{"id":6395,"date":"2012-03-02T18:39:16","date_gmt":"2012-03-02T18:39:16","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=6395"},"modified":"2012-03-02T18:39:16","modified_gmt":"2012-03-02T18:39:16","slug":"o-falso-problema-da-escrita-nao-criativa","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2012\/03\/02\/o-falso-problema-da-escrita-nao-criativa\/","title":{"rendered":"O falso problema da escrita n\u00e3o-criativa"},"content":{"rendered":"

\"\"<\/a><\/p>\n

Depois que Kenneth Goldsmith, o poeta-d\u00e2ndi por tr\u00e1s do belo acervo de arte experimental do ubuweb<\/a>, lan\u00e7ou a ideia da escrita n\u00e3o-criativa<\/a>, parece que um caminh\u00e3o de fichas come\u00e7aram a cair no entendimento das cacholas l\u00edtero-digitais. N\u00e3o foram poucos os que se impressionaram com a possibilidade de produzir uma literatura somente a partir de outros textos – ou com a\u00a0ideia de fazer isso abertamente<\/em>, atrav\u00e9s de um curso de escrita n\u00e3o-criativa<\/a>, uma simp\u00e1tica ironia a prolifera\u00e7\u00e3o nos EUA (e tamb\u00e9m no Brasil) de cursos de escrita criativa<\/em>.<\/p>\n

N\u00f3s mesmos: lemos a entrevista de Goldmsith na Select<\/a> – a porta de entrada da escrita n\u00e3o-criativa para a maioria, que depois foi reciclada\/sensacionalizada pela Folha Ilustrada<\/a> – e nos impressionamos. O remix que o Mr. Ubuweb fazia da ideia do detournement<\/em> de Debord e GIl Wolman<\/a>, do cut-up de Burroughs e Gysin<\/a> e de outras tantas pr\u00e1ticas n\u00e3o assumidas de roubo na cria\u00e7\u00e3o veio como uma poss\u00edvel via\u00a0segura<\/em> e\u00a0atual<\/em> para o nosso dilema mortal de criar hist\u00f3rias na era do compartilhamento e do livre acesso a (quase) tudo.<\/p>\n

Mas depois da ideia se tornar papo comum (e de boteco) entre os interessados no assunto e aparecer em diversos posts <\/a>por aqui, come\u00e7am a vir algumas cr\u00edticas e provoca\u00e7\u00f5es. Uma das que pescamos e trazemos aqui \u00e9 do nosso caro Reuben da Cunha Rocha<\/strong>, jornalista, poeta, tradutor e doutorando em comunica\u00e7\u00e3o na USP e um dos fundadores do BaixaCultura.<\/p>\n

Reuben continua desafiando ideias consensuais em seu novo espa\u00e7o na rede, o webzine Cavalo Dada<\/a>, e n\u00e3o poderia deixar de dar seus centavos ao debate sobre a escrita n\u00e3o-criativa.\u00a0\u00c9 de l\u00e1 que roubamos este texto logo abaixo<\/a>, escrito em 10 de dezembro de 2011.<\/p>\n

\"\"<\/a>

Beckett,que a tudo observa do alto do ubuweb<\/p><\/div>\n

A provoca\u00e7\u00e3o final para traz\u00ea-lo para o debate foi a conversa minha (Leonardo) com Marcelo Noah<\/a> no programa Elefante, ontem \u00e0 tarde, na webr\u00e1dio Minima.fm<\/a>\u00a0(que tem uma \u00f3tima programa\u00e7\u00e3o e um bom slogan: “Mais que no ar, no wireless<\/strong>“).\u00a0A ideia era falar sobre cultura livre, m\u00fasica e outros papos decorrentes destes, mas, sem querer querendo como nem porqu\u00ea, me peguei falando um tantinho da escrita n\u00e3o-criativa by Goldsmith.<\/p>\n

Pior: fui tentado a explicar para quem ouvia a r\u00e1dio o que seria a coisa toda, inclusive com a ressalva de que isso n\u00e3o \u00e9 a “morte” da escrita criativa, mas mais uma bifurca\u00e7\u00e3o de linguagem (?) que est\u00e1 se desenvolvendo potencializado pela cultura digital.<\/p>\n

A conversa me soou um alerta, um “pera\u00ed, o que significa\u00a0esse papo mesmo<\/em>?”. Foi a\u00ed que a provoca\u00e7\u00e3o de Reuben, lida tempos atr\u00e1s, me retornou enorme, e n\u00e3o tive outra escolha se n\u00e3o compartilhar ela aqui abaixo como uma saud\u00e1vel cr\u00edtica ao consenso oba oba.<\/p>\n

[Leonardo Foletto]<\/em><\/p>\n

O falso problema de K. Goldsmith<\/strong><\/p>\n

Reuben da Cunha Rocha<\/p>\n

Que a dicotomia \u201cescrita criativa\u201d\/\/\u201descrita n\u00e3o-criativa\u201d seja um falso problema d\u00e1-se a ver no fato de o questionamento da autoria nascer c\/ a pr\u00f3pria autoria; isto \u00e9, se a autoria \u00e9 um fen\u00f4meno moderno tal como a conhecemos, o pl\u00e1gio criativo tamb\u00e9m o \u00e9, como atesta a energia que gigantes da modernidade como Lautr\u00e9amont ou Walter Benjamin nele empregaram, o impulso de nutri\u00e7\u00e3o que o roubo representa em suas obras. O falso problema se instaura ainda mais confortavelmente na poltrona das veleidades quando se nota que, enorm\u00edssimos saqueadores, seus nomes permanecem inscritos na hist\u00f3ria da autoria, bem como \u00e9\u00a0Kenneth Goldsmith<\/strong>\u00a0quem gira o mundo concedendo entrevistas, colaborando em simp\u00f3sios e oferecendo cursos. Seu rosto, ao contr\u00e1rio do de Lautr\u00e9amont, j\u00e1 \u00e9 bastante conhecido.<\/em><\/p>\n

