{"id":3626,"date":"2010-10-06T10:58:13","date_gmt":"2010-10-06T10:58:13","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=3626"},"modified":"2010-10-06T10:58:13","modified_gmt":"2010-10-06T10:58:13","slug":"revalorizar-o-plagio-na-criacao-2","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2010\/10\/06\/revalorizar-o-plagio-na-criacao-2\/","title":{"rendered":"Revalorizar o pl\u00e1gio na cria\u00e7\u00e3o (2)"},"content":{"rendered":"
Dando sequ\u00eancia ao post anterior<\/a>, publicamos aqui a segunda e \u00faltima parte de nossa esp\u00e9cie de ensaio sobre o pl\u00e1gio na cria\u00e7\u00e3o, texto livremente plagiado de \u201cPl\u00e1gio, hipertextualidade e produ\u00e7\u00e3o cultural eletr\u00f4nica<\/em>\u201d, cap\u00edtulo quatro de \u201cDist\u00farbio Eletr\u00f4nico<\/strong>\u201d do\u00a0Critical Art Ensemble<\/strong> (publicado no Brasil pela cole\u00e7\u00e3o Baderna da Editora Conrad<\/a>, em 2001), com trechos recombinados de outros textos, alguns dos quais indicados ao final, na se\u00e7\u00e3o homenagem.<\/span><\/p>\n *<\/p>\n Revalorizar o pl\u00e1gio na cria\u00e7\u00e3o (2)<\/strong><\/p>\n As ideias se aperfei\u00e7oam. O significado das palavras participa do aperfei\u00e7oamento. O pl\u00e1gio \u00e9 necess\u00e1rio. O progresso implica nisso. Ele aproveita uma frase de um autor, faz uso de sua express\u00e3o, apaga uma falsa ideia e a subsitui pela ideia certa.<\/em><\/p>\n<\/blockquote>\n Marcel Duchamp (foto acima<\/em>), um dos primeiros do s\u00e9culo XX a descobrir o potencial da recombina\u00e7\u00e3o, apresentou uma forma precoce dessa nova est\u00e9tica com sua s\u00e9rie de readymades<\/em>, sendo que a mais famosa \u00e9 o conhecido urinol, \u201crealizado\u201d em 1917 quando do envio do objeto ao Sal\u00e3o de Associa\u00e7\u00e3o de Artistas Independentes sob o pseud\u00f4nimo R. Mutt<\/a>. Duchamp pegou objetos em rela\u00e7\u00e3o aos quais ele era \u201cvisualmente indiferente\u201d e os recontextualizou de modo a deslocar seus significados. Ao tirar o urinol do banheiro, assin\u00e1-lo e coloc\u00e1-lo sobre um pedestal em uma galeria de arte, o significado se afastava da interpreta\u00e7\u00e3o funcional anterior do objeto e se justapunha a uma outra possibilidade \u2013 o significado como obra de arte<\/strong>.<\/span><\/p>\n Aqui, se percebe mais uma vez a falha do essencialismo rom\u00e2ntico, que colocava a obra de arte como produto de uma natureza divina, que privilegia o trabalho criativo individual como de um \u201cg\u00eanio\u201d que tira somente de si mesmo a cria\u00e7\u00e3o, em raros momentos de inspira\u00e7\u00e3o.\u00a0Um tipo de falha que se, hoje, parece escandalosa, antes da tecnologia digital era at\u00e9 mesmo compreens\u00edvel, pois as perspectivas culturais da \u00e9poca se desenvolviam de modo que tornavam os textos mais f\u00e1ceis de serem percebidos como obras individuais. As obras culturais apresentavam a si mesmos como unidades distintas; a influ\u00eancia de cada uma avan\u00e7ava de forma lenta o suficiente para permitir a evolu\u00e7\u00e3o ordenada de um argumento ou de uma est\u00e9tica. <\/span><\/p>\n Em outras palavras: era mais f\u00e1cil manter fronteiras r\u00edgidas entre \u00e1reas do conhecimento e escolas de pensamento, o que facilitava o controle do conhecimento e, por sua vez, dificultava a percep\u00e7\u00e3o de que a arte (e a ci\u00eancia e a filosofia) n\u00e3o eram constru\u00e7\u00f5es finitas, mas oriundas da recombina\u00e7\u00e3o infinita do conhecimento.<\/span><\/p>\n **<\/span><\/p>\n .