia Nanclares, do interessantíssimo bookcamping.cc, uma biblioteca aberta e colaborativa cheia de livros bacanas; e Susana Serrano, pesquisadora cultural, responsável pela parte de comunicação do Centro de las Artes de Sevilla e uma das autoras de 10openkult.cc, um livro colaborativo sobre gestão e produção cultural em tempos de internet. Além deste que vos escreve, que vai arriscar algumas palavras sobre algo que ainda me parece nebuloso, apesar de deveras interessante.

Quando Bernardo me convidou para falar sobre o assunto, pensei: legal, mas o que é literatura copyleft? Existe isso?

Aqui no BaixaCultura temos falado muito da escrita não-criativa, aquela que se aproveita de todos os textos já criados no mundo para rearranjá-los em contextos diferentes. Nosso famigerado guru Kenneth Goldsmith já foi apresentado e contraposto lindamente pelo Reuben:

Que a dicotomia “escrita criativa”//”escrita não-criativa” seja um falso problema dá-se a ver no fato de o questionamento da autoria nascer c/ a própria autoria; isto é, se a autoria é um fenômeno moderno tal como a conhecemos, o plágio criativo também o é, como atesta a energia que gigantes da modernidade como Lautréamont ou Walter Benjamin nele empregaram, o impulso de nutrição que o roubo representa em suas obras.

Assim como de William Burroughs e seu cut-up, um “método de escrever” de recortar e colar e daí fazer (remixar?) sua obra. Também falamos de plágio na literatura através da tese de Kevin Perromat, defendido na Sorbonne de Paris e que nos mostra que copiar sempre foi uma prática na história da literatura, inclusive como método de criação.

A respeito de cópia/plágio/originalidade, o estupendo escritor argentino Ernesto Sábato tem uma ótima fala, pescada do site que Perromat mantém de apoio e complemento a seu trabalho:

Quê, querem uma originalidade absoluta? Não existe. Nem em arte nem em nada. Tudo se constrói sobre o anterior, e em nada humano é possível encontrar pureza. Os deuses gregos também eram híbridos e estavam “infectados” por religiões orientais ou egípcias. Também Faulkner provém de Joyce, de Huxley, de Balzac, de Dostoievski. Há páginas em “O som e a fúria” que parecem plagiadas de Ulisses. Há um fragmento de “O Moinho de Flos” em que uma mulher experimentava um chapéu diante de um espelho: é Proust. Quer dizer, o germe de Proust. Todo o resto é desenvolvimento. Desenvolvimento genial, quase canceroso, mas mesmo assim desenvolvimento.”

Num outro corner, o da escrita colaborativa, nossos queridos Wu Ming (ou seu alter-ego Luther Blisset) tem pelo menos dois exemplos de livros extremamente interessantes, “Q – Caçador de Hereges” e “New Thing” – ainda que este último seja atribuído ao “Wu Ming 1“. Mas é claro que, se tu for procurar na história da literatura, irá achar outros tantos livros escritos assim, desde parcerias clássicas como Jorge Luis Borges e Bioy Casares no alter-ego fictício “H. Bustos Domecq” até brasileiros de hoje, tipo Emílio Fraia e Vanessa Bárbara em “O Verão de Chibo“.

Seria Luther Blisset uma literatura colaborativa?

Então, ficamos assim: ao falar de literatura remix/mesclada/remisturada/plagiada/colaborativa/coletiva, não estamos falando de uma coisa “nova”. O que podemos chamar de novidade hoje é essencialmente uma coisa: o contexto digital, de facilidade de acesso e, consequentemente, de apropriação e reapropriação, que permite que estas práticas subterrâneas ao largo da história possam ser tomadas hoje como práticas cotidianas, que o mais comum usuário de computador, escritor ou não, possa realizar.

E é claro que é essa possibilidade que tem bagunçado tudo. A literatura sempre foi o paradoxo da arte individual, da expressão particular de uma pessoa apresentada através de um arranjo de palavras. Quando essa expressão é facilmente cambiável, quando o próprio autor cria uma “sala de edição” para seus textos e estimula a recombinação deles por outras pessoas, como faz Bernardo, as portas se abrem.

Para que caminhos ainda é incerto dizer, mas é um pouco disso tudo que conversaremos hoje a noite.

 [Leonardo Foletto]

Créditos imagens: 1, CCE-SP2, 3 (na ordem).
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O roubo de ideias só se discute onde elas não existem https://baixacultura.org/2012/08/03/o-roubo-de-ideias-so-se-discute-onde-elas-nao-existem/ https://baixacultura.org/2012/08/03/o-roubo-de-ideias-so-se-discute-onde-elas-nao-existem/#respond Fri, 03 Aug 2012 18:56:15 +0000 https://baixacultura.org/?p=8775

Os acadêmicos sem imaginação merecem a polícia, já que desejam algum tipo de madrasta, do mesmo modo que a universidade, quando atua como polícia, não merece metade de um cérebro que se dispõe a gastar tempo com ela. É impraticável discutir o plágio, em seus lances mais instigantes, ou enquanto questão, quando os plagiadores produzidos nas academias não passam de ladrões sem graça, e quando a política das casas de saber é produzir cartilhas sobre como não copiar a si mesmo.

Quando Guy Debord, no magistral Panegírico, registra que a citação desviada não vale mais a pena porque ninguém pode identificá-la, parece agora um gesto de boa vontade. Aqueles que podem praticá-la não a reconheceriam nem com um apud grudado na testa, e os que a praticam, é porque não sabem fazer mais nada.

Em todo caso, as universidades sempre viram o plágio como puro roubo; também por isso as experiências de fusão de materiais se efetivaram sobretudo nas artes ou em conexão com elas. Me parece, como já escrevi acerca de Kenneth Goldsmith, que atualmente se coloca um falso problema, de que toda criação é plágio, ou remix, como se interessasse uma técnica de despersonalização da escrita, e não que o escritor seja algo entre multiplicidades. Não se resolve um problema de autoridade concedendo-a a um senhor diverso, e além do mais esse tipo de formulação, “tudo é isto ou aquilo”, só poderia servir para dissolver um problema, não vale nada se apenas o reverte para instituir um totem.

