{"id":6453,"date":"2012-04-10T10:04:14","date_gmt":"2012-04-10T10:04:14","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=6453"},"modified":"2012-04-10T10:04:14","modified_gmt":"2012-04-10T10:04:14","slug":"notas-sobre-o-futuro-da-musica-5-pagamento-voluntario","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2012\/04\/10\/notas-sobre-o-futuro-da-musica-5-pagamento-voluntario\/","title":{"rendered":"Notas sobre o futuro da m\u00fasica (5): pagamento volunt\u00e1rio"},"content":{"rendered":"

\"\"<\/a><\/p>\n

O conhecimento acumulado como professor em Harvard e palestrante ass\u00edduo sobre os efeitos na economia e no mercado de uma “nova” esfera p\u00fablica interconectada permite Yochai Benkler<\/a> fazer exemplares\u00a0an\u00e1lises de muitas coisas decorrentes e\/ou inseridas nestes temas.<\/p>\n

\u00c9 o caso, por exemplo, dos modelos de neg\u00f3cio da m\u00fasica em tempos de internet, tema de um artigo de 2009 que foi traduzido para a Revista Audit\u00f3rio n\u00ba1<\/a>, publicado pelo seu\u00a0Centro de Estudos<\/a>, em S\u00e3o Paulo.<\/p>\n

O texto se chama “Modelos de Pagamento Volunt\u00e1rio<\/strong>“. Nesta 5\u00ba edi\u00e7\u00e3o da s\u00e9rie Notas Sobre o Futuro da M\u00fasica<\/a>, comentamos & reproduzimos trechos do artigo de Benkler, que tem poderosos insights para todos interessados em entender um pouco mais o cen\u00e1rio do neg\u00f3cio da m\u00fasica hoje. O texto original em ingl\u00eas t\u00e1 aqui<\/a>.<\/p>\n

Benkler come\u00e7a o artigo citando, nos primeiros par\u00e1grafos, os dois exemplos de pagamentos volunt\u00e1rios mais proeminentes da ind\u00fastria musical dos \u00faltimos anos: o caso pague-quanto-quiser de “In Rainbows”<\/a> (2007), do Radiohead, e o\u00a0“Ghosts I-IV”, de Trent Reznor, do Nine Inch Nails<\/a>\u00a0– disco (capa logo abaixo) de 2008 distribu\u00eddo de gra\u00e7a, em vers\u00f5es mais simples, e (bem) pago \u00a0em edi\u00e7\u00f5es deluxe, o que rendeu ao total mais de 1,6 milh\u00e3o de d\u00f3lares.<\/p>\n

Reznor e o Radiohead tiraram vantagens de dois fatos, segundo Benkler:<\/p>\n

_<\/strong>\u00a0Os m\u00fasicos sempre receberam uma fra\u00e7\u00e3o min\u00fascula\u00a0das rendas geradas pelas vendas de c\u00f3pias de sua m\u00fasica. Assim, n\u00e3o \u00e9\u00a0preciso de muito para que um artista ganhe com downloads o mesmo que\u00a0ganhava com os direitos sobre as vendas de seus CDs.<\/p>\n

_\u00a0<\/strong>As pessoas se importam muito mais com os artistas e com as m\u00fasicas que elas\u00a0amam do que com o taxista que as leva ao aeroporto, ou com o gar\u00e7om\u00a0que lhes serve o jantar, mesmo que seja um jantar sofisticado. E mesmo\u00a0que saibamos que o pagamento volunt\u00e1rio, nesse caso a gorjeta, \u00e9 parte\u00a0relevante da renda dos taxistas e gar\u00e7ons, achamos ao mesmo tempo\u00a0rid\u00edculo pensar nessas gorjetas, ou pagamentos volunt\u00e1rios, como parte\u00a0da renda de artistas que podem contar com elas para sobreviver.<\/p>\n

