{"id":15327,"date":"2023-09-04T22:21:31","date_gmt":"2023-09-05T01:21:31","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=15327"},"modified":"2023-09-05T14:30:09","modified_gmt":"2023-09-05T17:30:09","slug":"morozovpalooza-cibernetica-imaginario-e-soberania-digital-no-brasil","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2023\/09\/04\/morozovpalooza-cibernetica-imaginario-e-soberania-digital-no-brasil\/","title":{"rendered":"“Morozovpalooza”: cibern\u00e9tica, imagin\u00e1rio e soberania digital no Brasil"},"content":{"rendered":"

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O bielorusso Evgeny Morozov, um dos principais pensadores de tecnologia da atualidade, visitou o Brasil nos \u00faltimos dias de agosto e nos primeiros de setembro. Para quem acompanha a discuss\u00e3o tecnopol\u00edtica no Brasil, isso n\u00e3o \u00e9 uma novidade – \u00e9 inclusive prov\u00e1vel que, sendo morador de S\u00e3o Paulo, Rio de Janeiro ou Bras\u00edlia, voc\u00ea que l\u00ea este texto tamb\u00e9m tenha estado com ele e\/ou tenha visto suas falas. Entre encontros fechados e abertos, s\u00f3 em S\u00e3o Paulo ele se reuniu com organiza\u00e7\u00f5es da sociedade civil (articulado pela Coaliz\u00e3o Direitos na Rede<\/a>), pesquisadores acad\u00eamicos (USP, UFABC, PUCSP, FGV) da \u00e1rea de tecnopol\u00edtica, IA e soberania digital; movimentos sociais [N\u00facleo de Tecnologia do MTST e a equipe de comunica\u00e7\u00e3o do MST]; al\u00e9m de uma palestra p\u00fablica [<\/span>Desafiando o poder das Big Techs: soberania tecnol\u00f3gica e futuros digitais alternativos<\/span><\/i><\/a>] a convite do Comit\u00ea Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) no audit\u00f3rio da FECAP. Em Bras\u00edlia, se encontrou com <\/span>\u201csome of the coolest<\/em>\u201d deputados brasileiros<\/span><\/a>, com o <\/span>Ministro do STF Lu\u00eds Roberto Barroso, a ministra da Gest\u00e3o e Inova\u00e7\u00e3o em Servi\u00e7os P\u00fablicos, Esther Dweck<\/span><\/a>, e sua equipe; com membros da Anatel, a Ag\u00eancia Nacional de Telecomunica\u00e7\u00f5es [<\/span>veja neste v\u00eddeo dispon\u00edvel no YouTube<\/span><\/a>]; al\u00e9m de dar outra palestra [<\/span>Contestando o poder das Big Techs: soberania tecnol\u00f3gica e futuros digitais alternativo<\/span><\/i><\/a>], agora na Faculdade de Comunica\u00e7\u00e3o da UNB. Sua tour ainda segue com (pelo menos) uma atividade no Rio [\u201cHow does any work get done in a city like this? And this is supposed to be winter!<\/em>\u201d <\/span>postou ele no Twitter <\/span><\/a>junto de uma foto da Praia de Botafogo com P\u00e3o de A\u00e7\u00facar ao fundo]: uma entrevista e um semin\u00e1rio a partir do \u201c<\/span>The Santiago Boys<\/span><\/a>\u201d – seu \u00faltimo trabalho, um podcast de 9 epis\u00f3dios de 1h sobre a experi\u00eancia do Cybersin, uma esp\u00e9cie de internet pr\u00e9-internet criada sob o governo socialista de Salvador Allende no Chile nos anos 1970. A atividade <\/span>foi realizada na sede da FGV<\/span><\/a> e, al\u00e9m da entrevista, contou com um col\u00f3quio muito interessante com diversos participantes, entre eles Sarita Albagli (IBICT-UFRJ), Luca Belli (FGV CTS, organizador do evento), Marcos Dantas (UFRJ), Estela Aranha (Secret\u00e1ria especial de pol\u00edticas digitais do Governo Lula) e Tatiana Roque (professora da UFRJ, hoje Secretaria de Ci\u00eancia e Tecnologia do Rio).<\/span><\/p>\n

