{"id":9504,"date":"2012-12-17T15:11:42","date_gmt":"2012-12-17T15:11:42","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=9504"},"modified":"2012-12-17T15:11:42","modified_gmt":"2012-12-17T15:11:42","slug":"o-manifesto-do-circulo-de-poetas-sampler-de-sao-paulo","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2012\/12\/17\/o-manifesto-do-circulo-de-poetas-sampler-de-sao-paulo\/","title":{"rendered":"O manifesto do c\u00edrculo de poetas sampler de S\u00e3o Paulo"},"content":{"rendered":"

 <\/p>\n

\"\"<\/a><\/p>\n

O c\u00edrculo de poetas sampler de S\u00e3o Paulo foi um movimento criado no final dos anos 90 e in\u00edcio dos 2000 que se espalhou por diversas regi\u00f5es da capital paulista. Veio, como muitos dessa \u00e9poca, na esteira do movimento punk e anarquista e se somou a nascente cultura digital (pelo menos no que diz respeito a que conhecemos hoje) para propor a ideia do remix, cut-up, tamb\u00e9m na literatura. Foi, talvez, um dos primeiros grupo organizados a falar disso abertamente no Brasil.<\/p>\n

Abertamente? Sim, eles deixaram poucos textos sobre o tema, e o \u00fanico que encontramos \u00e9 o que publicamos abaixo: Manifesto da poesia sampler. Ali est\u00e3o todas as influ\u00eancias (Burroughs, copyleft, Oswald de Andrade, Lautreamont, Roberto Piva, etc) para falar do esgotamento da linguagem e da necessidade de reapropia\u00e7\u00e3o do que j\u00e1 foi produzido at\u00e9 hoje ao inv\u00e9s da cria\u00e7\u00e3o. Preceitos que, de alguma forma, se relacionariam com a escrita n\u00e3o-criativa de Kenneth Goldsmith<\/a> e aparecem no MixLit<\/a> de Leonardo Villa-Forte, entre outras iniciativas.<\/p>\n

*<\/p>\n

O manifesto (aten\u00e7\u00e3o: n\u00e3o confundir com o\u00a0Manifesto da Literatura Sampler<\/a>, de Fred Coelho e Mauro Gaspar, que tem 7 vers\u00f5es e em breve estar\u00e1 por aqui tamb\u00e9m)\u00a0saiu no Rizoma, em 2002 – depois, foi compilado no ebook “Recombina\u00e7\u00e3o<\/a>“. Continha uma introdu\u00e7\u00e3o, em que se explica um pouco do c\u00edrculo. Tudo muito ca\u00f3tico, mas que d\u00e1 uma amostra do contexto anarquista da qual ele foi produzido. \u00a0Alguns trechos:<\/p>\n

O c\u00edrculo de poetas sampler de S\u00e3o Paulo foi\u00a0criado na rela\u00e7\u00e3o entre os cavaleiros templ\u00e1rios e bruxas cidad\u00e3s, entre\u00a0 sufraggetes e o movimento de poetas negros de Angola, entre @s escritor@s de Q e ladr\u00f5es-ativistas do Leste Europeu, entre manifestantes anti-globaliza\u00e7\u00e3o no in\u00edcio deste s\u00e9culo XXI, entre Seattle, S\u00e3o Paulo, Porto Alegre e Morro Agudo.<\/em><\/p>\n

O C\u00edrculo de Poetas Sampler de S\u00e3o Paulo (tirado de um anagrama escrito pelo Bandido da Luz Vermelha na cadeia), est\u00e1 em todos os cantos. De marginais a altos postos do governo, infiltrados em movimentos de cultura digital picaretas e em espetaculosas palestras sobre o Nada. Este manifesto, escrito entre o IRC e pombos-correios se desmembrou em manifesta\u00e7\u00f5es na qual o C\u00edrculo n\u00e3o imp\u00f4s sua marca (mal de nossos tempos?), mas sim, subrepticiamente, subvertendo a retr\u00f4-subvers\u00e3o contempor\u00e2nea que alia Est\u00e9tica e Poder de maneira t\u00e3o vulgar quanto no in\u00edcio da Revolu\u00e7\u00e3o Industrial.<\/em><\/p>\n

