{"id":8816,"date":"2012-08-07T15:17:52","date_gmt":"2012-08-07T15:17:52","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=8816"},"modified":"2012-08-07T15:17:52","modified_gmt":"2012-08-07T15:17:52","slug":"essa-tal-de-literatura-copyleft","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2012\/08\/07\/essa-tal-de-literatura-copyleft\/","title":{"rendered":"Essa tal de literatura copyleft"},"content":{"rendered":"

\"\"<\/a><\/p>\n

Numa conversa t\u00edpica, o jornalista espanhol radicado em S\u00e3o Paulo Bernardo Gutierrez<\/a> fala muito. Normal: pra quem vive disso, falar bem, e r\u00e1pido, agregando informa\u00e7\u00f5es novas e relevantes, \u00e9 importante. De cada 10 palavras que usa, provavelmente uma delas ser\u00e1 “hackear” e outra ser\u00e1 “copyleft”. Outras ser\u00e3o conectivos, mais outras duas em espanhol e o resto \u00e9 imprevis\u00edvel.<\/span><\/p>\n

Periodista com longa estrada<\/a> na m\u00eddia tradicional espanhola e como correspondente em diversos pa\u00edses do mundo, ele cansou de trabalhar na “imprensa tradicional”. Passou a, para usar seu vocabul\u00e1rio<\/a>, “hacke\u00e1-la”: se aproximou dos movimentos de cultura digital da Espanha, em especial o 15M<\/a>, para dizer que existem outros caminhos, o que, pensando nos meios de comunica\u00e7\u00e3o, talvez possa ser chamado de “p\u00f3s-jornalismo<\/a>“.<\/p>\n

Com isso em mente, foi militar por uma “cultura copylef” e prestar consultoria a quem n\u00e3o entende disso (ou quer entender mais) atrav\u00e9s da FuturaMedia<\/a>, empresa que \u00e9 “CEO”.\u00a0\u00a0Passou a fazer improv\u00e1veis deslocamentos do conceito de copyleft para, quem sabe, ajudar na sua divulga\u00e7\u00e3o\/discuss\u00e3o\/compara\u00e7\u00e3o. Por exemplo, fez uma interessante provoca\u00e7\u00e3o: pescou as 4 liberdades do software livre<\/a>, a base do copyleft, e aplicou nas cidades, dando o nome de “cidades copyleft<\/a>“. Veja:<\/p>\n

Libertad 0<\/strong>. Libertad para ejecutar la ciudad sea cual sea nuestros prop\u00f3sito<\/em><\/p>\n

Libertad 1.<\/strong>\u00a0Libertad para estudiar el funcionamiento de la ciudad y adaptarlo a tus necesidades \u2013 el acceso al c\u00f3digo fuente es condici\u00f3n indispensable para eso.<\/em><\/p>\n

Libertad 2.<\/strong>\u00a0La libertad para redistribuir copias y ayudar as\u00ed a tu vecino.<\/em><\/p>\n

Libertad 3.<\/strong>\u00a0La libertad para mejorar la ciudad y luego publicarlo para el bien de toda la comunidad.<\/em><\/p><\/blockquote>\n

Faz sentido, n\u00e3o?<\/p>\n

Mesmo que como provoca\u00e7\u00e3o – j\u00e1 que, como disse Felipe Fonseca nesse texto essencial sobre o assunto, “Cidades, Coisas, Pessoas<\/a>” (acredite, voc\u00ea precisa ler este texto), essa analogia n\u00e3o deve ser interpretada de maneira absoluta, uma redu\u00e7\u00e3o da realidade cotidiana a meros sistemas informacionais,\u00a0mas sim como\u00a0abertura \u00e0 modifica\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

*<\/p>\n

\"\"<\/a><\/p>\n

Al\u00e9m de jornalista, Bernardo \u00e9 escritor, e essa \u00e1rea \u00e9 outra que ele tem usado o termo copyleft. Ele acaba de lan\u00e7ar o livro #24h, pela editora DPR, de Barcelona<\/a>,\u00a0um relato ficcional sobre as 24h, entre os dias 16 e 17 de maio de 2011, antes que a a Puerta del Sol em Madrid fosse tomada pelos “indignados”<\/a>.<\/p>\n

