{"id":3540,"date":"2010-09-13T16:59:06","date_gmt":"2010-09-13T16:59:06","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=3540"},"modified":"2010-09-13T16:59:06","modified_gmt":"2010-09-13T16:59:06","slug":"a-heroina-do-dominio-publico","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2010\/09\/13\/a-heroina-do-dominio-publico\/","title":{"rendered":"A Hero\u00edna do Dom\u00ednio P\u00fablico"},"content":{"rendered":"

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O Centro de Estudos para o Dom\u00ednio P\u00fablico da Universidade de Duke<\/a>, nos EUA, resolveu criar em 2006 uma simp\u00e1tica hist\u00f3ria em quadrinhos para tentar elucidar as tenebrosas fronteiras que separam o uso de material de dom\u00ednio p\u00fablico daquele que tem uma “propriedade” intelectual, aqui especialmente focado na produ\u00e7\u00e3o de document\u00e1rios e nas leis dos Estados Unidos.<\/p>\n

Para facilitar a did\u00e1tica, o desenhista Keith Aoki e os roteiristas\/professores James Boyle e Jennifer Jenkins\u00a0criaram a personagem Akiko – a Hero\u00edna do Dom\u00ednio P\u00fablico na imagem da capa que abre este texto – \u00a0uma documentarista que ousou captar a pulsa\u00e7\u00e3o de um dia nas ruas de Nova York num document\u00e1rio.<\/p>\n

Mas nem tudo \u00e9 t\u00e3o f\u00e1cil quanto parece, e Akiko vai se dar conta disso ao perceber que para tudo que sua c\u00e2mera olha h\u00e1 uma restri\u00e7\u00e3o de nome “direito autoral”. Dentre v\u00e1rias perguntas e frases de ordem, ela questiona: “Quadros, m\u00fasica, escultura. Tudo isto est\u00e1 protegido pelos Direitos Autorais?<\/strong>“.<\/p>\n

Diante da resposta positiva, ela prossegue com suas d\u00favidas, que se colocam cada vez mais imediatas para a produ\u00e7\u00e3o do j\u00e1 citado document\u00e1rio sobre Nova York. “Parece um Campo Minado. Tenho medo de descobrir o que est\u00e1 protegido por direitos de autor e o que n\u00e3o est\u00e1 da forma mais dif\u00edcil: quando a distin\u00e7\u00e3o explodir na minha frente<\/strong>“.<\/p>\n

Akiko fica ent\u00e3o sabendo do triste \u00f3bvio: s\u00f3 n\u00e3o precisar\u00e1 se preocupar com direitos autorais se a obra que for usada estiver em dom\u00ednio p\u00fablico, o que no caso americano significa 70 anos ap\u00f3s a morte do autor, podendo chegar a at\u00e9 95 anos ap\u00f3s a publica\u00e7\u00e3o da obra em quest\u00e3o.<\/p>\n

[Vale dizer que no Brasil, como comentamos no pen\u00faltimo post, este prazo tamb\u00e9m \u00e9 de 70 anos, que inexplicavelmente dever\u00e1 ser mantido mesmo com reforma da Lei de Direito Autoral. Para comparar, d\u00ea uma olhada nesta tabela<\/a> que mostra os prazos do copyright em praticamente todo o planeta.]<\/p>\n

\u00c9 ent\u00e3o que a HQ informa \u00e0 documentarista que nem tudo est\u00e1 perdido: nos EUA, existe a quest\u00e3o do fair use<\/a><\/em>, um dispositivo que deveria permitir a cr\u00edtica, par\u00f3dia, o coment\u00e1rio e o remix, usos ef\u00eameros ou acidentais de obras protegidas por copyright – que, por sinal, n\u00e3o existe no Brasil e nem pretende existir com a reforma, ainda que alguns artigos tratem de usos semelhantes \u00e0queles identificados no\u00a0fair use <\/em>americano.<\/p>\n

\"Gravar<\/a><\/p>\n

Mas para cortar a esperan\u00e7a nascente de Akiko, ela fica sabendo que o fair use<\/em> norte-americano est\u00e1 cada vez mais bagun\u00e7ado, um verdadeiro “jardim das del\u00edcias<\/em>” da propriedade intelectual, nas palavras da hist\u00f3ria. Como o fair use<\/em> \u00e9 subjetivo,\u00a0imagina-se que n\u00e3o \u00e9 algo f\u00e1cil distinguir o que seria um uso acidental de um uso proposital, por exemplo. A\u00ed entra outra quest\u00e3o: a sabida e cada vez mais crescente queda de $$ das gravadoras\/est\u00fadios e afins fizeram com que estas, a fim de tirar o \u00faltimo centavo poss\u00edvel antes de sua queda, come\u00e7assem a apertar o cerco aos tribunais sobre o que seria esse tal uso, complicando de vez aquilo que j\u00e1 era complicado.<\/p>\n

