{"id":3502,"date":"2010-09-02T13:53:30","date_gmt":"2010-09-02T13:53:30","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=3502"},"modified":"2010-09-02T13:53:30","modified_gmt":"2010-09-02T13:53:30","slug":"algumas-consideracoes-sobre-a-reforma-da-lei-de-direito-autoral","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2010\/09\/02\/algumas-consideracoes-sobre-a-reforma-da-lei-de-direito-autoral\/","title":{"rendered":"Algumas considera\u00e7\u00f5es sobre a reforma da lei de direito autoral"},"content":{"rendered":"

\"\"<\/a><\/p>\n

.<\/p>\n

A esta altura, tu, bem informado cidad\u00e3o brasileiro, j\u00e1 deve estar sabendo da pol\u00eamica reforma da Lei de Direito Autoral proposta pelo MinC e que estava aberta at\u00e9 anteontem para consulta\/cr\u00edtica\/opini\u00e3o\/contribui\u00e7\u00e3o neste endere\u00e7o<\/a>.<\/p>\n

O adjetivo “pol\u00eamica” aqui n\u00e3o poderia ser t\u00e3o melhor aplicado; h\u00e1 v\u00e1rios pontos da lei que provocaram discuss\u00f5es, tanto na imprensa, como em grupos de pesquisa, escrit\u00f3rios, universidades, entidades, organiza\u00e7\u00f5es, produtoras, editoras, enfim, em toda a sociedade civil que costuma trabalhar, abertamente ou n\u00e3o, com as palavrinhas m\u00e1gicas “educa\u00e7\u00e3o” e “cultura”.<\/p>\n

Terminada a consulta, que segundo dados<\/a> do MinC\u00a0recebeu 7.863 contribui\u00e7\u00f5es por meio da p\u00e1gina j\u00e1 citada, o que se segue \u00e9 a an\u00e1lise das propostas pelo minist\u00e9rio, que ir\u00e1 apresentar um balan\u00e7o com os principais destaques da reforma no dia 10 de setembro.<\/p>\n

N\u00e3o sendo especialistas jur\u00eddicos no tema, n\u00f3s tentamos fazer, em um post de 15 de mar\u00e7o deste ano<\/a>, um apanhado geral da quest\u00e3o. Na ocasi\u00e3o, destacamos quatro pontos em que a lei mostrava claro avan\u00e7o \u00e0 que est\u00e1 em vigor – e que estar\u00e1 tamb\u00e9m at\u00e9 a aprova\u00e7\u00e3o\/veto definitivo desta que est\u00e1 em discuss\u00e3o, o que poder\u00e1 demorar at\u00e9 um ano, j\u00e1 que ter\u00e1 que passar pelo congresso e, como todos sabem, estamos em \u00e9poca de elei\u00e7\u00f5es e a\u00ed j\u00e1 viu.<\/p>\n

Vale dizer que eram avan\u00e7os pequenos frente \u00e0 evolu\u00e7\u00e3o tecnol\u00f3gica de hoje e as condi\u00e7\u00f5es de acesso \u00e0 informa\u00e7\u00e3o que essa evolu\u00e7\u00e3o estabeleceu na sociedade. Mas, ainda assim, avan\u00e7os.<\/p>\n

Vejamos pontos que ressaltamos em mar\u00e7o e algumas propostas de reformula\u00e7\u00e3o:<\/p>\n

1)<\/strong><\/em> <\/strong><\/em>cria\u00e7\u00e3o de um\u00a0dispositivo que permite usos transformativos, de pequenos trechos ou integral \u2013 no caso de obras de artes pl\u00e1sticas \u2013 para cria\u00e7\u00f5es de obras pr\u00f3prias<\/em>, o que abarca diversas possibilidades de\u00a0remix; <\/em><\/p>\n