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“Ghosts I-IV”, \u00e1lbum do Nine Inch Nails lan\u00e7ado em v\u00e1rios formatos<\/p><\/div>\n

A partir dessas constata\u00e7\u00f5es, Benkler constr\u00f3i sua argumenta\u00e7\u00e3o sobre os modelos volunt\u00e1rios de pagamentos na m\u00fasica em 6 t\u00f3picos – comentados, reproduzidos e reduzidos a 3, para n\u00e3o alongar demais o texto, a seguir:<\/p>\n

1) F\u00e3s pagam mais quando n\u00e3o s\u00e3o obrigados a pagar<\/strong><\/p>\n

O artigo cita\u00a0um estudo de 2010<\/a>\u00a0(de mais de 60 p\u00e1ginas, em que o pr\u00f3prio autor participou) que analisa ganhos de tr\u00eas artistas n\u00e3o muito conhecidos dos Estados Unidos para construir uma afirma\u00e7\u00e3o: a de que a estrat\u00e9gia melhor sucedida \u00e9\u00a0tornar a m\u00fasica acess\u00edvel para download em um formato de alta qualidade, sem medidas de\u00a0prote\u00e7\u00e3o tecnol\u00f3gica, e com op\u00e7\u00f5es de pagamento que v\u00e3o de \u201cgratuito\u201d\u00a0a \u201cpagamento m\u00ednimo de x, ou mais<\/strong>.<\/p>\n

O modelo usado por Reznor do Nine Inch Nails ilustra esse caso. Ele\u00a0incluia: (a)<\/em> streaming gratuito da\u00a0m\u00fasica; (b)<\/em> download gratuito de parte das faixas (no caso de Ghosts I-IV,\u00a0um quarto de cada uma), sem pagamento m\u00ednimo; (c)<\/em> um download completo por 5 d\u00f3lares, um CD por 10 d\u00f3lares; (d)<\/em> uma edi\u00e7\u00e3o de luxo por 75\u00a0d\u00f3lares; e uma edi\u00e7\u00e3o ultraluxuosa limitada e esgotada por 300 d\u00f3lares.<\/p>\n

Jonathan Coulton, o que se saiu melhor entre os tr\u00eas artistas citados no estudo, deixou sua m\u00fasica acess\u00edvel em diversos formatos\u00a0e n\u00edveis de qualidade a um pre\u00e7o de 1 d\u00f3lar por faixa; algumas est\u00e3o dispon\u00edveis gratuitamente. Ele vendia tamb\u00e9m um dispositivo USB com\u00a0uma anima\u00e7\u00e3o e v\u00e1rios \u00e1lbuns por 50 d\u00f3lares.<\/p>\n

Assim explica Benkler: “A estrutura geral do sistema de pagamento\u00a0volunt\u00e1rio, portanto, apoia-se na pr\u00e1tica de\u00a0evitar\u00a0a obrigatoriedade estrita de pagamento<\/strong>. Primeiro,\u00a0a m\u00fasica se torna acess\u00edvel em formatos utiliz\u00e1veis e f\u00e1ceis de fazer download. Segundo, o sistema\u00a0de pagamento ou \u00e9 inteiramente volunt\u00e1rio, ou\u00a0conta com mecanismos que garantem que a defini\u00e7\u00e3o do pre\u00e7o seja razoavelmente volunt\u00e1ria<\/em>“.<\/p>\n

2) Comunica\u00e7\u00e3o com\/entre os f\u00e3s: construindo uma comunidade<\/strong><\/p>\n

\"\"<\/a>

nin.com, exemplo de site interativo f\u00e3s-artista<\/p><\/div>\n

\u00c9 importante reconhecer, ressalta o texto, “que n\u00e3o se trata simplesmente de lan\u00e7ar um site\u00a0est\u00e1tico com uma op\u00e7\u00e3o de pagamento<\/em>“. \u00c9 necess\u00e1rio a constru\u00e7\u00e3o de uma comunidade, um envolvimento mais abrangente que estabele\u00e7a uma rela\u00e7\u00e3o de confian\u00e7a e reciprocidade entre os artistas e seus f\u00e3s.<\/p>\n