Enquanto o poeta da Casa Branca não larga o osso de seu fantasma moderno, a universidade perpetua um tipo de autoria de casta, em que o principal é deixar claro a quem se pertence, por declarações de “recorte”, “viés” e comprometimento com os tópicos dados por um campo. [No mestrado em Ciências Sociais da UFMA, a cada dia um “novo trabalho” explica o bumba-meu-boi, o reggae, o tambor de crioula e até mesmo o brega segundo Pierre Bourdieu, esta verdadeira prótese].

O rigor da documentação (no fundo um recurso cientificista, a “exigência da prova”, embora sirva para alguma coisa) também serve a esse mecanismo. Recentemente, comentando uma simples exposição de motivos da mudança de meu projeto de doutorado, um raciocínio em voz alta de três páginas, uma professora sugeriu que eu apresentasse fontes, “porque senão poderiam pensar que saiu tudo da sua cabeça”. De fato, tudo saiu da minha cabeça, mas felizmente ela é povoada por muita gente diferente de mim. Como se vê, demonstrar que não se pensa sozinho é a principal ocupação de quem deveria estar pensando alguma coisa, por isso a escrita universitária é cheia de barricadas.

A lógica hegemônica do texto acadêmico só conhece um sistema de citação, ao qual a escrita está subordinada – e não o contrário. As citações tomam partido de um sistema de autoria, que possui destacados traços semióticos, como a recusa da igualdade de termos com o texto (sobrenome em caixa alta, citações longas destacadas da narrativa). É por isso que, a não ser por quem não é bobo nem nada, já se sabe como corre a história: após elencar “todos” os autores que já tocaram no assunto, o acadêmico acrescenta sua vírgula.

Ah, a academia Jesús Martín-Barbero

Um livro muito popular em certos departamentos de Comunicação ilustra essa curiosa mentalidade. Em “Dos meios às mediações“, o professor Jesús Martín-Barbero faz resenha de um número assombroso de livros e autores, para ao final de cada uma delas mostrar de que modo ninguém abordou a questão que interessava a ele próprio. Até para dizer o que supostamente não se disse é necessário citar, ao preço de responsabilizar outros autores por coisas que sequer lhes preocupava. Aparentemente, é preciso falsear muitos autores para se tornar um.

Parece pouco brigar com um formato, mas é um modo de lhe recusar a transparência, ou naturalidade, que como em tudo o mais não existe; não se deve supor que uma estrutura lógica possa apenas ser preenchida pelos conteúdos “propriamente científicos”. Se o Iluminismo legou uma noção essencialista da autoria, na escrita acadêmica é a lógica do formato que se toma por essência; e aos que gostam de dizer que ela é útil, esta modalidade de escrita, aos que a absolvem por sua utilidade, seria preciso lembrar que essa eficácia é o principal mantenedor de sua hegemonia.

A citação direta, entre aspas e destacada do texto, que pode perfeitamente funcionar, deve muito de sua manutenção a uma inabilidade para digerir. É mais fácil mantê-la intacta, para não fazer bobagem, para não mudar nada.

Me lembro da graduação, quando uma excelente monografia do curso de História da UFMA não pôde ser aceita na biblioteca da universidade por não ter um resumo (o orientador, puto da vida, escreveu um resumo de próprio punho, na mesma hora, a caneta, e depositou o trabalho). Via twitter, tem uns meses, Alexandre Nodari dizia que um departamento não queria receber a sua tese porque na capa não constava seu nome completo. Quando estava no mestrado, fui “aconselhado” a utilizar palavras-chave diferentes das que usei, porque estas não “pertenciam ao campo”, embora dissessem algo sobre o texto.

Ocorre na universidade o mesmo que no jornalismo ou em qualquer produção intelectual que se queira normatizar: ela seca, condenada a uma forma, porque aí basta preencher alguma coisa, e é a vitória dos funcionários. Seria melhor algo semelhante ao corpo de Tetsuo em Akira, de Katsuhiro Otomo, que não cessa de crescer porque a força dentro dele possui enorme apetite, e absorve outras coisas em si, assimilando porta-aviões, edifícios, aviões ao corpo que não basta. Como se sabe, o preço é a sua identidade, que se dissolve na força, assim como um autor aciona coisas a perder de vista, a começar da sua.

Para que se pense, não importa de onde as ideias vêm, mas para que servem. Esta fixação da retaguarda, inclusive, é também razão para a autoria ser uma grife, para uma ideia valer tanto quanto vale seu autor no feirão do imaginário.

Uma ideia não precisa de autor para bater na mente. Felizmente, muitos entendem o que isso quer dizer. A pirataria forçou muitas portas de entrada para o século 21, que ainda não começou, e a universidade está ocupada retocando as paredes que sobraram.

[Reuben da Cunha Rocha, fundador e colaborador esporádico do BaixaCultura]

Créditos imagens: 1, 2

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O falso problema da escrita não-criativa https://baixacultura.org/2012/03/02/o-falso-problema-da-escrita-nao-criativa/ https://baixacultura.org/2012/03/02/o-falso-problema-da-escrita-nao-criativa/#comments Fri, 02 Mar 2012 18:39:16 +0000 https://baixacultura.org/?p=6395

Depois que Kenneth Goldsmith, o poeta-dândi por trás do belo acervo de arte experimental do ubuweb, lançou a ideia da escrita não-criativa, parece que um caminhão de fichas começaram a cair no entendimento das cacholas lítero-digitais. Não foram poucos os que se impressionaram com a possibilidade de produzir uma literatura somente a partir de outros textos – ou com a ideia de fazer isso abertamente, através de um curso de escrita não-criativa, uma simpática ironia a proliferação nos EUA (e também no Brasil) de cursos de escrita criativa.

Nós mesmos: lemos a entrevista de Goldmsith na Select – a porta de entrada da escrita não-criativa para a maioria, que depois foi reciclada/sensacionalizada pela Folha Ilustrada – e nos impressionamos. O remix que o Mr. Ubuweb fazia da ideia do detournement de Debord e GIl Wolman, do cut-up de Burroughs e Gysin e de outras tantas práticas não assumidas de roubo na criação veio como uma possível via seguraatual para o nosso dilema mortal de criar histórias na era do compartilhamento e do livre acesso a (quase) tudo.