T\u00e1 l\u00e1 no cap\u00edtulo XV, \u00a0artigo 46, \u00a0que trata das limita\u00e7\u00f5es aos Direitos Autorais, inciso VIII<\/strong>. Algumas contribui\u00e7\u00f5es d\u00e3o conta de liberar qualquer obra – e n\u00e3o apenas de artes visuais –<\/strong> outras prop\u00f5em que se coloque a origem e o nome do autor<\/strong> e mais outras querem definir o que seria um “pequeno trecho”<\/strong> – 1\/4 da obra \u00e9 a principal sugest\u00e3o.<\/p>\n

\n

E t\u00eam umas quantas contribui\u00e7\u00f5es que querem acabar com todo o dispositivo, partindo daquela velha hist\u00f3ria de que a utiliza\u00e7\u00e3o “indiscriminada” das obras fere os direitos dos autores, que prejudica sua remunera\u00e7\u00e3o financeira, que d\u00e1 uma amplitude desnecess\u00e1ria \u00e0s limita\u00e7\u00f5es dos direitos dos criadores, etc. Espera-se que o MinC tenha o bom senso de manter aquela que \u00e9 uma das pequenas grande mudan\u00e7as que a lei prop\u00f5e.<\/p>\n

2)<\/strong><\/em> <\/em>permiss\u00e3o da reprodu\u00e7\u00e3o de audiovisuais, m\u00fasicas, palestras, aulas e todo tipo de comunica\u00e7\u00e3o ao p\u00fablico desde que seja para fins did\u00e1ticos, de debate, forma\u00e7\u00e3o de p\u00fablico, pesquisa, estudo e investiga\u00e7\u00e3o;<\/em><\/p>\n

T\u00e1 explicado para quais fins ser\u00e1 permitido no artigo 46, cap\u00edtulo IV, inciso XV<\/strong>. Ela vai tranquilizar o funcionamento dos cineclubes, que se encaixam na finalidade de “difus\u00e3o cultural e multiplica\u00e7\u00e3o de p\u00fablico, forma\u00e7\u00e3o de opini\u00e3o ou debate, por associa\u00e7\u00f5es cineclubistas, assim reconhecidas”.<\/p>\n

H\u00e1 propostas de amplia\u00e7\u00e3o deste dispositivo para “casamentos, festas de anivers\u00e1rios e assemelhados” – o que evitaria o pagamento desses eventos ao funesto ECAD, como acontece hoje – e outras de cria\u00e7\u00e3o de mais um caso para qual seja permitida a reprodu\u00e7\u00e3o de obras: aquelas com “finalidade de difus\u00e3o cultural por meio de r\u00e1dios e televis\u00f5es p\u00fablicas, educativas e comunit\u00e1rias, bem como iniciativas similares na interne<\/em>t”, o que nos parece deveras interessante.<\/p>\n

3)<\/strong> amplia\u00e7\u00e3o da utiliza\u00e7\u00e3o de obras para uso exclusivo de portadores de defici\u00eancia \u2013 a\u00a0reformula\u00e7\u00e3o amplia o uso para outros tipos de defici\u00eancia que n\u00e3o a visual<\/em>.<\/p>\n

No mesmo artigo 46, inciso IX.<\/strong> Vai permitir a “reprodu\u00e7\u00e3o, a distribui\u00e7\u00e3o, a comunica\u00e7\u00e3o e a coloca\u00e7\u00e3o \u00e0 disposi\u00e7\u00e3o do p\u00fablico de obras para uso exclusivo de pessoas portadoras de defici\u00eancia<\/em>“, desde que n\u00e3o vise fins comerciais. Nas propostas apresentadas, poucas modifica\u00e7\u00f5es – este parece ser um dispositivo dos menos discordantes. Ainda assim, h\u00e1 aqueles que acham que tudo na lei atual \u00e9 bem contemplado e que, tamb\u00e9m neste caso, se manifestaram contr\u00e1rios \u00e0 mudan\u00e7a.<\/p>\n

*<\/p>\n

\"\"<\/a>Monopolizar o xerox?<\/em><\/p>\n

.<\/p>\n

Mudan\u00e7as \u00e0 parte, t\u00eam atrocidades que permanecer\u00e3o como est\u00e3o. Por exemplo 1: o prazo de 70 anos ap\u00f3s a morte do autor para a obra entrar em dom\u00ednio p\u00fablico<\/strong>. 70 anos \u00e9 um exagero tremendo, e vai contra aos tamb\u00e9m exagerados 50 anos que diversos tratados internacionais assinados pelo Brasil tinham previsto.<\/p>\n

