{"id":3205,"date":"2010-06-21T12:44:23","date_gmt":"2010-06-21T12:44:23","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=3205"},"modified":"2010-06-21T12:44:23","modified_gmt":"2010-06-21T12:44:23","slug":"confissoes-de-um-plagiador-por-william-gibson","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2010\/06\/21\/confissoes-de-um-plagiador-por-william-gibson\/","title":{"rendered":"Confiss\u00f5es de um plagiador, por William Gibson"},"content":{"rendered":"

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Escritor de no m\u00ednimo nove livros de fic\u00e7\u00e3o, pai do ciberespa\u00e7o e do steampunk, tuiteiro<\/a>, William Gibson<\/a> contribuiu para uma reportagem de capa da revista Wired (de novo ela) em 2005. A mat\u00e9ria “Remix Planet” versava sobre o estado das recombina\u00e7\u00f5es at\u00e9 ent\u00e3o, seja na literatura de Gibson, na m\u00fasica do Gorillaz, no cinema de Tarantino ou em outras diversas \u00e1reas que sempre tiveram refer\u00eancias expl\u00edcitas e impl\u00edcitas em outras obras. \u00a0Em seu texto<\/a>, o autor conta um pouco da influ\u00eancia que teve de outro William escritor, o beat Burroughs, e de sua vis\u00e3o da cultura remix. Novamente, n\u00e3o foi um texto f\u00e1cil de se passar para o portugu\u00eas, portanto se algum estudioso da obra dele aparecer por aqui, como a Adriana Amaral<\/a> ou o F\u00e1bio Fernandes<\/a>, por favor nos corrijam. \u00c9 ano de copa, e mais grave ainda m\u00eas de copa, ent\u00e3o estamos numa fase atribulada. A rica reportagem tamb\u00e9m trazia um gr\u00e1fico mui interessante sobre a hist\u00f3ria do remix no s\u00e9culo XX, confer\u00edvel logo depois da tradu\u00e7\u00e3o. Apreciem que mais coisa da revista vem por a\u00ed.<\/p>\n

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Confiss\u00f5es de um artista plagiador<\/strong><\/h2>\n

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Quando eu tinha 13 anos, em 1961, eu secretamente adquiri uma antologia da Gera\u00e7\u00e3o Beat – pressentindo, corretamente, que minha m\u00e3e n\u00e3o iria aprovar.<\/p>\n

Imediatamente, e para minha grande excita\u00e7\u00e3o, eu descobri Allen Ginsberg, Jack Kerouac, e um William S. Burroughs – autor de alguma coisa chamada Almo\u00e7o Nu<\/em>, extra\u00eddo ali com todo o seu brilhantismo cintilante.<\/p>\n

Burroughs era ent\u00e3o como um literato radical tal como o mundo tinha para oferecer, e na minha opini\u00e3o, ele ainda det\u00e9m o t\u00edtulo. Nada, em toda a minha experi\u00eancia de literatura at\u00e9 ent\u00e3o, foi t\u00e3o marcante para mim, e nada jamais teve um efeito t\u00e3o forte sobre o meu senso das \u00edngremes possibilidades da escrita.<\/p>\n

Mais tarde, tentando entender esse impacto, descobri que Burroughs havia incorporado fragmentos de textos de outros escritores em seu trabalho, uma a\u00e7\u00e3o que eu sabia que meus professores teriam chamado pl\u00e1gio. Alguns destes empr\u00e9stimos foram furtados da fic\u00e7\u00e3o cient\u00edfica americana dos anos 40 e 50, adicionando um choque secund\u00e1rio de reconhecimento para mim.<\/p>\n

At\u00e9 ent\u00e3o eu sabia que este “m\u00e9todo cut-up”, como Burroughs chamava, era central para o que seja que ele pensou que estava fazendo, e que literalmente acreditava que fosse semelhante \u00e0 magica. Quando ele escreveu sobre o seu processo, os cabelos do meu pesco\u00e7o se levantaram, t\u00e3o palp\u00e1vel foi a emo\u00e7\u00e3o. Experimentos com fita de \u00e1udio inspiraram-no de uma maneira similar: “brinquedinho de Deus” foi como seu amigo Brion Gysin<\/a> chamou o toca-fitas deles.<\/p>\n

Sampling. Burroughs estava interrogando o universo com uma tesoura e um pote de cola, e a m\u00ednima imita\u00e7\u00e3o de outros autores n\u00e3o era considerada pl\u00e1gio.<\/p>\n

Uns 20 anos depois, quando nossos caminhos finalmente se cruzaram, eu perguntei \u00e0 Burroughs se ele ainda estava escrevendo em um computador. “Para que eu ia querer um computador?” perguntou ele, com evidente desgosto. “Eu tenho uma m\u00e1quina de escrever.”<\/p>\n

Mas eu j\u00e1 sabia que um processador de texto era outro dos brinquedinhos de Deus, e que a tesoura e o pote de cola estavam sempre l\u00e1 para mim, no desktop do meu Apple IIc<\/a>. Os m\u00e9todos de Burroughs, que tamb\u00e9m funcionaram para Picasso, Duchamp e Godard, foram constru\u00eddos para a tecnologia atrav\u00e9s da qual eu agora componho minhas pr\u00f3prias narrativas. Tudo o que eu escrevi, acreditava instintivamente, era uma extensa colagem. Finalmente o significado parecia uma quest\u00e3o de dados adjacentes.<\/p>\n