Mas depois da ideia se tornar papo comum (e de boteco) entre os interessados no assunto e aparecer em diversos posts por aqui, começam a vir algumas críticas e provocações. Uma das que pescamos e trazemos aqui é do nosso caro Reuben da Cunha Rocha, jornalista, poeta, tradutor e doutorando em comunicação na USP e um dos fundadores do BaixaCultura.

Reuben continua desafiando ideias consensuais em seu novo espaço na rede, o webzine Cavalo Dada, e não poderia deixar de dar seus centavos ao debate sobre a escrita não-criativa. É de lá que roubamos este texto logo abaixo, escrito em 10 de dezembro de 2011.

Beckett,que a tudo observa do alto do ubuweb

A provocação final para trazê-lo para o debate foi a conversa minha (Leonardo) com Marcelo Noah no programa Elefante, ontem à tarde, na webrádio Minima.fm (que tem uma ótima programação e um bom slogan: “Mais que no ar, no wireless“). A ideia era falar sobre cultura livre, música e outros papos decorrentes destes, mas, sem querer querendo como nem porquê, me peguei falando um tantinho da escrita não-criativa by Goldsmith.

Pior: fui tentado a explicar para quem ouvia a rádio o que seria a coisa toda, inclusive com a ressalva de que isso não é a “morte” da escrita criativa, mas mais uma bifurcação de linguagem (?) que está se desenvolvendo potencializado pela cultura digital.

A conversa me soou um alerta, um “peraí, o que significa esse papo mesmo?”. Foi aí que a provocação de Reuben, lida tempos atrás, me retornou enorme, e não tive outra escolha se não compartilhar ela aqui abaixo como uma saudável crítica ao consenso oba oba.

[Leonardo Foletto]

O falso problema de K. Goldsmith

Reuben da Cunha Rocha

Que a dicotomia “escrita criativa”//”escrita não-criativa” seja um falso problema dá-se a ver no fato de o questionamento da autoria nascer c/ a própria autoria; isto é, se a autoria é um fenômeno moderno tal como a conhecemos, o plágio criativo também o é, como atesta a energia que gigantes da modernidade como Lautréamont ou Walter Benjamin nele empregaram, o impulso de nutrição que o roubo representa em suas obras. O falso problema se instaura ainda mais confortavelmente na poltrona das veleidades quando se nota que, enormíssimos saqueadores, seus nomes permanecem inscritos na história da autoria, bem como é Kenneth Goldsmith quem gira o mundo concedendo entrevistas, colaborando em simpósios e oferecendo cursos. Seu rosto, ao contrário do de Lautréamont, já é bastante conhecido.

Me sinto óbvio escrevendo algo como isto, mas circundado pelo que se tem dito sobre o assunto, e evidentemente admirando, como admiro, a obra & presença de Kenneth Goldsmith entre os humanos, tenho a impressão de que o poeta torna em totem um dilema c/ o qual não deveríamos sequer nos comprometer. É como os teóricos franceses, nalgum ponto do século XX, digladiando-se c/ o problema do significante/significado quando bastaria contorná-lo, já havendo disponíveis formulações mais produtivas acerca da natureza da linguagem. No caso de Goldsmith, quando detecta em dada função exercida pela autoria a prepotência p/ a qual o ego serve muitas vezes de escudo, compreende que ela não encerra os limites da criação mas ignora que nada lhe encerra os limites, entrando nesse ramerrão de “o futuro da escrita é assim & assado”.

Não interessa o contrário do autor, ou o contrário da autoria; interessa é que a criação não seja uma instância de autoridade, e que aquilo que o autor propõe, que o proponha primeiro a si próprio. Me vêm à mão, à lembrança, uma bela fala de José Celso Martinez Corrêa acerca do carnaval enquanto entrega à dissolução coletiva na qual o ser atinge seu mais alto brilho, & a simples presença de um livro como Curare, de Ricardo Corona, gesto por meio do qual, através do poeta, uma língua & um povo se dão à luz. Não há nada de libertário nesta ou naquela técnica de escrita, a peleja mais interessante está, me parece, no esquecimento das funções coletivas da arte, sua notória irrelevância, cujo nome mais conhecido é “entretenimento”. Quanto ao sujeito, tudo está em exercê-lo como grande domesticador ou em excitá-lo como porta perceptiva, canal p/ tudo o que existe. Neste ponto, ter uma ideia ou apropriar-se de uma ideia são recursos, dois entre tantos — a criação sempre esteve em aberto, ao contrário de muitas cabeças.

Que a linguagem nos diga coisas das quais sequer suspeitamos, inclusive em se tratando de algo escrito por nós mesmos, é uma experiência que não escapa a ninguém que se pronuncie — é a raiz dos mal-entendidos, das ambiguidades, das polissemias. A isto uns não reagem bem, voltando-se às aberturas de sua obra c/ o clássico “não entenderam nada”, quando nem sempre é este o caso; a outros alegra que a obra escape de seus domínios e sirva a outros que dela se apropriem. O que importa não é eleger o “não-eu” contra o “eu”, mas que “eu” não se cristalize nunca, que se deixe modificar sempre que necessário, inclusive pelo produto de suas mãos — neste sentido, não é que um poema expresse algo, mas que o revele, inclusive ao poeta. Caso contrário é apenas um novo autoritarismo — veja-se o que diz Goldsmith nesta entrevista, “não é tanto o que nós escrevemos, mas sim aquilo que decidimos reformular o que faz um escritor melhor que outro”. De minha parte, desde que percebi que viveria pela poesia, jamais me ocorreu que se tratasse de uma competição

Créditos fotos: daqui e do UbuWeb.
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Festival Cultura Digital.br (2): um balanço geral e subjetivo https://baixacultura.org/2011/12/06/festival-cultura-digital-br-2-um-balanco-geral-e-subjetivo/ https://baixacultura.org/2011/12/06/festival-cultura-digital-br-2-um-balanco-geral-e-subjetivo/#comments Tue, 06 Dec 2011 19:51:48 +0000 https://baixacultura.org/?p=5939

Foi diferente do ano passado. Nem melhor nem pior, mas diferente.

Em 2010, a Cinemateca, com sua beleza cuidada a pão de ló, e São Paulo, com sua ordem e praticidade às vezes fria, tornaram as coisas mais geométricas, para remixar a metáfora da Estética do Frio de Vitor Ramil.

