{"id":9982,"date":"2014-09-11T00:32:44","date_gmt":"2014-09-11T00:32:44","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=9982"},"modified":"2014-09-11T00:32:44","modified_gmt":"2014-09-11T00:32:44","slug":"erros-acertos-e-experiencias-no-jornalismo-pos-industrial","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2014\/09\/11\/erros-acertos-e-experiencias-no-jornalismo-pos-industrial\/","title":{"rendered":"Erros, acertos e experi\u00eancias no jornalismo p\u00f3s-industrial"},"content":{"rendered":"

\"post<\/a><\/p>\n

No in\u00edcio de junho de 2014 fiz um coment\u00e1rio breve no Facebook<\/a> sobre boas novas pro jornalismo brasileiro a partir de um cen\u00e1rio otimista de expans\u00e3o de iniciativas “independentes” dos grandes grupos de m\u00eddia (Globo, Folha, Estad\u00e3o, RBS, etc). Fiz motivado pelo surgimento de “A Ponte<\/a>“, um site de jornalismo de investiga\u00e7\u00e3o focado em temas como direitos humanos, seguran\u00e7a p\u00fablica e justi\u00e7a, temas t\u00e3o importantes quanto mal noticiados ultimamente.<\/p>\n

O coment\u00e1rio tamb\u00e9m falava de como a crise do modelo industrial de informa\u00e7\u00e3o poderia gerar uma “Idade de Ouro” no jornalismo, como acredita, por exemplo, o Bruno Torturra, ex-editor da “Trip”, um dos idealizadores da “M\u00eddia Ninja” e ele mesmo, hoje, tocando um projeto independente de jornalismo, o est\u00fadio “Fluxo<\/a>“, que recentemente (final de julho de 2014) come\u00e7ou uma campanha de financiamento coletivo para o projeto.<\/p>\n

Mais ou menos um m\u00eas depois do coment\u00e1rio, uma not\u00edcia quis que eu pensasse um pouco mais o tom otimista do coment\u00e1rio. A not\u00edcia \u00e9 esta, publicada em 22 de julho de 2014: “O bra\u00e7o fraqueja \u00e0s vezes: o Impedimento acabou<\/a>“, que anuncia o fim de uma das iniciativas mais interessantes de jornalismo esportivo brasileiro, o site Impedimento. Na hora, senti o golpe no tom otimista, de cen\u00e1rio promissor, de explos\u00e3o do jornalismo – da m\u00eddia de massas \u00e0 massa de m\u00eddias, como diz o jornalista e professor franc\u00eas Ign\u00e1cio Ramonet em seu \u00faltimo livro<\/a> – e escrevi o texto “Sobre o fim do Impedimento e o ecossistema do jornalismo<\/a>“, no Brasil Post. Dizia, entre outras coisas:<\/p>\n

“Hoje sabemos que o mundo \u00e9 outro, que a publicidade por si s\u00f3 n\u00e3o paga o jornalismo na internet, e que, principalmente, o jornalista n\u00e3o est\u00e1 mais sozinho na produ\u00e7\u00e3o de informa\u00e7\u00e3o como em outros tempos. Muitas pessoas com o m\u00ednimo de acesso a internet podem cometer “atos de jornalismo” ao noticiar para milhares de pessoas em uma rede social, por exemplo, que um acidente de carro ocorreu em frente a sua casa. Neste cen\u00e1rio, como “premiar”, que seja com a continuidade, as melhores iniciativas de pessoas que trazem informa\u00e7\u00f5es importantes para a nossa vida cotidiana? Como sustentar e qualificar uma quantidade grande de produtores de informa\u00e7\u00e3o para bancar uma “dieta saud\u00e1vel” de informa\u00e7\u00e3o, n\u00e3o dependente apenas de not\u00edcias “industrializadas” e, n\u00e3o rara, carregadas de quantidades t\u00f3xicas de interesses disfar\u00e7ados? Como promover a continuidade de um jornalismo que seja um pouco mais transparente em seus interesses, um pingo mais sincero em sua forma de comunicar e que consiga, ainda assim, ter condi\u00e7\u00f5es de ir atr\u00e1s de hist\u00f3rias interessantes e importantes para a nossa viv\u00eancia di\u00e1ria?<\/em><\/p>\n

