{"id":6645,"date":"2012-05-21T11:09:48","date_gmt":"2012-05-21T11:09:48","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=6645"},"modified":"2012-05-21T11:09:48","modified_gmt":"2012-05-21T11:09:48","slug":"metareciclagem-e-o-cyberpunk-de-chinelos","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2012\/05\/21\/metareciclagem-e-o-cyberpunk-de-chinelos\/","title":{"rendered":"Metareciclagem e o cyberpunk de chinelos"},"content":{"rendered":"

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Em meados de fevereiro, num calor de exigir chinelos, bermudas e camisetas, conversei com Felipe Fonseca, mais conhecido nas redes por Efefe<\/a>, na sala de conviv\u00eancia da Casa da Cultura Digital. A entrevista durou cerca de duas horas e versou principalmente sobre a Rede Metareciclagem<\/a>, que, sucintamente, pode ser definida como “uma rede auto-organizada que prop\u00f5e a desconstru\u00e7\u00e3o da tecnologia para a transforma\u00e7\u00e3o social”.<\/p>\n

\u00c9, ao lado da Transpar\u00eancia Hacker<\/a>, do Fora do Eixo<\/a> e dos Pontos de Cultura<\/a>, uma das principais redes ligadas a cultura digital no Brasil. Iniciou em 2002<\/a>, em S\u00e3o Paulo, tendo o foco em a\u00e7\u00f5es de apropria\u00e7\u00e3o de tecnologia de maneira descentralizada e aberta – n\u00e3o apenas “reciclar computadores”, como inicialmente se fazia e pensava, mas para promover a\u00a0<\/em>desconstru\u00e7\u00e3o e apropria\u00e7\u00e3o de tecnologias de todas as ordens e origens.<\/p>\n

Depois de ganhar pr\u00eamios de M\u00eddia e Software Livre e men\u00e7\u00f5es honrosas no Prix Ars Electronica (2006), hoje a comunidade conta com algumas dezenas (centenas?) de pessoas, espalhadas por todo os cantos do Brasil, que mant\u00e9m uma lista de email constantemente atualizada com milhares de coisas que possam se conectar (ou n\u00e3o) com o assunto tecnologia, cultura digital e gambiarras diversas. [Neste v\u00eddeo do projeto Retalhos<\/a>, Felipe fala um pouco mais da rede<\/em>].<\/p>\n

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Gravei toda a entrevista em \u00e1udio, que, a pretexto de falar da Metareciclagem, circundou por assuntos como os laborat\u00f3rios de cultura digital experimental – ele foi um dos curadores do laborat\u00f3rio experimental do Festival CulturaDigital.br<\/a>\u00a0(foto acima)\u00a0– , a redelabs<\/a>, o evento M\u00eddia T\u00e1tica 2003 (da qual falamos bastante por aqui<\/a>), a estada de Fonseca em Barcelona, Porto Alegre (sua terra natal), Ubatuba (e o Ubalab<\/a>) e outros assuntos que dizem respeito a este inquieto pesquisador.<\/p>\n

Felipe agora est\u00e1 no mestrado no Labjor<\/a> na Unicamp e tenta trazer suas pesquisas independentes para dentro da estrutura r\u00edgida da academia. Uma das iniciativas que ele est\u00e1 envolvido nessa seara \u00e9 a\u00a0parceria da Metareciclagem na organiza\u00e7\u00e3o da Confer\u00eancia Internacional em Gest\u00e3o Ambiental Colaborativa – o Cigac, a se realizar no interior da para\u00edba em junho<\/a>\u00a0(na imagem abaixo).<\/p>\n

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Ainda tou devendo transcrever a entrevista inteira. Mas o fato que me fez lembrar dessa entrevista foi que no pr\u00f3ximo final de semana a Metareciclagem faz um\u00a0Encontr\u00e3o Hipertropical<\/a>\u00a0em Ubatuba, litoral de S\u00e3o Paulo, de 25 a 27 de maio. Os Encontr\u00f5es de MetaReciclagem, como\u00a0explica Felipe<\/a>, “s\u00e3o principalmente momentos de reconhecimento da rede – as boas-vindas aos novos integrantes, a atualiza\u00e7\u00e3o sobre os diversos projetos em que estamos envolvidos, a realimenta\u00e7\u00e3o e reinven\u00e7\u00e3o dos nossos mitos fundadores e mantenedores”.<\/p>\n

Eles est\u00e3o a cata de grana para bancar esse encontro – que \u00e9 feito de forma totalmente independente – e, para isso, fizeram uma “vaquinha” para tentar viabilizar algumas presen\u00e7as em Ubatuba – voc\u00ea pode ajudar com qualquer quantia, via PagSeguro e PayPal (mais informa\u00e7\u00f5es sobre como doar<\/a>).<\/p>\n

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A metareciclagem<\/p><\/div>\n

Enquanto a transcri\u00e7\u00e3o da entrevista n\u00e3o sai, resolvi republicar um texto de Efe que diz muito de suas pesquisas e a\u00e7\u00f5es dentro da metareciclagem e fora dela: Cyberpunk de chinelos<\/strong>.<\/p>\n

