{"id":9852,"date":"2014-03-19T23:28:24","date_gmt":"2014-03-19T23:28:24","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=9852"},"modified":"2014-03-19T23:28:24","modified_gmt":"2014-03-19T23:28:24","slug":"equador-rumo-a-uma-economia-do-bem-comum","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2014\/03\/19\/equador-rumo-a-uma-economia-do-bem-comum\/","title":{"rendered":"Equador: rumo a uma economia do bem comum?"},"content":{"rendered":"

\"equador<\/a>Projeto do governo equatoriano junta pesquisadores e ativistas do conhecimento livre em prol da constru\u00e7\u00e3o de uma economia voltada ao bem comum, baseada no respeito a natureza, no software e na cultura livre<\/em><\/p>\n

\u00a0[Leonardo Foletto<\/strong>]<\/p>\n

Quando fui ao Equador, em maio de 2013, para participar\u00a0do II Festival de Cultura Libre<\/strong>, em Quito, uma das coisas que mais me chamou aten\u00e7\u00e3o no pa\u00eds foi o n\u00edvel da discuss\u00e3o em torno da cultura e do software livre. S\u00f3 a exist\u00eancia do evento j\u00e1 era digno de nota: uma grande jun\u00e7\u00e3o de gente da latino-am\u00e9rica, do Uruguai ao M\u00e9xico, para discutir, durante dois dias, software livre, formatos abertos, reposit\u00f3rios, crowdfunding, pr\u00e1ticas culturais colaborativas e outros temas relacionados ao grande guarda-chuva do conhecimento livre.<\/p>\n

N\u00e3o vou me alongar aqui em relatar o que aconteceu porque isso j\u00e1 foi feito – aqui mesmo no BaixaCultura<\/a>, no site do \u00c1rtica<\/a>, em relato de Mariana Fossati, e no Global Voices, em texto de Juan Arellano<\/a>. Mas atento para a participa\u00e7\u00e3o de Antonio Pardo e Daniel V\u00e1zquez,\u00a0diretores do aLabs<\/a> e integrante dos Hackativistas<\/a>, coletivo de ativistas espanh\u00f3is que, \u00e0quela \u00e9poca, chegava a Quito para come\u00e7ar a desenvolver um trabalho junto ao governo equatoriano. Chegavam para ficar, com ganas e experi\u00eancia – junto ao movimento 15M – de trabalhos em ferramentas e pr\u00e1ticas colaborativas livres, <\/em>ainda que, naquela semana do evento, estavam sem quaisquer informa\u00e7\u00f5es do que fariam e mesmo de onde se instalariam.<\/p>\n

Pois bem. Passados quase um ano, eis o que os\u00a0hackativistas,<\/em> agora j\u00e1 bem instalados na capital equatoriana,\u00a0<\/em>ajudaram a plantar: a FLOK (Free\/Libre Open Knowledge)\u00a0Society<\/a>, um projeto inovador de investiga\u00e7\u00e3o e desenho participativo para levar o Equador rumo a uma matriz econ\u00f4mica focada no\u00a0commons<\/em>, o conhecimento aberto e compartilhado – e que tem Dani V\u00e1zquez como um de seus diretores e mentores. \u00c9 um projeto que se integra a uma s\u00e9rie de iniciativas do governo equatoriano em prol do\u00a0buen vivir<\/em>, conceito origin\u00e1rio do\u00a0quechua\u00a0sumak kawsay <\/em>e\u00a0que, desde 2008,\u00a0est\u00e1 incorporado a Constitui\u00e7\u00e3o do Pa\u00eds, sendo inclusive um\u00a0programa especial do governo<\/a>.<\/p>\n

\"equador<\/a><\/p>\n

Mas o que significa, afinal, esse buen vivir<\/em>?\u00a0<\/em>e como a FLOK se insere nisso? Em poucas palavras, o\u00a0buen vivir <\/em>busca trazer o conhecimento\u00a0ancestral ind\u00edgena – ecologicamente sustent\u00e1vel, em harmonia com a natureza, focado na comunidade e na cultura colaborativa – para o desenvolvimento econ\u00f4mico equatoriano. O plano do governo de Rafael Correa, presidente do pa\u00eds desde 2006, busca uma transi\u00e7\u00e3o da matriz produtiva do pa\u00eds, hoje dependente dos recursos limitados (finitos) como o petr\u00f3leo, por exemplo, para uma matriz de recursos ilimitados (infinitos) tais como a ci\u00eancia, a tecnologia e o conhecimento. Criar um ambiente “p\u00f3s-capitalista” em harmonia com a natureza e o conhecimento livre, de menos consumo e mais colabora\u00e7\u00e3o, como explica esse artigo de David Boiller<\/a>, pesquisador e autor de diversos livros sobre a economia do commons.<\/em><\/p>\n