Coulton e Reznor, por exemplo, tem sites com diversas possibilidades de intera\u00e7\u00e3o – que v\u00e3o desde contas espec\u00edficas no twitter e facebook a blogs estilo “di\u00e1rio de bordo”, f\u00f3runs para contato direto entre os f\u00e3s (mediante registro gratuito, no caso do site do NIN<\/a>) e at\u00e9 um espa\u00e7o wiki, no caso do site de Coulton<\/a>.<\/p>\n

Benkler cita no artigo um outro exemplo criativo de intera\u00e7\u00e3o, que \u00e9 a experi\u00eancia da cantora e compositora brit\u00e2nica Imogene Heap com o projeto Heapsong<\/a>.\u00a0Heap convida f\u00e3s para fazerem uploads de \u00e1udio, sugest\u00f5es de letras,\u00a0fotos e v\u00eddeos para que ela use e incorpore em um novo projeto de \u00e1lbum\u00a0a cada tr\u00eas anos – uma intensifica\u00e7\u00e3o da experi\u00eancia de pedir aos f\u00e3s para \u00a0remixarem e criarem um v\u00eddeo das m\u00fasicas, algo que o NIN e o Coulton costumam fazer.<\/p>\n

No Brasil, um m\u00fasico que usa desses tipo de estrat\u00e9gias \u00e9 Leoni<\/a>. Um dos principais cr\u00edticos do famigerado ECAD, o violonista e compositor ex-Kid Abelha lan\u00e7ou recentemente a 4\u00ba edi\u00e7\u00e3o de um concurso de composi\u00e7\u00e3o<\/a>, em que estimula os usu\u00e1rios a produzirem letras para melodias suas.<\/p>\n

O concorrente grava um v\u00eddeo no YouTube com a sua letra para a m\u00fasica (com ele ou outro int\u00e9rprete cantando) e passa por uma s\u00e9rie de eliminat\u00f3rias, escolhidas por voto popular, at\u00e9 as finais, escolhidas por\u00a0um juri art\u00edstico. [Veja o regulamento completo<\/a>].<\/p>\n

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Leoni, um exemplo brasileiro de intera\u00e7\u00e3o efetiva com os f\u00e3s<\/p><\/div>\n

3)\u00a0<\/strong>Desencadeando uma din\u00e2mica de reciprocidade<\/strong><\/p>\n

<\/strong>A \u00faltima constata\u00e7\u00e3o de Benkler antes da conclus\u00e3o parece \u00f3bvia, mas as vezes n\u00e3o \u00e9. \u00c9 preciso criar um ambiente colaborativo em que haja reciprocidade e sinceridade na rela\u00e7\u00e3o artista-f\u00e3.<\/p>\n

Diz o texto: “Pesquisas importantes de ci\u00eancia do comportamento sugerem que a maior parte da\u00a0popula\u00e7\u00e3o reage \u00e0 confian\u00e7a com confian\u00e7a, e \u00e0 generosidade com gene\u00a0rosidade. A cria\u00e7\u00e3o de comunidades envolvidas e atuantes, a tomada\u00a0de risco pr\u00e1tica por confiar nos usu\u00e1rios e o reconhecimento p\u00fablico\u00a0do valor do trabalho dos f\u00e3s na cria\u00e7\u00e3o da experi\u00eancia da m\u00fasica com o\u00a0artista, tudo isso presumivelmente, segundo modelos sociais, tem como\u00a0resultado a coopera\u00e7\u00e3o<\/em>.<\/p>\n