Este ano o palco do agora Festival Cultura Digital.br foi o Rio de Janeiro – mais precisamente o MAM, às marges da baía de Guanabara. E o Rio é o clichê brasileiro: a malandragem, a desordem, a beleza incontestável e a espontaneidade convivendo juntas, as vezes num caos insuportável por sua ineficiência e as vezes num mesmo caos maravilhoso pela sua fricção – seguida de combustão – criativa.

O Festival este ano teve um pouco desses dois lados do caos, embora o lado bom do não previsto se salientasse mais que o da bagunça. A seguir, um panorama geral e subjetivo em alguns parágrafos e fotos sobre os dias 2 e 4 de dezembro de 2011, no MAM-RJ.

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Pátio do MAM-RJ à noite

O local escolhido como sede do Festival se revelou uma boa surpresa – pelo menos para quem desconhecia o MAM. Uma das principais obras modernistas do país, erguida em 1948 em projeto do arquiteto Afonso Reidy, o museu é, na verdade, um grande parque aberto, com pátio repleto de verde que se estende até a baía de Guanabara.

Com seus metros e metros de gramas e sombras de árvores para sentar debaixo, é um lugar convidativo, que muitos cariocas costumam frequentar espontaneamente no final de semana. Aliado a isso o fato de que o MAM é encravado no centro do Rio, a algumas quadras da Cinelândia, têm-se uma mudança quase radical de cenário para o evento no ano passado, a Cinemateca, espaço deveras bonito mas ermo e fechado.

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O Ônibus Hacker foi o grande xodó do Festival – se tu preferir, foi o destaque “hype” da programação, como bem apontou este infográfico que circulou no O Globo sobre a programação do evento.

[Caso tu ainda não conheça, aí vai: o ônibus é um projeto da comunidade Transparência Hackday e é, neste 2011, um dos maiores cases de crowdfunding no Brasil, com quase R$60 mil arrecadados via Catarse]

O busão teve sua chegada festejada na quinta à noite, promoveu oficinas e mini-cursos e, o principal de tudo, foi a atração turística do Festival. Todos que lá estiveram quiseram dar uma conferida nos seus interiores e ver de perto o que ali se passava. Inclusive Gilberto Gil, embaixador do Festival e que muito circulou pelos aposentos do MAM, acompanhado de Claudio Prado, Jorge Mautner e Nélson Jacobina, como mostra a foto abaixo.

Ainda que em fase embrionária, sem muitos apetrechos nos seus interiores, o busão destacou-se também por sua versatilidade. Nele que foi projetado a transmissão ao vivo dos jogos das rodada final do Brasileirão 2011, auxiliado pela internet wifi de 10 gigabits oferecida pela RNP e a Proderj e por aqueles sites que sempre “pirateiam” a transmissão dos jogos de futebol no Brasil.

Diga-se que o sinal não foi dos melhores, caía nas horas mais importantes, mas serviu para juntar pelo menos umas 30 pessoas a volta e ecoar alguns gritos de torcida rivais – caso de Corinthians e Palmeiras, que tinham o maior nº por ali. A foto abaixo dá um panorama geral da coisa.

Final do Brasileirão 2011 live at Festival Cultura Digital.br

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Sala onde ocorreu a Mostra de Experiências

A Mostra de experiências foi a única atividade no MAM realizada num lugar totalmente fechado – no caso, a Cinemateca do museu. É a que teve o maior número de projetos do exterior, de China a Holanda, passando por Estados Unidos, Colômbia, Inglaterra, França, Japão, Estônia, México, além de projetos de inúmeros locais do Brasil.

Funcionava de um modo semelhante aos congressos acadêmicos, com cada pessoa/grupo apresentando sua experiência em 15 minutos, só que sem o espaço para o debate, já que as experiências eram muitas e o tempo para isso pouco. Nessa estrutura, a mostra era como um grande mosaico de coisas, em que o púbico assistia e, se gostasse muito ou quisesse trocar uma ideia com  o palestrante da vez, procurava a pessoa em questão ao final da apresentação.

No último post apontamos alguns projetos que nos pareceram interessantes, e foi uma pena que conseguimos ver apenas alguns dos citados e falar com alguns dos envolvidos. Boa parte dos projetos apresentados merecem um post a parte, e é por isso que deixaremos para as próximos semanas para comentarmos um pouco mais de cada um deles. Enquanto isso, tu pode ter mais uma noção do que ali ocorreu nesse relato de Daniel Castro, monitor do streaming do lugar. Aliás: em breve, todos os vídeos deste espaço (que foram transmitidos ao vivo pela rede) estarão disponíveis no site do culturadigital.org.br.

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Fachada do Odeon na abertura oficial do Festival, na sexta 2 de dezembro

O Cine Odeon, maravilhoso cinema incrustado em plena Cinelândia, foi palco das Palestras, reservados aos nomes conhecidos da cultura digital, da literatura e da cultura em geral.  Não estivemos na maioria dos debates do Odeon, e, confessamos, também ouvimos pouco falar deles; das pessoas com quem conversamos, ouvimos ótimos comentários do velho conhecido Kenneth Goldsmith, do UbuWeb e de Hughes Sweeney, do National Film Board of Canada, que realiza os documentários interativos mais fantásticos do planeta, auxilados por uma estrutura que, infelizmente, só países como o Canadá parecem ter condições de ter hoje.

[Sweeney organizou alguns vídeos no Festival para a chamada Mostra Tudo, e a Revista Select compilou alguns desses num post. Olha lá]

Assim como a Mostra de Experiências, as Palestras serão subidas para o site oficial, e esperamos vê-las para sacar o que rolou de legal nelas. Particularmente, queremos entender o que Paulo Coelho falou de pirataria e se ele, assim como o pessoal do Festival no guia de programação, também confundiu pirataria com copyleft, uma falha infelizmente comum.

