{"id":2886,"date":"2010-05-10T11:23:50","date_gmt":"2010-05-10T11:23:50","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=2886"},"modified":"2010-05-10T11:23:50","modified_gmt":"2010-05-10T11:23:50","slug":"pequenos-grandes-momentos-ilustrados-da-historia-da-recombinacao-1-detournement","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2010\/05\/10\/pequenos-grandes-momentos-ilustrados-da-historia-da-recombinacao-1-detournement\/","title":{"rendered":"Pequenos grandes momentos ilustrados da hist\u00f3ria da recombina\u00e7\u00e3o (1): D\u00e9tournement"},"content":{"rendered":"
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Desde o in\u00edcio do BaixaCultura, temos falado de alguns t\u00f3picos que envolvem o hist\u00f3rico da recombina\u00e7\u00e3o voltada \u00e0 arte e a cultura. Reuben comentou aspectos espec\u00edficos dessa quest\u00e3o na tradu\u00e7\u00e3o do pequeno manual do\u00a0festival do pl\u00e1gio (parte I<\/a> e II<\/a>), um evento interessant\u00edssimo criado por Stewart Home<\/a> na Inglaterra dos anos 80 e influenciado pelo situacionismo, punk, neo\u00edsmo e outras vanguardas art\u00edsticas da qual o pr\u00f3prio Home tratou em seu livro “Assalto \u00e0 Cultura<\/a>“, um levantamento hist\u00f3rico e sarc\u00e1stico das vanguardas art\u00edsticas do s\u00e9culo XX.<\/p>\n Como voc\u00ea deve supor (ou n\u00e3o), muito se tem conversado sobre as mudan\u00e7as que a rede e o compartilhamento de arquivos trazem para a sociedade, mas muito pouco tem se tratado das pr\u00e1ticas criativas ligadas ao roubo\u00a0que a rede tamb\u00e9m potencializa demais, ao colocar a dois toques do mouse um mundo de material prontinho para ser baixado, visto e usado como bem se entende<\/strong> (ou n\u00e3o, se voc\u00ea n\u00e3o quiser se incomodar com os bar\u00f5es do copyright). Como dissemos neste post<\/a>, \u00e9 natural que o debate mantenha o foco na recep\u00e7\u00e3o, pois as novas pr\u00e1ticas de distribui\u00e7\u00e3o e consumo de cultura dizem respeito a toda a sociedade, enquanto que as pr\u00e1ticas criativas dizem respeito a um grupo ainda seleto de pessoas.<\/p>\n Pensando nisso, come\u00e7amos nesse post uma nova trincheira pro BaixaCultura, a de resgatar algumas pr\u00e1ticas (momentos, charadas, causos) criativas do s\u00e9culo XX ligadas ao uso – e roubo – \u00a0de outras cria\u00e7\u00f5es. Existiram diversas formas e ocasi\u00f5es de apropria\u00e7\u00e3o ind\u00e9bita de obras de outros artistas neste s\u00e9culo passado, e, ademais de algumas pr\u00e1ticas e causos serem bastante conhecidos hoje (o\u00a0remix<\/em> e, mais recentemente, o mashup <\/em>est\u00e3o a\u00ed para mostrar), existem outras tantas que pouco sa\u00edram dos guetos art\u00edsticos. Come\u00e7amos nosso “resgate” justamente com uma dessas pr\u00e1ticas relativamente pouco conhecidas, o chamado “d\u00e9tournemen<\/em>t”.<\/p>\n **<\/p>\n A origem<\/strong><\/p>\n D\u00e9tournement <\/em>\u00e9 uma palavra francesa que significa desvio, divers\u00e3o, reencaminhamento, distor\u00e7\u00e3o, abuso, malversa\u00e7\u00e3o, seq\u00fcestro, ou virar ao contr\u00e1rio do curso ou prop\u00f3sito normal<\/em>. Ela (a palavra) foi apropriada para designar uma pr\u00e1tica criativa pelo movimento situacionista, especialmente por dois de seus l\u00edderes, Guy Debord<\/strong> e Gil J. Wolman<\/strong>. Em 1956, Debord e Wolman publicaram um guia para um poss\u00edvel usu\u00e1rio<\/a> do d\u00e9tournement<\/em> numa revista surrealista belga chamada Les L\u00e8vres Nues<\/em> #8, um texto (aqui a sua tradu\u00e7\u00e3o<\/a> para o portugu\u00eas, em duas vers\u00f5es) onde introduziam, conceituavam e abusavam da pr\u00e1tica – claro que com muito sarcasmo e ironia, talvez a fim de que ningu\u00e9m levasse totalmente a s\u00e9rio aquilo que eles diziam.