{"id":6667,"date":"2012-06-05T10:07:51","date_gmt":"2012-06-05T10:07:51","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=6667"},"modified":"2012-06-05T10:07:51","modified_gmt":"2012-06-05T10:07:51","slug":"por-dentro-do-caso-livros-de-humanas-x-abdr","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2012\/06\/05\/por-dentro-do-caso-livros-de-humanas-x-abdr\/","title":{"rendered":"Por dentro do caso Livros de Humanas X ABDR"},"content":{"rendered":"

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A esta altura, quem acompanha este blog no Twitter<\/a> e no Facebok<\/a> j\u00e1 est\u00e1 sabendo do fechamento do site do Livros de Humanas, biblioteca digital que mantinha um rico acervo dedicado \u00e0s ci\u00eancias humanas (lingu\u00edstica, literatura e filosofia, principalmente).<\/p>\n

J\u00e1 sabe tamb\u00e9m que um grupo cada vez maior de pessoas (professores, escritores, estudantes) est\u00e1 manifestando seu apoio em um site chamado Direito de Acesso<\/a>, que, por enquanto, tem compilado mat\u00e9rias, artigos e entrevistas sobre o caso.<\/p>\n

Se tu j\u00e1 sabe o que de fato aconteceu, pule para o asterisco. Se n\u00e3o, continue aqui e confira uma breve retrospectiva do caso.<\/p>\n

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O que voc\u00ea encontra se for acessar o Livro de Humanas hoje<\/p><\/div>\n

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A informa\u00e7\u00e3o completa, postada inicialmente, dentre outros lugares, no blog da rep\u00f3rter da Folha Raquel Cozer<\/a>, jornalista requisitad\u00edssima por escritores brasucas:<\/p>\n

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O site livrosdehumanas.org saiu do ar anteontem (quinta, 17\/5) ap\u00f3s ser notificado de a\u00e7\u00e3o judicial movida pela Associa\u00e7\u00e3o Brasileira de Direitos Reprogr\u00e1ficos. Com 2.322 livros em PDF gratuitos, o blog que se descreve como “difusor de conhecimento produzido pelas humanidades” representa, para a ABDR, “o maior caso de pirataria de livros digitais em dez anos”. Na quinta, iniciou-se no Twitter campanha em defesa do blog e contra as editoras Forense e Contexto, destacadas na notifica\u00e7\u00e3o. A ABDR afirma que a a\u00e7\u00e3o partiu dela pr\u00f3pria e que s\u00f3 usou t\u00edtulos das casas como exemplos. Pelo n\u00famero de livros, o site poderia ter de pagar mais de R$ 200 milh\u00f5es, mas em geral chega-se a acordo. A institui\u00e7\u00e3o destaca o preju\u00edzo ao autor e diz usar o dinheiro arrecadado em campanhas antipirataria –o valor arrecadado no ano passado n\u00e3o foi divulgado.<\/p>\n<\/blockquote>\n