Momento vergolha alheia na abertura do festival

A Sergio Mamberti, do MInC, coube ler a carta de Ana de Hollanda

A palestra de Abertura do Festival, na noite de sexta-feira, merece um comentário à parte. Iniciou com algum atraso, o que deixou impaciente o público que lotava os mais de 500 lugares do Odeon. E começou mal, com uma mesa composta de representantes da Petrobras, RNP, MAM, Secretaria de Cultura do RJ, MinC, além de Rodrigo Savazoni, diretor geral do Festival, e Ivana Bentes, professora da UFRJ (mas que não se sabe porquê esteve ali, ainda mais sendo a primeira a apresentar o Festival). Uma politicagem que, ainda que compreensível pelos arranjos feitos para a realização do Festival, se mostrou longa e desnecessária para a abertura de um evento.

O auge da coisa toda foi mostrar um vídeo de Eliane Costa, gerente de patrocínio da Petrobras. Ela comentou um pouco sobre a importância do festival e, a certa altura, falou que não estava presente ali por ter ido à França iniciar seu doutorado na Sorbonne. Perguntas de boa parte do público: que diabos eu tenho que ver com isso? Por que esse vídeo está sendo mostrado aqui, na abertura do festival, espaço dos mais nobres?

Na sequência de Eliane, aconteceu o momento mais polêmico da noite. Sérgio Mamberti, atual secretário de Políticas Culturais do MinC, leu uma carta de sua chefe, a ministra Ana de Hollanda – e por tudo que a gestão de Ana fez com a cultura digital neste ano, era mais que esperado que  haveria vaias da plateia na simples menção de seu nome.

Em resumo bem simplificado, a carta lida por Mamberti dizia que a atual gestão do MinC não “rompeu” com a cultura digital como alguns falam, e que ela, a cultura digital, teve avanços sim em sua gestão. A resposta de uma parte da plateia foi “Ministra do ECAD!”, seguida do coro “Não, não nos representa!“, o que causou algum constrangimento entre todos.

No fim das contas, há de se salientar a coragem de Sérgio Mamberti em ler até o fim a carta – justo ele, já um senhor de idade, muito simpático e mais alinhado aos avanços digito-culturais do que a ministra Ana.

O poderoso Benkler solito no palco

… e num papo arretado com Gil

Depois da abertura oficial, lá pelas 21h e pouco, iniciou a conferência de abertura propriamente dita, de Yochai Benkler, um dos principais teóricos do digital e autor de livros fundamentais como “The Wealth of Networks” e “The Penguin and the Leviathan“, que defendeu muito dos preceitos da internet livre e animou muita gente a fazer o mesmo.

Uma frase muito tuítada proferida na palestra, dita em resposta ao revelação de entrevistador Gilberto Gil, deu o tom da fala: “Manteremos a liberdade na internet? Benkler: Not if we don’t fight“.

[Leonardo Foletto viajou ao festival para participar da cobertura colaborativa].

 
Créditos fotos: Aloysio Araripe (1), Bruno Fernandes (2, 3,4, 5, 6, 8, 9), Rafael Vilela (12) e Pedro Caetano (10, 11, 13) da ótima equipe de fotógrafos do Festival (fotos disponíveis no Flickr oficial do evento) e Leonardo Foletto (7).

]]> https://baixacultura.org/2011/12/06/festival-cultura-digital-br-2-um-balanco-geral-e-subjetivo/feed/ 4 Festival CulturaDigital.br https://baixacultura.org/2011/12/01/festival-culturadigital-br/ https://baixacultura.org/2011/12/01/festival-culturadigital-br/#comments Thu, 01 Dec 2011 20:07:06 +0000 https://baixacultura.org/?p=5920

O Festival Cultura Digital.br começa hoje amanhã, no MAM (Museu de Arte Moderna) e no Cine Odeon, no Rio de Janeiro, e vai até domingo, 4 de dezembro – e isso tu já deve saber, claro.

Também tu deve estar sabendo que o Festival é a 3º edição do que era o Fórum da Cultura Digital, e que ele migrou de São Paulo para o Rio – as duas primeiras edições foram realizadas na Cinemateca de SP, como você vê aqui.

O evento mudou de tamanho também: neste ano, teve 358 inscrições na chamada pública para participação nos quatro diferentes espaços (Mostra de experiências de cultura digital, Mão na Massa, Visualidades e Encontros de Redes). Foi feito uma triagem e os selecionados compuserem o grosso da programação, que está dividida em cinco grandes espaços: Arena, Encontro de Rede, Palestras, Laboratório Experimental e Visualidades.

As Palestras são as conferências com grandes nomes da cultura digital – Yochai Benkler, Kenneth Goldsmith, Michael Bauwens, dentre outros – que serão realizadas no Cine Odeon, em plena Cinelândia, centrão do Rio. O restante da programação será nos amplos jardins do MAM-RJ, às margens da Baía de Guanabara. O Caderno TEC, da Folha de S. Paulo, fez uma matéria e um infográfico sobre a extensa e complexa programação do evento, que gentilmente copiamos abaixo:

Se tu quiser escolher o que assistir na programação, a melhor forma é estudar o Guia (baixe aqui) e ver o que lhe agrada. Num evento complexo e onde tudo acontece (quase) ao mesmo tempo como esse, uma planilha do Google Calendar também pode ajudar na escolha do que assistir.

Pra quem não estiver no Rio, as programações das Palestras e da Mostra de Experiências serão transmitidas por streaming, direto no site (culturadigital.org.br/aovivo).

Nós estaremos circulando pelo evento, à deriva, atrás de coisas interessantes para trazer para o BaixaCultura (o que for de imediato publicaremos em nosso Twitter ou Facebook; o que não, nas próximas semanas).

De início, apostamos fortemente na programação da Mostra de Experiência, em coisas do tipo:

 _ ‘Cultural Workers Exchange’, rede de centros culturais independentes que procura abrir canais de troca entre artistas e curadores que trabalhem com mídias digitais na Europa, às 12h25 de sábado

_ “The Deleted City“, instalação de “arqueologia digital” que é um mapa de visualização dos arquivos do extinto Geocities. “A navegação pelo mapa permite a visualização de páginas html e imagens do passado recente da web”, diz a apresentação do projeto que será apresentado às 14h15, também do sábado;

_  “Amigos de Januária“, projeto de jornalismo participativo que está ensinando jovens a usarem ferramentas digitais para o monitoramento da administração municipal na cidade de Januária (MG). Além de técnicas de jornalismo, os participantes do projeto “estão aprendendo como acessar informações sobre o município que já estão disponíveis na internet em bases de dados públicas como Portal da Transparência e DataSUS, por exemplo”, diz a apresentação. Na sexta, às 17h15.