A quest\u00e3o \u00e9 que, segundo Michel Bauwens<\/a>, diretor de investiga\u00e7\u00e3o da FLOK Society e fundador da P2P Foundation, “o buen vivir \u00e9 imposs\u00edvel sem um “buen conocer”. A\u00ed \u00e9 que a FLOK entra, criando pol\u00edticas e a\u00e7\u00f5es em rede, colaborativas e abertas a participa\u00e7\u00e3o da popula\u00e7\u00e3o, em prol de uma economia do conhecimento aberto.\u00a0Algumas frases da “Carta\u00a0Abierta a los Trabajadores del Procom\u00fan del Mundo<\/a>“, publicada no final de 2013, d\u00e1 uma no\u00e7\u00e3o das inten\u00e7\u00f5es:\u00a0“Imagina una sociedad que est\u00e1 conectada al procom\u00fan del conocimiento abierto, basada en conocimiento, c\u00f3digo y dise\u00f1o libres y abiertos, que pueden ser utilizados por todas y todos los ciudadanos (…) Imagina una econom\u00eda \u00e9tica y sostenible que se basa en la creaci\u00f3n de una riqueza com\u00fan cooperativa basada en la reciprocidad, el mutualismo, la producci\u00f3n entre pares.”<\/p>\n

*<\/p>\n

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A proposta contida na apresenta\u00e7\u00e3o do projeto<\/a>, e explicada no v\u00eddeo acima,\u00a0\u00e9 ousada: “las tradiciones ind\u00edgenas originarias del yachay, de (re)producci\u00f3n de saberes comunitarios y, por otro, las nuevas formas de colaboraci\u00f3n del procom\u00fan digital de la cultura y la \u00e9tica hacker. Resuenan los principios de reciprocidad (randi-randi) y organizaci\u00f3n del trabajo comunitario (maki-maki) en lo que podr\u00edamos llamar una Pacha Mama digital del conocimiento (el\u00a0commons<\/i>\u00a0del\u00a0general intellect<\/i>)”.\u00a0Hardware, software e cultura livre articulados com open data, educa\u00e7\u00e3o e cultura tradicionais. \u00c9tica hacker com cultura andina. Yachay com Ardu\u00edno. P2P com la minga. Utopia?<\/p>\n

Bauwens acredita que n\u00e3o, e d\u00e1 alguns detalhes concretos do que andam fazendo o grupo de pesquisadores da FLOK Society hoje: “este grupo est\u00e1 planeando pasar los pr\u00f3ximos meses investigando, por ejemplo, c\u00f3mo hacer viable una biblioteca abierta para los colegios del pa\u00eds que substituya el sistema de caros libros de texto privados. Tambi\u00e9n se plantea una comunidad de dise\u00f1o abierto para m\u00e1quinas de peque\u00f1os agricultores”. O jornalista Bernardo Gutierrez cita, <\/span>nesta mat\u00e9ria<\/a>, que Jos\u00e9 Luis Vivero Pol, da universidade belga de Lovaine, est\u00e1 trabalhando na frente de “comida aberta” da FLOK, que tem a ideia de “plantear una manera de producir, distribuir y consumir alimentos diferente del modelo consumista, extractivista, injusto y sostenible que tenemos”. <\/span><\/p>\n

Outras a\u00e7\u00f5es realizadas s\u00e3o as #beer2peer, conversas informais (ou “desconfer\u00eancias”) em bares de Quito com pesquisadores e experts\u00a0<\/em>de diversas \u00e1reas – na 2\u00ba edi\u00e7\u00e3o<\/a>, J\u00e9rome Zimmerman, um dos 4 Cypherpunks do programa de Assange que re-publicamos aqui<\/a>, esteve presente. Outro evento, marcado para o pr\u00f3ximo dia 21 de mar\u00e7o, \u00e9 a Minga En Red<\/a>, um mapeamento do ecossistema colaborativo do Equador.<\/span>\u00a0<\/span>O grupo da FLOK Society, hoje, conta com 9 pesquisadores, dos mais diversos pa\u00edses, al\u00e9m de pessoal de suporte t\u00e9cnico, operacional e administrativo, e e<\/span>st\u00e1 ligado ao Minist\u00e9rio do Conhecimento e Talento Humano, SENESCYT\u00a0(Secretar\u00eda Nacional de Educaci\u00f3n Superior, Ciencia, Tecnolog\u00eda e Innovaci\u00f3n) e ao IAEN\u00a0(Instituto de Altos Estudios del Estado).\u00a0<\/span><\/p>\n

