{"id":9824,"date":"2014-02-18T14:10:48","date_gmt":"2014-02-18T14:10:48","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=9824"},"modified":"2014-02-18T14:10:48","modified_gmt":"2014-02-18T14:10:48","slug":"quem-tem-medo-de-hacker","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2014\/02\/18\/quem-tem-medo-de-hacker\/","title":{"rendered":"Quem tem medo de hacker?"},"content":{"rendered":"
Voc\u00ea ainda se assusta quando ouve o termo “hacker”? Acha que eles s\u00e3o seres ex\u00f3ticos, madrugadores diante de uma tela preta de c\u00f3digo alimentados a pizza e coca-cola que quando menos se espera descobrir\u00e3o todas as suas senhas, apagar\u00e3o todos os seus arquivos, rodar\u00e3o scripts que v\u00e3o “raspar” todos os seus dados na rede e ainda escreveram mensagens engra\u00e7adinhas em cores berrantes na tela de seu computador ?<\/p>\n Se voc\u00ea est\u00e1 lendo esse texto provavelmente n\u00e3o acha nada disso, embora algumas das a\u00e7\u00f5es escritas acima s\u00e3o \u00a0mesmo corriqueiras no mundo hacker\u00a0(descubra qual\/quais e ganhe um doce!).\u00a0J\u00e1 n\u00e3o \u00e9 de hoje que o termo perdeu aquele nefasto significado de “piratas de computador”<\/a> que filmes e jornalistas usavam e abusavam na d\u00e9cada de 1990 at\u00e9 pouco tempo atr\u00e1s, para falar dos “perigos” da internet. Com a onipresen\u00e7a da tecnologia digital e o “big data”, hoje \u00a0d\u00e1 at\u00e9 pra dizer que o hacker est\u00e1 mais pra her\u00f3i do que vil\u00e3o – \u00e9 aquele que, armado com dados abertos e conhecimentos avan\u00e7ados de linguagens de programa\u00e7\u00e3o (mas n\u00e3o s\u00f3; conhecimento de qualquer coisa pode servir para “hackear algo”) ajuda a sociedade a entender como funciona para, ent\u00e3o, agir nela com efici\u00eancia e transpar\u00eancia.<\/p>\n Uma das mais importantes provas desse “hackeamento” simb\u00f3lico do termo acontece hoje, junto ao todo-poderoso Congresso Nacional. L\u00e1 vai se dar a inaugura\u00e7\u00e3o “oficial” do Laborat\u00f3rio Hacker<\/a>, um espa\u00e7o aberto de encontro de hackers diversos para a troca de conhecimentos sobre transpar\u00eancia, dados abertos, pol\u00edticas p\u00fablicas, cultura livre e o que mais caber no caldeir\u00e3o de assuntos que interessa aos hackers (e a sociedade). Durante todo o dia de hoje (18) e amanh\u00e3 (19) ser\u00e3o realizadas atividades sobre estas tem\u00e1ticas, com a participa\u00e7\u00e3o de gente de todo o Brasil, al\u00e9m da apresenta\u00e7\u00e3o das compet\u00eancias e objetivos do LabHacker, planos de trabalho, conversas sobre como funcionar\u00e1 o laborat\u00f3rio, palestras e conversas com deputados – at\u00e9 o presidente atual da casa, Henrique Eduardo Alves, estar\u00e1 no espa\u00e7o, \u00e0s 11h da quarta feira 19 (confira aqui a programa\u00e7\u00e3o completa dos dois dias<\/a>).<\/p>\n *<\/b><\/p>\n Uma refer\u00eancia fundamental para entender que diabos \u00e9 este tal hacker \u00e9 o livro de Steven Levy, \u201cHackers \u2013 Heroes of the Computer Revolution<\/em><\/a>\u201d, publicado em 1984 nos Estados Unidos e em 2001 no Brasil. Nele, Levy analisa o per\u00edodo de 1958 a 1984 para dizer que os primeiros hackers surgiram a partir da d\u00e9cada de 1950, primeiramente dentro do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e depois na Calif\u00f3rnia, quando professores e alunos passaram a usar o termo para descrever pessoas com grande habilidade t\u00e9cnica na inform\u00e1tica, que aprendiam fazendo, atrav\u00e9s da pr\u00e1tica, e se