{"id":15255,"date":"2023-05-29T19:40:00","date_gmt":"2023-05-29T22:40:00","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=15255"},"modified":"2023-05-29T19:44:03","modified_gmt":"2023-05-29T22:44:03","slug":"como-o-chatgpt-esta-influenciando-na-disputa-pelo-controle-do-conhecimento","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2023\/05\/29\/como-o-chatgpt-esta-influenciando-na-disputa-pelo-controle-do-conhecimento\/","title":{"rendered":"Como o ChatGPT est\u00e1 influenciando na disputa pelo controle do conhecimento"},"content":{"rendered":"
\u00c9 quase imposs\u00edvel identificar retroativamente as fontes e autorias retiradas sem autoriza\u00e7\u00e3o de bases de dados pelos bots. Apropria\u00e7\u00e3o do saber comum pode estar mais amea\u00e7ada – abrindo uma disputa sobre os direitos do autor<\/em><\/h5>\n

Por Leonardo Foletto*<\/strong><\/p>\n

O ano de 2023 tem sido permeado pelo tema de Intelig\u00eancia Artificial (IA) quando se fala sobre tecnologias digitais e internet. Isso se deve em grande parte ao sucesso estrondoso do ChatGPT, uma IA generativa desenvolvida pela OpenAI, uma empresa dos Estados Unidos fundada em 2015 com um investimento inicial de U$ 1 bilh\u00e3o, cerca de R$ 4,9 bilh\u00f5es na cota\u00e7\u00e3o atual.<\/p>\n

Seus s\u00f3cios incluem personalidades not\u00e1veis como Sam Altman, CEO da empresa. Elon Musk, o bilion\u00e1rio exc\u00eantrico e segundo homem mais rico do mundo de acordo com a Bloomberg, foi um dos co-fundadores da empresa em 2015, mas abandonou o projeto ap\u00f3s discord\u00e2ncias com princ\u00edpios \u00e9ticos e modelos de financiamento da empresa.<\/p>\n

O ChatGPT foi disponibilizado publicamente gratuitamente em 30 de novembro de 2022 e, em janeiro de 2023, j\u00e1 havia alcan\u00e7ado 100 milh\u00f5es de usu\u00e1rios. Isso o torna a tecnologia de crescimento mais r\u00e1pido da hist\u00f3ria at\u00e9 o momento<\/a>. \u00c9 importante ressaltar que essa IA generativa consegue gerar textos e imagens de forma automatizada, baseada no aprendizado de m\u00e1quina.<\/p>\n

Direito autoral e propriedade intelectual<\/strong><\/h3>\n

H\u00e1 in\u00fameras formas de abordar a discuss\u00e3o acerca dos impactos da Intelig\u00eancia Artificial (IA) no cotidiano global. Podemos falar sobre as quest\u00f5es \u00e9ticas que envolvem a ado\u00e7\u00e3o desses sistemas em salas de aula, por exemplo, assim como sobre mecanismos poss\u00edveis para regulamentar IAs e assegurar que evitem a dissemina\u00e7\u00e3o de racismo algor\u00edtmico, discursos de \u00f3dio e desinforma\u00e7\u00e3o;<\/p>\n

Podemos falar tamb\u00e9m da precariza\u00e7\u00e3o do trabalho digital, agora tamb\u00e9m o trabalho criativo (designers, ilustradores, produ\u00e7\u00e3o de \u201cconte\u00fados\u201d em geral) \u00e0s implica\u00e7\u00f5es pol\u00edticas no extrativismo desigual de dados norte-sul global, a partir da acentua\u00e7\u00e3o do colonialismo de dados (Couldry e Mej\u00edas, 2019<\/a>; Lippold e Faustino, 2022<\/a>), o que pode nos levar a um modo de produ\u00e7\u00e3o ainda pior que o capitalismo (Mckenzie Wark, 2023<\/a>), agora baseado tamb\u00e9m no controle do \u201cvetor da informa\u00e7\u00e3o\u201d, aquelas tecnologias que coletam grandes quantidades de dados, os ordenam, gerenciam e processam para extrair valor \u2013 como as IAs generativas.<\/p>\n

