{"id":6801,"date":"2012-07-02T11:09:59","date_gmt":"2012-07-02T11:09:59","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=6801"},"modified":"2012-07-02T11:09:59","modified_gmt":"2012-07-02T11:09:59","slug":"o-mundo-velho-como-um-vovo-com-alzheimer","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2012\/07\/02\/o-mundo-velho-como-um-vovo-com-alzheimer\/","title":{"rendered":"O mundo velho como um vov\u00f4 com alzheimer"},"content":{"rendered":"
Hern\u00e1n Casciari \u00e9 um escritor argentino radicado em Barcelona desde 2000. Ganhador do pr\u00eamio Juan Rulfo de 1998 com o livro “Subir de espaldas la vida<\/em>“,\u00a0Casciari se tornou conhecido por remixar um g\u00eanero conhecido – o folhetim – para os blogs, no que se convencionou chamar de “blogonovela”.<\/p>\n Nesse (novo ?) “g\u00eanero”<\/a>, o escritor encarna um personagem e passa a soltar p\u00edlulas rotineiras em um blog como se fosse o di\u00e1rio da personagem – interage com os leitores atrav\u00e9s de coment\u00e1rios, inclusive, sempre sem revelar sua “verdadeira identidade”. Sua primeira “blogonovela”, “Mais Respeito que Sou Tua M\u00e3e<\/a>“, foi vencedor do Best of Blogs da Deustche Welle<\/a> em 2008, virou livro e at\u00e9 pe\u00e7a montada at\u00e9 no Brasil<\/a>.<\/p>\n Casciari se fez conhecido com o g\u00eanero e escreveu mais tr\u00eas blogonovelas: “El diario de Leticia Ortiz<\/em>“, “Juan D\u00e1maso, Vidente<\/em>” e “Yo y mi garrote, historia de Xavi L<\/a><\/em>”\u00a0– esta, publicada em um blog no El Pa\u00eds espanhol.<\/p>\n Mas essa breve introdu\u00e7\u00e3o sobre Casciari (foto acima) n\u00e3o \u00e9 pra falar de suas blogonovelas e do trabalho liter\u00e1rio do argentino, que, ademais, tem 6 livros publicados<\/a>. \u00c9 para falar da revista que criou e \u00e9 editor, a Orsai<\/a>, de onde vem a maioria das imagens desse post.<\/p>\n \u00c9 uma revista de literatura, entrevistas, historietas, contos e outras cousas m\u00e1s que Casciari explica no v\u00eddeo logo abaixo. Criada em janeiro de 2011, tem periodicidade bimestral, n\u00e3o conta com publicidade e tem todas as suas edi\u00e7\u00f5es<\/a> dispon\u00edveis para download gr\u00e1tis. A assinatura da revista impressa \u00e9 (bem) paga: no Brasil, onde h\u00e1 um \u00fanico ponto de distribui\u00e7\u00e3o, localizado no Rio de Janeiro, custa U$ 138 (U$ 21 por edi\u00e7\u00e3o, mais U$2 por “gan\u00e2ncia do distribuidor”, segundo a revista).<\/p>\n [youtube=http:\/\/www.youtube.com\/watch?v=_VEYn3bXz34]<\/p>\n A partir da experi\u00eancia da Orsai, Casciari escreveu um texto sobre os novos modelos de neg\u00f3cio na rede que circulou bastante aqui no Brasil na semana passada. O argentino usa o caso\u00a0Luc\u00eda Etxbarr\u00eda<\/a>, escritora espanhola que deixou de publicar porque estavam baixando mais do que comprando seus livros (?), para fazer um sincero depoimento de que, sim, uma revista (liter\u00e1ria) pode sobreviver na era digital colocando seus PDFs para baixa de gra\u00e7a.<\/p>\n Mais do que isso, o texto faz uma criativa descri\u00e7\u00e3o do “velho mundo” que tanto falamos por aqui: aquele mundo das gravadoras, est\u00fadios de cinema, Anas de Hollanda e ECADs da vida que acha que o mundo cultural deve ser baseado “em controle, contrato, exclusividade, confidencialidade, trava, representa\u00e7\u00e3o e dividendo<\/em>“.