{"id":5389,"date":"2012-02-12T18:30:49","date_gmt":"2012-02-12T18:30:49","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=5389"},"modified":"2012-02-12T18:30:49","modified_gmt":"2012-02-12T18:30:49","slug":"a-estetica-do-plagio-de-tom-ze","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2012\/02\/12\/a-estetica-do-plagio-de-tom-ze\/","title":{"rendered":"A est\u00e9tica do pl\u00e1gio de Tom Z\u00e9"},"content":{"rendered":"
Inovador \u00e9 o adjetivo mais usado hoje quando se refere a Ant\u00f4nio Jos\u00e9 Santana Martins, o multi-instrumentista e compositor conhecido como Tom Z\u00e9<\/a>. De fato, parece ser a \u00fanica alternativa a ser escolhida para nomear o estranhamento causada por sua m\u00fasica, que cont\u00e9m elementos exc\u00eantricos, populares e ao mesmo tempo “sofisticados”. Sons de instrumentos como batedeira el\u00e9trica, enceradeira, esmerilhador, liquidificador e tubos de PVC est\u00e3o presentes nas suas obras desde os anos 1970.<\/p>\n Por\u00e9m, naquela \u00e9poca de costumes r\u00edgidos e ditaduras, seus experimentalismos eram vistos de modo atravessado. No show do \u00e1lbum Correio da Esta\u00e7\u00e3o do Br\u00e1s<\/a>, de 1978, ele come\u00e7a a usar os denominados “insTrOMZ\u00c9mentos” – cuja origem \u00e9 contada nessa mat\u00e9ria que faz um bom apanhado<\/a> de sua carreira – de maneira algo inusitada: a partir de um pedido de sua mulher, Neusa, para consertar uma enceradeira que estava com defeito. Tanto consertou que se apaixonou pelo som do aparelho e descobriu que outros aparelhos da mesma estirpe poderiam tirar um som igualmente interessante.<\/p>\n **<\/p>\n Em 1998, o m\u00fasico baiano resolveu escancarar suas ideias sobre pl\u00e1gio e composi\u00e7\u00e3o com o texto “Est\u00e9tica do Pl\u00e1gio<\/em>“, encontrado no encarte do disco “Com Defeito de Fabrica\u00e7\u00e3o<\/strong>“. Nele, Tom Z\u00e9 v\u00ea o compositor como um plagicombinador<\/em> que “passa pelo trabalho de outros e se apropria, muitas vezes inconscientemente, de fragmentos (coisas); e, a partir destas apropria\u00e7\u00f5es, associadas a outras, ter\u00e1 condi\u00e7\u00f5es de produzir seu repert\u00f3rio”, como analisa Dem\u00e9trio Panarotto, mestre em literatura brasileira pela UFSC e vocalista da banda Repolho, neste artigo<\/a>.<\/p>\n Abaixo, o trecho do encarte em que Z\u00e9<\/a> descreve sua ideia:<\/p>\n A Est\u00e9tica do Pl\u00e1gio<\/em><\/strong><\/p>\n A Est\u00e9tica de Com Defeito de Fabrica\u00e7\u00e3o re-utiliza a sinfonia cotidiana do lixo civilizado, orquestrada por instrumentos convencionais ou n\u00e3o: brinquedos, carros, apitos, serras, orquestra de Hertz, ru\u00eddo das ruas, etc. , junto com um alfabeto sonoro de emo\u00e7\u00f5es contidas nas can\u00e7\u00f5es e s\u00edmbolos musicais que marcaram cada passo da nossa vida afetiva. A forma \u00e9 dan\u00e7\u00e1vel, r\u00edtmica, quase sempre A-B-A. Com coros, refr\u00f5es e dentro dos par\u00e2metros da m\u00fasica popular.<\/em><\/p>\n O aproveitamento desse alfabeto se d\u00e1 em pequenas “c\u00e9lulas”, cita\u00e7\u00f5es e pl\u00e1gios. Tamb\u00e9m pelo esgotamento das combina\u00e7\u00f5es com os sete graus da escala diat\u00f4nica (mesmo acrescentando altera\u00e7\u00f5es e tons vizinhos) esta pr\u00e1tica desencadeia sobre o universo da m\u00fasica tradicional uma est\u00e9tica do pl\u00e1gio, uma est\u00e9tica do arrast\u00e3o (**).<\/em><\/p>\n Podemos concluir, portanto, que terminou a era do compositor, a era autoral, inaugurando-se a Era do Plagicombinador, processando-se uma entropia acelerada.<\/em><\/p>\n ** Arrast\u00e3o: T\u00e9cnica de roubo urbano, inaugurada em praias do Rio de Janeiro. Um pequeno grupo corre violentamente atrav\u00e9s de uma multid\u00e3o e “varre” dinheiro, an\u00e9is, bolsas, \u00e0s vezes at\u00e9 as roupas das pessoas.