Podemos, ainda, discutir como as IAs s\u00e3o utilizadas em trabalhos criativos de texto e imagem, ou refletir sobre as quest\u00f5es filos\u00f3ficas que envolvem a simbiose entre a realidade humana e a realidade das m\u00e1quinas \u2014 incluindo a possibilidade de uma supera\u00e7\u00e3o da intelig\u00eancia humana pela maqu\u00ednica.<\/p>\n

Contudo, eu opto por abordar a quest\u00e3o sob uma perspectiva diferente: a discuss\u00e3o sobre cria\u00e7\u00e3o, c\u00f3pia e propriedade intelectual na internet. O fato \u00e9 que nem todo mundo est\u00e1 satisfeito com que as IAs generativas, como o ChatGPT e o Midjourney (usado para gera\u00e7\u00e3o de imagens), consigam escrever livros infantis<\/a>, ganhar competi\u00e7\u00f5es de arte<\/a> ou produzir artigos acad\u00eamicos. Isso levanta uma s\u00e9rie de quest\u00f5es sobre a autoria, a originalidade e a propriedade intelectual, que ainda carecem de respostas claras.<\/p>\n

C\u00f3pia da c\u00f3pia da c\u00f3pia<\/strong><\/h3>\n

A import\u00e2ncia da cultura livre e dos movimentos que a promovem se torna ainda mais relevante em tempos de avan\u00e7o das IAs generativas. Como mencionado anteriormente, essas tecnologias s\u00e3o capazes de criar obras art\u00edsticas, textos e outros tipos de conte\u00fado de forma automatizada, o que levanta questionamentos sobre a autoria e a propriedade dessas obras.<\/p>\n

O copyleft e as licen\u00e7as Creative Commons poderiam se mostrar, nesse contexto, ferramentas poderosas para garantir que as obras geradas pelas IAs generativas possam ser utilizadas e compartilhadas livremente, sem restri\u00e7\u00f5es ou limita\u00e7\u00f5es impostas pelos detentores de direitos autorais.<\/p>\n

No entanto, \u00e9 importante lembrar que a cultura livre n\u00e3o \u00e9 apenas uma quest\u00e3o de licenciamento. Ela envolve uma transforma\u00e7\u00e3o mais ampla na forma como a sociedade entende a cultura, o conhecimento e a criatividade, e busca coloc\u00e1-los ao alcance de todos, promovendo a participa\u00e7\u00e3o e a colabora\u00e7\u00e3o em vez da exclus\u00e3o e da monopoliza\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Nesse sentido, a cultura livre se apresenta como uma alternativa \u00e0 l\u00f3gica mercantilista que rege a ind\u00fastria cultural e as pol\u00edticas de propriedade intelectual, permitindo o florescimento de novas formas de cria\u00e7\u00e3o, express\u00e3o e compartilhamento que fogem do controle das grandes corpora\u00e7\u00f5es e das elites intelectuais.<\/p>\n

Do copyleft emergiram, no in\u00edcio dos anos 2000, os Creative Commons: um conjunto de licen\u00e7as e, posteriormente, uma ONG presente em mais de cinquenta pa\u00edses<\/a>. A partir da\u00ed, expandiu-se a ideia de cultura e conhecimento livre, e potencializados movimentos como a Educa\u00e7\u00e3o Aberta (Recursos Educacionais Abertos<\/a> no Brasil), Ci\u00eancia Aberta<\/a> e OpenGlam<\/a> (galerias, bibliotecas, arquivos e museus abertos), ainda em plena atividade globalmente.<\/p>\n