Para construir essa reciprocidade, \u00e9 necess\u00e1rio substituir o moralismo (do tipo “se voc\u00ea baixar minha m\u00fasica de gr\u00e1tis, vai ser preso!”) por uma \u00e9tica de respeito m\u00fatuo entre os envolvidos. A loja de MP3 de Coulton, por exemplo, apresenta\u00a0explicitamente uma chamada: \u201cJ\u00e1 roubou? Sem problemas. Se voc\u00ea quiser\u00a0doar algum dinheiro, voc\u00ea pode faz\u00ea-lo atrav\u00e9s da Amazon ou do Paypal.\u00a0Ou, para algo ligeiramente mais divertido, compre um rob\u00f4, um macaco\u00a0ou uma banana, que aparecer\u00e3o aqui com a sua mensagem<\/strong>.\u201d<\/p>\n

\"\"<\/a>

O site de Jonathan Coulton tem at\u00e9 uma wiki.<\/p><\/div>\n

Benkler conclui com uma ressalva aos apressadinhos na busca de adotar qualquer caminho:<\/p>\n

Ainda que essas experi\u00eancias sejam praticamente\u00a0novas, as evid\u00eancias sistem\u00e1ticas, ainda que incipientes, sugerem que esses sistemas d\u00e3o margem\u00a0a n\u00edveis relevantes de doa\u00e7\u00e3o ou contribui\u00e7\u00e3o. N\u00e3o\u00a0ser\u00e3o o bastante para enriquecer um artista, como\u00a0<\/strong>tampouco o sistema baseado nas vendas de CDs\u00a0enriqueceu<\/strong>. Mas esses sistemas tampouco empobrecer\u00e3o o artista de sucesso, como sugerem as\u00a0rea\u00e7\u00f5es usuais da ind\u00fastria fonogr\u00e1fica ao tema nesses \u00faltimos 15 anos<\/strong>. Antes, tais sistemas parecem\u00a0oferecer um importante componente na estrat\u00e9gia\u00a0geral de que os artistas podem se valer para sobre\u00a0viver fazendo a m\u00fasica que mais amam fazer.<\/span><\/p>\n

Mais do que “a” sa\u00edda, os pagamentos volunt\u00e1rios (seja para downloads on-line ou para edi\u00e7\u00f5es especiais, f\u00edsicas e outros produtos exclusivos) parecem abrir\u00a0uma importante avenida para os artistas que buscam tentar sobreviver\u00a0e prosseguir em seu trabalho<\/em>.<\/p>\n

\"\"<\/a>

Adeus, artista intoc\u00e1vel<\/p><\/div>\n

Outra conclus\u00e3o tamb\u00e9m \u00e9 poss\u00edvel: artista “intoc\u00e1vel” que n\u00e3o quer interagir com seus f\u00e3s, seu tempo acabou<\/strong>. N\u00e3o h\u00e1 mais dinheiro na ind\u00fastria para “proteger” e encher de mimos o artista, fazendo com que este viva numa realidade paralela dos “pobres mortais f\u00e3s”.<\/p>\n

\u00c9 claro que este tipo de atitude, que se perpetuou durante boa parte do tempo de 1960 pra c\u00e1, ainda se d\u00e1 hoje em alguns casos, especialmente naqueles que ainda s\u00e3o bancados pelos \u00faltimos d\u00f3lares da Ind\u00fastria Musical. Mas \u00e9 f\u00e1cil prever que isso tende a acabar pelo simples fato de que h\u00e1 MUITOS mais canais de contato f\u00e3-artista – e cada vez mais \u00e9 dif\u00edcil fugir de todos eles.<\/p>\n

Como Benkler encerra o artigo: o\u00a0desenho da intera\u00e7\u00e3o hoje exige\u00a0elementos projetados para obter uma din\u00e2mica de reciprocidade, ao\u00a0inv\u00e9s do antagonismo que o sistema tradicional, transposto ao ambiente\u00a0de rede digital, tende a criar<\/em>.<\/p>\n

Cr\u00e9ditos: 1 (Benkler<\/a>), 2 (Ghosts<\/a>) 4 (Leoni; Renan Braga<\/a>) 6 (O Artista<\/a>).<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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