<\/p>\n No final do s\u00e9culo XIX essa ordem tradicional come\u00e7ou a entrar em colapso. Novas tecnologias como o r\u00e1dio, o cinema, a fotografia e a televis\u00e3o come\u00e7aram a aumentar a velocidade do desenvolvimento cultural, o que levou um n\u00famero crescente de pessoas a questionarem mais a origem e a validade daquilo que at\u00e9 ent\u00e3o acreditavam quase que cegamente. Eram, tamb\u00e9m, os primeiros indicadores s\u00f3lidos de que a velocidade estava se tornando uma quest\u00e3o crucial; o conhecimento estava se afastando da certeza e se transformando em informa\u00e7\u00e3o<\/strong>.<\/span><\/p>\n A velocidade cultural e da informa\u00e7\u00e3o continuaram a crescer a uma taxa geom\u00e9trica desde ent\u00e3o, resultando atualmente no que alguns chamam de p\u00e2nico informativo. A revolu\u00e7\u00e3o social decorrente da nanotecnologia, que originou a internet, o computador pessoal e mais uma infinidade de sub-produtos decorrentes desses, diminuiu o lapso de tempo entre a produ\u00e7\u00e3o e distribui\u00e7\u00e3o. A internet tratou de deslocar num raio de segundos qualquer tipo de informa\u00e7\u00e3o, diminuindo a quase zero o tempo entre a produ\u00e7\u00e3o de informa\u00e7\u00e3o e sua distribui\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Na medida em que a informa\u00e7\u00e3o flui \u00e0 alta velocidade pelas redes eletr\u00f4nicas, sistemas de significado dos mais distintos poss\u00edveis passam a poder se cruzar, com conseq\u00fc\u00eancias ao mesmo tempo esclarecedoras e inventivas. Numa sociedade dominada por uma explos\u00e3o de conhecimentos como a atual, torna-se mais conveniente explorar as possibilidades de significa\u00e7\u00e3o e ressignifica\u00e7\u00e3o daquilo que j\u00e1 existe do que acrescentar informa\u00e7\u00f5es redundantes<\/strong>, mesmo quando estas s\u00e3o produzidas por meio da metodologia e da metaf\u00edsica do \u201coriginal\u201d.<\/p>\n Sob estas condi\u00e7\u00f5es atuais, o pl\u00e1gio preenche os requisitos de uma economia de representa\u00e7\u00e3o, sem sufocar a inven\u00e7\u00e3o. Se a cria\u00e7\u00e3o ocorre quando uma nova percep\u00e7\u00e3o ou id\u00e9ia \u00e9 apresentada \u2013 pela interse\u00e7\u00e3o de dois ou mais sistemas formalmente d\u00edspares, ou na id\u00e9ia de permuta\u00e7\u00e3o realizada sobre um repert\u00f3rio j\u00e1 existente, como fala Levi-Strauss \u2013 ent\u00e3o metodologias recombinantes s\u00e3o desej\u00e1veis<\/strong>. \u00c9 aqui que o pl\u00e1gio progride al\u00e9m do niilismo. Ele n\u00e3o injeta somente ceticismo para ajudar a destruir sistemas totalit\u00e1rios que paralisam a inven\u00e7\u00e3o: ele participa da inven\u00e7\u00e3o, e dessa forma tamb\u00e9m \u00e9 produtivo.<\/p>\n Assumido como um m\u00e9todo saud\u00e1vel de cria\u00e7\u00e3o, o pl\u00e1gio pode dar a sua contribui\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m \u00e0 necessidade atual de repensar a no\u00e7\u00e3o de cria\u00e7\u00e3o, redefinindo-a de uma maneira, digamos, criativa. Hoje, trabalha-se com um conceito, por um lado, velho como o cristianismo (cria\u00e7\u00e3o b\u00edblica), e, por outro lado, com o do romantismo, a cria\u00e7\u00e3o como emana\u00e7\u00e3o de uma sensibilidade sui generis<\/em> do indiv\u00edduo privilegiado. Esses dois modos de cria\u00e7\u00e3o n\u00e3o d\u00e3o mais conta, sozinhos, do que se est\u00e1 processando hoje.