Esses movimentos promovem o acesso a conhecimentos de interesse p\u00fablico, tais como produ\u00e7\u00f5es cient\u00edficas, livros did\u00e1ticos e obras presentes em museus e bibliotecas p\u00fablicas, frente \u00e0s restri\u00e7\u00f5es impostas pelas empresas detentoras de direitos autorais em obras culturais e educacionais. Nesse sentido, a defesa da cultura livre e dos movimentos que a promovem se torna ainda mais urgente em um mundo cada vez mais dominado pelas IAs generativas e pela l\u00f3gica da propriedade intelectual restritiva, garantindo que a criatividade e o conhecimento possam ser compartilhados e apropriados por todos, e n\u00e3o apenas por uma elite privilegiada.<\/p>\n

O livre direito a cultura para IAs?<\/strong><\/h3>\n

A partir desse panorama sobre a cultura livre, discutido em \u201cA Cultura \u00e9 Livre: uma hist\u00f3ria da resist\u00eancia antipropriedade\u201d<\/em><\/a>, \u00e9 poss\u00edvel estabelecer uma conex\u00e3o com a Intelig\u00eancia Artificial (IA). A populariza\u00e7\u00e3o de sistemas como o ChatGPT coloca a propriedade intelectual em um momento hist\u00f3rico importante, j\u00e1 que vivemos em um mundo cada vez mais dominado por m\u00faltiplas c\u00f3pias reproduzidas por sistemas algor\u00edtmicos \u201cinteligentes\u201d.<\/p>\n

Nesse contexto, torna-se dif\u00edcil reconhecer as fontes e identificar a autoria. \u00c9 praticamente imposs\u00edvel fazer isso retroativamente, pois muitos sistemas de IA j\u00e1 extra\u00edram informa\u00e7\u00f5es de bases de dados da internet sem autoriza\u00e7\u00e3o e seguem produzindo novas ideias a partir do que aprenderam.<\/p>\n

No \u00e2mbito jur\u00eddico, j\u00e1 h\u00e1 den\u00fancias que questionam essa apropria\u00e7\u00e3o; tr\u00eas artistas iniciaram uma a\u00e7\u00e3o coletiva contra Stability.ai e Midjourney alegando viola\u00e7\u00e3o direta e indireta de direitos autorais, uma vez que \u201cestes sistemas pegaram bilh\u00f5es de imagens de treinamento extra\u00eddas de sites p\u00fablicos\u201d e as usaram \u201cpara produzir imagens aparentemente novas por meio de um processo de software matem\u00e1tico\u201d.<\/p>\n

Entre especialistas em direito autoral,\u00a0muitos se perguntam<\/a>\u00a0se a extra\u00e7\u00e3o de conte\u00fado de terceiros por estas IAs generativas pode ser considerado \u201cfair use<\/em>\u201d (uso justo), mecanismo da Lei dos Estados Unidos que estabelece como uso justo a reprodu\u00e7\u00e3o de trechos para fins como cr\u00edtica, coment\u00e1rio, not\u00edcias, ensino ou pesquisa.<\/p>\n

Esse tipo de mecanismo de exce\u00e7\u00e3o, que sempre foi uma defesa do movimento da cultura livre para que grandes empresas da cultura n\u00e3o impedissem pr\u00e1ticas como as pequenas cita\u00e7\u00f5es musicais e de v\u00eddeo para fins de estudo ou par\u00f3dia, por exemplo, agora tem sido estabelecido como a interpreta\u00e7\u00e3o usada pelos\u00a0tribunais dos Estados Unidos<\/a>\u00a0para permitir alguns usos de minera\u00e7\u00e3o de dados necess\u00e1rios para estes sistemas de IA funcionarem.<\/p>\n

Pesquisadores da \u00e1rea indicam que, em breve, a quantidade de texto e imagem gerada por IAs tende a superar toda produ\u00e7\u00e3o humana. Esse fato levanta a discuss\u00e3o sobre a apropria\u00e7\u00e3o do espa\u00e7o comum (dom\u00ednio p\u00fablico) das ideias.<\/p>\n