<\/p>\n A estes velho mundo, Casciari d\u00e1 a receita: “n\u00e3o temos de lutar contra o velho mundo, nem sequer temos que debater com ele. Temos que deix\u00e1-lo morrer em paz, sem incomod\u00e1-lo. N\u00e3o temos que enxergar o mundo velho como aquele pai castrador que foi nos seus bons tempos, mas sim como um vov\u00f4 com alzheimer<\/em>“.<\/p>\n A tradu\u00e7\u00e3o do texto para \u00a0portugu\u00eas saiu no site da\u00a0Revista F\u00f3rum<\/a>, mas infelizmente n\u00e3o conseguimos ach\u00e1-lo mais para linkar aqui. A vers\u00e3o em espanhol t\u00e1 aqui<\/a>, escrita no final de 2011; a em portugu\u00eas t\u00e1 aqui abaixo.<\/p>\n Piratas e Tubar\u00f5es<\/strong><\/p>\n N\u00e3o temos que enxergar o mundo velho como aquele pai castrador que foi nos seus bons tempos, mas sim como um vov\u00f4 com alzheimer.<\/em><\/p>\n <\/em>Por Hern\u00e1n Casciari<\/strong><\/p>\n O contador de assinaturas anuais da nova\u00a0revista Orsai\u00a0acaba de chegar a mil. Em nove dias, e sem not\u00edcias sobre o conte\u00fado ou a quantidade de p\u00e1ginas, mil leitores j\u00e1 compraram as seis revistas do pr\u00f3ximo ano. E isso que todos sabem que sair\u00e1 uma vers\u00e3o em pdf, gratuita, no mesmo dia em que a revista chegue \u00e0s casas deles. Repito: acabamos de vender seis mil revistas. Seiscentas e sessenta e cinco por dia. Vinte e oito por hora.<\/em><\/p>\n Ao mesmo tempo, uma escritora espanhola acaba de anunciar que deixar\u00e1 de publicar. \u201cVisto que foram feitos mais downloads ilegais do meu romance do que foram comprados exemplares, anuncio que n\u00e3o publicarei mais livros\u201d, disse ontem Luc\u00eda Etxebarr\u00eda. A impressa tradicional fez eco a essas palavras e a ind\u00fastria editorial complementou: \u201cPobrezinha, olhem o que a internet est\u00e1 fazendo com os autores\u201d.<\/em><\/p>\n Acontece o mesmo com a gente. Durante 2011 editamos quatro revistas Orsai. Vendemos uma m\u00e9dia de sete mil exemplares de cada uma, e com esse dinheiro pagamos (extremamente bem) todos os autores. Os pdf\u2019s gratuitos dessas quatro edi\u00e7\u00f5es alcan\u00e7aram seiscentos mil downloads ou visualiza\u00e7\u00f5es na internet.<\/em><\/p>\n Vendemos sete mil, baixaram seiscentos mil.<\/em><\/p>\n Se os casos de Luc\u00eda Etxebarr\u00eda e da Orsai s\u00e3o id\u00eanticos, e ocorrem no mesmo mercado cultural, por que nos causam alegria e a ela s\u00f3 causam des\u00e2nimo?<\/em><\/p>\n A resposta talvez esteja em que se trata do mesmo mercado mas n\u00e3o do mesmo mundo.<\/em><\/p>\n Existe cada vez mais um mundo efervescente em que o n\u00famero de downloads e o n\u00famero de vendas f\u00edsicas se complementam; seus autores dizem: \u201cque bom, quanta gente me l\u00ea\u201d. Mas ainda existe um mundo velho onde um n\u00famero se subtrai ao outro; seus autores dizem: \u201cque espantoso, quanta gente n\u00e3o me compra\u201d.<\/em><\/p>\n O velho mundo se baseia em controle, contrato, exclusividade, confidencialidade, trava, representa\u00e7\u00e3o e dividendo. Tudo o que acontecer fora de seus padr\u00f5es \u00e9 cultura ilegal.