A come\u00e7ar pela bela sacada do t\u00edtulo, que descontr\u00f3i e “abrasileira” a imagem que acostumamos a ver relacionada ao “cyberpunk” das fic\u00e7\u00f5es cient\u00edficas, o texto trata da onipresen\u00e7a da tecnologia na vida global, passando pelo papel da arte em puxar a experimenta\u00e7\u00e3o com as novas tecnologias digitais e destacando uma ideia que s\u00f3 se atualiza de alguns anos pra c\u00e1: “o\u00a0Brasil n\u00e3o vai virar uma Europa, como o mais prov\u00e1vel \u00e9 que o\u00a0mundo inteiro esteja se tornando um Brasil<\/a>\u00a0– simultaneamente desenvolvido, hiperconectado e prec\u00e1rio<\/em>“.<\/p>\n

O texto \u00e9 o que abre o primeiro livro de Efe, Laborat\u00f3rios do P\u00f3s-Digital<\/strong>, lan\u00e7ado em 2011, uma colet\u00e2nea de artigos escritos entre 2008 e 2010 que pode ser baixado, comprado e acessado de diversas maneiras<\/a>\u00a0– e que merece uma leitura atenta de todos que se interessam pelos assuntos abordados neste texto que encerra aqui.<\/p>\n

[Leonardo Foletto]<\/em><\/p>\n

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Cyberpunk de Chinelos\u00a0<\/strong><\/p>\n

Felipe Fonseca (Fonte: Laborat\u00f3rio de P\u00f3s-Digital<\/a>)<\/p>\n

O mundo virou\u00a0<\/span>cyberpunk<\/a>. Cada vez mais as pessoas fazem uso de dispositivos eletr\u00f4nicos de registro e acesso \u00e0s redes – c\u00e2meras, impressoras, computadores, celulares – e os utilizam para falar com parentes distantes, para trabalhar fora do escrit\u00f3rio, para pesquisar a receita culin\u00e1ria exc\u00eantrica da semana ou a balada do pr\u00f3ximo s\u00e1bado. Telefones com GPS mudam a rela\u00e7\u00e3o das pessoas com as ideias de localidade e espa\u00e7o. M\u00faltiplas infra-estruturas de rede est\u00e3o dispon\u00edveis em cada vez mais localidades. Essa acelera\u00e7\u00e3o tecnol\u00f3gica n\u00e3o resolveu uma s\u00e9rie de quest\u00f5es: conflito \u00e9tnico\/cultural e tens\u00e3o social, risco de colapso ambiental e lixo por todo lugar, precariedade em v\u00e1rios aspectos da vida cotidiana, medo e inseguran\u00e7a em toda parte. Mas ainda assim embute um grande potencial de transforma\u00e7\u00e3o.<\/span><\/p>\n

O rumo da evolu\u00e7\u00e3o da tecnologia de consumo at\u00e9 h\u00e1 alguns anos era \u00f3bvio – criar mercados, extrair o m\u00e1ximo poss\u00edvel de lucro e manter um ritmo auto-suficiente de crescimento a partir da explora\u00e7\u00e3o de inova\u00e7\u00e3o incremental, gerando mais demanda por produ\u00e7\u00e3o e consumo. Em determinado momento, a mistura de competi\u00e7\u00e3o e gan\u00e2ncia causou um desequil\u00edbrio nessa equa\u00e7\u00e3o, e hoje existem possibilidades tecnol\u00f3gicas que podem ser usadas para a busca de autonomia, liberta\u00e7\u00e3o e auto-organiza\u00e7\u00e3o – n\u00e3o por causa da ind\u00fastria, mas pelo contr\u00e1rio, apesar dos interesses dela. As ruas acham seus pr\u00f3prios usos para as coisas, parafraseando\u00a0William Gibson<\/a>. Em algum sentido obscuro, as corpora\u00e7\u00f5es de tecnologia se demonstraram muito mais in\u00e1beis do que sua contrapartida ficcional: perderam o controle que um dia imaginaram exercer.<\/p>\n

O tipo de pensamento que deu subst\u00e2ncia ao movimento do software livre possibilitou que os prop\u00f3sitos dos fabricantes de diferentes dispositivos fossem desviados – roteadores de internet sem fio que viram servidores vers\u00e1teis, computadores recondicionados que podem ser utilizados como terminais leves para montar redes, telefones celulares com wi-fi que permitem fazer liga\u00e7\u00f5es sem precisar usar os servi\u00e7os da operadora. Um mundo com menos intermedi\u00e1rios, ou pelo menos um mundo com intermedi\u00e1rios mais inteligentes – como os sistemas colaborativos emergentes de mapeamento de tend\u00eancias baseados na abstra\u00e7\u00e3o estat\u00edstica da cauda longa.<\/p>\n