O “copyleft” de #24h diz respeito a pr\u00f3pria forma que o livro \u00e9 constru\u00eddo, incorporando coment\u00e1rios, tweets e links de pessoas que participaram do processo que Bernardo deixou aberto, em um blog na rede, enquanto escrevia o livro. O resultado \u00e9 um quase como um blog\u00a0offline: entradas como par\u00e1grafos, textos pr\u00f3prios e alheios, tudo misturado numa narrativa que tenta recriar 24h na vida de um mundo ca\u00f3tico de excessos como o do s\u00e9culo XXI.<\/p>\n

Bernardo assim explica :<\/p>\n

\n

#24H\u00a0es una excusa troyana, vaya, para hablar de algunos asuntos presentes en el escrito y para abordar estos tiempos convulsos en los que vivimos: \u00a0el\u00a0copyleft<\/a>, la participaci\u00f3n ciudadana,\u00a015M<\/a>, Anonymous, \u00a0urbanismo P2P, crisis de la democracia participativa, la Europa que se desmorona, el procom\u00fan, la corrupci\u00f3n, la sociedad en red, la remezcla o la cultura digital\u2026\u00a0\u00a0#24H, adem\u00e1s,\u00a0es un intento de viabilizar otro modelo de gesti\u00f3n cultural sin tantos intermediarios.<\/em><\/p>\n<\/blockquote>\n

Desnecess\u00e1rio dizer que o livro est\u00e1 em licen\u00e7a Creative Commons<\/a>, que permite modifica\u00e7\u00f5es e compartilhamento, desde que sem fins comerciais e distribuindo por esta mesma licen\u00e7a. O objetivo de Bernardo \u00e9 que seu livro seja como um c\u00f3digo fonte de software, remix\u00e1vel ao gosto do fregu\u00eas. “Cualquier lector podr\u00e1 despedazarlo, remezclarlo o continuarlo en la\u00a0sala de remezclas<\/a>\u00a0que hemos preparado<\/em>“, escreve<\/a>.<\/p>\n

**<\/p>\n

\"\"<\/a><\/p>\n

Bernardo vai lan\u00e7ar o livro hoje, no Centro Cultural da Espanha, em S\u00e3o Paulo<\/a>, \u00e0s 19h. Com esse pretexto, convidou para uma charla sobre literatura remix\/copyleft\/de c\u00f3digo aberto (escolha um nome e seja feliz) as espanholas\u00a0Silvia Nanclares<\/a>, do interessant\u00edssimo bookcamping.cc<\/a>, uma biblioteca aberta e colaborativa cheia de livros bacanas; e Susana Serrano<\/a>, pesquisadora cultural, respons\u00e1vel pela parte de comunica\u00e7\u00e3o do Centro de las Artes de Sevilla<\/a> e uma das autoras de 10openkult.cc<\/a>, um livro colaborativo sobre gest\u00e3o e produ\u00e7\u00e3o cultural em tempos de internet. Al\u00e9m deste que vos escreve, que vai arriscar algumas palavras sobre algo que ainda me parece nebuloso, apesar de deveras interessante.<\/p>\n

Quando Bernardo me convidou para falar sobre o assunto, pensei: legal, mas o que \u00e9 literatura copyleft? Existe isso?<\/p>\n

Aqui no BaixaCultura temos falado muito da escrita n\u00e3o-criativa, aquela que se aproveita de todos os textos j\u00e1 criados no mundo para rearranj\u00e1-los em contextos diferentes. Nosso famigerado guru Kenneth Goldsmith<\/a> j\u00e1 foi apresentado e contraposto lindamente<\/a>\u00a0pelo Reuben:<\/p>\n

\n

Que a dicotomia \u201cescrita criativa\u201d\/\/\u201descrita n\u00e3o-criativa\u201d seja um falso problema d\u00e1-se a ver no fato de o questionamento da autoria nascer c\/ a pr\u00f3pria autoria; isto \u00e9, se a autoria \u00e9 um fen\u00f4meno moderno tal como a conhecemos, o pl\u00e1gio criativo tamb\u00e9m o \u00e9, como atesta a energia que gigantes da modernidade como Lautr\u00e9amont ou Walter Benjamin nele empregaram, o impulso de nutri\u00e7\u00e3o que o roubo representa em suas obras.<\/em><\/p>\n<\/blockquote>\n