tornavam excelentes programadores e desenvolvedores de sistemas, mas n\u00e3o raro p\u00e9ssimos alunos \u2013 muitos nem chegavam a terminar a gradua\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Estes hackers – alguns dos que Levy cita s\u00e3o\u00a0Steve Jobs e Steve Wozniak, criadores da Apple, e Ken Willians, um dos primeiros desenvolvedores de games – s\u00e3o (ou foram) autodidatas, apaixonados pela solu\u00e7\u00e3o de problemas a ponto de varar madrugadas na resolu\u00e7\u00e3o de algo que n\u00e3o tivesse funcionando. Com esta determina\u00e7\u00e3o \u00e9 que foram se convertendo em excelentes programadores de sistemas e desenvolvedores de hardwares, e, com isso, personagens importantes no desenvolvimento da inform\u00e1tica e da internet que hoje conhecemos.<\/p>\n \u00c9 do trabalho mais recente da antrop\u00f3loga Gabriella Coleman, de 2013, uma das mais precisas defini\u00e7\u00e3o de hacker: \u201ccomputer aficionados driven by an inquisitive passion for tinkering and learning technical systems, and frequently committed to an ethical version of information freedom<\/em>\u201d. Como principais caracter\u00edsticas do grupo, a pesquisadora traz a subscri\u00e7\u00e3o a ideais de liberdade de acesso \u00e0 informa\u00e7\u00e3o, que levam a uma \u00e9tica de compartilhamento, e a apropria\u00e7\u00e3o de tecnologias, no sentido de compreender seu funcionamento e desenvolver a capacidade de modific\u00e1-las, para benef\u00edcio pr\u00f3prio ou coletivo. Coleman chegou a estas caracter\u00edsticas a partir de um estudo etnogr\u00e1fico com hackers envolvidos no movimento open source e as apresenta no livro \u201cCoding Freedom: The Ethics and Aesthetics of Hacking\u201d, rec\u00e9m lan\u00e7ado e dispon\u00edvel pra download de gra\u00e7a<\/a>.<\/p>\n **<\/p>\n Voltando ao Laborat\u00f3rio Hacker: vale lembrar que apesar de hoje ser a inaugura\u00e7\u00e3o “oficial”, ele est\u00e1 em pleno funcionamento desde janeiro, tendo j\u00e1 realizado duas reuni\u00f5es (abertas) para discutir o funcionamento do espa\u00e7o e sua fun\u00e7\u00e3o junto a c\u00e2mara. Ele tamb\u00e9m n\u00e3o nasceu “do nada”; \u00e9 \u00a0fruto de articula\u00e7\u00f5es diversas que j\u00e1 acontecem faz alguns bons anos, especialmente a partir de congressistas e pessoal “.gov” com integrantes da Transpar\u00eancia Hacker<\/a>, uma comunidade de cerca de 1500 hackers, jornalistas, acad\u00eamicos, ativistas, designers, programadores, advogados que trabalham em prol de transpar\u00eancia p\u00fablica e dados abertos.<\/span><\/p>\n Um dos pontos-chaves para a cria\u00e7\u00e3o do Lab se deu nos dias 30 de outubro a 1 novembro de 2013, quando foi realizado o 1\u00ba Hackathon da C\u00e2mara dos Deputados<\/a>. “Hackathon”, pra quem n\u00e3o \u00e9 familiarizado com o termo, \u00e9 como se costuma chamar maratonas de desenvolvimento de ferramentas\/aplicativos\/sites com dados, normalmente p\u00fablicos, em um tipo de pr\u00e1tica que tem se espalhado no mundo inteiro a partir das pol\u00edticas de transpar\u00eancia e “open data” adotadas por diversos governos no mundo (outra hora eu talvez fale um pouco mais disso por aqui).\u00a0No caso do hackathon da c\u00e2mara, 27 projetos – selecionados entre 99 inscritos – levaram cerca de 45 hackers para os aposentos do Congresso Federal para trabalhar na produ\u00e7\u00e3o de ferramentas com os dados abertos disponibilizados pela C\u00e2mara. Os tr\u00eas”vencedores”, que ganharam 5k cada para tocar em frente seus projetos, foram O “Meu Congresso Nacional<\/a>“, que acompanha de perto os dados das movimenta\u00e7\u00f5es dos Deputados e Senadores no Congresso Nacional; .”Monitora Brasil”, um\u00a0servi\u00e7o para celulares que serve para que o eleitor acompanhe as atividades dos deputados; e o\u00a0Deliberat\u00f3rio<\/a>, jogo de cartas criado a partir da simula\u00e7\u00e3o dos processos legislativos da C\u00e2mara.