Talvez o comparativo com a produ\u00e7\u00e3o da agricultura org\u00e2nica e\/ou familiar possa servir para apontar um poss\u00edvel caminho para o aumento do “ecossistema”: pequenos produtores, menos (ou zero) fertilizantes, produ\u00e7\u00e3o e consumo local, ecologicamente sustent\u00e1vel, menos intermedi\u00e1rios, mais sinceridade no trato e menos cinismo. Talvez caminhar no fortalecimento dessa via seja uma boa coisa para a sa\u00fade desse ecossistema. Ou nos resta assumirmos que essas iniciativas que vem e v\u00e3o s\u00e3o – nesse enquanto que o jornalismo tateia reinven\u00e7\u00f5es – ef\u00eameras, rotativas, e transformadoras dessa forma, no processo, no “foi bom enquanto durou”, como \u00e9 (foi) o caso do Impedimento<\/em>.”<\/p>\n

*<\/p>\n

\"impedimento\"<\/a><\/p>\n

Marcelo Tr\u00e4sel<\/strong>, professor de jornalismo digital da PUCRS, recentemente fez uma \u00f3tima an\u00e1lise em seu blog<\/a> sobre o caso Impedimento e o do blog Destemperados<\/a>. Ambos iniciaram suas atividades como blogs amadores em Porto Alegre e ampliaram suas atividades ao longo do tempo, profissionalizando-se e buscando formas de financiar a atividade editorial. Entretanto, o Impedimento acabou e o Destemperados assumiu recentemente a dire\u00e7\u00e3o do caderno de culin\u00e1ria da Zero Hora<\/a>. Por qu\u00ea?\u00a0A resposta mais simples \u00e9 que, enquanto o Impedimento produzia jornalismo no sentido estrito, o outro publicava cr\u00f4nicas agrad\u00e1veis que registrassem estabelecimentos interessantes, sem criticar, mas servir como um guia. Inclusive, um dos dez mandamentos dos Destemperados<\/a> \u00e9 \u201cn\u00e3o avaliar\u00e1s\u201d, algo que n\u00e3o soa bem para o jornalismo, sempre t\u00e3o cr\u00edtico a tudo e todos.<\/p>\n

Tr\u00e4sel faz uma an\u00e1lise completa do hist\u00f3rico dos dois casos. Cita que o Impedimento\u00a0buscava, dentro dos “limites operacionais estreitos de um grupo de rep\u00f3rteres sem esteio numa empresa ou institui\u00e7\u00e3o, publicar informa\u00e7\u00e3o que algu\u00e9m, em algum lugar, preferiria n\u00e3o ver publicada”. J\u00e1 o Destemperados n\u00e3o tinha esse compromisso. Queria, sim, ser um mostru\u00e1rio de gastronomia, n\u00e3o um jornalismo cr\u00edtico de culin\u00e1ria. O fato deste \u00faltimo ter, em seu quadro\u00a0um publicit\u00e1rio, um advogado e uma profissional de Rela\u00e7\u00f5es Internacionais, facilitava esse afastamento da “miss\u00e3o principal da imprensa”. Coisa que no Impedimento n\u00e3o acontecia, pois todos seus fundadores eram jornalistas. A partir das diferen\u00e7as dois dois exemplos, o texto aponta 4 li\u00e7\u00f5essobre empreendimentos jornal\u00edsticos independentes hoje. A saber:<\/p>\n