\"\"<\/a><\/p>\n

Hoje pouco se sabe desse c\u00edrculo e dos seus integrantes. Se ele ainda existe, \u00e9 certo que deve ter se dissipado, ganhado outro nome ou se espalhado por governos, redes (Metareciclagem? THacker?), ou em movimentos de cultura digital picaretas,\u00a0<\/em>como diz a introdu\u00e7\u00e3o. A publica\u00e7\u00e3o desse texto tamb\u00e9m \u00e9 uma tentativa de achar alguma pista do paradeiro do c\u00edrculo.<\/span><\/p>\n

 <\/p>\n

Manifesto da Poesia Sampler<\/strong><\/p>\n

\u201cO pl\u00e1gio \u00e9 necess\u00e1rio. O progresso o implica\u201d
\n<\/em>Lautreamont<\/p>\n

Que as id\u00e9ias voltem a ser perigosas.<\/em><\/p>\n

Vivemos um momento de impasse po\u00e9tico (comecemos com frases de\u00a0efeito).\u00a0A poesia brasileira contempor\u00e2nea est\u00e1 estilha\u00e7ada em todos os caminhos\u00a0poss\u00edveis e sofre de uma falta de identidade sem parecer. A poesia brasileira\u00a0contempor\u00e2nea (que \u00e9 bom frisar nem sempre \u00e9 moderna) n\u00e3o sabe como\u00a0se comportar. N\u00e3o h\u00e1 mais (des)caminhos claros e definidos.<\/p>\n

Queremos ent\u00e3o aqui, levar ao m\u00e1ximo a falta de perspectiva, usar ao\u00a0m\u00e1ximo a queda das utopias (pol\u00edtica, existencial, art\u00edstica) para apresentar\u00a0a poesia sampler.\u00a0A poesia sampler ou sampleadora \u00e9 e se quer ser ilegal. Usando os princ\u00edpios\u00a0e termos da m\u00fasica eletr\u00f4nica que literalmente rouba trechos de outras\u00a0m\u00fasicas para se compor, a poesia sampler rouba id\u00e9ias, trechos, cita\u00e7\u00f5es,\u00a0p\u00f5e palavras em outros contextos. A sua originalidade \u00e9 a falta de t\u00ea-la.<\/p>\n

O problema da linguagem \u00e9 o cerne da poesia sampler. \u00c9 a constata\u00e7\u00e3o do\u00a0esgotamento total da linguagem, \u00e9 a constata\u00e7\u00e3o de n\u00e3o ter mais sa\u00edda para\u00a0a linguagem, que j\u00e1 foi (des) (re) constru\u00edda ao m\u00e1ximo. \u00c9 se emaranhar no\u00a0labirinto (in)finito das experimenta\u00e7\u00f5es e das brincadeiras. \u00c9 poesia\u00a0irrespons\u00e1vel. \u00c9 a volta da morte do Copyright (viva o Copyleft). \u00c9 a volta da\u00a0morte da autoria. \u00c9 a volta do pl\u00e1gio. Como disse Lautreamont, o progresso\u00a0o implica. A poesia deve ser escrita por todos.<\/p>\n

A poesia sampler pode servir como uma ponte para uma poss\u00edvel nova\u00a0poesia e novos poetas. Ela pega esses cacos que todos j\u00e1 destru\u00edram e brinca\u00a0com eles e os muda de lugar e os troca, os confunde, os cita, os leva ao\u00a0extremo da brincadeira po\u00e9tica.<\/p>\n

Satura\u00e7\u00e3o da informa\u00e7\u00e3o. N\u00e3o mais novidades. Contra o mercado de\u00a0novidades, contra a globaliza\u00e7\u00e3o e a mercantiliza\u00e7\u00e3o da novidade. O\u00a0pensador moderno precisa saber escolher a informa\u00e7\u00e3o. O poeta moderno\u00a0precisa deslocar as mesmas palavras que conhece h\u00e1 s\u00e9culos para outros\u00a0contextos. Nem mesmo essa id\u00e9ia \u00e9 novidade. A poesia sampler, felizmente,\u00a0est\u00e1 fadada ao jornal de ontem. Duchamp desce das escadas nu.<\/p>\n