A a\u00e7\u00e3o movida pela ABDR pedia inicialmente que fossem removidos links de dois livros, um da editora Forense e outro da editora Contexto. Mas, como explica o texto da se\u00e7\u00e3o\u00a0Entenda o Caso do Direito de Acesso<\/a>, o juiz deferiu o pedido liminar, ordenando a retirada, e, em um acr\u00e9scimo ao pedido inicial, a ABDR pleiteou que todos os links para os mais de 2000 livros que estavam na biblioteca fossem igualmente removidos, argumentando que os 2 livros mencionados a princ\u00edpio eram apenas exemplos \u2013 pedido que o juiz atendeu, sem maiores considera\u00e7\u00f5es, simplesmente estendendo a ordem inicial, n\u00e3o atentando nem que grande parte deles foram publicados por editoras n\u00e3o-associadas \u00e0 ABDR, que, portanto, n\u00e3o tinha sequer legitimidade para pedir sua retirada, nem que muitas obras estava l\u00e1 por autoriza\u00e7\u00e3o expressa ou t\u00e1cita de seus autores e editores.<\/div>\n
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[Vale ressaltar que n\u00e3o foi a primeira vez que o Livros de Humanas foi “atacado”. Na outra situa\u00e7\u00e3o, ainda como Letras USP, o site foi desativado\u00a0duas vezes, e suas 2.496 postagens \u2013 com links para arquivos de livros digitalizados – foram para o brejo. O fato inclusive nos motivou a escrever<\/a> um artigo no jornal Di\u00e1rio de Santa Maria chamado “P\u00e1ginas Digitalizadas<\/a>“, em que ressalt\u00e1vamos a necessidade de ser desmistificada a ideia de que o livro digital e o livro impresso s\u00e3o concorrentes, dentre outras quest\u00f5es exacerbadas nesse cont\u00ednuo debate.]<\/div>\n
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Depois da notifica\u00e7\u00e3o e da sa\u00edda do ar do site, uma das primeiras mat\u00e9rias a ser veiculada sobre o assunto foi “Suspens\u00e3o de site gera indigna\u00e7\u00e3o no meio acad\u00eamico<\/a>, do site Opini\u00e3o e Justi\u00e7a. Nela, se repercutia a, de fato, indigna\u00e7\u00e3o de um grupo de escritores, professores, alunos e intelectuais – entre eles nomes conhecidos com o Eduardo Viveiros de Castro, Pablo Ortellado, Eduardo Sterzi, Ricardo L\u00edsias, Idelber Avelar – com a retirada de todo o site do ar sob a alega\u00e7\u00e3o do blog ser o “maior caso de pirataria de livros da hist\u00f3ria recente”.<\/div>\n
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Capa da revista Sopro, da editora Cultura e Barb\u00e1rie<\/p><\/div>\n<\/div>\n

Como consequ\u00eancia quase imediata, saiu um manifesto da editora Cultura e Barb\u00e1rie<\/a>, escrito pelo seu editor, Alexandre Nodari, em apoio ao Livros e contr\u00e1rio a ABDR. A editora tinha tr\u00eas livros no site, que constavam tamb\u00e9m na lista das obras\u00a0cujos direitos estariam sendo “violados pela sua reprodu\u00e7\u00e3o no Livros de Humanas” – sendo que a Cultura e Barb\u00e1rie nunca foi filiada a ABDR e autorizava expressamente a reprodu\u00e7\u00e3o de seus livros no site.<\/div>\n
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Thiago C\u00e2ndido, acad\u00eamico de Letras da USP e principal respons\u00e1vel pela manuten\u00e7\u00e3o do site, deu, em seguida, uma entrevista a jornalista da Folha Jos\u00e9lia Aguiar<\/a>, do blog Livros & ETC. Ali, ele disse, dentre outras coisas, que “quem baixava no livrosdehumanas.org \u00e9 basicamente o mercado consumidor destas editoras. O PDF n\u00e3o substitui o livro impresso”. \u00c9 um caso parecido ao cl\u00e1ssico Metallica X Napster, em que aquele que se sente lesado processa aqueles que fazem a sua fama. Tiro no p\u00e9 total.<\/div>\n
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Formou-se um grupo de trabalho para discutir e apoiar o caso do Livros de Humanas, inclusive com um grupo de advogados amigos que passaram a trabalhar no caso e preparar a contesta\u00e7\u00e3o, que vai acontecer at\u00e9 dia 11 deste m\u00eas. Como\u00a0situa\u00e7\u00e3o nova no direito nacional, interessa e muito a nossos queridos advogados que, a pretexto da defesa do Livros de Humanas, podem preparar um contra-ataque mais forte do que o ataque, exigindo que se abra diversos dados das editoras e das “pesquisas” que dizem que quem baixa pdf n\u00e3o compra livro.<\/div>\n
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A partir do fato inicial, muita gente tem manifestado apoio ao Livros – v\u00e1 ao Direito de Acesso (imagem acima) e veja quem, quando e como<\/a>\u00a0manifestou seu apoio, e como tu pode fazer o mesmo<\/a>. Das in\u00fameras manifesta\u00e7\u00f5es apresentadas, remixamos trechos de algumas que nos ajudam a entender o caso e o embate que est\u00e1 por tr\u00e1s:\u00a0a oposi\u00e7\u00e3o entre compartilhamento de informa\u00e7\u00f5es e a dita “pirataria”, e que tipo de altera\u00e7\u00f5es s\u00e3o necess\u00e1rias na legisla\u00e7\u00e3o de direitos autorais para fazer frente \u00e0 realidade da cultura digital.<\/div>\n
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Entrevista com Ronaldo Lemos, no blog Mundo Livro, da Zero Hora<\/a> (por Carlos Andr\u00e9 Moreira):<\/div>\n
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“H\u00e1 na verdade um problema de rela\u00e7\u00e3o p\u00fablicas que \u00e9 tamb\u00e9m um problema jur\u00eddico, porque o site foi retirado contendo livros que podem n\u00e3o estar cobertos pelos direitos representados pela ABDR como entidade. O repert\u00f3rio total do site tem livros sobre os quais ela n\u00e3o comprovou nenhum direito de representa\u00e7\u00e3o.”<\/div>\n
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ML \u2013 O fato de todo o site ter sido tirado do ar mosta que a Justi\u00e7a ainda n\u00e3o encontrou a medida justa e sutil para julgar demandas t\u00edpicas da contemporaneidade altamente tecnol\u00f3gica?
\n<\/strong>Lemos \u2013<\/strong>\u00a0A quest\u00e3o principal \u00e9 que a lei de direitos autorais brasileira \u00e9 uma das mais restritivas do mundo. Ela praticamente veda quaisquer condutas que n\u00e3o seja a compra integral do livro<\/strong>. Ela pro\u00edbem inclusive a disponibiliza\u00e7\u00e3o dos chamados \u201clivros \u00f3rf\u00e3os\u201d, aqueles fora de cat\u00e1logo h\u00e1 muito tempo, esgotados ou com representa\u00e7\u00f5es incertas ou que n\u00e3o se pode encontrar. Em outras leis de outros pa\u00edses, h\u00e1 exce\u00e7\u00f5es que incluem a liberdade de publica\u00e7\u00e3o de livros nessa categoria.<\/div>\n<\/blockquote>\n