_ AMCV (Alerta Móvil de Contra Vigilância), projeto de um grupo de mexicanos que desenvolveu um aplicativo com mapas e avisos para celulares e uma página web que permite que qualquer pessoa saiba a localização das câmeras de segurança de sua cidade. Na sexta, às 19h15;

_ Hackerspaces: Uma oportunidade para o conhecimento livre em Software e Hardware Livre, em que membros do Garoa Hacker Clube, localizado na Casa da Cultura Digital, apresentam um “passo a passo” para fazer um hackerspace, no domingo às 13h40.

_ E, para encerrar a mostra de experiências, no domingo às 16h50, vale conferir “Bitcoin: A construção da nova economia sem bancos e intermediários”;

Dá pra apostar também que as discussões da Arena vão ser interessantes. Em especial, destacamos “Biohacking: vida e propriedade“, sobre os limites para o avanço das novas tecnologias e os avanços da mobilização social e tecnológica para uma ciência tecnológica e cidadã, um tema tão instigante quanto desconhecido por nós, na manhã de domingo (10h30 às 12h).

Tecnofagia: Cultura Digital e Estéticas Contemporâneas“, que vai debater o eterno mantra “Nada se cria, tudo se copia” e as possibilidades da antropofagia como recriação, diversificação e distribuição da arte e da estética, às 16h30 do domingo.

E o inevitável painel “Ocupações, Revoluções, Redes: Articulação do Movimento Global“, sobre os recentes movimentos da Primavera Árabe, o Ocupe Wall Street e os outros “Ocupe” que estão se espalhando nesse já histórico ano de 2011, às 14 do sábado, 3.

Por fim, não poderíamos de fazer o nosso jabá. “Efêmero Revisitado”, o primeiro produto de nosso selo editorial, será lançado “oficialmente” neste próximo sábado, 3 de dezembro, às 18h30, no espaço Visualidades, logo após a apresentação de Lucas Pretti, do Teatro para Alguém.

Neste mesmo espaço há outras coisas deveras interessantes, tais como:

_ Integrarte/Entregarte, projeto que cria visualizações e sonorizações de movimentos corporais para a criação de uma instalação que explora o corpo no espaço com Kinect e Processing, das 14h às 19h30 da sexta,2 dez.

_ Céu de Palavra – Pipas brancas empinadas no céu durante as três  noites do festival, das 20h às 22h,  enquanto um projetor lança imagens de trechos de poema ao céu. Para lê-los, é preciso controlar as pipas.

_ SufferRosa, aclamado projeto de Dawid Marcinkowski, um produtor audiovisual independente da Polônia. Sufferrosa (2010) é considerado um dos maiores projetos de histórias narrativas online já produzidos – seja lá o que queira significar isso (veja o trailer). Será exibido às 20h de sábado, logo depois da apresentação do “Efêmero”.

_ “Inventário de Sombras“, curiosa perfomance em que um grupo de artistas negocia com os participantes a doação de sua sombra (?), às 11h30 do domingo.

P.s: Os cartazes no corpo do post fazem parte dos “Cartazes Colaborativos“, projeto do Festival que convidou a todos que quisessem fazer  seu cartaz e apresentar para a produção.

Créditos: 123, 45, 6.

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Notas sobre o futuro da música (3): Andrew Dubber e a era digital https://baixacultura.org/2011/11/21/notas-sobre-o-futuro-da-musica-1/ https://baixacultura.org/2011/11/21/notas-sobre-o-futuro-da-musica-1/#comments Mon, 21 Nov 2011 11:45:45 +0000 https://baixacultura.org/?p=5785

O Auditório Ibirapuera é um prédio maravilhoso arquitetado por Oscar Niemeyer (ou seus asseclas) localizado no parque do Ibirapuera, em São Paulo. É uma casa de shows, com uma programação recheada de música boa, brasileira e internacional, a preços até que acessíveis (R$20 inteira, R$10 meia) e um Centro de Estudos, que inclui a Escola e o núcleo de Cultura Digital.

É desse centro de estudos que saiu a Revista Auditório, uma publicação que, por enquanto, tem dois números com textos excelentes – uma edição especial chamada “Repensando Música” e a outra, a nº1, com nomes como Allen Ginsberg, David Byrne, Guilherme Wisnik, Paulo Lins, Luis Nassif, Romulo Froés, Idelber Avelar, Alexandre Matias, Pena Schmidt e Yochai Benkler falando também de música, além de (mais uma) boa entrevista com Kenneth Goldsmith, do UbuWeb.

As duas revistas foram editadas por Lauro Mesquita, Alexandre Casatti, Joaquim Toledo Jr., Juliana Nolasco e Tiago Mesquita, que desde já merecem os nossos parabéns pelo belo trabalho realizado. As edições, que podem ser baixadas naquele link do parágrafo acima, tem muita munição para divulgar, discutir, refletir, coisa que tentaremos fazer a partir dos próximos parágrafos.

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Na Revista Auditório nº1, um texto que merece atenção especial nesse post é “O Verdadeiro Futuro da Música“, por Andrew Dubber – um cara abalizado pra falar sobre o assunto: é professor-assistente de Inovação na Indústria da Música do Centro de Mídia e Pesquisa Cultural de Birmingham, “provavelmente a única pessoa com esse título profissional”, como ele diz no texto.

Sendo o “futuro” da música algo que Dubber lida em sua rotina diária, suas opiniões sobre isso são bem pertinentes. Por exemplo, saca esse trecho abaixo onde ele dá um direto na cara dos futurólogos de ocasião:

A verdade nua e crua é que aquilo para o qual você quer se preparar é algo absolutamente impossível de se conhecer. Não só não será a continuação de algo que vem crescendo paulatinamente – permitindo que os especialistas apontem e digam “Veja – ali está o futuro e será algo grande” – nem tampouco reconheceremos quando virmos. Somos  particularmente ruins em reconhecer o que é importante até que seja importante. Mas somos ainda piores em reconhecer o que é o futuro e o que não é. 