<\/p>\n O que quer dizer<\/strong><\/p>\n Poder\u00edamos falar que o d\u00e9tournement<\/em> \u00e9 <\/strong>uma varia\u00e7\u00e3o em um trabalho j\u00e1 conhecido que produz um significado antag\u00f4nico ao original<\/strong>. A<\/em>s duas leis fundamentais da pr\u00e1tica apontadas inicialmente<\/a> seriam a perda de import\u00e2ncia de cada elemento “detourned”<\/em> (ou “detunado”, numa tradu\u00e7\u00e3o literal para o portugu\u00eas), que pode ir t\u00e3o longe a ponto de perder completamente seu sentido original, e, ao mesmo tempo, <\/span>a reorganiza\u00e7\u00e3o em outro conjunto de significados que confere a cada elemento um novo alcance e efeito.\u00a0No guia produzido pelos situacionistas, s\u00e3o apresentados dois <\/span><\/em>tipos <\/span>principais: os\u00a0menores, <\/em>onde \u00e9 feito um desvio de um elemento que n\u00e3o tem import\u00e2ncia pr\u00f3pria, e que portanto toma todo seu significado do novo contexto onde foi colocado; e os “enganadores<\/em>“, onde \u00e9 feito o desvio de um elemento intr\u00ednsecamente significativo, o qual toma um dimens\u00e3o diferente a partir do novo contexto.<\/span><\/em><\/p>\n Exemplos<\/strong><\/p>\n Guy Debord<\/a>, um dos maiores e mais criativos plagiadores que o s\u00e9culo 20 j\u00e1 viu, se tornou conhecido por sua atua\u00e7\u00e3o te\u00f3rico-pr\u00e1tica no Situacionismo<\/a> e sobretudo pelo livro\u00a0A Sociedade do Espet\u00e1culo<\/a>, <\/em> um cl\u00e1ssico nos cursos de comunica\u00e7\u00e3o Brasil afora.<\/em> No livro, Debord come\u00e7a com um exemplo de d\u00e9tournement<\/em> ao apresentar, j\u00e1 no primeiro par\u00e1grafo da obra, uma c\u00f3pia de\u00a0O Capital <\/a>(de Karl Marx).\u00a0D\u00e1 uma olhada:<\/p>\n Bacon, Study after Vel\u00e1zquez’s Portrait of Pope Innocent X (1953)<\/p><\/div>\n Vel\u00e1zquez, Retrato do Papa Inoc\u00eancio X<\/p><\/div>\n<\/div>\n Imagine que um observador mais atento vai ver que a obra de Bacon precede em tr\u00eas anos o lan\u00e7amento do guia para o usu\u00e1rio de Debord e Wolman. Isso \u00e9 mais uma prova de que a manifesta\u00e7\u00e3o do d\u00e9tournament <\/em>est\u00e1 longe de ser algo original, no sentido de ter sido criado<\/em> pelos dois situacionistas franceses. Ela \u00e9, sim, mais uma manifesta\u00e7\u00e3o de algo que vem se fazendo h\u00e1 muito tempo e que os dois, como bons plagiadores que foram, resolveram agrupar sob alguns conceitos e preceitos a fim de que pudesse chamar aten\u00e7\u00e3o para o uso do roubo criativo na pr\u00e1tica art\u00edstica<\/strong>.<\/p>\n<\/div>\n O d\u00e9tournement<\/em> foi algo desenvolvido nos long\u00ednquos anos 50, d\u00e9cada em que – bueno, n\u00e3o \u00e9 nem preciso dizer o qu\u00e3o mais d\u00edficil era o acesso \u00e0 cultura naquela \u00e9poca, n\u00e3o?. Atualize para o s\u00e9culo XXI as possibilidades que a pr\u00e1tica do\u00a0d\u00e9tournement<\/em> permite, e tu tem um espectro criativo gigantesco a ser habitado e re-habitado e transformado no que tu quiser.