Entrevista com Eduardo Sterzi, poeta e professor da Unicamp, no mesmo Mundo Livro<\/a>:<\/p>\n

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“H\u00e1 tempos, simpatizo e, na medida do poss\u00edvel, apoio o site Livros de Humanas, no qual reconhe\u00e7o uma das mais democr\u00e1ticas bibliotecas p\u00fablicas do nosso pa\u00eds. Conhe\u00e7o v\u00e1rios estudantes e professores brasileiros e estrangeiros que encontraram nessa biblioteca textos fundamentais para a realiza\u00e7\u00e3o de suas disserta\u00e7\u00f5es de mestrado, teses de doutorado, artigos e livros: textos esgotados ou simplesmente n\u00e3o encontr\u00e1veis nas bibliotecas f\u00edsicas dos lugares onde moram. Eu mesmo j\u00e1 digitalizei e enviei links de v\u00e1rios textos, meus e alheios, para serem disponibilizados no Livros de Humanas”<\/p>\n

“H\u00e1 um descompasso tr\u00e1gico entre o desejo de conhecimento e cultura de nossos estudantes e pesquisadores e os meios de que disp\u00f5em para satisfazer tal desejo. Foi essa car\u00eancia de boas bibliotecas que levou \u00e0 forma\u00e7\u00e3o de toda uma estrutura alternativa de fotoc\u00f3pias, cujas matrizes s\u00e3o realizadas, na maioria das vezes, a partir de livros dos acervos pessoais dos professores. Vale lembrar que o\u00a0Livros de Humanas\u00a0surgiu de uma situa\u00e7\u00e3o espec\u00edfica envolvendo a central de fotoc\u00f3pias do pr\u00e9dio de Letras da\u00a0FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ci\u00eancias Humanas da USP): de um dia para outro, a c\u00f3pia de uma p\u00e1gina, que custava R$ 0,10, passou para R$ 0,15. Ou seja, j\u00e1 se trata de uma alternativa \u00e0 alternativa.<\/strong>“<\/p>\n