Depois, explorando possibilidades do (assim chamado) ciberespa\u00e7o, eu preenchi minhas narrativas com refer\u00eancias a um ou outro tipo de colagem: o AI em Count Zero<\/a> [romance de Gibson, publicado em 1986, traduzido para o Brasil com o mesmo t\u00edtulo<\/em>]\u00a0que emula Joseph Cornell<\/a>, o ambiente de assembl\u00e9ia constru\u00eddo sobre a Ponte da Ba\u00eda<\/a> em Virtual Light<\/a> [outro romance de Gibson, publicado em 1993, sem tradu\u00e7\u00e3o para o portugu\u00eas<\/em>].<\/p>\n

Enquanto isso, no in\u00edcio dos anos 70 na Jamaica, King Tubby<\/a> e Lee “Scratch” Perry<\/a>, grandes vision\u00e1rios, foram desconstruindo a m\u00fasica gravada. Usando um espantosamente primitivo hardware pr\u00e9-digital, eles criaram o que chamaram de vers\u00f5es. A natureza recombinante dos seus meios de produ\u00e7\u00e3o rapidamente se espalhou para DJs em Nova York e Londres.<\/p>\n

Nossa cultura n\u00e3o se importa mais em usar as palavras como apropria\u00e7\u00e3o<\/em> ou empr\u00e9stimo<\/em> para descrever estas muitas atividades. A audi\u00eancia de hoje n\u00e3o est\u00e1 escutando tudo; est\u00e1 participando. Na verdade, audi\u00eancia \u00e9 um termo t\u00e3o antigo como grava\u00e7\u00e3o, um arcaicamente passivo, outro arcaicamente f\u00edsico. A grava\u00e7\u00e3o, e n\u00e3o o remix, \u00e9 a anomalia hoje. O remix \u00e9 a verdadeira natureza do digital.<\/p>\n

Hoje, um processo intermin\u00e1vel, recombinante e fundamentalmente social gera horas incont\u00e1veis de produto criativo (um outro termo antigo?). Dizer que isso representa uma amea\u00e7a para a ind\u00fastria fonogr\u00e1fica \u00e9 simplesmente c\u00f4mico. A ind\u00fastria do disco, embora n\u00e3o saiba ainda, tem seguido o caminho da grava\u00e7\u00e3o. Em vez disso, o recombinante (o bootleg, o remix, o mash-up) se tornou a caracter\u00edstica central na virada dos nossos dois s\u00e9culos.<\/p>\n

Vivemos em um momento peculiar, em que o registro (um objeto) e a recombina\u00e7\u00e3o (um processo) ainda, embora brevemente, coexistem. Mas parece haver poucas d\u00favidas quanto \u00e0 dire\u00e7\u00e3o que as coisas est\u00e3o indo. A recombina\u00e7\u00e3o \u00e9 manifestada em formas t\u00e3o diversas como a graphic novel de Alan Moore, A Liga Extraordin\u00e1ria<\/a>, machinimas\u00a0[imagens de games editadas como se fossem um filme<\/a><\/em>] geradas com mecanismos de jogo (Quake, Doom, Halo), toda a biblioteca metastasiada de remixes do Grito de Dean<\/a>, distor\u00e7\u00e3o de g\u00eanero fan fiction<\/a> dos universos de Star Trek ou Buffy ou (mais satisfat\u00f3rio, de longe), ambos de uma vez, a Edi\u00e7\u00e3o Fantasma<\/a> sem JarJar Binks (som de uma audi\u00eancia votando com seus dedos), t\u00eanis esportivos h\u00edbridos de marcas, felizmente transgressores de logotipo de salto em dist\u00e2ncia, e produtos como as figuras Kubrick<\/a>, colecion\u00e1veis do Jap\u00e3o que s\u00e3o astutamente mascarados como desalmadas unidades corporativas, resgatados do anonimato atrav\u00e9s da aplica\u00e7\u00e3o de uma cuidadosa e agressiva pintura “customizada”.<\/p>\n

N\u00f3s raramente legislamos sobre novas tecnologias que nascem. Elas surgem, e n\u00f3s mergulhamos com elas em quaisquer v\u00f3rtices de mudan\u00e7a que elas gerem. N\u00f3s legislamos ap\u00f3s o fato, em um jogo perp\u00e9tuo de pega-pega, tanto melhor quanto podemos, enquanto nossas novas tecnologias nos redefinem – t\u00e3o certamente e talvez t\u00e3o terr\u00edvel como temos sido redefinidos pela televis\u00e3o.<\/p>\n

“Quem \u00e9 o dono das palavras?” perguntou uma desencarnada mas muito persistente voz durante a maior parte da obra de Burroughs. Quem \u00e9 o dono delas agora? Quem \u00e9 dono da m\u00fasica e do resto da nossa cultura? N\u00f3s somos. Todos n\u00f3s.<\/p>\n

Embora nem todos saibamos disso – ainda.<\/p>\n

O mais recente romance de William Gibson \u00e9 Reconhecimento de Padr\u00f5es [edi\u00e7\u00e3o brasileira pela Aleph<\/a><\/em>, tradu\u00e7\u00e3o de F\u00e1bio Fernandes].<\/em><\/p>\n<\/blockquote>\n

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Fontes das imagens: foto<\/a>, capa da revista<\/a>.<\/p>\n

[Marcelo De Franceschi]<\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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