Me sinto \u00f3bvio escrevendo algo como isto, mas circundado pelo que se tem dito sobre o assunto, e evidentemente admirando, como admiro, a obra & presen\u00e7a de Kenneth Goldsmith entre os humanos, tenho a impress\u00e3o de que o poeta torna em totem um dilema c\/ o qual n\u00e3o dever\u00edamos sequer nos comprometer. \u00c9 como os te\u00f3ricos franceses, nalgum ponto do s\u00e9culo XX, digladiando-se c\/ o problema do significante\/significado quando bastaria contorn\u00e1-lo, j\u00e1 havendo dispon\u00edveis formula\u00e7\u00f5es mais produtivas acerca da natureza da linguagem. No caso de Goldsmith, quando detecta em dada fun\u00e7\u00e3o exercida pela autoria a prepot\u00eancia p\/ a qual o ego serve muitas vezes de escudo, compreende que ela n\u00e3o encerra os limites da cria\u00e7\u00e3o mas ignora que nada lhe encerra os limites, entrando nesse ramerr\u00e3o de \u201co futuro da escrita \u00e9 assim & assado\u201d.<\/em><\/p>\n

N\u00e3o interessa o contr\u00e1rio do autor, ou o contr\u00e1rio da autoria; interessa \u00e9 que a cria\u00e7\u00e3o n\u00e3o seja uma inst\u00e2ncia de autoridade, e que aquilo que o autor prop\u00f5e, que o proponha primeiro a si pr\u00f3prio. Me v\u00eam \u00e0 m\u00e3o, \u00e0 lembran\u00e7a, uma\u00a0bela fala<\/a><\/strong>\u00a0de Jos\u00e9 Celso Martinez Corr\u00eaa acerca do carnaval enquanto entrega \u00e0 dissolu\u00e7\u00e3o coletiva na qual o ser atinge seu mais alto brilho, & a simples presen\u00e7a de um livro como\u00a0Curare<\/strong>, de\u00a0Ricardo Corona<\/a>, gesto por meio do qual, atrav\u00e9s do poeta, uma l\u00edngua & um povo se d\u00e3o \u00e0 luz. N\u00e3o h\u00e1 nada de libert\u00e1rio nesta ou naquela t\u00e9cnica de escrita, a peleja mais interessante est\u00e1, me parece, no esquecimento das fun\u00e7\u00f5es coletivas da arte, sua not\u00f3ria irrelev\u00e2ncia, cujo nome mais conhecido \u00e9 \u201centretenimento\u201d. Quanto ao sujeito, tudo est\u00e1 em exerc\u00ea-lo como grande domesticador ou em excit\u00e1-lo como porta perceptiva, canal p\/ tudo o que existe. Neste ponto, ter uma ideia ou apropriar-se de uma ideia s\u00e3o recursos, dois entre tantos \u2014 a cria\u00e7\u00e3o sempre esteve em aberto, ao contr\u00e1rio de muitas cabe\u00e7as.<\/em><\/p>\n

Que a linguagem nos diga coisas das quais sequer suspeitamos, inclusive em se tratando de algo escrito por n\u00f3s mesmos, \u00e9 uma experi\u00eancia que n\u00e3o escapa a ningu\u00e9m que se pronuncie \u2014 \u00e9 a raiz dos mal-entendidos, das ambiguidades, das polissemias. A isto uns n\u00e3o reagem bem, voltando-se \u00e0s aberturas de sua obra c\/ o cl\u00e1ssico \u201cn\u00e3o entenderam nada\u201d, quando nem sempre \u00e9 este o caso; a outros alegra que a obra escape de seus dom\u00ednios e sirva a outros que dela se apropriem. O que importa n\u00e3o \u00e9 eleger o \u201cn\u00e3o-eu\u201d contra o \u201ceu\u201d, mas que \u201ceu\u201d n\u00e3o se cristalize nunca, que se deixe modificar sempre que necess\u00e1rio, inclusive pelo produto de suas m\u00e3os \u2014 neste sentido, n\u00e3o \u00e9 que um poema expresse algo, mas que o revele, inclusive ao poeta. Caso contr\u00e1rio \u00e9 apenas um novo autoritarismo \u2014 veja-se o que diz Goldsmith\u00a0nesta entrevista<\/a><\/strong>, \u201cn\u00e3o \u00e9 tanto o que n\u00f3s escrevemos, mas sim aquilo que decidimos reformular o que faz um escritor melhor que outro\u201d. De minha parte, desde que percebi que viveria pela poesia, jamais me ocorreu que se tratasse de uma competi\u00e7\u00e3o<\/em><\/p>\n<\/blockquote>\n

Cr\u00e9ditos fotos:\u00a0daqui<\/a> e do UbuWeb.<\/address>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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