Depois, “Morozovpalooza” vai ao Chile e a Argentina. No primeiro, vai debater seu podcast no pa\u00eds onde a hist\u00f3ria se passa – sua confer\u00eancia por l\u00e1 se chama \u201c<\/span>Utopia Cibern\u00e9tica en el Chile de La Unidad Popular<\/span><\/a>\u201d e vai coincidir com a abertura de uma exposi\u00e7\u00e3o chamada \u201cC\u00f3mo dise\u00f1ar una revoluci\u00f3n: La v\u00eda chilena al dise\u00f1o<\/a>\u201d, organizada por, entre outros, <\/span>Eden Medina<\/span><\/a>, professora associada de STS (Science, Technoloy and Society<\/em>) no MIT e autora de \u201c<\/span>Cybernetic Revolutionaries: Technology and Politics in Allende’s Chile<\/span><\/a>\u201d, lan\u00e7ado em 2011, talvez o primeiro livro a recuperar toda a hist\u00f3ria do Cybersin – e refer\u00eancia fundamental para o podcast de Morozov.<\/span><\/p>\n

Estivemos com ele em\u00a0 tr\u00eas ocasi\u00f5es de S\u00e3o Paulo, com os tr\u00eas chap\u00e9us que o editor deste espa\u00e7o carrega na vida. Inevit\u00e1vel pensar como \u00e0s vezes precisamos (e at\u00e9 quando?) de algu\u00e9m de fora, que circula por diversos pa\u00edses do mundo (e fala 8 l\u00ednguas, inclusive o portugu\u00eas), para potencializar encontros onde nos encontramos, nos escutamos e pensamos em formas de agir juntos, em prol de soberania digital, outros imagin\u00e1rios tecnol\u00f3gicos (e de mundo) e de uma inova\u00e7\u00e3o que de fato melhore a vida de muito mais pessoas. Sobre este \u00faltimo ponto, vale lembrar que movimentos sociais e coletivos (como o MST e o MTST) tamb\u00e9m fazem inova\u00e7\u00e3o, como fez a Tatiana Dias <\/span>em seu relato sobre o encontro com os movimentos no The Intercept Brasil<\/span><\/a>, <\/span>citando Morozov: “<\/span>As pessoas inovam, institui\u00e7\u00f5es inovam, acad\u00eamicos inovam sem ter que depender de startups do Vale do Sil\u00edcio. Eu acho que normalmente n\u00e3o enxergamos a quantidade de inova\u00e7\u00e3o que realmente acontece ao nosso redor todos os dias. (..) \u201cA inova\u00e7\u00e3o n\u00e3o \u00e9 apenas competi\u00e7\u00e3o capitalista. Ela pode ser guiada pela solidariedade, por problemas reais que as pessoas vivenciam\u201d. E, nesse contexto, os movimentos sociais podem propor um contraprojeto para o modelo padr\u00e3o neoliberal”.<\/p>\n

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SOBERANIA DIGITAL POPULAR<\/strong><\/p>\n

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Encontro de Morozov com N\u00facleo de Tecnologia do MTST, integrantes do MST e ativistas em S\u00e3o Paulo<\/p><\/div>\n

A vinda de Morozov proporcionou tamb\u00e9m uma janela para discutir, novamente, a soberania digital, agora na m\u00eddia tradicional e tamb\u00e9m no governo. Digo novamente porque quem acompanha este espa\u00e7o e a discuss\u00e3o em torno da tecnopol\u00edtica e o software livre no Brasil sabe que essa \u00e9 uma discuss\u00e3o antiga no pa\u00eds – e que foi atualizada, no contexto de hoje de desinforma\u00e7\u00e3o e plataformiza\u00e7\u00e3o geral, tamb\u00e9m a partir <\/span>Carta de emerg\u00eancia para a soberania digital<\/span><\/a>, lan\u00e7ada na violenta campanha eleitoral de 2022. Os tr\u00eas primeiros pontos j\u00e1 d\u00e3o uma mostra de como a carta aponta para o que Morozov anda dizendo em sua passagem pelo Brasil:
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1- Criar uma infraestrutura federada para a hospedagem dos dados das universidades e centros de pesquisa brasileiros conforme nossa LGPD.<\/span><\/p>\n

