{"id":2895,"date":"2010-04-18T13:17:49","date_gmt":"2010-04-18T13:17:49","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=2895"},"modified":"2010-04-18T13:17:49","modified_gmt":"2010-04-18T13:17:49","slug":"pequeno-ensaio-para-o-final-e-inicio-de-semana-2","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2010\/04\/18\/pequeno-ensaio-para-o-final-e-inicio-de-semana-2\/","title":{"rendered":"Pequeno ensaio para o final e in\u00edcio de semana (2)"},"content":{"rendered":"
.<\/p>\n
Depois de tr\u00eas semanas, damos sequ\u00eancia \u00e0 pequena tentativa ensa\u00edstica que relaciona o texto “Fases do desenvolvimento tecnol\u00f3gico e suas implica\u00e7\u00f5es nas formas de ser, conhecer, comunicar e produzir em sociedade”, <\/strong>de Alex Primo<\/a>, <\/strong>com outras coisas e contextos. Nessa segunda parte, vamos tratar da segunda das tr\u00eas fases que d\u00e3o t\u00edtulo ao artigo, a do conforto<\/strong>, que se segue \u00e0 da Indiferen\u00e7a e precede a da Ubiquidade, tema da parte tr\u00eas do ensaio. Vale dizer que estas categorias s\u00e3o baseadas nas pesquisas de Andr\u00e9 Lemos<\/a> e podem ser mais bem compreendidas com a leitura de seu livro Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contempor\u00e2nea<\/em><\/span> (editado em 2002 <\/span>pela Editora Sulina<\/span><\/a>)<\/span>. <\/strong><\/p>\n Como vimos na primeira parte<\/a>, a fase da Indiferen\u00e7a vai at\u00e9 mais ou menos o per\u00edodo da inven\u00e7\u00e3o da Imprensa por Gutemberg, no s\u00e9culo XV, o nebuloso per\u00edodo que a hist\u00f3ria (provavelmente errada, certamente incompleta) que aprendemos no Ensino M\u00e9dio caracteriza como o fim da Idade M\u00e9dia. A “indiferen\u00e7a” em quest\u00e3o se refere \u00e0 t\u00e9cnica, pois costumava-se entend\u00ea-la como um trabalho menor, subjugado ao interesse \u201creligioso\u201d e da tradi\u00e7\u00e3o, esses sim os portadores do conhecimento – a sociedade n\u00e3o ligava o seu destino ao desenvolvimento tecnol\u00f3gico, e por conta disso quase que o “menos prezava”. Essa vis\u00e3o de mundo vai refletir na percep\u00e7\u00e3o de autoria que marca este per\u00edodo, caracterizada pela ideia de narrativas orais, passadas no boca a boca por diversas d\u00e9cadas e at\u00e9 s\u00e9culos, que n\u00e3o apresentavam um “\u00fanico” autor como o magn\u00e2nimo respons\u00e1vel pelo texto, mas sim uma s\u00e9rie infinita de pequenos e talentosos “autores” \u00a0an\u00f4nimos que davam sua contribui\u00e7\u00e3o para o bom desenrolar da narrativa.<\/p>\n [Borges falava que temos tend\u00eancia em achar os contos an\u00f4nimos, caracter\u00edsticos dessa \u00e9poca, como menos trabalhados e menos autorais, o que ele desmistifica dizendo que n\u00e3o, muito pelo\u00a0contr\u00e1rio: “um conto autoral tem um autor, um conto an\u00f4nimo tem 100 pessoas que trouxeram uma s\u00edntese do que comunicava melhor”, o que \u00e9 papo para um outro moment<\/em>o.]<\/span><\/em><\/p>\n <\/span><\/em><\/p>\n Arthur e os Cavaleiros da T\u00e1vola Redonda, uma cl\u00e1ssica hist\u00f3ria (lenda?) an\u00f4nima popularizada pelo cl\u00e9rigo britanico Geoffrey de Monmouth, no s\u00e9culo XII.<\/p><\/div>\n Durante muitos s\u00e9culos, n\u00e3o se percebeu a necessidade da cria\u00e7\u00e3o de leis que regulassem o que seriam “direitos do autor” porque a pr\u00f3pria no\u00e7\u00e3o de autoria \u00fanica n\u00e3o era muito bem entendida. A partir de uma s\u00e9rie de fatos e novidades – que n\u00e3o comentarei aqui por que Michel Foucault<\/a> levanta e problematiza de modo muito melhor em diversos textos, em especial no cl\u00e1ssico “O que \u00e9 um autor?<\/a>“,\u00a0de 1969, assim como Roland Barthes<\/a> no tamb\u00e9m cl\u00e1ssico “A morte do autor<\/a>“, – que culminam com a prolifera\u00e7\u00e3o das imprensas de Gutemberg no s\u00e9culo XV, cria-se, ou consolida-se, a ideia do autor como algu\u00e9m em que se pudesse colocar a “culpa” por poss\u00edveis transgress\u00f5es no discurso, bem como se atribuir a “paternidade” do nascimento de um texto e poss\u00edveis marcas identit\u00e1rias presentes no mesmo.