{"id":331,"date":"2008-10-29T17:02:08","date_gmt":"2008-10-29T17:02:08","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=331"},"modified":"2008-10-29T17:02:08","modified_gmt":"2008-10-29T17:02:08","slug":"uma-voz-do-presente","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2008\/10\/29\/uma-voz-do-presente\/","title":{"rendered":"Uma voz do presente"},"content":{"rendered":"

[youtube=http:\/\/www.youtube.com\/watch?v=zEKfBf8aKtw]<\/p>\n

“Escuta Wado, bicho! Esse cara \u00e9 completamente contempor\u00e2neo! Escuta!”, foi o primeiro elogio que ouvi sobre a obra do cantor e compositor catarinense, mas a conex\u00e3o ruim \u00e9\u00a0a verdadeira inimiga da cultura livre e depois de ouvir o elogio levou ainda algum tempo at\u00e9 que eu conseguisse baixar seu primeiro disco, O Manifesto da Arte Perif\u00e9rica<\/strong> (2001),\u00a0encontrado solit\u00e1rio numa comunidade de orkut.<\/p>\n

Tempo o bastante pra que eu me tocasse do melhor: n\u00e3o apenas o primeiro disco, toda a obra de Wado at\u00e9 aqui<\/a> t\u00e1 dispon\u00edvel pra download, desdo Manifesto, passando por Cinema Auditivo<\/strong> (2002) e A Farsa do Samba Nublado<\/strong> (2004) at\u00e9 Terceiro Mundo Festivo<\/strong>, lan\u00e7ado este ano e em processo de divulga\u00e7\u00e3o, com shows at\u00e9 agora\u00a0realizados do Par\u00e1\u00a0a SP, passando por\u00a0Pernambuco, Cear\u00e1, Distrito Federal, Bahia e Alagoas, onde o cantor reside h\u00e1 quase dois anos.<\/p>\n

Na verdade, pra onde voltou h\u00e1 quase dois anos. Nascido em Santa Catarina,\u00a0com oito anos de idade Wado se mudou pra Macei\u00f3, e\u00a0l\u00e1 viveu o bastante pra\u00a0chegar a\u00a0gravar os dois primeiros discos. Depois disso, dois anos e meio no Rio\u00a0+ um ano em S\u00e3o Paulo.<\/p>\n

A volta pro nordeste coincidiu com\u00a0outra mudan\u00e7a, essa\u00a0na discografia do cantor:\u00a0o ingresso\u00a0no independente.\u00a0Com um primeiro disco lan\u00e7ado\u00a0pelo selo\u00a0Dubas [do compositor Ronaldo Bastos] e os dois seguintes pela Outros Discos, Wado primeiro jogou Terceiro Mundo Festivo na rede\u00a0pra\u00a0somente em seguida\u00a0lan\u00e7ar o\u00a0produto material,\u00a0sem selo mesmo.<\/p>\n

\"wado\"<\/a><\/p>\n

Perguntado,\u00a0ele associa\u00a0tanto o uso da internet\u00a0quanto a entrada no independente\u00a0\u00e0 necessidade de renova\u00e7\u00e3o criativa. “Eu tava me reconstruindo, tentando n\u00e3o me repetir. Me pareceu uma boa estrat\u00e9gia”, ele me diz no msn e eu respondo que acredito ter funcionado.\u00a0Mas voltando um pouco. Como \u00e9 que os primeiros discos [que t\u00eam selo]\u00a0foram parar na rede?\u00a0As gravadoras liberaram, e tal? “O que rolou foi que os contratos acabaram. Os contratos est\u00e3o mais curtos hoje em dia, geralmente com dois anos o disco volta pra mim. Da\u00ed chegou uma hora que era tudo meu novamente e eu postei tudo no site”, e se tu [como eu] n\u00e3o fazia id\u00e9ia dessa mudan\u00e7a nos contratos\u00a0com gravadora, o\u00a0compositor explica: “os contratos come\u00e7am como padr\u00e3o, mas quando tu n\u00e3o t\u00e1 mais no primeiro disco d\u00e1 pra negociar uns detalhes”.<\/p>\n