2- Formar, nessa infraestrutura federada, frameworks para solu\u00e7\u00f5es de Intelig\u00eancia Artificial, seja para o setor p\u00fablico ou privado.<\/span><\/p>\n

3- Incentivar e financiar a cria\u00e7\u00e3o de datacenters que envolvam governos estaduais, munic\u00edpios, universidades p\u00fablicas e organiza\u00e7\u00f5es n\u00e3o-governamentais, que permitam manter dados em nosso territ\u00f3rio e aplicar solu\u00e7\u00f5es IA que estimulem e beneficiem a intelig\u00eancia coletiva local e regional.<\/span><\/p><\/blockquote>\n

A entrevista da Folha de S. Paulo<\/span><\/a> aponta, j\u00e1 pelo seu t\u00edtulo, exatamente pra isso: cria\u00e7\u00e3o de infraestrutura p\u00fablica. Um trecho:\u00a0<\/span><\/p>\n

\u201cVoltamos ao debate cl\u00e1ssico sobre depend\u00eancia e desenvolvimento que vem acontecendo nesta regi\u00e3o desde a d\u00e9cada de 1960. Mas, agora, a depend\u00eancia pode se tornar cada vez mais aguda. Antes, quando voc\u00ea tinha que construir uma f\u00e1brica de carros, podia escolher entre empresas de v\u00e1rios pa\u00edses, Peugeot, Fiat, Volkswagen, General Motors e outras. Agora, as op\u00e7\u00f5es s\u00e3o bem mais limitadas \u2014Amazon, Microsoft e Google, todas dos EUA. E se os EUA decidem que, por algum motivo, um pa\u00eds n\u00e3o \u00e9 mais um aliado e passa a cobrar o dobro, triplo ou qu\u00e1druplo do pre\u00e7o? Por isso fiquei muito encorajado quando reverteram a decis\u00e3o tomada sob [Jair] Bolsonaro de fechar a f\u00e1brica de semicondutores Ceitec.<\/span><\/p>\n

Quando se trata, por exemplo, de grandes modelos de linguagem, por que Sam Altman e a OpenAI fariam um trabalho melhor com IA generativa em portugu\u00eas do que voc\u00eas? Se n\u00e3o houver um projeto que crie uma IA generativa de propriedade p\u00fablica e que esteja no Brasil, tudo o que for de acesso aberto, criado com a ideia de beneficiar a humanidade, acabar\u00e1 beneficiando em grande parte a OpenAI.\u00a0<\/span><\/p><\/blockquote>\n

Uma organiza\u00e7\u00e3o brasileira tem se destacado nas discuss\u00f5es e pr\u00e1ticas sobre o tema: o MTST, a partir do excelente trabalho realizado pelo seu <\/span>N\u00facleo de Tecnologia<\/span><\/a>. <\/span>Segundo seus integrantes em texto publicado na <\/span>Jacobin Brasil<\/span><\/a>, \u201co coletivo re\u00fane trabalhadores como engenheiros de software, designers e analistas de sistemas para bater de frente com a hegemonia ideol\u00f3gica do Vale do Sil\u00edcio no mundo da Tecnologia da Informa\u00e7\u00e3o\u201d. Atualmente, trabalha em tr\u00eas frentes: 1) desenvolvimento de softwares populares; 2) forma\u00e7\u00e3o, especialmente a partir de cursos de programa\u00e7\u00e3o a partir de m\u00e9todos de educa\u00e7\u00e3o popular com base em Paulo Freire; 3) discuss\u00f5es de pol\u00edticas p\u00fablicas em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 tecnologia. Detalhes sobre o funcionamento do N\u00facleo de Tecnologia podem ser encontrados em uma <\/span>cartilha sobre soberania digital<\/span><\/a> produzida pelo movimento.<\/span><\/p>\n