A partir da\u00ed, desfilam na HQ casos de abuso do esquecimento do fair use<\/em>, todos absurdos. O primeiro narrado \u00e9 exemplar: trata dos problemas que o documentarista Jon Elser<\/a> teve durante a grava\u00e7\u00e3o de “Sing Faster<\/a>“, filme que narra a produ\u00e7\u00e3o das \u00f3peras do “Ciclo do Anel<\/a>“, de Richard Wagner, sob a perspectiva de quem trabalhava nos bastidores. Em determinado momento do filme, a c\u00e2mera captava diversos trabalhadores jogando damas num bar, enquanto a \u00f3pera era executada no teatro. Havia uma televis\u00e3o neste bar, que no exato momento da cena estava passando um epis\u00f3dio de Simpsons. A cena era curta (4 segundos!) mas nem por isso a Fox, dona dos direitos autorais dos Simpsons, deixou de querer cobrar 10 mil d\u00f3lares pelo uso dos segundos do desenho no document\u00e1rio. Jon Elser n\u00e3o aceitou pagar, pois a “cena” era um caso cl\u00e1ssico de fair use. <\/em>Mas, para evitar incomoda\u00e7\u00e3o com a gigante e podero$a Fox e um atraso de anos de julgamento para o lan\u00e7amento do filme, teve que retirar a cena.<\/p>\n

[Detalhe: o criador dos Simpsons, Matt Groening, ficou sabendo do caso e n\u00e3o se importou com o uso de sua cria\u00e7\u00e3o em outra. Quem se incomodou – e que sempre costuma se incomodar em casos desse tipo – foi quem explora comercialmente os direitos de reprodu\u00e7\u00e3o da cria\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

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Outro caso desproporcional dos direitos de autor \u00e9 relatado no pref\u00e1cio \u00e0 edi\u00e7\u00e3o, escrito por\u00a0Dave Guggenheim, produtor\/diretor de, entre outros, “Uma Verdade Inconveniente<\/a>“:<\/p>\n

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“O pior exemplo que eu posso dar aconteceu quando eu estava a fazer um filme chamado The First Tear<\/a><\/em>, um document\u00e1rio que acompanha cinco professores durante o primeiro e trai\u00e7oeiro ano a trabalharem numa escola p\u00fablica. No cl\u00edmax do filme, um professor, que est\u00e1 a levar os alunos pela primeira vez numa visita de estudo, ouve a can\u00e7\u00e3o “Stairway to Heaven”, do Led Zeppelin. \u00c9 simultaneamente divertido e tr\u00e1gico observar o momento em que ele anuncia aos jovens “Esta \u00e9 a melhor can\u00e7\u00e3o que alguma vez foi escrita”, ao mesmo tempo que aumenta o volume<\/strong><\/em>. O professor exulta de alegria, revelando-se pela primeira vez diante de seus alunos. <\/em>(…)<\/em><\/p>\n

Tudo no filme prepara este momento e quando o p\u00fablico v\u00ea a cena ri e chora, porque ao mesmo tempo \u00e9 comovedor e tr\u00e1gico. Mas a maior parte do p\u00fablico n\u00e3o chega a ver esta cena no filme. No DVD, que ainda se encontra \u00e0 venda, a cena foi omitida porque n\u00e3o consegui autoriza\u00e7\u00e3o para utilizar “Stairway to Heaven”<\/strong>. Gra\u00e7as a lacunas arcaicas, pude usar a can\u00e7\u00e3o num festival de cinema e na televis\u00e3o p\u00fablica americana, mas a partir do momento em que entraram em cena o uso com fins comerciais fui proibido de us\u00e1-la. N\u00e3o porque n\u00e3o pudesse pagar para licenciar a can\u00e7\u00e3o, mas porque nunca consegui localizar os detentores dos direitos autorais ou seus representantes (que s\u00e3o v\u00e1rios, o que \u00e9 outra triste hist\u00f3ria)<\/strong>.<\/em><\/p>\n<\/blockquote>\n

\u00c9 diante desse “abuso comercial” por parte dos detentores de direitos autorais que Akiko transforma-se na Hero\u00edna do Dom\u00ednio P\u00fablico, fazendo algumas perguntinhas que voc\u00eas j\u00e1 devem ter vistos por aqui:\u00a0“Nossa cultura esta a ser atacada por um incontrol\u00e1vel ‘monstro de direitos’. Como \u00e9 que chegamos a este ponto? Para que serve este sistema? Ser\u00e3o os direitos de autor na verdade prejudiciais aos artistas?”<\/strong><\/p>\n

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H\u00e1 outros quantos exemplos de abusos do n\u00e3o uso do fair use <\/em>na\u00a0HQ, assim como mais explica\u00e7\u00f5es sobre <\/em>creative commons, ambientalismo cultural <\/em>e de outros casos que ilustram o crescimento\u00a0da cruzada contra qualquer tipo de uso de material protegido por copyright – mesmo aqueles que, teoricamente, se encaixariam muito bem no fair use. <\/em>A edi\u00e7\u00e3o original em ingl\u00eas da HQ, de 2006, est\u00e1 dispon\u00edvel para download<\/a> gr\u00e1tis, assim como a em portugu\u00eas<\/a> (de Portugal, vale dizer), que ganhou a tradu\u00e7\u00e3o em 2009 de uma\u00a0aluna portuguesa da Duke, Ana Santos, e \u00e9 a edi\u00e7\u00e3o do qual tiramos as imagens da HQ para este post.<\/p>\n

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Cr\u00e9ditos de todas as imagens: 1<\/a>.<\/address>\n
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