“Temos que revisar as leis de direitos autorais, mas temos tamb\u00e9m de criar uma pol\u00edtica consistente de forma\u00e7\u00e3o de bibliotecas p\u00fablicas \u2013 e, sobretudo, precisamos discutir os pre\u00e7os dos livros no Brasil. Tamb\u00e9m temos de ver com clareza, na discuss\u00e3o sobre \u201cdireitos autorais\u201d, o papel das editoras de livros did\u00e1ticos na persegui\u00e7\u00e3o aos sites de livre compartilhamento. A ABDR, que move o processo contra o Livros de Humanas, est\u00e1 dominada por tais editoras. O livro did\u00e1tico \u00e9 um neg\u00f3cio milion\u00e1rio em nosso pa\u00eds, um neg\u00f3cio cujo principal financiador s\u00e3o os governos federal, estaduais e municipais. O que o Minist\u00e9rio da Educa\u00e7\u00e3o tem a dizer sobre o assunto? Nem falo do Minist\u00e9rio da Cultura, que, na atual administra\u00e7\u00e3o, com os lament\u00e1veis v\u00ednculos entre a ministra e o ECAD, sofreu um terr\u00edvel retrocesso em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 administra\u00e7\u00e3o anterior, de Gilberto Gil-Juca Ferreira.<\/p>\n

ML \u2013 A disponibiliza\u00e7\u00e3o online ajuda ou prejudica a carreira de um livro \u2013 ou talvez n\u00e3o tenha influ\u00eancia t\u00e3o determinante nem em um sentido nem em outro?<\/strong><\/p>\n

Sterzi \u2013\u00a0Talvez tenhamos de distinguir, antes de tudo, duas concep\u00e7\u00f5es de \u201ccarreira de um livro\u201d. Se acreditamos que o fundamental na carreira de um livro seja sua leitura pelo maior n\u00famero poss\u00edvel de pessoas, a disponibiliza\u00e7\u00e3o online s\u00f3 pode ajud\u00e1-la. Se, por\u00e9m, acreditamos que o essencial seja converter o n\u00famero de leitores em valores monet\u00e1rios, a situa\u00e7\u00e3o n\u00e3o \u00e9 t\u00e3o clara<\/strong>. No entanto, temos o testemunho de autores como\u00a0Paulo Coelho<\/a>, que dizem que passaram a vender mais livros depois que tiveram suas obras disponibilizadas na internet. H\u00e1 tamb\u00e9m o caso da editora\u00a0Hedra<\/a>, que, depois que deixou alguns de seus livros dispon\u00edveis integralmente no Google Books, passou a vender mais exemplares.<\/p>\n

Eu mesmo, que, como a imensa maioria dos poetas e ensa\u00edstas, estou longe de ser um grande vendedor (embora tenha dois livros com primeiras edi\u00e7\u00f5es esgotadas), percebo que a maioria dos leitores que me contam ter comprado meus livros o fizeram depois de ter lido ao menos algum de meus textos na internet<\/strong>. Para al\u00e9m de qualquer discuss\u00e3o comercial, o importante, por\u00e9m, \u00e9 perceber que o livre compartilhamento veio para ficar, porque ele \u00e9 a realiza\u00e7\u00e3o de um ideal de busca do conhecimento e de comunh\u00e3o cultural que sempre esteve na base dos grandes momentos de afirma\u00e7\u00e3o de nossa humanidade. Estamos diante de uma nova Renascen\u00e7a, de um novo Iluminismo \u2013 nada menos do que isso<\/strong>. Pouco me importa que esse livre compartilhamento ajude ou prejudique as vendagens de meus livros ou de qualquer livro. Pouco deveria importar tamb\u00e9m aos autores conscientes de sua fun\u00e7\u00e3o no mundo, aqueles que sabem, como bem disse o cineasta\u00a0Jean-Luc Godard, que um autor n\u00e3o tem direitos: tem deveres.<\/p>\n<\/blockquote>\n

Idelber Avelar, em seu blog na Revista F\u00f3rum<\/a>:<\/p>\n

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A cole\u00e7\u00e3o de leituras de um verdadeiro leitor n\u00e3o \u00e9 nunca um jogo de soma zero: compras, c\u00f3pias impressas, empr\u00e9stimos e c\u00f3pias digitais coexistem e se refor\u00e7am. Mas os patrimonialistas dos direitos autorais, cuja atua\u00e7\u00e3o n\u00e3o sup\u00f5e a defesa dos autores, e sim a preserva\u00e7\u00e3o de monop\u00f3lios de intermedi\u00e1rios, querem nos impor uma ordem de coisas dentro da qual fazer c\u00f3pia de um livro \u00e9 crime, xerocar um cap\u00edtulo \u00e9 crime, digitalizar um romance \u00e9 crime.\u00a0Se \u00e9 assim, que fique claro:\u00a0todos n\u00f3s, leitores, somos criminosos<\/em>. N\u00e3o h\u00e1 um \u00fanico que n\u00e3o seja.<\/p>\n<\/blockquote>\n