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Encontro do curso de educadores populares em tecnologia do MTST, realizado em setembro de 2023 em S\u00e3o Paulo<\/p><\/div>\n

Rafael Grohmann, que tem pesquisado o coletivo h\u00e1 algum tempo, <\/span>escreveu no Outras Palavras<\/span><\/a> que \u201co que o MTST tem feito \u00e9 uma combina\u00e7\u00e3o de reapropria\u00e7\u00e3o de tecnologias em prol da classe trabalhadora, oportunidades de renda, organiza\u00e7\u00e3o de trabalhadores de diferentes setores e luta por soberania popular \u2013 tudo isso constru\u00eddo desde um forte movimento social. Um exemplo de como essas dimens\u00f5es se encontram \u00e9 o projeto <\/span>Contrate Quem Luta<\/span><\/a>. Um assistente virtual para WhatsApp conecta trabalhadores sem-teto a pessoas que precisam de servi\u00e7os de trabalhadoras dom\u00e9sticas, caminhoneiros, pedreiros, pintores, e outras atividades da constru\u00e7\u00e3o civil. Mais do que um GetNinjas do MTST, o Contrate Quem Luta \u00e9 a concretiza\u00e7\u00e3o de uma tecnologia de propriedade de trabalhadores\u201d. H\u00e1, claro, muito o que aprimorar nesse processo, a come\u00e7ar pelo uso do WhatsApp pra isso, uma empresa da Meta – que infelizmente est\u00e1 presente na maioria dos celulares do pa\u00eds e n\u00e3o raro \u00e9 a \u00fanica op\u00e7\u00e3o de comunica\u00e7\u00e3o, dado uma s\u00e9rie de pol\u00edticas erradas que culminam no Zero Rating praticado pelas operadoras que fornecem \u201czap gr\u00e1tis\u201d. Mas o MTST sabe que o WhatsApp ser o primeiro passo para a organiza\u00e7\u00e3o n\u00e3o significa fechar tudo nele mesmo \u2013 inclusive para n\u00e3o intensificar depend\u00eancias infraestruturais com as grandes empresas de tecnologia. O foco \u2013 e a for\u00e7a \u2013 reside na organiza\u00e7\u00e3o.<\/span><\/p>\n

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CYBERSIN E OS IMAGIN\u00c1RIOS POL\u00cdTICOS<\/strong><\/p>\n

Escrevi <\/span>nesse texto<\/span><\/a>, com Daniel Santini e Joyce Souza, que Morozov nos lembrou que precisamos pensar para al\u00e9m da regula\u00e7\u00e3o das tecnologias digitais. N\u00e3o que este debate n\u00e3o seja importante; \u00e9, mas sua chamada \u00e9 para construir tamb\u00e9m alternativas para um mundo tecnol\u00f3gico, onde seja poss\u00edvel avan\u00e7ar com imagin\u00e1rios que criam uma mentalidade da rela\u00e7\u00e3o do homem com a tecnologia para al\u00e9m das media\u00e7\u00f5es neoliberais. \u201cA regulamenta\u00e7\u00e3o \u00e9 importante, mas n\u00e3o podemos apenas discutir o que fazer com rela\u00e7\u00e3o ao WhatsApp ou ao Facebook. Precisamos pensar o que fazer a respeito dessas enormes infraestruturas digitais que empresas privadas est\u00e3o vendendo de volta \u00e0s institui\u00e7\u00f5es p\u00fablicas e aos cidad\u00e3os\u201d, disse em entrevista \u00e0 Folha de S.Paulo. Fala reiterada tamb\u00e9m em suas conversas entre uma caminhada pela Barra Funda (\u201cn\u00e3o conhe\u00e7o nada dessa regi\u00e3o, ele \u00e9 pobre?\u2019, perguntou, no que respondemos que ela est\u00e1 mais para \u201cpopular\u201d) e um almo\u00e7o pesado com Bai\u00e3o de Dois num boteco nordestino simples e gostoso da regi\u00e3o.<\/span><\/p>\n