1<\/strong>. Se \u00e9 um empreendimento, algu\u00e9m na equipe deve assumir o papel de empres\u00e1rio<\/em>. A principal diferen\u00e7a entre o Impedimento e o Destemperados foi a predomin\u00e2ncia de uma mentalidade jornal\u00edstica no primeiro e de uma mentalidade empresarial no segundo. Deixando-se de lado esse fator, todas as outras condi\u00e7\u00f5es e circunst\u00e2ncias s\u00e3o muito semelhantes, assim como ambos apresentam boa qualidade de conte\u00fado dentro de suas propostas.<\/p>\n

2<\/strong>. Se ningu\u00e9m na equipe mant\u00e9m boas rela\u00e7\u00f5es com empres\u00e1rios, pol\u00edticos ou ag\u00eancias de publicidade, s\u00f3 h\u00e1 duas alternativas de financiamento: patroc\u00ednio do terceiro setor ou faturamento com venda direta \u00e0 audi\u00eancia<\/em>. O problema do patroc\u00ednio do terceiro setor \u00e9 depender tamb\u00e9m, em alguma medida, de boas rela\u00e7\u00f5es pol\u00edticas. Embora em geral a concorr\u00eancia por bolsas seja mais aberta, baseada em editais, os selecionadores levam em conta a inser\u00e7\u00e3o de um determinado projeto numa comunidade de ativistas \u2014 por exemplo, o fato de algum dos proponentes j\u00e1 haver participado de outros projetos como volunt\u00e1rio ou funcion\u00e1rio. Al\u00e9m disso, em geral esse tipo de patroc\u00ednio se foca em jornalismo voltado a quest\u00f5es pol\u00edticas e s\u00f3cio-econ\u00f4micas, o que eliminaria tanto o Impedimento quanto o Destemperados do concurso.<\/p>\n

3<\/strong>. O problema de contar com financiamento direto pela audi\u00eancia \u00e9 ningu\u00e9m ainda ter descoberto exatamente como vender not\u00edcias para leitores na era do jornalismo p\u00f3s-industrial<\/em>. Se algu\u00e9m descobrir como faz\u00ea-lo, avise.<\/p>\n

4<\/strong>. A terceiriza\u00e7\u00e3o parece ser uma via promissora, ao menos no Brasil.<\/em> Al\u00e9m do Destemperados, h\u00e1 em Porto Alegre a experi\u00eancia de ag\u00eancias como Cartola<\/a>, Fronteira<\/a> e Rep\u00fablica<\/a>. Seus fundadores s\u00e3o rep\u00f3rteres jovens que, insatisfeitos com as restri\u00e7\u00f5es das reda\u00e7\u00f5es tradicionais, pediram demiss\u00e3o e criaram suas pr\u00f3prias empresas. Hoje, prestam servi\u00e7os para seus ex-empregadores e inclusive grandes ve\u00edculos do Sudeste. Ganharam mais liberdade de escolha das pautas a serem perseguidas e, ao mesmo tempo, melhores sal\u00e1rios e qualidade de vida.<\/p>\n

**<\/p>\n

\"farol\"<\/a><\/p>\n

Marcela Donini<\/strong>, jornalista e professora de jornalismo da ESPM, tamb\u00e9m leu o texto de Tr\u00e4sel e comentou em outro artigo importante para entender a situa\u00e7\u00e3o hoje, a come\u00e7ar pelo t\u00edtulo: N\u00e3o sabemos de nada<\/a>. Ali, tamb\u00e9m a partir dos dois casos, ela aponta o\u00a0que, nas palavras dela, todo mundo j\u00e1 sabe: n\u00f3s, jornalistas, ainda n\u00e3o sabemos como bancar reportagens desde que as verbas publicit\u00e1rias come\u00e7aram a migrar para outros canais na internet<\/em>. Ela aposta numa hipot\u00e9se:\u00a0n\u00e3o \u00e9 que as pessoas n\u00e3o querem mais pagar pelo jornalismo, a maioria delas talvez nunca quis pagar, pagava porque n\u00e3o tinha op\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