<\/em><\/p>\n<\/blockquote>\n A pr\u00f3pria palavra plagicombina\u00e7\u00e3o<\/em> \u00e9 consequ\u00eancia de um arrast\u00e3o de Tom Z\u00e9 que forma um neologismo<\/a> por aglutina\u00e7\u00e3o. As 14 faixas do disco conceitual Com defeito de Fabrica\u00e7\u00e3o<\/a> est\u00e3o cheias desses neologismos, ao melhor estilo Guimar\u00e3es Rosa<\/a>: cedotardar, esteticar, politicar, xiquexique, blacktaiando, smoka-se, tangolomango. <\/em>Todos essas “palavras novas” foram analisadas num artigo de tr\u00eas estudantes de Letras na Revista P\u00e9 da Letra<\/a>, com direito a explica\u00e7\u00e3o de como cada uma \u00e9 formada – jun\u00e7\u00e3o de sufixo tal com radical X, adapta\u00e7\u00e3o de palavra estrangeira com prefixo Y.<\/p>\n Tom Z\u00e9 n\u00e3o s\u00f3 pegou o que j\u00e1 tinha de palavras e sons, mas tamb\u00e9m entregou sons para o ouvinte\/espectador formar m\u00fasicas novas. O \u00e1lbum “Jogos de Armar (Fa\u00e7a voc\u00ea mesmo)<\/a><\/em>” lan\u00e7ado em 2000 traz, junto a outras 14 m\u00fasicas in\u00e9ditas num primeiro disco, um CD auxiliar: o “Cartilha de Parceiros<\/em>“, s\u00f3 com as bases para que o ouvinte fa\u00e7a a sua m\u00fasica\/interven\u00e7\u00e3o.\u00a0Quase um Duchamp diminuindo por gosto a dist\u00e2ncia entre p\u00fablico e autor, entregando sua m\u00fasica ready-made pra galera montar e desmontar feito lego, como bem compara Julio Cesar Lancia em “Cut, Copy and Paste \u2013 da reciclagem ao LEGO\u00ae em m\u00fasica<\/a>“.<\/p>\n As 11 faixas deste s\u00e3o feitas novamente com os instromz\u00e9mentos<\/a>: “a orquestra de herz ou hertz\u00e9<\/em><\/strong> (uma esp\u00e9cie de “sampler pr\u00e9-sampler”), o encerosc\u00f3pio<\/em><\/strong> (feito com enceradeiras, aspiradores de p\u00f3, liquidificadores), a serroteria<\/em><\/strong> (um dispositivo feito com canos de madeira, PVC e outros materiais), o buzin\u00f3rio<\/em><\/strong> (um conjunto de buzinas manejadas num teclado) e as canetas Lazzari (pequeno instrumento formado por esferogr\u00e1ficas)”.<\/p>\n “The hips of tradition”, de 1992, o disco da redescoberta<\/p><\/div>\n \u00c9 com “Defeito de Fabrica\u00e7\u00e3o<\/em>” e “Jogos de Armar<\/em>” que Tom Z\u00e9 volta a excursionar mundo afora e \u00e9 conhecido por uma nova gera\u00e7\u00e3o no Brasil. Como se sabe, o compositor foi um dos cabe\u00e7as da Tropic\u00e1lia<\/a>, nos fins dos 1960, mas passou boa parte das d\u00e9cadas de 1970 e 1980 no ostracismo herm\u00e9tico-nacional, s\u00f3 sendo redescoberto no final da d\u00e9cada de 1980, quando David Byrne [sobre o qual j\u00e1 falamos aqui<\/a>], ex- Talking Heads, lan\u00e7a pelo seu selo Luaka Bop<\/a> duas colet\u00e2neas do trabalho do compositor baiano – Brazil Classics 4: The Best of Tom Z (1990) <\/em>e Brazil 5: The Return of Tom Ze: The Hips of Tradition<\/a>,<\/em><\/em>\u00a0de\u00a0<\/span>1992, disco em que finalmente recoloca Z\u00e9 como um dos mestres da m\u00fasica brasileira.<\/p>\n Com 75 anos completos no \u00faltimo 11 de outubro de 2011, Z\u00e9 j\u00e1 tem uma longa carreira com 18 discos, que podem ser (quase todos) baixados no Um Que Tenha<\/a>, e continua na ativa em shows, com uma azeitada banda que segura muito bem ao vivo e garante a sala para o mestre desafi(n)ar o p\u00fablico.<\/p>\n Pra encerrar essa breve digress\u00e3o sobre Tom Z\u00e9 e o pl\u00e1gio, vale assistir o v\u00eddeo abaixo. \u00c9 um causo imperd\u00edvel sobre a m\u00fasica “Se o Caso \u00e9 Chorar<\/a>“, de 1972, uma composi\u00e7\u00e3o em que o m\u00fasico mostra, passo a passo e numa did\u00e1tica curiosa, como (re)criou uma composi\u00e7\u00e3o s\u00f3 pegando trechos de outros (Ant\u00f4nio Carlos e Jocafi, Caetano Veloso, N\u00e9lson Gon\u00e7alves, Lupic\u00ednio Rodrigues).<\/p>\n [youtube=http:\/\/www.youtube.com\/watch?v=8-vzO-UAmB4]<\/p>\n [Se tu n\u00e3o entender algo,\u00a0aqui tem a transcri\u00e7\u00e3o<\/a>\u00a0desse v\u00eddeo].<\/p>\n [Leonardo Foletto, Marcelo De Franceschi]<\/em><\/p>\nCr\u00e9dito da foto: 1<\/a>, 2<\/a>, 3<\/a>, 4<\/a>.\u00a0<\/address>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" Inovador \u00e9 o adjetivo mais usado hoje quando se refere a Ant\u00f4nio Jos\u00e9 Santana Martins, o multi-instrumentista e compositor conhecido como Tom Z\u00e9. 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