<\/em><\/p>\n O novo mundo se baseia em confian\u00e7a, liberdade de a\u00e7\u00e3o, criatividade, paix\u00e3o e entrega. Tudo o que acontecer dentro e fora de seus par\u00e2metros \u00e9 bom, contanto que as pessoas aproveitem a cultura, pagando ou sem pagar.<\/em><\/p>\n Dizendo de outra maneira: Luc\u00eda ser pobre n\u00e3o \u00e9 culpa dos leitores que n\u00e3o pagam, e sim do modo como seus editores repartem os lucros vindos dos leitores que pagam. Mundo velho, mundo novo. H\u00e1 algumas semanas vivi um caso que deixa muito claro o que ocorre quando esses dois mundos se cruzam. Vou contar para a Luc\u00eda e para voc\u00eas porque \u00e9 divertido: Uma editora da Alfaguara (Grupo Santillana, Madri) me liga e me diz que est\u00e3o preparando uma Antologia da Cr\u00f4nica Latinoamericana Atual. E que querem um conto meu que aparece no meu \u00faltimo livro, \u201cum conto que se chama tal e tal, de que a gente gosta muito\u201d.<\/em><\/p>\n Respondo que l\u00f3gico, que pegue o conto que quiser. Ela me responde que me enviar\u00e1 um e-mail para solicitar autoriza\u00e7\u00e3o formal. Digo que tudo bem.<\/em><\/p>\n \u201cCaro Hern\u00e1n, lhe explico o que adiantei por telefone: a Alfaguara editar\u00e1 em breve uma antologia de bla bla bla cuja sele\u00e7\u00e3o e pr\u00f3logo ficou a cargo de Fulaninho de Tal. Ele deseja incluir o teu conto Xis. Se voc\u00ea est\u00e1 de acordo com o contrato que anexei, envie duas c\u00f3pias com todas as p\u00e1ginas assinadas ao seguinte endere\u00e7o\u201d (e inclui o endere\u00e7o de Prisa Ediciones, Alfaguara).<\/em><\/p>\n Abro o arquivo em anexo, leio o contrato. Me fascina a leitura de contratos do mundo velho. N\u00e3o se preocupam nem um pouco em disfar\u00e7ar suas gravatas.<\/em><\/p>\n Me pedem um conto que chamam de \u201cLa Aportaci\u00f3n\u201d. A cl\u00e1usula 4 diz que \u201co editor poder\u00e1 efetuar quantas edi\u00e7\u00f5es julgue convenientes at\u00e9 um m\u00e1ximo de cem mil (100.000)\u201d. A cl\u00e1usula 5 diz: \u201cComo remunera\u00e7\u00e3o pela cess\u00e3o de direitos de \u201cLa Aportaci\u00f3n\u201d, o editor pagar\u00e1 ao autor cem euros (100?) brutos, valor sobre o qual incidir\u00e3o os impostos e se praticar\u00e3o as dedu\u00e7\u00f5es cab\u00edveis\u201d.<\/em><\/p>\n Pensei nos outros autores que comp\u00f5em a antologia, nos que com certeza assinam contratos assim. Cem euros menos impostos e dedu\u00e7\u00f5es s\u00e3o sessenta e tr\u00eas euros, e disso ainda se retiram os quinze por cento do agente ou representante (todos t\u00eam um), ou seja, o autor fica com cinquenta e tr\u00eas euros na m\u00e3o. N\u00e3o importa se a editora vende dois mil livros ou cem mil livros. O autor sempre leva cinquenta e tr\u00eas euros. Ser\u00e1 que Luc\u00eda Etxebarr\u00eda assina contratos assim?<\/em><\/p>\n Nessa mesma tarde respondi o e-mail \u00e0 editora da Alfaguara:<\/em><\/p>\n \u201cOi Laura, o conto que voc\u00eas querem aparece no meu \u00faltimo livro, que \u00e9 distribu\u00eddo sob licen\u00e7a Creative Commons Reconhecimento 3.0 Unported, que \u00e9 a mais generosa. Isso significa que voc\u00eas podem compartilhar, copiar, distribuir, executar, realizar obras derivadas e inclusive fazer uso comercial de qualquer um dos contos, desde que voc\u00eas digam quem \u00e9 o autor. Te dou o texto de presente para voc\u00ea fazer com ele o que quiser, e que este e-mail sirva de comprovante. Mas eu n\u00e3o posso assinar essa porcaria legal assombrosa. Um beijo.