{"id":2275,"date":"2009-09-29T19:53:25","date_gmt":"2009-09-29T19:53:25","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=2275"},"modified":"2009-09-29T19:53:25","modified_gmt":"2009-09-29T19:53:25","slug":"o-estranho-processo-de-horacio-potel-ou-quando-a-filosofia-nao-e-para-todos","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2009\/09\/29\/o-estranho-processo-de-horacio-potel-ou-quando-a-filosofia-nao-e-para-todos\/","title":{"rendered":"O estranho processo de Horacio Potel – ou quando a filosofia n\u00e3o \u00e9 para todos"},"content":{"rendered":"

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\"horacio-potel\"<\/p>\n

Horacio Potel<\/a> \u00e9 professor de filosofia da Universidade de La\u00f1us<\/a>, em Buenos Aires. Em 1999, decidiu criar tr\u00eas diferentes p\u00e1ginas pessoais para disponibilizar ensaios traduzidos para o espanhol dos fil\u00f3sofos alem\u00e3es Nietzche<\/a> e Heidegger<\/a> e do argelino Jaques Derrida<\/a>.\u00a0 Al\u00e9m dos textos, as p\u00e1ginas continham f\u00f3runs de discuss\u00e3o, biografia, imagens e outros tipos de materiais comuns \u00e0 sites como estes. A ideia de Hor\u00e1cio era disserminar o material para todos aquele que tivessem interesse, num tipo de fun\u00e7\u00e3o exercidas por professores j\u00e1 h\u00e1 muitos s\u00e9culos: ajudar seus estudantes a terem acesso ao conhecimento.<\/p>\n

Boa parte do material disponibilizado pelo professor \u00e9 bastante dif\u00edcil de ser encontrado na Argentina. Em Buenos Aires, por exemplo, apenas duas livrarias tinham alguns dos escritos de Derrida que poderiam ser lidos gratuitamente na p\u00e1gina de Hor\u00e1cio. Outros quantos textos, que deixaram de ser editados em livro na Argentina, poderiam ser encontrados em jaquesderrida.com.ar porque foram garimpados em livrarias durante d\u00e9cadas por Hor\u00e1cio, segundo o pr\u00f3prio afirmou em mat\u00e9ria da P2P Foundation<\/a>.<\/p>\n

Como n\u00e3o encontrava os textos de Derrida em seu pa\u00eds, o professor chegou a entrar em contato com duas companhias do M\u00e9xico que editavam a obra de fil\u00f3sofo, Porr\u00faa<\/a> e Cal y Arena<\/a>. Uma edi\u00e7\u00e3o com a obra do fil\u00f3sofo argelino – 80 p\u00e1ginas, letras m\u00edudas – custaria em torno de U$42 d\u00f3lares, aproximadamente 162 pesos argentinos. Se para um professor como Hor\u00e1cio – que alega ter recebido em seu \u00faltimo contra-cheque $1350 pesos – o valor j\u00e1 \u00e9 quase mais que 10% de seu sal\u00e1rio, imagina para seus alunos.<\/p>\n

Por conta destes e de outros fatores, Hor\u00e1cio manteve suas p\u00e1ginas durante 10 anos, at\u00e9 abril de 2009, quando come\u00e7aram os embates com a justi\u00e7a argentina. Neste tempo, ambas tiveram mais de 4 milh\u00f5es de acessos, e at\u00e9 ent\u00e3o estavam sempre entre os tr\u00eas primeiros resultados quando se fazia uma busca pelos nomes dos autores no Google da Argentina.<\/p>\n

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\"potel1\"<\/p>\n

Li a nota do jornal argentino P\u00e1gina 12<\/a> um pouco mais de uma semana atr\u00e1s, quase ao mesmo tempo em que tamb\u00e9m foi publicada no\u00a0 Trezentos<\/a> e difundida por diversas blogs e listas de e-mails Brasil (e mundo) afora. Uma opera\u00e7\u00e3o envolvendo a editora Les Editions de Minuit, C\u00e2mara Argentina do Livro e a Embaixada Francesa na Argentina conseguiu processar o professor por tornar dispon\u00edveis gratuitamente textos dos fil\u00f3sofos Heidegger e Derrida nas p\u00e1ginas heideggeriana.com.ar<\/strong> e jaquesderrida.com.ar<\/strong>, respectivamente – textos estes que ainda se encontram protegidos pela lei de direitos autorais, j\u00e1 que tanto Heidegger como Derrida morreram h\u00e1 menos de setenta anos, prazo necess\u00e1rio para que a obra passe a ser de dom\u00ednio p\u00fablico. Hor\u00e1cio pode pagar uma multa de 40 mil pesos, al\u00e9m de j\u00e1 ter recebido o singelo aviso de que sua <\/span>correspond\u00eancia e sua casa poder\u00e3o ser violadas ao longo do processo. <\/span><\/p>\n