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Sala retrofuturista projetada para a Cybersin no Chile de Salvador Allende nos anos 1970. Fonte: Wikipedia<\/p><\/div>\n

Por conta de lembrar dos novos imagin\u00e1rios para a internet \u00e9 que ele recupera a hist\u00f3ria do Cybersin no Chile de Allende. O projeto<\/span>, que nunca chegou a funcionar de fato, era ambicioso e revelador da forma como o executivo de Allende encarava o potencial tecnol\u00f3gico. A ideia passava por criar um sistema que permitisse ligar as dezenas de f\u00e1bricas do estado chileno a um sistema central de controle \u2014 na sala retrofuturista da imagem logo acima\u2014 permitindo a coleta e o tratamento de dados em tempo real e tomadas de decis\u00e3o apoiadas por um sofisticado software. Mas as quest\u00f5es que o podcast nos apresenta v\u00e3o muito para al\u00e9m desta dimens\u00e3o:<\/p>\n

\u201cComo sistema exc\u00eantrico de gest\u00e3o cibern\u00e9tica, \u00e9 louv\u00e1vel e interessante. Mas como uma forma de potenciar uma abordagem completamente diferente ao desenvolvimento industrial \u2014 feita de forma socialista, mas com a democracia presente \u2014 poderia ter-nos dado um equivalente \u00e0 Coreia do Sul ou a Taiwan, ou a qualquer um destes pa\u00edses do Sudeste Asi\u00e1tico, que celebramos nos anos 70 e 80 como os centros de desenvolvimento tecnol\u00f3gico, s\u00f3 que com um modelo muito diferente, sem o autoritarismo militar de direita que o acompanhou\u201d, comenta Morozov em entrevista <\/span>\u00e0 publica\u00e7\u00e3o portuguesa Shifter<\/span><\/a>.<\/span><\/p><\/blockquote>\n

Morozov acredita que \u00e9 necess\u00e1ri<\/span>o propor outras narrativas e mitos para se opor aqueles j\u00e1 bem conhecidos ligados ao empreendedorismo startupeiro do Vale do Sil\u00edcio. Da\u00ed tamb\u00e9m a escolha do podcast como produto final de sua investiga\u00e7\u00e3o, mais palat\u00e1vel a audi\u00eancias maiores do que um livro ou artigos em publica\u00e7\u00f5es jornal\u00edsticas, e tamb\u00e9m as negocia\u00e7\u00f5es para transformar The Santiago Boys<\/i> em filme.<\/p>\n

Magaly Prado, jornalista e pesquisadora do Instituto de Estudos Avan\u00e7ados da USP, presente no encontro com acad\u00eamicos j\u00e1 citado,<\/span> recuperou um pouco de sua fala neste tema<\/span><\/a>: \u201cEles [<\/span>neoliberais startupeiros do Vale do Sil\u00edcio<\/span><\/i>] tamb\u00e9m conseguiram produzir uma mitologia muito poderosa. Existe uma mitologia de que os \u2018Chicago Boys\u2019 fazem milagres econ\u00f4micos e as pessoas continuam acreditando que isso \u00e9 realmente um milagre de algum tipo\u201d. Para Morozov, \u00e9 uma quest\u00e3o de exercitar uma contramitologia de forma que as pessoas comuns possam se identificar, motivadas pela l\u00f3gica do drama, com personagens envolventes. Desse modo, as pessoas podem \u201cse identificar com o drama e a trag\u00e9dia de uma forma com que voc\u00ea n\u00e3o consegue se relacionar com alvos abstratos\u201d.<\/span><\/p>\n