\u201d<\/em><\/p>\n A resposta chegou alguns dias depois; j\u00e1 n\u00e3o era ela que escrevia, sen\u00e3o outra pessoa:<\/em><\/p>\n \u201cHern\u00e1n: entendemos isso, mas o departamento legal precisa que voc\u00ea assine o contrato para n\u00e3o termos problemas no futuro. Sauda\u00e7\u00f5es!\u201d<\/em><\/p>\n E a\u00ed eu n\u00e3o respondi mais. Para que continuar a corrente de e-mails?<\/em><\/p>\n A historinha \u00e9 essa, n\u00e3o \u00e9 grande coisa. Mas eu quero dizer, ao cont\u00e1-la, que n\u00e3o temos de lutar contra o velho mundo, nem sequer temos que debater com ele. Temos que deix\u00e1-lo morrer em paz, sem incomod\u00e1-lo. N\u00e3o temos que enxergar o mundo velho como aquele pai castrador que foi nos seus bons tempos, mas sim como um vov\u00f4 com alzheimer.<\/em><\/p>\n – Me d\u00e1 isso? \u2013 diz o vov\u00f4.<\/em> – N\u00e3o, assim n\u00e3o. Assina pra mim esse papel onde voc\u00ea diz que me d\u00e1 isso e em troca eu cuspo em voc\u00ea.<\/em><\/p>\n – N\u00e3o precisa disso, vov\u00f4, eu te dou. \u00c9 de gra\u00e7a.<\/em><\/p>\n – Eu preciso que voc\u00ea assine esse papel, n\u00e3o posso aceitar de gra\u00e7a!<\/em><\/p>\n – Mas por qu\u00ea, vov\u00f4?<\/em><\/p>\n – Porque se eu n\u00e3o te ferro de alguma maneira, eu n\u00e3o sou feliz.<\/em><\/p>\n – Bom, vov\u00f4, outro dia a gente se fala\u2026 Te amo muito.<\/em><\/p>\n E amamos muitos esse vov\u00f4 de verdade. H\u00e1 vinte, trinta anos, esse homem que agora est\u00e1 gag\u00e1 nos ensinou a ler, p\u00f4s livros formid\u00e1veis nas nossas m\u00e3os.<\/em><\/p>\n N\u00e3o temos que discutir com ele, porque gastar\u00edamos energia no lugar errado. Temos que usar essa energia para fazer livros e revistas de outra maneira; temos que voltar a nos apaixonar por ler e escrever, temos que defender at\u00e9 a morte a cultura para que ela n\u00e3o esteja nas m\u00e3os de av\u00f4s gag\u00e1s. Mas n\u00e3o temos que perder tempo lutando contra o av\u00f4. Temos que falar exclusivamente com nossos leitores.<\/em><\/p>\n Luc\u00eda: voc\u00ea tem um monte de leitores. Voc\u00ea \u00e9 uma escritora de sorte. O dem\u00f4nio n\u00e3o s\u00e3o seus leitores; nem os que compram seus romances os que baixam as suas hist\u00f3rias na internet.<\/em><\/p>\n N\u00e3o h\u00e1 dem\u00f4nios, na verdade. O que h\u00e1 s\u00e3o dois mundos. Duas maneiras diferente de fazer as coisas.<\/em><\/p>\n Est\u00e1 em voc\u00ea, em n\u00f3s, em cada autor, continuar assinando<\/em><\/p>\n<\/blockquote>\n Hern\u00e1n Casciari \u00e9 um escritor argentino radicado em Barcelona desde 2000. Ganhador do pr\u00eamio Juan Rulfo de 1998 com o livro “Subir de espaldas la vida“,\u00a0Casciari se tornou conhecido por remixar um g\u00eanero conhecido – o folhetim – para os blogs, no que se convencionou chamar de “blogonovela”. 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\n – Sim, vov\u00f4, toma.<\/em><\/p>\n
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