O texto foi publicado no Farol Jornalismo<\/a>, uma interessante iniciativa de ideias, produ\u00e7\u00e3o e pesquisas sobre novas formas de jornalismo, um projeto dela e de Moreno Os\u00f3rio, tamb\u00e9m jornalista e pesquisador do tema.\u00a0“As pessoas pagavam uma assinatura de jornal di\u00e1rio mas acabavam lendo s\u00f3 a se\u00e7\u00e3o de esportes. E n\u00f3s jornalistas t\u00ednhamos a ilus\u00e3o de que elas se interessavam por todo o nosso produto, porque era dif\u00edcil medir. Na internet, \u00e9 poss\u00edvel saber direitinho o que d\u00e1 audi\u00eancia e o que n\u00e3o d\u00e1 \u2013 e por testemunhos nossos, de colegas e por experi\u00eancia como leitores, sabemos que esportes, celebridades e servi\u00e7o fazem, em geral, mais sucesso do que pol\u00edtica e economia. \u00c9 o eterno embate entre o que o p\u00fablico quer ler e o que os jornalistas acham que o p\u00fablico precisa ler.”<\/span><\/p>\n

Jornalista com experi\u00eancia de anos em reda\u00e7\u00e3o, ela comenta que esteve com uma editora de um jornal que falou de um conte\u00fado multim\u00eddia bem acabado com v\u00eddeos e infogr\u00e1ficos sobre os 25 anos da Constitui\u00e7\u00e3o e cuja audi\u00eancia foi p\u00edfia. Um tema relevante, mas que, infelizmente, n\u00e3o interessa a muita gente, ainda mais na rede, com zilh\u00f5es de outros assuntos te pedindo aten\u00e7\u00e3o. A partir da\u00ed, ela conclui que o “problema do jornalismo hoje n\u00e3o \u00e9 que essas 3 pessoas n\u00e3o pagam a execu\u00e7\u00e3o de um especial multim\u00eddia como esse; as pessoas nunca financiaram inteiramente o jornalismo, quem sempre bancou a imprensa foram os anunciantes<\/em>“.<\/p>\n

Sabemos que o jornalismo moderno \u00e9 fruto do alvorecer capitalista do s\u00e9culo XVIII, e seus financiadores foram, principalmente, os partidos, naquela \u00e9poca (at\u00e9 meados do XIX) em que o jornalismo era em suma opinativo e ligado a pol\u00edtica; e a publicidade, notadamente do final s\u00e9culo XIX e todo o s\u00e9culo XX, em que a objetividade serviu como garantia de uma suposta neutralidade necess\u00e1ria para aumentar – e depois manter – o esquema industrial de produ\u00e7\u00e3o de not\u00edcias.\u00a0Hoje talvez saibamos que a publicidade n\u00e3o d\u00e1 mais conta de (ou n\u00e3o quer) pagar o jornalismo. Mas o que d\u00e1?<\/p>\n

***<\/p>\n

\"publica\"<\/a><\/p>\n

Pergunta de um milh\u00e3o.<\/p>\n

H\u00e1 iniciativas de v\u00e1rios lados, al\u00e9m das v\u00e1rias j\u00e1 citadas aqui: as financiadas por funda\u00e7\u00f5es privadas, em geral dos Estados Unidos, onde existe uma tradi\u00e7\u00e3o de filantropia<\/a> que potencializa iniciativas como a Pro Publica<\/a>\u00a0e a Ag\u00eancia P\u00fablica<\/a>, no Brasil, que tem a Funda\u00e7\u00e3o Ford como principal financiador, al\u00e9m da Open Society<\/a> e da Omydar, esta comandada pelo milion\u00e1rio Pierre Omydar<\/a>, criador do E-bay, e que hoje est\u00e1 bancando outra iniciativa importante de jornalismo de investiga\u00e7\u00e3o, o First Look Media<\/em>, lar do The Intercept<\/a>,\u00a0comandado por Glenn Greenwald.<\/p>\n