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Em <\/span>The Santiago Boys<\/span><\/i>, ele quis contar a hist\u00f3ria de forma diferente. \u201cFui movido, enquanto intelectual p\u00fablico, por um conjunto de preocupa\u00e7\u00f5es com o futuro e n\u00e3o apenas com o passado. E isso, claro, influencia a forma como leio o passado, porque leio o passado com a vis\u00e3o do presente e do futuro\u201d, disse. O mapeamento deste universo durou mais de 2 anos, o primeiro dos quais numa investiga\u00e7\u00e3o livre, muito antes de surgir o t\u00edtulo que une todas as pontas. Morozov descreveu este processo ao Shifter como uma esp\u00e9cie de malabarismo, e nomeia alguns dos objetos principais deste truque: \u201cQueria juntar a cibern\u00e9tica, a teoria da depend\u00eancia, e a Guerra Fria, e da\u00ed fazer emergir uma hist\u00f3ria, sem perder de vista o Fernando Flores e o Stafford Beer como dois protagonistas principais deste tema coletivo.\u201d<\/span><\/p>\n

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Stafford Beer em Santiago, Chile, em 1972. Cr\u00e9dito : Gui Bonsiepe, 2006<\/p><\/div>\n

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A CIBERN\u00c9TICA E A COMPLEXIDADE DE STAFFORD BEER<\/strong><\/p>\n

Stafford Beer e a cibern\u00e9tica merecem um destaque a parte. Nas palavras do bielorusso, \u201cna cultura popular a cibern\u00e9tica tornou-se I.A. Houve um esfor\u00e7o deliberado de pessoas como Marvin Minsky, e outros, para pegar na heran\u00e7a da cibern\u00e9tica e criar um paradigma completamente diferente em torno desta. E o que Minsky estava fazendo era uma continua\u00e7\u00e3o do trabalho de McCulloch, um neurofisiologista muito interessado no c\u00e9rebro e que basicamente foi <\/span>co-autor de um paper fundacional das redes neuronais<\/span><\/a>\u201d. Mas nessa \u00e9poca, havia tamb\u00e9m Stafford Beer. Figura exc\u00eantrica, de fam\u00edlia nobre inglesa, adorador de empanadas e carr\u00f5es, como lembra Morozov com alguma frequ\u00eancia no podcast, ele tamb\u00e9m era um grande te\u00f3rico cibern\u00e9tico na \u00e9poca quando foi convidado por Fernando Flores, o outro dos principais \u201cSantiago Boys\u201d da hist\u00f3ria, para ir ao Chile. Beer tivera uma longa e ocupada carreira nos anos 1950 e 1960 na teoriza\u00e7\u00e3o e na aplica\u00e7\u00e3o dos m\u00e9todos de gest\u00e3o oriundos da cibern\u00e9tica. \u201cEle tinha uma ideia de como gerir uma f\u00e1brica de a\u00e7o perfeita e trouxe-a para o Chile. Ali viu que podiam gerir, com o mesmo modelo, uma f\u00e1brica de fruta ou uma f\u00e1brica t\u00eaxtil\u201d, afirma Morozov em entrevista ao Shifter.\u00a0<\/span><\/p>\n

Beer desafiou os limites da cibern\u00e9tica ao ponto de criar a sua pr\u00f3pria disciplina, chamada Gest\u00e3o Cibern\u00e9tica, \u201cuma mistura estranha de investiga\u00e7\u00e3o operacional, cibern\u00e9tica e controle estat\u00edstico de processos\u201d. O nobre ingl\u00eas via na estat\u00edstica n\u00e3o s\u00f3 uma forma de olhar para o passado para informar decis\u00f5es, mas como uma campo de simula\u00e7\u00e3o para poss\u00edveis futuros: \u201cN\u00e3o precisamos de reduzir a complexidade, podemos utilizar os computadores para a gerir\u201d, dizia Beer, que deixou suas ideias em muitos livros, entre eles o excelente “Designing Freedom<\/a>” (1974).<\/span><\/p>\n

O cientista ingl\u00eas acreditava que nem a complexidade tinha de ser rejeitada, nem o mercado tinha de ditar as regras e moldar a tecnologia. Em vez disso, a tecnologia poderia ser moldada de forma que a complexidade pudesse gerar para todos os envolvidos\u2014 e criar infraestruturas para fazer essa transi\u00e7\u00e3o devia ser uma das prioridades.<\/span><\/p>\n