Por outro lado, existe tamb\u00e9m a rea\u00e7\u00e3o. Governos de todo o mundo – desde os pa\u00edses obviamente autorit\u00e1rios como o Ir\u00e3 at\u00e9 algumas surpresas como a Fran\u00e7a – t\u00eam tentado restringir e censurar as redes informacionais. O espectro do grande irm\u00e3o, do controle total, continua nos rondando, e se refor\u00e7a com a sensa\u00e7\u00e3o de inseguran\u00e7a estimulada pela grande m\u00eddia – a quem tamb\u00e9m interessa que as redes n\u00e3o sejam assim t\u00e3o livres.<\/p>\n

Nesse contexto, qual o papel da arte? Em especial no Brasil, qual vem a ser o papel da arte que supostamente deveria dialogar com as tecnologias – arte eletr\u00f4nica, digital, em “novas” m\u00eddias? V\u00eaem-se artistas reclamando e demandando espa\u00e7o, consolida\u00e7\u00e3o funcional e formal, reconhecimento, infra-estrutura, forma\u00e7\u00e3o de p\u00fablico. S\u00e3o demandas justas, mas nem chegam a passar perto de uma quest\u00e3o um pouco mais ampla – qual o papel dessa arte na sociedade? Essa “nova” classe art\u00edstica tem alguma no\u00e7\u00e3o de qual \u00e9 a sociedade com a qual se relaciona?<\/p>\n

\u00c9 recorrente uma certa proje\u00e7\u00e3o dos circuitos europeus de arte em novas m\u00eddias, como se quisessem transpor esses cen\u00e1rios para c\u00e1. N\u00e3o levam em conta que todos esses circuitos foram constru\u00eddos a partir do di\u00e1logo entre arte e os anseios, interesses e desejos de uma parte da popula\u00e7\u00e3o que \u00e9 expressiva tanto em termos simb\u00f3licos como quantitativos. Se formos nos ater \u00e0 defini\u00e7\u00e3o objetiva, o Brasil n\u00e3o tem uma “classe m\u00e9dia” como a europeia. O que geralmente identificamos com esse nome n\u00e3o tem tamanho para ser m\u00e9dia. Aquela que seria a classe m\u00e9dia em termos estat\u00edsticos n\u00e3o tem o mesmo acesso a educa\u00e7\u00e3o e forma\u00e7\u00e3o. \u00c9 paradoxal que a “classe art\u00edstica” demande que as institui\u00e7\u00f5es e governo invistam em forma\u00e7\u00e3o de audi\u00eancia, mas se posicione como alheia a essa forma\u00e7\u00e3o, como se s\u00f3 pudesse se desenvolver no dia em que a “nova classe m\u00e9dia” for suficientemente educada para conseguir entender a arte, e suficientemente pr\u00f3spera para consumi-la.<\/p>\n

Muita gente n\u00e3o entendeu que n\u00e3o s\u00f3 o Brasil n\u00e3o vai virar uma Europa, como o mais prov\u00e1vel \u00e9 que o\u00a0mundo inteiro esteja se tornando um Brasil<\/a>\u00a0– simultaneamente desenvolvido, hiperconectado e prec\u00e1rio. N\u00e3o entendeu que o Brasil \u00e9 uma na\u00e7\u00e3o\u00a0cyberpunk de chinelos<\/em>: passamos mais tempo online do que as pessoas de qualquer outro pa\u00eds; desenvolvemos uma grande habilidade no uso de ferramentas sociais online; temos computadores em doze presta\u00e7\u00f5es no hipermercado, lanhouses em cada esquina e celulares com bluetooth a pre\u00e7os acess\u00edveis, o que transforma fundamentalmente o cotidiano de uma grande parcela da popula\u00e7\u00e3o – a tal “nova classe m\u00e9dia”. Grande parte dessas pessoas n\u00e3o tem um vasto repert\u00f3rio intelectual no sentido tradicional, mas (ou justamente por isso) em n\u00edvel de apropria\u00e7\u00e3o concreta de novas tecnologias est\u00e3o muito \u00e0 frente da elite “letrada”.<\/p>\n

Para desenvolver ao m\u00e1ximo o potencial que essa habilidade espont\u00e2nea de apropria\u00e7\u00e3o de tecnologias oferece, precisamos de subs\u00eddios para desenvolver consci\u00eancia cr\u00edtica. Para isso, o mundo da arte pode oferecer sua capacidade de abrang\u00eancia conceitual, questionamento e s\u00edntese. Vendo dessa forma, as pessoas precisam da arte. Mas a arte precisa saber (e querer) responder \u00e0 altura. Precisa estar disposta a sujar os p\u00e9s, misturar-se, sentir cheiro de gente e construir di\u00e1logo. Ensinar e aprender ao mesmo tempo. Ser\u00e1 que algu\u00e9m ainda acredita nessas coisas simples e fundamentais?<\/p>\n<\/blockquote>\n

Cr\u00e9ditos fotos: Alosyio Araripe<\/a>\u00a0e Bruno Fernandes<\/a>.<\/address>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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