Trabalhar com conhecimento aberto sup\u00f5e, tamb\u00e9m, trabalhar em defesa de uma internet livre, com cultura e software livre. Pelo menos no que diz respeito ao SL, o Equador j\u00e1 est\u00e1 avan\u00e7ado: existe uma lei federal desde abril de 2008 que obriga a todas reparti\u00e7\u00f5es p\u00fablicas a usarem software livre em seus sistemas e equipamentos, o que potencializou a circula\u00e7\u00e3o e o desenvolvimento<\/a>\u00a0do SL no pa\u00eds. A\u00a0presen\u00e7a de Julian Assange na embaixada em Londres, que j\u00e1 completou 1 ano e 6 meses, tem inspirado o Equador tamb\u00e9m a ser considerado a “casa da internet livre”, como apontado\u00a0neste texto de Rosie Gray no Buzz Feed<\/a>, tornando a neutralidade da rede – o tema mais pol\u00eamico da discuss\u00e3o hoje, mar\u00e7o de 2014, sobre o Marco Civil no Brasil – um horizonte real.<\/p>\n

J\u00e1 a cultura livre est\u00e1 sendo acionada desde a ampla ado\u00e7\u00e3o de licen\u00e7as Creative Commons at\u00e9 a discuss\u00e3o sobre os processos da FLOK em wikis e pads, inclusive na produ\u00e7\u00e3o colaborativa de um C\u00f3digo Org\u00e2nico de Economia Social do Conhecimento<\/a> e na guerra contra o copyright deflagrada pelo governo,\u00a0como bem afirmou em entrevista ao jornal El Comercio<\/a> o\u00a0Secretario Nacional de Educaci\u00f3n Superior, Ciencia, Tecnolog\u00eda e Innovaci\u00f3n do Equador, Ren\u00e9 Ramirez:<\/p>\n

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Va a haber una reestructura completa del IEPI (Instituto Ecuatoriano de Propiedad Intelectual).\u00a0Este Instituto ha tenido una perspectiva ‘hiperprivatista’ del conocimiento, cuando lo que necesitamos es la difusi\u00f3n del conocimiento, que exista desagregaci\u00f3n tecnol\u00f3gica que permita que la industria nacional desarrolle productos que, con poco esfuerzo, otros pa\u00edses lo est\u00e1n haciendo.<\/p>\n<\/blockquote>\n

\"equador<\/a><\/p>\n

O projeto da FLOK Society – e, de resto, o\u00a0buen vivir\u00a0<\/em> do Governo Correa – tem sido bem recebido no cen\u00e1rio internacional, como mostra a lista de textos produzidos sobre o projeto no site oficial<\/a>. Fala-se do car\u00e1ter inovador de uma pol\u00edtica de estado adotar diretrizes que, em suma, v\u00e3o “contra” ao capitalismo de mercado, ainda que muitas pr\u00e1ticas n\u00e3o sejam de todo contr\u00e1rias a ele, como escreve o\u00a0jornalista Oliver Bach\u00a0em mat\u00e9ria no The Guardian<\/a>. Pega-se o caso do consumo, por exemplo: o que se defende \u00e9 o consumir menos, “Small is beautiful”, como diz um dos coordenadores do projeto\u00a0Eduardo Gudynas:<\/p>\n

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“Small-scale production has a number of benefits: it’s more likely to reflect and enhance local culture, to include local people and to protect the local environment. Importantly, it also has a higher probability of serving local needs too. The days of industrial agriculture geared for export would be numbered therefore”.<\/p>\n<\/blockquote>\n

Antes que voc\u00ea queira colocar o Equador junto do Uruguai na rota poss\u00edvel de migra\u00e7\u00e3o do Brasil, h\u00e1 alguns pontos ainda n\u00e3o esclarecidos e contradit\u00f3rios nas iniciativas equatorianas. A transpar\u00eancia e a liberdade de express\u00e3o est\u00e3o em desacordo com a pol\u00eamica Lei de Medios, <\/span>muito criticada<\/a>\u00a0pelo excessivo controle estatal, por exemplo. A internet livre<\/a>, outro ponto fundamental para a FLOK Society, fica em cheque com a inten\u00e7\u00e3o do governo de montar sua pr\u00f3pria ag\u00eancia de vigil\u00e2ncia ao estilo “NSA”, como diz o BuzzFeed, <\/span>citando documentos que comprovam<\/a> a procura por\u00a0equipamentos de espionagem de empresas israelenses -e, tamb\u00e9m, afirmam que o Governo Correa monitora seus advers\u00e1rios pol\u00edticos.\u00a0<\/span><\/p>\n

Em final de maio (27 a 30) a FLOK Society vai realizar um encontro internacional de ativistas e pesquisadores do conhecimento livre, uma ocasi\u00e3o em que estas contradi\u00e7\u00f5es certamente ser\u00e3o debatidas. Ser\u00e1 a vez de ver o quanto avan\u00e7ou o pensamento e, principalmente, a pr\u00e1tica do conhecimento livre no Equador desde aquele dois dias do final de maio de 2013, na Biblioteca da Flacso, onde o II Festival de Cultura Libre tomou parte.<\/span><\/p>\n

Imagem: 1:\u00a0Luke Macgregor \/ Reuters (Buzzfeed<\/a>)<\/address>\n

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