As “ongs” de jornalismo, como a Rep\u00f3rter Brasil<\/a>, que trabalham com pesquisas, junto \u00e0 governos (federal e estadual) ou a iniciativa privada (funda\u00e7\u00f5es e institutos) e tamb\u00e9m contam com doa\u00e7\u00f5es, o que permite uma certa liberdade para tocar projetos de maior f\u00f4lego e que n\u00e3o teriam espa\u00e7o nas publica\u00e7\u00f5es tradicionais, como \u00e9 o caso do Moendo Gente<\/a>, um especial multim\u00eddia sobre as condi\u00e7\u00f5es de trabalho nos frigor\u00edficos brasileiros. E, em especial, do\u00a0Arquitetura da Gentrifica\u00e7\u00e3o<\/a>, uma investiga\u00e7\u00e3o jornal\u00edstica sobre o processo de gentrifica\u00e7\u00e3o no centro de S\u00e3o Paulo financiada coletivamente – e que est\u00e1 em sua 2\u00ba edi\u00e7\u00e3o em capta\u00e7\u00e3o no Catarse<\/a>. O AG tem por\u00a0foco as medidas de higieniza\u00e7\u00e3o social adotadas durante as duas \u00faltimas administra\u00e7\u00f5es municipais de S\u00e3o Paulo (2005-2012), em especial as rela\u00e7\u00f5es entre poder p\u00fablico e empresas privadas do setor de constru\u00e7\u00e3o civil e ramo imobili\u00e1rio – tradicionalmente, os dois ramos que mais investem na publicidade dos grandes jornais de SP, Folha e Estad\u00e3o.<\/p>\n

Existem, ainda, as startups, empresas pequenas que focam em solu\u00e7\u00f5es in\u00e9ditas para problemas n\u00e3o-resolvidos (ou n\u00e3o pensados), em geral relacionadas a tecnologia digital e a internet. O cen\u00e1rio de\u00a0muita experimenta\u00e7\u00e3o e de crescimento da import\u00e2ncia da tecnologia na produ\u00e7\u00e3o do jornalismo (ta\u00ed o jornalismo de dados para provar) parece ser favor\u00e1vel\u00a0para o surgimento de pequenas empresas que criam produtos (aplicativos) ou servi\u00e7os relacionados ao jornalismo. Nos Estados Unidos, onde a tradi\u00e7\u00e3o empreendedora \u00e9 forte, j\u00e1 existe at\u00e9 um centro de investiga\u00e7\u00e3o com\u00a0uma especializa\u00e7\u00e3o nessa \u00e1rea<\/a>, tocada por um Instituto ligado a Kony University e ao Knight Center.<\/p>\n

Rosental Calmon Alves<\/strong>, brasileiro fundador da Knight Center para as Am\u00e9ricas<\/a>\u00a0na Universidade do Texas, comentou,\u00a0no \u00faltimo congresso da Abraji<\/a>, que ele mesmo d\u00e1 uma disciplina chamada jornalismo empreendedor (“Entrepreneurial Journalism”; d\u00e1 uma olhada no curr\u00edculo da universidade<\/a>). A ideia da cadeira \u00e9 que os\u00a0estudantes criem\u00a0uma startup, e para isso eles devem passar por “pitchings” diversos, inclusive o famoso “Elevador Pitching”, que consiste de apresentar a sua ideia em 3 minutos, como se estivesse num elevador com um investidor e aquela fosse tua \u00fanica chance para convenc\u00ea-lo a investir. Ao final, os alunos apresentam sua ideia para um jurado de investidores, que os avalia. No caso do Texas n\u00e3o h\u00e1 dinheiro de fato envolvido para os “vencedores” da turma, mas na especializa\u00e7\u00e3o da Kony, por exemplo, esse mesmo processo d\u00e1 R$50 mil para quem passar no pitching final.<\/p>\n