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Stafford Beer esquematizou assim, em 1973, algo pr\u00f3ximo do que hoje conhecemos como Capitalismo de Vigil\u00e2ncia. Fonte: Shifter<\/p><\/div>\n

A TEORIA DA DEPEND\u00caNCIA E OS \u201cVIL\u00d5ES\u201d DA HIST\u00d3RIA<\/strong><\/p>\n

Em sua pesquisa sobre o Cybersin, Morozov voltou seu olhar para os anos 1960 e 1970 da Am\u00e9rica Latina e reconheceu a import\u00e2ncia da Teoria da Depend\u00eancia<\/a>. Gestada na Am\u00e9rica Latina e popular nesse per\u00edodo, a partir de autores como Andr\u00e9 Gunder Frank, Rui Mauro Marini e Fernando Henrique Cardoso, a teoria entende que a caracteriza\u00e7\u00e3o de pa\u00edses como \u201catrasados\u201d decorre da rela\u00e7\u00e3o do capitalismo mundial de depend\u00eancia entre pa\u00edses \u201ccentrais\u201d e pa\u00edses \u201cperif\u00e9ricos \u2013 algo que, agora, se d\u00e1 tamb\u00e9m a partir das empresas do Vale do Sil\u00edcio, que assumiram um papel-chave em um novo jogo de rela\u00e7\u00f5es de poder econ\u00f4mico, pol\u00edtico e internacional, onde os governos se encontram cada vez mais ref\u00e9ns de suas solu\u00e7\u00f5es.<\/span><\/p>\n

Uma das mensagens principais da teoria da depend\u00eancia, segundo Morozov, \u00e9 a de que o progresso tecnol\u00f3gico pode conter elementos reacion\u00e1rios. Que podemos ter tecnologias cada vez mais recentes, mais r\u00e1pidas e mais brilhantes, mas que, no entanto, atrasar\u00e3o o desenvolvimento econ\u00f3mico de um determinado pa\u00eds e resultar\u00e3o em problemas pol\u00edticos e econ\u00f4micos maiores – pelo menos para algumas regi\u00f5es do mundo.<\/span><\/p>\n

Trecho da reportagem do Shifter:\u00a0<\/span><\/p>\n

\u201cOs te\u00f3ricos da depend\u00eancia diziam que a industrializa\u00e7\u00e3o, se for feita nos termos do norte global, acaba por criar depend\u00eancias. Por criar a necessidade de comprar patentes, de pagar por direitos de autor e marcas registadas para que as f\u00e1bricas funcionem\u201d continua a sua reflex\u00e3o, ilustrando como hoje os termos podem ser diferentes. \u201cSe n\u00e3o construirmos a nossa pr\u00f3pria tecnologia, vamos ter sempre tecnologia estrangeira. E isso foi essencialmente o que aconteceu antes e est\u00e1 a acontecer agora, com a Intelig\u00eancia Artificial, a computa\u00e7\u00e3o em nuvem, o 5G e todas essas infraestruturas dominadas por um punhado de players.\u201d<\/span><\/p><\/blockquote>\n

Em <\/span>The Santiago Boys<\/span><\/i>, tamb\u00e9m h\u00e1 um \u201cvil\u00e3o\u201d na hist\u00f3ria – ou a original <\/span>big tech<\/span><\/i>, como chamou Morozov: a ITT (International Telephone & Telegraph). Para al\u00e9m do conluio com as for\u00e7as de intelig\u00eancia dos Estados Unidos, Morozov relata as t\u00e1ticas de subvers\u00e3o usadas pela ITT ao apoiar os opositores de Allende. \u201cHouve uma s\u00e9rie de ataques terroristas. Por isso, as pessoas que agora pensam que estamos a viver a era do <\/span>techlash<\/span><\/i>, porque as pessoas est\u00e3o a escrever tweets furiosos, ainda n\u00e3o viram nada sobre o <\/span>techlash<\/span><\/i>. O verdadeiro <\/span>techlash<\/span><\/i> \u00e9 muito mais forte\u201d, disse ao Shifter.<\/span><\/p>\n