O futuro não é celular. Não é o Facebook. Não é áudio em streaming. Não é assinatura, não é música ao vivo e não são aplicativos. Já  temos tudo isso. Isso é o presente e mesmo, até certo ponto, o passado da  músicanão é o futuro.

Dubber continua a disferir diretos nos futurólogos dizendo que, mais do que ficar inventando coisas só pelo prazer de dizer depois que foi tu quem inventou isso antes de todo mundo, melhor é prestar atenção as trocentas coisas que estão acontecendo hoje. O truque, diz ele, é não tentar adivinhar o que vai acontecer em seguida, mas simplesmente tentar entender o mundo como é agora e então enfrentar a questão.

A única coisa pior que ficar tentando adivinhar o futuro é fingir que ainda estamos no passado, continuar agindo como sempre agimos, e depois insistir que o resto do mundo se comporte da mesma forma – coisa que, tu sabe, as gravadoras, os grandes estúdios de Hollywood e outros barões do copyright continuam a fazer.

Assim Dubber finaliza esta parte: “Quando o mundo muda à sua volta, você não pode continuar fazendo o que sempre fez, e não se pode obrigar que as pessoas façam o que costumavam fazer, só porque isso o deixa feliz. É preciso compreender o ambiente  contemporâneo da mídia e se adaptar a ele”. É uma variação da frase: Tá morrendo? Deixa morrer e ver o que vem no lugar – se vier algo.

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Até a cultura digital, música era sempre comercializada assim: em massa

Para contextualizar a discussão, o professor inglês propõe uma divisão da história da mídia em “eras”, algo que tem sido bastante usado nos textos sobre o assunto hoje – nós mesmos fizemos algo do tipo nesse e nesse post, baseados num artigo de Alex Primo.

Ele começa com a era oral, onde apenas falávamos uns com os outros e histórias eram contadas e passadas de geração em geração. Este período durou cerca de 10 mil anos; nele, diz Dubber, “a forma principal de ganhar dinheiro com música nessa época era viajando de um lugar a outro, cantando e contando histórias“. Foi a era do trovador.

Depois veio a era da escrita, que provavelmente durou cerca de mil anos – a escala, mais que a precisão do tempo, é o que vale aqui, lembra o professor. Nessa época, o principal meio de se fazer dinheiro com música foi através do mecenato. “Pessoas ricas e membros dos mais altos escalões do clero pagavam aos compositores para irem morar com eles, escrever músicas e depois entregar as partituras a músicos profissionais para que interpretassem o que estava escrito e tocassem música para dançar nas festas dos ricos, e hinos e oratórios para as grandes catedrais”, escreve Dubber na página 113.

A terceira é a era da produção em massa, que vem com a imprensa de Gutemberg. É a era da produção, impressão e de alfabetização em massa, que traz consequências de todas as ordens e durou cerca de 500 anos. Nela, o principal meio de fazer dinheiro com música foi a produção em massa de partituras de música; foi através de apresentações de um repertório internacional em todo o mundo que essa tecnologia se tornou possível.

Na sequência, vem aquela em que muitos de nós nascemos: a era elétrica. É o período da comunicação de massa, com públicos nacionais, globais, e da música compartilhada, do consumo simultâneo de produtos de mídia. O modo principal de se fazer dinheiro com música é gravando e transmitindo. “É a abordagem do ‘faça um, venda muitos’ da era da impressão, mas aumentada e turbinada, porque é a própria apresentação musical que está sendo produzida em massa e que repercute”.

Dubber explica detalhadamente o funcionamento dessa era, que durou cerca de 100 anos.

O truque econômico na era da mídia elétrica é “altos custos fixos, baixos custos marginais”. Isto é, custa caro gravar um disco, mas fazer cópias sai quase de graça, em relação ao preço cobrado no varejo. Há um custo grande para se produzir um vídeo de música, mas cada espectador adicional custa fundamentalmente nada em termos de custos adicionais. O cenário ideal, a propósito, é que haja um disco de um cantor que todo mundo compre no mundo inteiro. Quase chegamos a isso com Michael Jackson, a certa altura.

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Santo Vaso Nosso de cada dia na era digital, por Millor

Pois aí é que entramos na era digital. Dubber enfatiza: não estamos mais na era elétrica, mesmo que muitos de nós (alô gravadoras, alguns artistas, ECAD) vejam ela como a “forma natural” de hoje.

E explica: “Ainda podemos contar histórias em volta da fogueira e sair cantando por aí para ganhar dinheiro. Ainda podemos escrever música sob encomenda e escrever nossas composições em papel para que nossos amigos toquem. Ainda é possível ter um negócio perfeitamente legítimo imprimindo e vendendo partituras de música ou ter uma casa de espetáculos em que os artistas populares locais apresentam um repertório importante. Mas a questão é que esses não são mais os meios principais de se produzir, distribuir ou consumir música. Não é aí que está o dinheiro”.

A configuração é outra. O inglês diz que “é uma questão de compreender o muito para muitos, o mundo comunicativo coloquial, vernáculo e interligado em que vivemos, e então, assim como nossos antecedentes musicais, encontrar um meio através do qual nossos talentos, habilidades, dons e habilidades empreendedoras possam adquirir renda com isso de que gostamos tanto”.

Mas a notícia péssima é que não, ainda não sabemos como se ganha dinheiro com música na era digital. Não há uma resposta pronta, mas algumas possibilidades e oportunidades. E não há mais destas oportunidades porque, como cita com precisão o texto, “a maior parte da indústria da música no planeta ainda age como se estivesse mais ou menos na era elétrica, só que com alguns brinquedinhos novos. Ainda priorizamos a gravação e a transmissão como se continuassem a ser o meio principal de ganhar dinheiro com música – apesar de todas as provas em contrário”.

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Conjunto de suposições (regras?) sobre o futuro da música

Na sequência conclusiva do artigo, Dubber fala de algo que deveria ser óbvio: em vez de querer prever o futuro da música (ou de qualquer coisa), o melhor é perceber o presente em que estamos e inventar um futuro.

“O verdadeiro desafio para a indústria da música não é se manter ou se adaptar às mudanças da mídia.  O desafio está em inovar. Surgir com algo realmente novo, no qual ninguém tenha pensado ainda. Ser o primeiro a ligar, com uma nova forma, a composição à produção da música e a distribuição da música ao consumo da música, e vislumbrar o que deverá acontecer com a promoção da música ao final de tudo isso”.