H\u00e1\u00a0um relat\u00f3rio sobre\u00a0inova\u00e7\u00e3o no jornalismo<\/a>, feito pela equipe do NY Times e muito citado por Rosental em sua fala, que aponta para o caminho das startups como um dos mais promissores na era do jornalismo p\u00f3s-industrial. Vice<\/a>, BuzzFeed<\/a>, Huffington Post<\/a>, Vox Media<\/a> parecem dizer que esse \u00e9 uma via em expans\u00e3o – pelo menos nos Estados Unidos.\u00a0No Brasil, h\u00e1 iniciativas que visam abertamente a incentivar a inova\u00e7\u00e3o no jornalismo, como \u00e9 o caso da OrbitaLab<\/a>, que surgiu\u00a0para reunir quem tem projetos de m\u00eddia e quer tir\u00e1-los do papel e na \u00faltima Campus Party fez uma maratona de debates<\/a> sobre este assunto (estive l\u00e1 e fiquei com a impress\u00e3o que Marcela nomeou seu texto: n\u00e3o sabemos de nada. Estamos s\u00f3 testando. Quem errar melhor agora parece ter mais chance de acertar depois).<\/p>\n

****<\/p>\n

\"ocupamidia\"<\/a>

Ocupa\u00e7\u00e3o da C\u00e2mara Municipal de Porto Alegre, 2013.<\/p><\/div>\n

Um assunto que nem sempre aparece relacionado\u00a0ao ecossistema em expans\u00e3o do jornalismo hoje \u00e9 o debate sobre a democratiza\u00e7\u00e3o da m\u00eddia, em especial no que diz respeito as verbas de publicidade dos governos. H\u00e1 no Brasil uma forte concentra\u00e7\u00e3o de dinheiro da publicidade governamental no que se\u00a0convencionou chamar de “grande m\u00eddia” (tvs, r\u00e1dios, jornais, revistas e portais de not\u00edcias), frequentemente conglomerados de comunica\u00e7\u00e3o que cont\u00e9m v\u00e1rios meios. Alega-se que estes grupos e seus meios tem a maior audi\u00eancia e, por isso, s\u00e3o os que mais recebem dinheiro, sobrando pouco para pequenas publica\u00e7\u00f5es, r\u00e1dios e tvs comunit\u00e1rias que poderiam diversificar o leque de canais de informa\u00e7\u00e3o a disposi\u00e7\u00e3o da popula\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Para ficar num exemplo pr\u00e1tico, vejamos o caso do Rio Grande do Sul. O Grupo RBS, dono da RBS TV, jornais Zero Hora e Di\u00e1rio Ga\u00facho e da R\u00e1dio Ga\u00facha, abocanhou 35% da verba de publicidade do estado do RS em 2013, segundo dados obtidos pelo site Jornalismo B<\/a>, o que d\u00e1 cerca de R$17,5 milh\u00f5es. S\u00f3 em TV, onde a produ\u00e7\u00e3o jornal\u00edstica requer mais equipamentos e investimentos, 65% da verba de publicidade para o interior do RS fica com a RBS; na capital Porto Alegre, s\u00e3o 45%. No r\u00e1dio, s\u00e3o 46% na capital para a R\u00e1dio Ga\u00facha, enquanto que nas r\u00e1dios do interior esse valor \u00e9 amplamente dilu\u00eddo, ficando a r\u00e1dio Ga\u00facha com 6%.<\/p>\n

Algu\u00e9m pode alegar: nada demais nesses n\u00fameros. No que pergunto: recebem mais verba porque os ve\u00edculos do grupo RBS s\u00e3o os mais vistos, ouvidos e lidos no RS, ou porque recebem mais verbas \u00e9 que o produto final acaba sendo o mais lido? H\u00e1 diversas explica\u00e7\u00f5es\u00a0por tr\u00e1s dessa quest\u00e3o tipo “o ovo ou a galinha”, que se esmiu\u00e7adas nos ajudam a entender porque determinado grupo anda de m\u00e3os dadas ou jogando pedras em certos governos ao longo da hist\u00f3ria. Para ficar apenas em um exemplo: o jornal Zero Hora, hoje o principal do RS, foi criado em 4 de maio de 1964, um m\u00eas depois do golpe militar no Brasil. N\u00e3o \u00e9 coincid\u00eancia que no seu in\u00edcio o jornal tenha sa\u00eddo abertamente\u00a0pr\u00f3-golpista, congratulando os militares que rec\u00e9m haviam tomado o poder e que nele permaneceram por duas d\u00e9cadas. Esse especial<\/a>,\u00a0tamb\u00e9m do Jornalismo B, esmiu\u00e7a a rela\u00e7\u00e3o da ZH com a ditadura militar brasileira.<\/p>\n