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Por fim, um texto coletivo escrito pelos apoiadores e publicado no Caderno Prosa e Verso de O Globo<\/a> do \u00faltimo s\u00e1bado, 2 de junho, \u00e9 um poss\u00edvel resumo argumentativo do porqu\u00ea n\u00f3s, defensores da cultura livre, somos contr\u00e1rios aos arroubos patrimonialistas de uma Ind\u00fastria da Cultura que n\u00e3o quer se adaptar aos tempos atuais.<\/div>\n
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Em defesa de uma biblioteca virtual\u00a0<\/strong><\/div>\n
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Alexandre Nodari, Eduardo Sterzi, Eduardo Viveiros de Castro, Idelber Avelar, Pablo Ortellado, Ricardo L\u00edsias e Veronica Stigger<\/em><\/p>\n

A liberdade de express\u00e3o moderna \u00e9 indissoci\u00e1vel da inven\u00e7\u00e3o da imprensa, ou seja, da possibilidade de reproduzir mecanicamente discursos e imagens, fazendo-os circular e durar para al\u00e9m daquele que os concebeu. A pr\u00f3pria forma\u00e7\u00e3o da esfera p\u00fablica, bem como do ambiente de debate cient\u00edfico e universit\u00e1rio, est\u00e1 umbilicalmente conectada \u00e0 generaliza\u00e7\u00e3o do acesso aos bens culturais. Sem a dissemina\u00e7\u00e3o da diversidade e do confronto de opini\u00f5es e de teorias, a liberdade de express\u00e3o perde seu sopro vital e se torna mero di\u00e1logo de surdos, quando n\u00e3o mon\u00f3logo dos poderosos.<\/p>\n

A internet eleva ao m\u00e1ximo o potencial democr\u00e1tico da circula\u00e7\u00e3o do pensamento. E coloca, no centro do debate contempor\u00e2neo, o conflito entre uma vis\u00e3o formal-patrimonialista e outra material-comunit\u00e1ria da liberdade de express\u00e3o. Tal cis\u00e3o, bem real, pareceria manifestar-se no conflito entre direitos autorais e direito de acesso. Estes n\u00e3o s\u00e3o, por\u00e9m, necessariamente antag\u00f4nicos, pois o prest\u00edgio moral e econ\u00f4mico de um autor ou de uma obra est\u00e1, em \u00faltima an\u00e1lise, ligado \u00e0 sua visibilidade. S\u00e3o incont\u00e1veis os exemplos de escritores e editoras que n\u00e3o s\u00f3 se tornaram mais conhecidos, como tiveram um incremento na venda de suas obras depois que estas apareceram para download. O p\u00fablico que baixa livros \u00e9 o mesmo que os compra.<\/p>\n

Assim, o verdadeiro conflito n\u00e3o \u00e9 entre propriet\u00e1rios e piratas, mas entre monopolistas e difusionistas. A concep\u00e7\u00e3o monopolista-formal dos direitos autorais est\u00e1 embasada na ideia de que aquilo que confere valor \u00e0 obra \u00e9 a sua raridade, o seu dif\u00edcil acesso; j\u00e1 a difusionista-democr\u00e1tica se ampara na inseparabilidade de publicidade e valor. A internet favorece a segunda concep\u00e7\u00e3o, uma vez que a exist\u00eancia f\u00edsica do objeto cultural que sustentava a primeira vai sendo substitu\u00edda por sua transforma\u00e7\u00e3o em entidade puramente informacional. Desse modo, tamb\u00e9m se produz uma transforma\u00e7\u00e3o da natureza das bibliotecas. As novas bibliotecas virtuais se baseiam no armazenamento e na dissemina\u00e7\u00e3o tais como as antigas bibliotecas materiais, mas oferecem uma mudan\u00e7a decisiva porque a estocagem depende da distribui\u00e7\u00e3o e n\u00e3o o contr\u00e1rio: \u00e9 a difus\u00e3o que garante o armazenamento descentralizado dos arquivos.<\/p>\n