Segundo nos conta o rep\u00f3rter Facundo Garc\u00eda<\/strong>, autor da mat\u00e9ria do jornal argentino, a hist\u00f3ria toda come\u00e7ou quando a Les Editions de Minuit – editora<\/a> que tem os direitos autorais de sete obras de Jaques Derrida –\u00a0 entrou com uma queixa contra Hor\u00e1cio, com o apoio da Embaixada Francesa na Argentina e da C\u00e2mara Argentina do Livro.\u00a0 A queixa enquadrava a disponibiliza\u00e7\u00e3o dos textos gratuitamente dos fil\u00f3sofos na lei argentina 11.723<\/a>, que trata de propriedade intelectual – espantosamente criada em 1933 e s\u00f3 modificada em 1998<\/a>, ainda que somente para incluir o software no mesmo rol de produ\u00e7\u00e3o cient\u00edfica\/art\u00edstica\/cultural\/did\u00e1tica supostamente protegidos pela lei.<\/p>\n

O professor Hor\u00e1cio logicamente que estranhou muito a situa\u00e7\u00e3o. Em um de seus comunicados sobre o assunto, publicado\u00a0 aqui<\/a>, Hor\u00e1cio disse que:<\/p>\n

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“Al parecer, mantener bibliotecas p\u00fablicas de filosof\u00eda en Argentina es ilegal porque viola la ley 11.723. Si las cosas se guiaran por la raz\u00f3n, se deber\u00eda revisar esa ley de 1933, que est\u00e1 provocando que se criminalice a las bibliotecas p\u00fablicas y a sus bibliotecarios. Eso, claro, si se sigue pensando que \u00e9stas son instituciones \u00fatiles y necesarias, como me ense\u00f1aron en la escuela primaria, donde me dec\u00edan que entre las principales funciones del Estado est\u00e1 la difusi\u00f3n de la cultura, en la convicci\u00f3n ilustrada de que s\u00f3lo el conocimiento nos hace libres\u201d.<\/em><\/p>\n<\/blockquote>\n

***<\/p>\n

Logo quando as duas p\u00e1ginas foram retiradas do ar, no in\u00edcio de abril deste ano, surgiram diversas manifesta\u00e7\u00f5es<\/a> de apoio a\u00a0 Hor\u00e1cio, inclusive do Partido Pirata da Argentina<\/a>. No Brasil, o blog Catatau<\/a> emcampou a ideia e tratou de publicar uma boa parte do material<\/a> que estava em heideggeriana.com.ar, assim como diversos apoiadores disponibilizaram outro tanto do material para download no easy-share<\/a> – al\u00e9m do fato de que uma consider\u00e1vel parte dos arquivos da p\u00e1gina est\u00e3o dispon\u00edveis no Wayback Machine<\/a>, um imenso arquivo que conta com mais de 1,6 bilh\u00e3o de p\u00e1ginas criadas desde 1996.\u00a0 Idelber Avelar<\/strong>, do rec\u00e9m-finado blog O Biscoito Fino e a Massa<\/a>, enviou uma carta<\/a> \u00e0 Hor\u00e1cio, al\u00e9m de ter feito um post<\/a> onde o defende de forma bastante contundente e afirmar coisas como “elas n\u00e3o eram simplesmente duas p\u00e1ginas dedicadas a Heidegger e Derrida. Eram, de longe, os melhores recursos existentes sobre os dois pensadores em toda a internet, em qualquer l\u00edngua.”<\/em><\/span><\/p>\n

A decis\u00e3o da Justi\u00e7a Argentina cabe recurso, mas como diz a mat\u00e9ria do jornal P\u00e1gina 12<\/a>, “los fantasmas de una condena injusta siguen rondando<\/em>“.<\/p>\n

[Leonardo Foletto<\/strong>.]<\/p>\n

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P.S: <\/strong>A terceira p\u00e1gina com textos de fil\u00f3sofos mantida por Hor\u00e1cio continua em atividade: trata-se da www.nietzscheana.com.ar<\/a>, dedicado \u00e0 Nietzsche. Ficou livre da decis\u00e3o da justi\u00e7a por conta de que o alem\u00e3o morreu\u00a0 ainda em 1900.<\/p>\n

Cr\u00e9ditos: 1<\/a>,2<\/a>.<\/address>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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