N\u00e3o tenho acesso ao or\u00e7amento do grupo RBS hoje, mas certamente o dinheiro da publicidade governamental n\u00e3o \u00e9 a sua principal fonte de renda. Mas em algum momento foi para hoje n\u00e3o ser mais. O que me remete novamente ao contexto atual, de um novo ecossistema de informa\u00e7\u00e3o, com milhares de novas publica\u00e7\u00f5es “n\u00e3o-industriais” e v\u00e1rias pessoas cometendo “atos de jornalismo” diariamente. Se ampliamos a distribui\u00e7\u00e3o de verbas do governo para novas m\u00eddias, blogs, jornais de bairro, tvs e r\u00e1dios comunit\u00e1rias, n\u00e3o estar\u00edamos fomentando a prolifera\u00e7\u00e3o de mais m\u00eddias, ampliando o ecossistema do jornalismo e proporcionando\u00a0uma saud\u00e1vel concorr\u00eancia por um jornalismo de qualidade? Ainda que haja cr\u00edticas diversas a Lei dos Meios na Argentina, por exemplo, ela permitiu durante a \u00faltima Copa do Mundo com que\u00a0muitas comunidades humildes, ind\u00edgenas, par\u00f3quias, munic\u00edpios pequenos, pessoas jur\u00eddicas ou organiza\u00e7\u00f5es n\u00e3o governamentais pudessem transmitir, sob a sua vis\u00e3o\u00a0particular, os jogos<\/a>, um ganho consider\u00e1vel em quest\u00e3o de pluralidade de pontos de vista.<\/p>\n

Sabe-se que este certamente \u00e9 um vespeiro dif\u00edcil de mexer, dado a ferrenha\u00a0oposi\u00e7\u00e3o que os grandes grupos de comunica\u00e7\u00e3o brasileiros j\u00e1 demonstraram contra qualquer mudan\u00e7a no status quo da m\u00eddia no pa\u00eds, das concess\u00f5es de tvs e r\u00e1dios a cria\u00e7\u00e3o de um conselho de jornalismo, batalhas estas da qual o coletivo Intervozes<\/a> \u00e9 a principal frente de oposi\u00e7\u00e3o aos interesses corporativos.\u00a0N\u00e3o \u00e9 preciso imaginar muito que estes mesmos grupos atacariam qualquer iniciativa de democratiza\u00e7\u00e3o da comunica\u00e7\u00e3o\u00a0– possivelmente alegando palavras contr\u00e1rias a “liberdade de express\u00e3o”, ou relacionando corrup\u00e7\u00e3o com investimento em blogs “governistas”, j\u00e1 que ser “tendencioso” \u00e9 um risco que se corre com o investimento em pequenas m\u00eddias.<\/p>\n

No mesmo RS, h\u00e1 uma t\u00edmida rea\u00e7\u00e3o no sentido de democratiza\u00e7\u00e3o das verbas de comunica\u00e7\u00e3o com a cria\u00e7\u00e3o da\u00a0Pol\u00edtica Estadual de Incentivo \u00e0s M\u00eddias Locais, Regionais e Comunit\u00e1rias, lei aprovada na Assembl\u00e9ia Estadual em abril de 2014<\/a>. Ela contempla 20% da verba de publicidade do governo do RS (executivo, legislativo e judici\u00e1rio) para peri\u00f3dicos, jornais e revistas impressas com tiragem entre 2 mil e 20 mil exemplares editados sob responsabilidade de empres\u00e1rio individual, micro e pequenas empresas e ve\u00edculos de radiofus\u00e3o local \u2013 devidamente habilitados em conformidade com a legisla\u00e7\u00e3o brasileira.<\/p>\n