<\/p>\n Com a ideia de autor surge ent\u00e3o a quest\u00e3o de direitos para este autor, sejam os morais, que dizem respeito ao reconhecimento para quem criou a obra em quest\u00e3o e da integridade da mesma, quanto os patrimoniais, que falam a quem “pertence” o texto em quest\u00e3o. \u00c9 nesse momento que, dentro do direito patrimonial, surge o copyright a partir da prolifera\u00e7\u00e3o dos equipamentos que pudessem fazer a c\u00f3pia de textos.\u00a0Como falamos no fim do ensaio anterior, \u00e9 criado na Inglaterra de 1556 a\u00a0Stationer\u2019s Company<\/em> [“Companhia dos Editores”], um grupo de profissionais que, mediante acordo com a monarquia inglesa, passa a deter a exclusividade do direito de copiar. \u00c9 sabido que para a monarquia inglesa – e para todo tipo de governo, especialmente da \u00e9poca – n\u00e3o era nada interessante ter diversas pessoas com estas m\u00e1quinas de impress\u00e3o espalhando livremente textos ap\u00f3crifos para a coitada da popula\u00e7\u00e3o que sabia ler, n\u00famero n\u00e3o muito grande \u00e0 \u00e9poca.<\/p>\n Depois de algumas reviravoltas na hist\u00f3ria inglesa (leia o texto que traduzimos<\/a> do Wu Ming sobre o assunto que voc\u00ea entender\u00e1 melhor), no s\u00e9culo XVII os editores s\u00e3o enfraquecidos e, para retomar o seu poder, criam uma campanha com o seguinte argumento: o copyright pertence ao autor, que, no entanto, n\u00e3o possui m\u00e1quinas de impress\u00e3o. Estas pertencem aos editores, o que faz os autores necessitarem do editor. Como regular esse imbr\u00f3glio? Simples: o autor, interessado em que a obra seja publicada, cede os direitos ao editor por um determinado per\u00edodo. Como Wu Ming no texto supracitado nos conta,<\/p>\n “A justificativa ideol\u00f3gica n\u00e3o se baseia mais em censura, mas na necessidade do mercado. Todos os mitos que da\u00ed derivam acerca dos direitos do autor se baseiam no lobby dos editores: autores s\u00e3o for\u00e7ados a cederem seus direitos\u2026mas isso \u00e9 pro seu pr\u00f3prio bem”. (…) De agora em diante, autores se mobilizar\u00e3o em defesa de um\u00a0status quo<\/em> que consiste neles pr\u00f3prios esperarem ao p\u00e9 da mesa pelas migalhas e por um tapinha na cabe\u00e7a. P\u00e1, p\u00e1! Au!<\/em><\/p>\n<\/blockquote>\n \n \n Esse acordo dos editores brit\u00e2nicos com os autores e a monarquia antecede e influencia todas as leis seguintes de copyright (desde a Conven\u00e7\u00e3o de Berna<\/a> em 1971 at\u00e9 o Digital Millenium Copyright Act<\/a>)\u00a0at\u00e9 chegar ao est\u00e1gio atual que temos acompanhado, com a revolu\u00e7\u00e3o proporcionada pela web e o amplo questionamento da validade de uma legisla\u00e7\u00e3o criada num contexto absurdamente diferente do de hoje, onde quase todos n\u00f3s temos acesso aquela tecnologia que antes os editores monopolizavam.<\/p>\n \n \n Oficina portuguesa de imprensa, d\u00e9cada de 1930, s\u00e9culo XX<\/p><\/div>\n **<\/p>\n Esta explica\u00e7\u00e3o sobre o nascimento da no\u00e7\u00e3o do autor e do copyright ilustra bem as caracter\u00edsticas da fase do conforto<\/strong>. A principal altera\u00e7\u00e3o neste momento hist\u00f3rico vem do fato de que a ci\u00eancia vai substituir a religi\u00e3o no monop\u00f3lio da verdade, e, nas palavras de Lemos encontradas na p\u00e1gina 56 de seu livro j\u00e1 citado por aqui, \u201ca tecnologia faz do homem um Deus na administra\u00e7\u00e3o racional do mundo\u201d. Pensadores como Descartes passam a exaltar o racionalismo, a divis\u00e3o mente-mat\u00e9ria que vai “libertar” o conhecimento da tutela religiosa\/espiritual e desenvolv\u00ea-lo como nunca a partir de ent\u00e3o. Primo nos diz, na p\u00e1gina 56 do texto que citamos na abertura do texto, que a partir de Descartes<\/p>\n “a modernidade \u00a0passa a abordar o\u00a0conhecimento como um processo que deve ser desenvolvido a partir da\u00a0d\u00favida eterna. Se at\u00e9 ent\u00e3o a tradi\u00e7\u00e3o n\u00e3o deveria ser desafiada, a parti\u00a0de agora a verdade deve ser buscada desde a an\u00e1lise sistem\u00e1tica e met\u00f3dica dos fen\u00f4menos. A partir do s\u00e9culo XVII, aparece a figura do pesquisador profissional e organiza-se a id\u00e9ia de pesquisa. J\u00e1 os letrados europeus passam a se envolver com projetos de reformas econ\u00f4micas, sociais e\u00a0pol\u00edticas. (…) Ci\u00eancia e progresso vinculam-se.