S\u00f3 para ter uma ideia: l\u00e1 no in\u00edcio do direito autoral, em 1710, o prazo de novas obras era de 14 anos, segundo nos diz Lessig em seu Cultura Livre<\/a>. Era um tempo que, depois de expirado, garantia uma competi\u00e7\u00e3o entre os livreiros e um consequente barateamento dos livros. Como hoje as formas de publica\u00e7\u00e3o est\u00e3o dispon\u00edveis a todos que tem um computador, o acesso \u00e0s obras seria muito superior – mas n\u00e3o \u00e9 todo mundo que quer isso, claro.<\/p>\n

Sabe-se que, infelizmente, o caso do dom\u00ednio p\u00fablico \u00e9 um dos mais ardidos nesta discuss\u00e3o, e n\u00e3o s\u00f3 no Brasil, como comentamos no absurdo caso da\u00a0armadilha Disney<\/a> nos EUA. N\u00e3o parece ser desta vez que a coisa v\u00e1 mudar.<\/p>\n

O que \u00e9 s\u00f3 no Brasil (e em outros poucos pa\u00edses) \u00e9 o por exemplo 2<\/strong>: a criminaliza\u00e7\u00e3o da viola\u00e7\u00e3o de direitos autorais para uso pessoal sem intuito de lucro.<\/strong> Como o estatuto da “c\u00f3pia privada” s\u00f3 prev\u00ea o uso pessoal e sem inten\u00e7\u00e3o de lucro dessa mesma c\u00f3pia, se voc\u00ea baixar um disco protegido por copyright e quiser fazer 5 c\u00f3pias dele para seus amigos, estar\u00e1 sujeito a ser punido criminalmente – ter a sua ficha “suja”, ou desvirginada.<\/p>\n

A aplica\u00e7\u00e3o de san\u00e7\u00f5es penais, um baita absurdo (que j\u00e1 comentamos detalhadamente por aqui<\/a>), vai em sentido contr\u00e1rio a legisla\u00e7\u00e3o da maioria dos pa\u00edses, que preveem apenas san\u00e7\u00f5es civis a esta mesma suposta viola\u00e7\u00e3o, como salienta\u00a0T\u00falio Vianna nesse \u00f3timo artigo<\/a> publicado na revista F\u00f3rum no final de agosto.<\/span><\/strong><\/p>\n

[San\u00e7\u00f5es civis, no caso, s\u00e3o normalmente multas – do mesmo tipo \u00e0quelas aplicadas quando tu comete uma infra\u00e7\u00e3o de tr\u00e2nsito como dirigir em velocidade acima da permitida – que n\u00e3o “sujam” a ficha de quem \u00e9 punido]<\/p>\n

Por exemplo 3: a quest\u00e3o do pagamento de uma taxa de remunera\u00e7\u00e3o para a reprografia<\/strong>, o famoso xerox nosso de cada dia que \u00e9 fundamental para a forma\u00e7\u00e3o de qualquer aluno em uma institui\u00e7\u00e3o de ensino no Brasil. A reforma vai instituir uma\u00a0regula\u00e7\u00e3o da reprodu\u00e7\u00e3o, prevendo que, para a c\u00f3pia, dever\u00e1 haver uma autoriza\u00e7\u00e3o pr\u00e9via de quem det\u00eam os direitos da obra e o pagamento de retribui\u00e7\u00e3o aos autores pelo servi\u00e7o oferecido.<\/p>\n

\n

Na pr\u00e1tica, como bem salientou T\u00falio Vianna no texto j\u00e1 citado aqui, isso significa que o direito a c\u00f3pia para uso privado e n\u00e3o comercial dever\u00e1 ser exercido apenas pelos copistas e seus estabelecimentos, aqueles que det\u00e9m uma m\u00e1quina de xerox<\/strong>. Como se v\u00ea, mais uma atrocidade, j\u00e1 que parte do mesmo pressuposto limitador que d\u00e1 direitos apenas \u00e0queles que t\u00eam meios de (re) produ\u00e7\u00e3o, uma clara restri\u00e7\u00e3o a toda sociedade.<\/p>\n