N\u00e3o menciona qualquer linha as m\u00eddias na internet, o que \u00e9 uma pena, dada a import\u00e2ncia que a rede\u00a0tem para a prolifera\u00e7\u00e3o de pontos de vistas diferenciados. Mas uma\u00a0exclus\u00e3o compreens\u00edvel, pelo menos em parte, pela relativa novidade (para o governo, sempre correndo atr\u00e1s da sociedade) da quest\u00e3o, que p\u00f5e lado a lado formas organizadas de press\u00e3o pol\u00edtica (a realizada, ainda que timidamente, por jornais de bairro, tvs e r\u00e1dios comunit\u00e1rias) e a de blogs e m\u00eddias digitais, dispersas e n\u00e3o raro apartadas da pol\u00edtica “tradicional” por recusa ao sistema pol\u00edtico como est\u00e1 posto. H\u00e1, por fim, a justificativa da falta de formaliza\u00e7\u00e3o de muitas m\u00eddias digitais hoje, o que inviabilizaria que estas vencessem os tr\u00e2mites burocr\u00e1ticos para concorrer as verbas do governo e abriria precedentes para diversas acusa\u00e7\u00f5es de favorecimento de “amigos” – “mas como o blog Z ganhou X\u00a0reais do governo?”, e coisas do tipo. A cria\u00e7\u00e3o de um fundo estadual com esta verba, somada a regras bem claras e um conselho amplo\u00a0que organizasse a distribui\u00e7\u00e3o, poderiam amenizar essa situa\u00e7\u00e3o – mas achar que evitaria 100% estes casos ainda \u00e9, hoje, infelizmente uma utopia.<\/p>\n

Ainda assim, a iniciativa n\u00e3o deixa de ser uma pequena vit\u00f3ria no sentido de fortalecer os pequenos ve\u00edculos de comunica\u00e7\u00e3o e democratizar o fluxo das informa\u00e7\u00f5es direcionadas \u00e0 popula\u00e7\u00e3o. Talvez, nesse contexto ca\u00f3tico e afeito a novidades de hoje, esperava-se mais rapidez e avan\u00e7os na proposta. Se o jornalismo est\u00e1 virando p\u00f3s-industrial, os interesses pol\u00edticos\u00a0(e os da “ind\u00fastria” da comunica\u00e7\u00e3o) ainda parecem estar fincados numa pesada e lenta era industrial.<\/p>\n

[Leonardo Foletto]<\/strong><\/p>\n

Cr\u00e9dito fotos: 1<\/a>, 2, Douglas Freitas<\/a> (que ajudou na escolha da primeira foto tamb\u00e9m, valeu)<\/address>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

No in\u00edcio de junho de 2014 fiz um coment\u00e1rio breve no Facebook sobre boas novas pro jornalismo brasileiro a partir de um cen\u00e1rio otimista de expans\u00e3o de iniciativas “independentes” dos grandes grupos de m\u00eddia (Globo, Folha, Estad\u00e3o, RBS, etc). Fiz motivado pelo surgimento de “A Ponte“, um site de jornalismo de investiga\u00e7\u00e3o focado em temas […]<\/p>\n","protected":false},"author":2,"featured_media":10004,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":[],"categories":[88,126],"tags":[454,1751,1843,147,1844,1845,1846,1847,1848,1849,192,1850,1851,1852,549,550,1853,1854,1696,1855,1856],"post_folder":[],"jetpack_featured_media_url":"","_links":{"self":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/9982"}],"collection":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/users\/2"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=9982"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/9982\/revisions"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=9982"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=9982"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=9982"},{"taxonomy":"post_folder","embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/post_folder?post=9982"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}