Baixo ent\u00e3o\u00a0disco ap\u00f3s disco\u00a0e sem\u00a0procurar encontro aquilo de que me haviam alertado, a contemporaneidade da voz, da palavra e do som do artista, profundamente pessoais [pra mim o nome disso \u00e9 sotaque, nos discos de Wado at\u00e9 os timbres dos instrumentos o t\u00eam.]\u00a0ao mesmo tempo que\u00a0sempre sens\u00edveis ao outro, ao fora, ao que n\u00e3o \u00e9 umbigo. \u00c9 isso para mim a ‘arte perif\u00e9rica’ de Wado: um olhar e um modo de se relacionar com as coisas mais do que um tema. Uma sensibilidade que fala s\u00f3\u00a0do que lhe emociona, e que refinada se emociona com coisas que mal vemos. Um carteiro de favela empenhado na ingrata tarefa de\u00a0vencer as ruas fora de cat\u00e1logo\u00a0bebe com cora\u00e7\u00e3o tranquilo sua cerveja no final do dia. P\u00e9 que d\u00e1 fruta \u00e9 o que mais leva pedra, e uma raiz \u00e9 uma flor que despreza a fama. Meu corpo escuta o groove com os poros e pensa, o groove\u00a0introduz leveza na subvers\u00e3o sonora.<\/p>\n

E escuto ent\u00e3o isso tudo e penso no dilema do artista contempor\u00e2neo, ou melhor, no dilema contempor\u00e2neo do artista, construir trajet\u00f3ria, batalhar grana, tocar em Paris e\u00a0produzir o pr\u00f3prio show, gravar o pr\u00f3prio trabalho e procurar trabalho. \u00c9 a\u00ed que dou uma boa olhada no meu pr\u00f3prio entusiasmo e penso, que beleza, nada \u00e9 t\u00e3o simples quanto parece, nada se reduz ao tamanho gigantesco de nossos entusiasmos, e sou obrigado a segurar minha pr\u00f3pria onda quando escuto de Wado que voltar pro centro \u00e9 uma possibilidade, que\u00a0“voltar \u00e9 pra ter mais visibilidade”. Que nem tudo s\u00e3o flores no 3\u00ba mundo apesar da festa e que mesmo a decis\u00e3o de descer pro sudeste novamente n\u00e3o depende s\u00f3 do seu talento ou do que\u00a0sua voz tem a dizer de n\u00f3s. Que \u00e9 preciso\u00a0ainda se\u00a0“preparar pra poder trabalhar com outras coisas por l\u00e1, eu n\u00e3o consigo viver s\u00f3 de m\u00fasica”.<\/p>\n

[youtube=http:\/\/www.youtube.com\/watch?v=Dt2i4D2bic8&feature=related]<\/p>\n

At\u00e9\u00a0a perman\u00eancia no independente e a distribui\u00e7\u00e3o livre do seu trabalho na internet, esses dois enormes entusiamos do declarado f\u00e3 que\u00a0sou, n\u00e3o\u00a0t\u00eam\u00a0futuro certo. Da internet os frutos, segundo o compositor,\u00a0t\u00eam sido\u00a0mais shows vendidos,\u00a0melhor distribui\u00e7\u00e3o e at\u00e9, imagine voc\u00ea, mais vendas de disco [“depois de ouvirem as pessoas querem a coisa fisicamente tamb\u00e9m”]. Eu acho massa. Mas ele mesmo n\u00e3o tem certeza se seguir\u00e1 na trilha recentemente aberta e t\u00e1 tranquilamente aberto a negociar contrato com gravadora. “Acumula muita fun\u00e7\u00e3o pra mim, ter de ser artista, gravadora, produtor. Essas porras todas”, n\u00e9?<\/p>\n

\"\"<\/a><\/p>\n

\u00c9 assim que nem tudo \u00e9 festa no\u00a03\u00ba mundo festivo e que apesar da festa, dos quatro excelentes discos [baixa logo, maluco!], do enorme talento, da singularidade de sua proposta\u00a0e da disposi\u00e7\u00e3o em seguir fazendo o melhor nas condi\u00e7\u00f5es dadas, sejam elas quais forem, o futuro do artista perif\u00e9rico \u00e9 que nem morar de aluguel: provis\u00f3rio e em permanente mudan\u00e7a.<\/p>\n

E Wado nem reclama. “A vida t\u00e1 boa”, ele diz, e eu penso no quanto isso fala sobre sua m\u00fasica, que se fosse pra dizer do que se trata ao inv\u00e9s de escrever\u00a0este texto eu diria isso, \u00e9 trilha sonora pra\u00a0vida boa, pra dan\u00e7ar a li\u00e7\u00e3o do samba: dan\u00e7ar\u00a0a vida boa quando a vida n\u00e3o t\u00e1\u00a0f\u00e1cil, que a vida mesmo nunca \u00e9.<\/p>\n

[Reuben da Cunha Rocha.<\/strong>]<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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