<\/p>\n Engra\u00e7ado \u00e9 que, ainda hoje, assim como Debord e Wolman apontavam j\u00e1 na d\u00e9cada de 1950, \u00e9 na ind\u00fastria do marketing (e do anti-marketing) que est\u00e3o os melhores exemplos desse tipo de desvio criativo. S\u00e3o muitas as manifesta\u00e7\u00f5es desenvolvidas pelo\u00a0Adbusters<\/a>, por exemplo, coletivo internacional (com sede no Canad\u00e1) que tem chamado a aten\u00e7\u00e3o para o absurdo do consumismo em publica\u00e7\u00f5es como essa aqui<\/a>, onde Obama \u00e9 o palha\u00e7o da quest\u00e3o eco-psicol\u00f3gica global, ou nessa imagem abaixo, uma cr\u00edtica pesada \u00e0 maneira como a famosa Nike p\u00f5e seus tent\u00e1culos em todo o canto do planeta:<\/p>\n Essa pr\u00e1tica de subvers\u00e3o de propagandas corporativas – um caso de d\u00e9tournament <\/em>aplicado \u00e0 propaganda, digamos \u00a0– \u00e9 t\u00e3o usual que tem at\u00e9 um nome pr\u00f3prio para designar, culture jamming<\/a>. S\u00e3o tantos os exemplos de jamming<\/em> que vamos deixar para mostr\u00e1-los e coment\u00e1-los em outro post. Por hora, fiquemos com uma amostrinha curiosa, vinda de Londres: *<\/p>\n M\u00fasica, literatura, cinema, fotografia, artes visuais, propaganda: ter\u00edamos mais uns quantos exemplos a serem mostrados de pr\u00e1ticas ligadas ao d\u00e9tournement<\/em> e, em uma esfera maior, ao pl\u00e1gio criativo. Tu mesmo deve conhecer v\u00e1rios, a come\u00e7ar pelas inocentes camisetas de turma de faculdade que se apropriam de logomarcas conhecidas at\u00e9 uma estranha frase que tu leu e pensou j\u00e1 ter visto em outro lugar, ligeiramente modificada.<\/p>\n Ao contr\u00e1rio do pl\u00e1gio praticado por pura falta de talento, a ideia do pl\u00e1gio criativo<\/strong> – e do\u00a0d\u00e9tournement, <\/em>me arrisco a dizer\u00a0– funciona mais para revelar do que para ocultar suas origens<\/strong>. Ele talvez seja uma forma de entrar diretamente no longo di\u00e1logo do conhecimento, de expor suas refer\u00eancias e mostrar \u00e0 todos o que tu quer e o que tu n\u00e3o quer absorver dessas refer\u00eancias – e da uni\u00e3o do que tu aproveita de um lado com o que tu aproveita de outro \u00e9 que nasce algo diferente<\/strong>. Parece sempre ter sido assim a cria\u00e7\u00e3o, e barrar o uso dessas refer\u00eancias \u00e9, em todos os sentidos, limitar a criatividade.<\/p>\n No fim de sua vida, Debord passou a desistir do d\u00e9tournament, <\/em>por acreditar que esse tipo de t\u00e9cnica seria adequada apenas a sociedades que fossem capazes de reconhec\u00ea-la. Ser\u00e1 que hoje, com o advento da internet e toda a enorme cultura que est\u00e1 dispon\u00edvel \u00e0 todos que tem acesso \u00e0 rede, ele faria o mesmo?<\/p>\n Por quest\u00f5es de tamanho, deixaremos esta e outras perguntas e exemplos para as pr\u00f3ximas edi\u00e7\u00f5es desse post, que j\u00e1 ficou maior do que o esperado e \u00e9 bom que termine por aqui.<\/p>\n Cr\u00e9ditos: 1<\/a>, 2<\/a>, 3<\/a>, 4<\/a>, 5<\/a>.<\/em><\/p>\n . Desde o in\u00edcio do BaixaCultura, temos falado de alguns t\u00f3picos que envolvem o hist\u00f3rico da recombina\u00e7\u00e3o voltada \u00e0 arte e a cultura. 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