<\/p>\n Nos dias do hackathon, um momento \u00fatil pra entender o processo foi o tete-a-tete com o j\u00e1 citado Henrique Eduardo Alves e o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), mediado por Daniela Silva, integrante da Transpar\u00eancia Hacker. No v\u00eddeo acima, que mostra esse encontro, ali pelos 12min e 40s, Pedro Markun, tamb\u00e9m integrante da THacker, questiona o deputado:\u00a0‘transpar\u00eancia n\u00e3o \u00e9 s\u00f3 dado aberto, mas tamb\u00e9m processo pol\u00edtico. E abertura de processo pol\u00edtico \u00e9 muito mais dif\u00edcil de fazer do que abertura dos dados. Se a gente quiser mudar realmente a cultura, vamos precisar de algo permanente”.<\/span><\/p>\n \u00c9 a deixa para Henrique Alves elogiar a atitude do hacker e se comprometer, publicamente, na manuten\u00e7\u00e3o desse espa\u00e7o permanente. “Eu vou determinar o diretor geral da c\u00e2mara que, encerrado esse trabalho, n\u00f3s possamos ter um movimento permanente do hack dessa casa”. Ali ganhava corpo o Lab, uma ideia que tem sua origem tamb\u00e9m num rascunho de lei sobre a cria\u00e7\u00e3o de um “hackerspace”<\/a> na Assembl\u00e9ia Legislativa de S\u00e3o Paulo, ideia por sua vez “jogada” por Markun no Facebook no dia 3 de outubro<\/a>.<\/p>\n Com um laborat\u00f3rio permanente de hackers no centro do poder nacional, o desafio agora \u00e9 que ele busque transformar tamb\u00e9m os processos legislativos, tornando-os, no m\u00ednimo, mais transparentes e participativos – atendendo inclusive uma das principais demandas reivindicadas nas ruas desde os protestos de junho de 2013. \u00a0Afinal, quem (ainda) tem medo de hacker?<\/p>\n ***<\/p>\n Paradoxos do Brasil brasileiro: no mesmo dia que inaugura o LabHacker est\u00e1 marcado, finalmente, para vota\u00e7\u00e3o na C\u00e2mara o Marco Civil da Internet<\/a>, a “Constituinte” da internet que deveria garantir os direitos de quem usa a internet no Brasil. Deveria, porque a\u00a0vers\u00e3o proposta em 11\/12 do ano passado prev\u00ea a coleta em massa obrigat\u00f3ria de metadados (informa\u00e7\u00f5es para identificar, localizar e gerenciar os dados) de pessoas n\u00e3o suspeitas. Segundo o art. 16, qualquer funcion\u00e1rio administrativo, policial ou membro do Minist\u00e9rio P\u00fablico pode requerer os chamados logs de aplica\u00e7\u00e3o, que s\u00e3o os metadados dos servi\u00e7os que voc\u00ea frequenta na Internet. Na explica\u00e7\u00e3o de ativistas que acompanham as discuss\u00f5es do marco faz anos<\/a>, isso significa que se criaria no Brasil legisla\u00e7\u00e3o que permita vigiar todos n\u00f3s, assim como a NSA faz com cidad\u00e3os de todo o mundo, sem que para isso tenha que se ter uma suspeita razo\u00e1vel. O relator do projeto, deputado Alessando Molon (PT-RJ), diz que n\u00e3o far\u00e1 nenhuma altera\u00e7\u00e3o neste artigo. Ser\u00e1 que vai acabar nossa privacidade de vez na rede?<\/p>\n<\/a>Laborat\u00f3rio Hacker na C\u00e2mara dos Deputados, que inaugura hoje, promete ser o posto mais avan\u00e7ado de influ\u00eancia pol\u00edtica de uma cultura fundamental na internet<\/em><\/p>\n
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