Assim como de William Burroughs e seu cut-up, um “m\u00e9todo de escrever<\/a>” de recortar e colar e da\u00ed fazer (remixar?) sua obra. Tamb\u00e9m falamos de pl\u00e1gio na literatura atrav\u00e9s da tese de Kevin Perromat<\/a>, defendido na Sorbonne de Paris e que nos mostra que copiar sempre foi uma pr\u00e1tica na hist\u00f3ria da literatura, inclusive como m\u00e9todo de cria\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

A respeito de c\u00f3pia\/pl\u00e1gio\/originalidade, o estupendo escritor argentino Ernesto S\u00e1bato tem uma \u00f3tima fala, pescada do site que Perromat mant\u00e9m<\/a> de apoio e complemento a seu trabalho:<\/p>\n

\n

Qu\u00ea, querem uma originalidade absoluta? N\u00e3o existe. Nem em arte nem em nada. Tudo se constr\u00f3i sobre o anterior, e em nada humano \u00e9 poss\u00edvel encontrar pureza. Os deuses gregos tamb\u00e9m eram h\u00edbridos e estavam \u201cinfectados\u201d por religi\u00f5es orientais ou eg\u00edpcias. Tamb\u00e9m Faulkner prov\u00e9m de Joyce, de Huxley, de Balzac, de Dostoievski. H\u00e1 p\u00e1ginas em \u201cO som e a f\u00faria\u201d que parecem plagiadas de Ulisses. H\u00e1 um fragmento de \u201cO Moinho de Flos\u201d em que uma mulher experimentava um chap\u00e9u diante de um espelho: \u00e9 Proust. Quer dizer, o germe de Proust. Todo o resto \u00e9 desenvolvimento. Desenvolvimento genial, quase canceroso, mas mesmo assim desenvolvimento<\/em>.\u201d<\/p>\n<\/blockquote>\n

Num outro corner, o da escrita colaborativa, nossos queridos Wu Ming (ou seu alter-ego Luther Blisset) tem pelo menos dois exemplos de livros extremamente interessantes, “Q – Ca\u00e7ador de Hereges<\/a>” e “New Thing<\/a>” – ainda que este \u00faltimo seja atribu\u00eddo ao “Wu Ming 1<\/a>“.\u00a0Mas \u00e9 claro que, se tu for procurar na hist\u00f3ria da literatura, ir\u00e1 achar outros tantos livros escritos assim, desde parcerias cl\u00e1ssicas como Jorge Luis Borges e Bioy Casares no alter-ego fict\u00edcio “H. Bustos Domec<\/a>q” at\u00e9 brasileiros de hoje, tipo Em\u00edlio Fraia e Vanessa B\u00e1rbara em “O Ver\u00e3o de Chibo<\/a>“.<\/p>\n

\"\"<\/a>

Seria Luther Blisset uma literatura colaborativa?<\/p><\/div>\n

Ent\u00e3o, ficamos assim: ao falar de literatura remix\/mesclada\/remisturada\/plagiada\/colaborativa\/coletiva, n\u00e3o estamos falando de uma coisa “nova”. O que podemos chamar de novidade hoje \u00e9 essencialmente uma coisa: o contexto digital, de facilidade de acesso e, consequentemente, de apropria\u00e7\u00e3o e reapropria\u00e7\u00e3o, que permite que estas pr\u00e1ticas subterr\u00e2neas ao largo da hist\u00f3ria possam ser tomadas hoje como pr\u00e1ticas cotidianas, que o mais comum usu\u00e1rio de computador, escritor ou n\u00e3o, possa realizar.<\/p>\n

E \u00e9 claro que \u00e9 essa possibilidade que tem bagun\u00e7ado tudo. A literatura sempre foi o paradoxo da arte individual, da express\u00e3o particular de uma pessoa apresentada atrav\u00e9s de um arranjo de palavras. Quando essa express\u00e3o \u00e9 facilmente cambi\u00e1vel, quando o pr\u00f3prio autor cria uma “sala de edi\u00e7\u00e3o<\/a>” para seus textos e estimula a recombina\u00e7\u00e3o deles por outras pessoas, como faz Bernardo, as portas se abrem.<\/p>\n

Para que caminhos ainda \u00e9 incerto dizer, mas \u00e9 um pouco disso tudo que conversaremos hoje a noite.<\/p>\n

\u00a0[Leonardo Foletto]<\/em><\/p>\n

Cr\u00e9ditos imagens: 1<\/a>, CCE-SP<\/a>,\u00a02<\/a>, 3<\/a>\u00a0(na ordem).<\/address>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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