\u00c9 uma biblioteca sem fins lucrativos e constru\u00edda nesses moldes modernos e democr\u00e1ticos que se acha sob amea\u00e7a devido ao processo movido pela Associa\u00e7\u00e3o Brasileira de Direitos Reprogr\u00e1ficos (ABDR), sob o pretexto de infringir direitos autorais. O alto pre\u00e7o dos livros, o desaparelhamento das bibliotecas p\u00fablicas e o encarecimento do xerox levaram um estudante universit\u00e1rio a disponibilizar online textos esgotados ou de dif\u00edcil acesso para seus colegas. A iniciativa cresceu, atraiu a aten\u00e7\u00e3o de estudantes e professores de todo o pa\u00eds e se tornou a mais conhecida biblioteca virtual brasileira de textos acad\u00eamicos, ganhando prest\u00edgio compar\u00e1vel ao site \u201cDerrida en castellano\u201d, que sofreu processo semelhante e foi absolvido nas cortes argentinas, como esperamos que o \u201clivrosdehumanas.org\u201d o ser\u00e1 pela Justi\u00e7a brasileira.<\/p>\n

Os defensores da concep\u00e7\u00e3o patrimonialista dos direitos autorais costumam pintar cen\u00e1rios catastr\u00f3ficos em que a circula\u00e7\u00e3o irrestrita de obras gera esterilidade criativa. No entanto, ignoram, ou fingem ignorar, que os textos nascem sempre de outros textos e que o autor \u00e9, antes de tudo, um leitor. Hoje, lamentamos a destrui\u00e7\u00e3o das grandes bibliotecas do passado, como a de Alexandria, e das riquezas que elas protegiam. Poupemo-nos de chorar um dia pela aniquila\u00e7\u00e3o das bibliotecas virtuais e pela cultura que elas podiam ter gerado.<\/p>\n

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Atualiza\u00e7\u00e3o 5\/6<\/strong>:<\/p>\n

O professor\u00a0Jos\u00e9 Luiz Fiorin, autor de um dos livros da Editora Conxtexto que estavam na lista dos livros “pirateados” pelo site, \u00a0informou a interlocutores do movimento em defesa do site Livros de Humanas que n\u00e3o sabia que ele e seu livro eram citados\u00a0na documenta\u00e7\u00e3o reunida\u00a0pela Associa\u00e7\u00e3o Brasileira de Direitos Reprogr\u00e1ficos-ABDR.<\/p>\n

Fiorin disse que n\u00e3o autorizou nenhuma a\u00e7\u00e3o jur\u00eddica em seu nome\u00a0nem de seus livros. E\u00a0 tamb\u00e9m afirmou ser\u00a0contr\u00e1rio \u00e0 a\u00e7\u00e3o da ABDR e a qualquer iniciativa que perturbe a difus\u00e3o do conhecimento.<\/p>\n

P.s: A prop\u00f3sito, aqui<\/a> tem o acervo do Livros de Humanas no Pirate Bay, via torrent.<\/em><\/p>\n

Cr\u00e9dito imagem: captura de sites e aqui<\/a> (foto de abertura do post).<\/address>\n<\/div>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

A esta altura, quem acompanha este blog no Twitter e no Facebok j\u00e1 est\u00e1 sabendo do fechamento do site do Livros de Humanas, biblioteca digital que mantinha um rico acervo dedicado \u00e0s ci\u00eancias humanas (lingu\u00edstica, literatura e filosofia, principalmente). J\u00e1 sabe tamb\u00e9m que um grupo cada vez maior de pessoas (professores, escritores, estudantes) est\u00e1 manifestando […]<\/p>\n","protected":false},"author":2,"featured_media":7616,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":[],"categories":[1199,122],"tags":[454,1649,121,1650,147,741,163,1651,1652,434,794,266,1178,995,1653,1654,623,1283,691,1655,1656,1657,595,568,1658,1299,695],"post_folder":[],"jetpack_featured_media_url":"","_links":{"self":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/6667"}],"collection":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/users\/2"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=6667"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/6667\/revisions"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=6667"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=6667"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=6667"},{"taxonomy":"post_folder","embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/post_folder?post=6667"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}