\"\"<\/p>\n

Durante toda a estada de Morozov pelo Brasil, algo pareceu evidente: n\u00e3o h\u00e1 solu\u00e7\u00f5es prontas, ou m\u00e1gicas, para resolver a soberania digital, a depend\u00eancia tecnol\u00f3gica e o desafio que \u00e0s Big Techs trazem para o planeta hoje. H\u00e1 alguns exemplos do passado, que trazidos ao contexto do presente podem dar alguma luz nos caminhos a seguir. O certo \u00e9 que a capacidade que o bielorusso demonstrou nestes dias para ouvir e articular diferentes movimentos, pessoas e organiza\u00e7\u00f5es nos lembra de elementos (soberania, autonomia, liberdade) que s\u00e3o importantes e inspiradores para tentar construir um futuro digital menos injusto e apocal\u00edptico.\u00a0<\/span><\/p>\n

Como n\u00f3s (e ele) j\u00e1 escrevemos por aqui<\/span><\/a>:<\/span> \u201c<\/span>uma pol\u00edtica \u201cp\u00f3s-solucionista deveria come\u00e7ar acabando com o bin\u00e1rio artificial entre a \u00e1gil startup e o ineficiente governo que limita nossos horizontes pol\u00edticos. Se escolher um modo de vida (?) digital entre a vers\u00e3o neoliberal Made in Syllicon Valley ou a tecno-autorit\u00e1ria do Extremo Oriente s\u00e3o nossos \u00fanicos caminhos hoje, ta\u00ed um sinal urgente de que precisamos ampliar nossos horizontes”.<\/span><\/p>\n

**<\/span><\/p>\n

PARA CONHECER MAIS SOBRE O CYBERSIN, vale ler tamb\u00e9m <\/span>este texto na Jacobin<\/span><\/a> escrita por Eden Medina, al\u00e9m do livro j\u00e1 citado \u201cCybernetic Revolutionaries: Technology and Politics in Allende’s Chile\u201d (vai no link l\u00e1 em cima para baixar o livro, mas n\u00e3o espalha).<\/span><\/p>\n

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Encontro de pesquisadores acad\u00eamicos com Morozov, 30\/8\/23, na USP. Cr\u00e9dito: Ag\u00eancia de Comunica\u00e7\u00e3o, ECA-USP.<\/p><\/div>\n

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Morozov em reuni\u00e3o organizada pela Coaliz\u00e3o Direitos na Rede, com media\u00e7\u00e3o de Ana Mielke, do Intervozes, e Leonardo Foletto. Cr\u00e9dito: Daniel Santini<\/p><\/div>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

  O bielorusso Evgeny Morozov, um dos principais pensadores de tecnologia da atualidade, visitou o Brasil nos \u00faltimos dias de agosto e nos primeiros de setembro. Para quem acompanha a discuss\u00e3o tecnopol\u00edtica no Brasil, isso n\u00e3o \u00e9 uma novidade – \u00e9 inclusive prov\u00e1vel que, sendo morador de S\u00e3o Paulo, Rio de Janeiro ou Bras\u00edlia, voc\u00ea […]<\/p>\n","protected":false},"author":2,"featured_media":15335,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":[],"categories":[122],"tags":[1800,2008,1609,2265,2268,699,2058,2266,2162,2182,2269,1990,2267],"post_folder":[],"jetpack_featured_media_url":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-content\/uploads\/2023\/09\/morozov-3.png","_links":{"self":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/15327"}],"collection":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/users\/2"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=15327"}],"version-history":[{"count":10,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/15327\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":15349,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/15327\/revisions\/15349"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/media\/15335"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=15327"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=15327"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=15327"},{"taxonomy":"post_folder","embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/post_folder?post=15327"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}