<\/p>\n Mudaram radicalmente as condi\u00e7\u00f5es de cria\u00e7\u00e3o e distribui\u00e7\u00e3o. Mozart (mais <\/em>acima, em vers\u00e3o Bart Simpson<\/em>), Beethoven, Leonardo da Vinci e outros \u201cg\u00eanios\u201d n\u00e3o v\u00e3o aparecer mais. Mas isso n\u00e3o quer dizer que artistas como esses n\u00e3o podem aparecer de novo; podem, se \u00e9 que n\u00e3o existam milhares deles por a\u00ed. O que muda s\u00e3o as condi\u00e7\u00f5es sociais que fizeram com que um Mozart fosse o que fosse: um ambiente de extrema restri\u00e7\u00e3o cultural como a da \u00c1ustria do s\u00e9culo XVII, um tipo de forma\u00e7\u00e3o cultural calcada na transmiss\u00e3o <\/em>de informa\u00e7\u00e3o e um n\u00famero restrito de informa\u00e7\u00f5es a serem transmitidas.\u00a0O desenvolvimento cultural de hoje n\u00e3o permite mais isso porque temos acesso<\/em> \u00e0 quase tudo, algo que nunca tivemos em toda a hist\u00f3ria da humanidade, o que nos faz perceber a influ\u00eancia e a c\u00f3pia que em outros tempos n\u00e3o se notava.<\/span><\/p>\n \u00c9 nesse contexto recente que a cria\u00e7\u00e3o deve ser redefinida \u201ccriativamente\u201d. Talvez ela esteja ficando cada vez mais parecida com a cria\u00e7\u00e3o cient\u00edfica, que sempre foi um trabalho em rede em que se trabalha em cima do trabalho dos outros<\/strong> – e normalmente se assume<\/em> isso. Ou talvez ela, a cria\u00e7\u00e3o, esteja indo para um caminho que ningu\u00e9m sabe onde vai dar.<\/span><\/p>\n ***<\/span><\/p>\n Para finalizar, h\u00e1 de se fazer uma ressalva: ainda que hoje o pl\u00e1gio seja produtivo \u2013 e qui\u00e7\u00e1 necess\u00e1rio \u2013 h\u00e1 de salientar que n\u00e3o precisamos descartar totalmente o modelo rom\u00e2ntico de produ\u00e7\u00e3o cultural, que privilegia o trabalho criativo como de um \u201cg\u00eanio\u201d. Ainda h\u00e1 situa\u00e7\u00f5es espec\u00edficas onde tal pensamento \u00e9 \u00fatil, e n\u00e3o se pode dizer quando ele poderia se tornar apropriado novamente. <\/strong><\/p>\n <\/strong>O que se pede \u00e9 o fim de sua tirania e de seu fanatismo intelectualizado, que nada mais \u00e9 do que um pedido para que se abra a base de dados cultural a fim de que todos \u2013 e n\u00e3o apenas aqueles seres \u201cgeniais\u201d ou com condi\u00e7\u00f5es financeiras abastadas – possam usar o potencial m\u00e1ximo da tecnologia para a produ\u00e7\u00e3o art\u00edstica<\/strong>.<\/p>\n ****<\/p>\n HOMENAGENS<\/p>\n Dando sequ\u00eancia ao post anterior, publicamos aqui a segunda e \u00faltima parte de nossa esp\u00e9cie de ensaio sobre o pl\u00e1gio na cria\u00e7\u00e3o, texto livremente plagiado de \u201cPl\u00e1gio, hipertextualidade e produ\u00e7\u00e3o cultural eletr\u00f4nica\u201d, cap\u00edtulo quatro de \u201cDist\u00farbio Eletr\u00f4nico\u201d do\u00a0Critical Art Ensemble (publicado no Brasil pela cole\u00e7\u00e3o Baderna da Editora Conrad, em 2001), com trechos recombinados de […]<\/p>\n","protected":false},"author":2,"featured_media":8151,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":[],"categories":[359,126],"tags":[433,226,207,426,434,435,436,437,159,253,228,438],"post_folder":[],"jetpack_featured_media_url":"","_links":{"self":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/3626"}],"collection":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/users\/2"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=3626"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/3626\/revisions"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=3626"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=3626"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=3626"},{"taxonomy":"post_folder","embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/post_folder?post=3626"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}<\/a><\/p>\n
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<\/a>Marcel Duchamp (1887-1968) e sua inesgot\u00e1vel m\u00e1quina de plagiar<\/em><\/p>\n
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