Esse parte acima não te faz lembrar, mesmo que vagamente, na iniciativa de lançamento do novo disco da Bjork que falamos aqui? A ideia do software como música é uma alternativa que está, de alguma forma, tentando “inventar” um futuro, ainda que baseado nas possibilidades do presente. É uma estratégia que consegue pensar em produção, circulação e consumo ao mesmo tempo, tudo se ligando num mesmo lugar (o software).

Há, claro, riscos nessa via do software: um deles é o fato de, no disco de Bjork, o aplicativo ser Apple, só visualizado em Iphone, um sistema fechado. Outro risco que se corre é o de, se o software como música “pegar”, todos quererem adotá-lo como “o” formato a ser seguido, replicando assim uma mesma solução para produtos com características bem diferentes.

Não vai dar certo. Impor um único sistema e fazer o mundo inteiro se adequar para que ele seja sustentável não costuma funcionar em nenhum lugar do mundo, nem em qualquer tempo. Por mais difícil que seja para quem está na labuta diária, a ideia parece ser mais a que Gilberto Gil citou numa fala já reproduzida por aqui:  “A digitalização não exige que toda obra de arte seja de graça, mas que um modelo próprio de comercialização seja criado para cada necessidade”.


Créditos imagens: 1, capa Revista Auditório, 2, 3, 4.
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Revista nova na praça: Select https://baixacultura.org/2011/08/08/revista-nova-na-praca-select/ https://baixacultura.org/2011/08/08/revista-nova-na-praca-select/#comments Mon, 08 Aug 2011 18:41:06 +0000 https://baixacultura.org/?p=5261

Sabe aquela sensação de conhecer um grupo de pessoas que tem pensamentos, gostos e vontades tão parecidas com as tuas que sem querer sai um “Essa é minha turma!”?

Pois é mais ou menos isso a sensação que tivemos ao ter acesso a mais nova publicação brasileira, a SelecT. Uma revista bimestral  – ao que parece está indo para as bancas de todo o país por estas semanas – sobre arte, design, cultura contemporânea e tecnologia (como diz a explicação oficial) que prega em sua capa “Abaixo a originalidade!”, com duas Lady Gaga cover na capa, não é todo dia que surge, não é mesmo?

[Conseguimos lembrar apenas da saudosa Revista Play, que, ainda que tratasse de tecnologia, internet e cultura, tinha um foco bem distinto dessa.]

Avisamos aqui que não foi possível esconder o rastro de empolgação desse post depois de uma boa folheada na edição nº1 (a nº0 está disponível pra download no site da revista, que está em vias de ser reformulado). Quem tem acompanhado o espectro de assuntos que foram abordados nestes quase três anos de BaixaCultura vai se sentir em casa por lá: tem cultura livre, remix, direito autoral, plágio criativo, cultura digital, pirataria, cópia, download, entre outras das nossas tags mais salientes aqui à direita.

Vejamos alguns dos destaques desta edição: “O Sonho não acabou”, ensaio da editora-chefe da revista, a professora e midiartista Giselle Beiguelman, sobre a “encruzilhada entre a sociedade do conhecimento e a da Imbecilidade” que a internet nos põe; “Pirataria em números”, com todos aqueles dados sobre pirataria no mundo que volte e meia recomendamos ou falamos por aqui; “Copiar é preciso, inventar não é preciso“, entrevista com o figura Kenneth Goldsmith, criador e editor do grande UbuWeb, lindo arquivo de cultura contemporânea e experimental, e professor de um curioso (e desde já desejado por nós) curso de escrita não criativa.

Mais um parágrafo de merchand gratuito com os destaques da Select (que é da Editora 3, a mesma que publica a IstoÉ): “Quero ser Nelson Leirner” perfil de um artista que, desde o saudoso Grupo Rex na década de 1960, é um plagiador de primeira grandeza na arte brasileira; ” A arte de fabricar dinheiro”, matéria sobre novas moedas alternativas ao capital tradicional;  “Na Onda do Remix”, texto sobre “remixthebook“, livro em que o artista Mark America remixa de Ginsberg a Nam June Paik, a ser lançado em setembro nos EUA;  “Além da Imaginação”, matéria sobre o lado bizarro dos usos e abusos dos direitos de autor hoje e na história, da tatuagem de Mike Tyson a foto de Manuel Bandeira; “Remixália”, papo com  os produtores Kassin, João Marcelo Bôscoli e o “colecionador de sons” Panetone sobre remix e compartilhamento na música; além, é claro, da matéria de capa, “Abaixo as Clonebridades”, e até mesmo o editorial de moda, focado em roupas compradas em camelôs de SP, acessíveis a nós, pobre mortais razoavelmente assalariados, excluídos dos editoriais tradicionais de moda de diversas revistas onde qualquer coisa custa 3 dígitos pra 4, 5, 6…

São dois os poréns mais salientes com relação à revista: o preço, R$14,90, que até passa pelo fato da revista ser bimestral, e o fato de que nenhuma matéria está disponível em nenhum lugar que não a revista impressa, por isso os poucos links nesse post. Há alguns petiscos no Facebook, mas nada além disso, petiscos. Esperamos que isso se resolva com a estreia do novo site da revista; caso contrário, teremos o maior prazer em piratear as edições e disponibilizá-las aqui no Baixa ou em qualquer outro lugar da rede (compromisso) – algo que os editores e toda a turma envolvida na produção da Select vai adorar, é claro.

[Já que falamos em petiscar, toma a edição nº 0 pra dar uma folheada digital]

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P.S: Não podemos deixar de explicar o porquê dessa sanha chapa-branquista, nem que seja aqui nesse ps, pequeninho: Rodrigo Savazoni, um dos colaboradores desta edição da Select e conhecido de longa data desta página, fez uma honrosa citação ao BaixaCultura em seu texto, onde fazia um “select” de sites com o título de “Direito de não ser original”. Diz ele sobre o Baixa: “O melhor blog brasileiro sobre artimanhas da cultura livre. Não deixe de ler sobre detournement”. Ficou tão bonita (e, óbvio, superestimado a milhão) a frase que pensamos até em trocar nosso lema para “Artimanhas da cultura livre e digital“. Que tal?

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