<\/em><\/p>\n<\/blockquote>\n Dessa vincula\u00e7\u00e3o entre ci\u00eancia e progresso surge uma met\u00e1fora que vai balizar a educa\u00e7\u00e3o desse per\u00edodo e permanecer influenciando at\u00e9 hoje: a ideia de “escada”, de evolu\u00e7\u00e3o linear, da qual a sociedade necessita passar por certas etapas mais simples para chegar at\u00e9 outras mais complexas. \u00c9 uma vis\u00e3o que determina uma sucess\u00e3o de eventos como necess\u00e1rias para o progresso, algo que podemos visualizar ainda hoje na forma como somos educados, em etapas chamadas “s\u00e9ries” que levam continuamente a pessoa para o “progresso”, aqui representado pelo conhecimento cient\u00edfico e universit\u00e1rio, que vai “dominar” a natureza para do seu estudo\/an\u00e1lise retirar a sabedoria, o conhecimento e – por que n\u00e3o? – o dinheiro. Como se v\u00ea, uma perspectiva que \u00e9 contr\u00e1ria \u00e0 da fase anterior, que respeitava e temia os “monstros obscuros” da natureza e da tradi\u00e7\u00e3o, acreditando mais neste poder invis\u00edvel do que no do racionalismo humano.<\/p>\n O per\u00edodo do conforto <\/strong>permanece at\u00e9 meados\/finais do s\u00e9culo XX, onde a revolu\u00e7\u00e3o da nanotecnologia – que, ao diminuir significativamente os componentes eletr\u00f4nicos, vai abrir um leque inimagin\u00e1vel de possibilidades tecnol\u00f3gicas – traz novas perspectivas para o desenvolvimento. Especialmente no caso da comunica\u00e7\u00e3o, j\u00e1 que a nanotecnologia vai preceder, permear e indicar os passos futuros do desenvolvimento das redes, que por sua vez v\u00e3o ultrapassar barreiras geogr\u00e1ficas e temporais para modificar o at\u00e9 ent\u00e3o fluxo \u00fanico de informa\u00e7\u00e3o, de um-muitos para muitos-muitos, o que vai contribuir para a cria\u00e7\u00e3o do que te\u00f3ricos como o espanhol Manuel Castells<\/a> chama de “sociedade em rede<\/em>” (por sinal, t\u00edtulo de uma s\u00e9rie de tr\u00eas volumes grossos do pesquisador espanhol, important\u00edssima para se compreender o mundo hoje). Da\u00ed surge uma revolu\u00e7\u00e3o que muitos comparam \u00e0 da inven\u00e7\u00e3o da Imprensa de Gutemberg, e que vai potencializar a ideia de ubiquidade, <\/strong>o estar em toda a parte e em todos os lugares\u00a0 – que vai ser o foco do pr\u00f3ximo ensaio.<\/p>\n [<\/span>Leonardo Foletto.]<\/span><\/strong><\/p>\n Cr\u00e9ditos fotos: 1<\/a>,2<\/a>,\u00a03<\/a>, 4<\/a>.<\/span><\/strong><\/p>\n \n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" . Depois de tr\u00eas semanas, damos sequ\u00eancia \u00e0 pequena tentativa ensa\u00edstica que relaciona o texto “Fases do desenvolvimento tecnol\u00f3gico e suas implica\u00e7\u00f5es nas formas de ser, conhecer, comunicar e produzir em sociedade”, de Alex Primo, com outras coisas e contextos. Nessa segunda parte, vamos tratar da segunda das tr\u00eas fases que d\u00e3o t\u00edtulo ao artigo, […]<\/p>\n","protected":false},"author":2,"featured_media":8176,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":[],"categories":[359,126],"tags":[216,358,292,146,147,360,198],"post_folder":[],"jetpack_featured_media_url":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-content\/uploads\/2012\/07\/essays_montaigne1-1.jpg","_links":{"self":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/2895"}],"collection":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/users\/2"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=2895"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/2895\/revisions"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/media\/8176"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=2895"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=2895"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=2895"},{"taxonomy":"post_folder","embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/post_folder?post=2895"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}<\/a><\/p>\n
<\/a>
\n
<\/a>
\n
<\/a><\/p>\n