Desabando, logicamente, em Oswald de Andrade, nosso grande poeta\u00a0antrop\u00f3fago: \u201cTudo que n\u00e3o \u00e9 meu me pertence\u201d. Lema do poeta e base da\u00a0poesia mais inventiva e criativa brasileira.\u00a0Diferente da chamada linha evolutiva da vanguarda po\u00e9tica brasileira
\nfincada no concretismo, a poesia sampler n\u00e3o \u00e9 original ou melhor n\u00e3o se\u00a0quer (\u00e9 a\u00ed que t\u00e1 o ovo de colombo). \u00c9 poesia de poesias ou melhor, poesia\u00a0que tira outras poesias do contexto e as coloca com outros sentidos, outras\u00a0caracter\u00edsticas, outra vida, incorporando at\u00e9 novas palavras, tanto \u00e9 a\u00a0liberdade da poesia sampler.<\/p>\n

A poesia sampler j\u00e1 nasce velha. \u00c9 criminosa, \u00e9 pag\u00e3, \u00e9 l\u00edrica, \u00e9 cr\u00edtica, \u00e9\u00a0publicit\u00e1ria.\u00a0Como no poema de um dos poetas sampler escrito em cima de um dos\u00a0poemas mais (re)conhecidos de Oswald de Andrade: Erro de Portugu\u00eas. O\u00a0poeta sampler subverte a id\u00e9ia original do poema, ou melhor, encontra\u00a0nele, uma poss\u00edvel (re)interpreta\u00e7\u00e3o. Eis:<\/p>\n

Erro de Brazileiro<\/strong><\/em>
\nO portugu\u00eas<\/em>
\nquando aqui chegou<\/em>
\nas \u00edndias todas ele comeu<\/em>
\no problema \u00e9 que<\/em>
\nelas continuam gozando<\/em>
\nat\u00e9 hoje<\/em><\/p>\n

A poesia sampler leva a tradi\u00e7\u00e3o pra outro lugar, usando-a, anarquicamente.\u00a0\u00c9 a contradi\u00e7\u00e3o m\u00e1xima que vivemos. \u00c9 seguir a tradi\u00e7\u00e3o, negando-a. N\u00e3o h\u00e1\u00a0mais diferen\u00e7as entre nada. Tudo pode ser usado. Guerrilha Cultural. Abalar\u00a0os conceitos das afirma\u00e7\u00f5es. S\u00e3o poetas sem poemas.\u00a0Esses conceitos, al\u00e9m de terem surgido com a m\u00fasica eletr\u00f4nica, tamb\u00e9m\u00a0s\u00e3o influenciados pelos grupos filos\u00f3ficos anarquistas, principalmente por\u00a0Luther Blisset e os artistas neo-dada\u00edstas e os situacionistas. Somos todos.<\/p>\n

Somos um. Somos nenhum. N\u00e3o temos reflexo em espelho algum. Literatura\u00a0pra nossa gera\u00e7\u00e3o. Somos poetas burros escrevendo para uma gera\u00e7\u00e3o\u00a0burra. Assassinamos jornalistas culturais com poemas de Eliot. Somos o oco\u00a0da oca tupiniquim interplanet\u00e1ria. Soy loco por ti, America.\u00a0Vivemos a era do n\u00e3o-criador. Era do sampleador. Acumulamos cita\u00e7\u00f5es\u00a0como her\u00f3icos saqueadores de t\u00famulos.\u00a0Sempre voltamos ao mesmo ponto: n\u00e3o h\u00e1 nada de novo debaixo do sol. O\u00a0que podemos fazer \u00e9 mudar o sol de lugar (terminemos com frases de\u00a0efeito).<\/p>\n

Assinado pelo C\u00edrculo de Poetas Sampler de S\u00e3o Paulo<\/strong><\/p>\n

e terminemos com mais um poeminha:
\n“Quando nossos poetas v\u00e3o cair na vida?<\/em>
\ndeixar de ser broxas para ser bruxos?”<\/em>
\nRoberto Piva<\/p><\/blockquote>\n

\u00a0Cr\u00e9ditos imagens: 1 (sampler<\/a>), 2 (Bliss<\/a>),<\/address>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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