Apropria\u00e7\u00e3o do espa\u00e7o comum de ideias<\/strong><\/h3>\n

Um n\u00famero muito grande de obras produzidas pode exaurir a quantidade de express\u00f5es poss\u00edveis de uma ideia em um certo meio \u2014 m\u00fasica, por exemplo, onde j\u00e1 h\u00e1 casos de IAs, como a do Google Assistente, que reconhece amostras<\/a>\u00a0de uma m\u00fasica, trechos de at\u00e9 menos de um segundo.<\/p>\n

Identificar pode significar tamb\u00e9m controlar e restringir; empresas de tecnologia j\u00e1 identificam e barram rapidamente a circula\u00e7\u00e3o de informa\u00e7\u00f5es para defender a propriedade.<\/p>\n

O rapper brasileiro Don L reconheceu o perigo e expressou sua\u00a0opini\u00e3o no Twitter<\/a>: \u201cO capitalismo vai acabar com a arte do\u00a0sample<\/em>. Sou totalmente contra ter que pagar por\u00a0samples<\/em>\u00a0irreconhec\u00edveis por um humano. Se for por essa l\u00f3gica, deveria ter direito autoral pros instrumentos. Pagar pra Yamaha, Korg etc em toda m\u00fasica\u201d.<\/p>\n

Se todos os samples usados no hip hop fossem identificados, controlados e restritos, teria sido poss\u00edvel o nascimento do g\u00eanero musical? Quantos novos estilos liter\u00e1rios, express\u00f5es art\u00edsticas e g\u00eaneros musicais deixariam de surgir se houvesse barreiras econ\u00f4micas como essa?<\/p>\n

Diante dessas quest\u00f5es, que surgem diante das d\u00favidas sobre como regular processos tecnol\u00f3gicos ainda em pleno desenvolvimento, parece ser importante discutir novamente o uso justo.<\/p>\n

Manter a exce\u00e7\u00e3o de uso justo no direito autoral pode permitir que criadores e inventores continuem a combinar conhecimentos existentes para criar novas possibilidades, como faziam antes com a c\u00e2mera e o sampler. Por\u00e9m, \u00e9 importante considerar as consequ\u00eancias do colonialismo de dados caso a minera\u00e7\u00e3o de milhares de textos e dados necess\u00e1rios para o funcionamento de sistemas de Intelig\u00eancia Artificial privados e fechados seja considerada uso justo.<\/p>\n

Seria poss\u00edvel invocar o\u00a0copyleft<\/em>\u00a0novamente para equilibrar a discuss\u00e3o, garantindo que obras geradas por Intelig\u00eancia Artificial (a partir de comandos humanos) sejam licenciadas abertamente apenas para determinados usos? Seria tecnicamente poss\u00edvel licenciar e controlar o\u00a0copyleft<\/em>, dada a dificuldade de distinguir c\u00f3pia e original nesse contexto e o n\u00famero crescente de obras geradas?<\/p>\n

Seria tamb\u00e9m poss\u00edvel questionar se a obra de arte \u00e9 realmente fruto apenas do esp\u00edrito humano, como proposto no final de \u201cA Cultura \u00e9 Livre\u201d<\/em>. Se n\u00e3o for, seria hora de, assim como os povos ind\u00edgenas j\u00e1 fazem h\u00e1 muito tempo, rever o antropocentrismo e dar a classifica\u00e7\u00e3o de criadores a seres n\u00e3o-humanos, \u201cartificiais\u201d ou \u201cnaturais\u201d?<\/p>\n

As muitas perguntas sem resposta apenas refor\u00e7am o desafio que a populariza\u00e7\u00e3o das IAs generativas nos apresenta ao pensar sobre o futuro da cria\u00e7\u00e3o e da cultura livre.<\/p>\n

* Texto publicado originalmente na revista Jacobin<\/a>, por sua vez adaptado de outro, chamado “Cultura e conhecimento livre em tempos de IAs”, que pode ser visto no site da Funda\u00e7\u00e3o Rosa Luxemburgo Brasil-Paraguai<\/a>.<\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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