[Vem c\u00e1 pensar conosco: esse artigo vai criar uma bizarra rela\u00e7\u00e3o da sociedade com os tais “estabelecimentos” de c\u00f3pia. Quem vai regular o servi\u00e7o? Como que estes direitos ser\u00e3o recolhidos pelas editoras? As editoras v\u00e3o “querer” cobrar direitos autorais por xerox ou v\u00e3o pressionar para que estes copiadores se tornem compradores, como acontece hoje?<\/p>\n

Existe outro problema tamb\u00e9m: a cria\u00e7\u00e3o de uma improv\u00e1vel motiva\u00e7\u00e3o para se estabelecer um cartel de copiadores – o que pode restringir o acesso a estas obras mais do que ampliar e democratizar, que \u00e9 o objetivo principal desta reforma. Na pr\u00e1tica, imaginamos duas situa\u00e7\u00f5es poss\u00edveis: esse artigo j\u00e1 nascer\u00e1 morto e tudo vai continuar no mesmo, ou vai restringir ainda mais o acesso que propunha ampliar, o que por sua vez vai potencializar a exist\u00eancia de m\u00e1quinas (e copiadores) “ilegais”<\/strong>. As duas situa\u00e7\u00f5es s\u00e3o p\u00e9ssimas.]<\/p>\n

\"\"<\/a>(N\u00e3o) veja milagre onde n\u00e3o h\u00e1<\/em><\/p>\n

**<\/p>\n

Fiquemos de olho no dia 10 de setembro, quando o MinC vai fazer o tal balan\u00e7o das principais propostas de altera\u00e7\u00e3o da lei. E depois na reda\u00e7\u00e3o final da proposta que ser\u00e1 encaminhada ao congresso – provavelmente depois das elei\u00e7\u00f5es, em novembro. E ainda tem o andamento da reformula\u00e7\u00e3o no congresso, onde uma prov\u00e1vel press\u00e3o ser\u00e1 exercida pelos poderosos culturais.<\/p>\n

Para mais informa\u00e7\u00f5es jur\u00eddicas sobre o assunto, recomendamos o livro rec\u00e9m lan\u00e7ado “Estudos de Direito de Autor – A Revis\u00e3o da Lei de Direitos Autorais<\/a>” (capa abaixo), organizado a partir do III Congresso de Direito de Autor e Interesse P\u00fablico<\/strong>, realizado em novembro de 2009 pelo Grupo de Estudos de Direito de Autor e Informa\u00e7\u00e3o \u2013 GEDAI<\/a>, da UFSC, que por sinal est\u00e1 aceitando at\u00e9 dia 5 desse m\u00eas (pr\u00f3ximo domingo)\u00a0artigos para a IV edi\u00e7\u00e3o do evento, a ser realizado de 27 a 29 desse m\u00eas em Florian\u00f3polis, no campus da UFSC.<\/p>\n

\"\"<\/a><\/p>\n

Al\u00e9m do livro, h\u00e1 de se acompanhar os sempre interessantes blog de Pedro Paranagu\u00e1<\/a>, professor da FGV-RJ e doutorando em propriedade intelectual na Duke University, nos EUA; a p\u00e1gina do grupo de pesquisa\u00a0Gpopai<\/a> da USP, especialmente a an\u00e1lise sobre a reforma da lei por Pablo Ortellado<\/a>, pesquisador do grupo; e o blog N\u00e3o Gosto de Pl\u00e1gio<\/a>, de Denise Bottman, incans\u00e1vel guerreira contra os pl\u00e1gios realizados por pregui\u00e7a e lucro f\u00e1cil.<\/p>\n

Cr\u00e9ditos imagens: 1<\/a>, 2, 3<\/a>.<\/address>\n

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