{"id":15230,"date":"2023-04-24T10:00:57","date_gmt":"2023-04-24T13:00:57","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=15230"},"modified":"2023-04-26T10:23:03","modified_gmt":"2023-04-26T13:23:03","slug":"uma-nova-primavera-para-o-direito-autoral-das-ias","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2023\/04\/24\/uma-nova-primavera-para-o-direito-autoral-das-ias\/","title":{"rendered":"Uma nova primavera para o direito Autoral das IAs"},"content":{"rendered":"
<\/p>\n
As tecnologias de IA atingiram um n\u00edvel de popularidade nunca antes visto. Como essa nova onipresen\u00e7a afeta o uso justo e a cria\u00e7\u00e3o de novas obras?<\/i><\/p>\n
Por Lukas Ruthes Gon\u00e7alves*<\/strong><\/p>\n O primeiro inverno da IA \u200b\u200baconteceu em 1974, depois que um relat\u00f3rio encomendado pelo Conselho de Pesquisa Cient\u00edfica do Reino Unido criticou como a IA n\u00e3o conseguiu atingir seus objetivos na \u00e9poca e observou que \u201cem nenhuma parte do campo as descobertas feitas at\u00e9 agora produziram o grande impacto que ent\u00e3o se prometia**.\u201dO que se seguiu foi uma queda na popularidade<\/a> das tecnologias relacionadas ao campo que durou at\u00e9 1980, ap\u00f3s uma empolga\u00e7\u00e3o inicial com cria\u00e7\u00f5es feitas pelo pr\u00f3prio computador.<\/p>\n Voltando aos conceitos fundamentais: um aplicativo de IA, n\u00e3o diferente de qualquer computador, precisa de 3 elementos-chave para funcionar corretamente: hardware, que roda um software que depende de dados para produzir resultados.<\/b> A principal diferen\u00e7a \u00e9 que a intelig\u00eancia artificial executa \u201ctarefas que normalmente exigiriam intelig\u00eancia humana, como percep\u00e7\u00e3o visual, reconhecimento de fala, tomada de decis\u00e3o e tradu\u00e7\u00e3o de idiomas\u201d. Essa \u00e9 uma defini\u00e7\u00e3o de John McCarthy, um dos principais pesquisadores da \u00e1rea, durante a Confer\u00eancia de Dartmouth de 1956, que buscava unificar os diversos esfor\u00e7os de pesquisa da \u00e9poca sob uma \u00fanica bandeira. At\u00e9 Alan Turing faria a pergunta se as m\u00e1quinas podem pensar em sua obra seminal \u201cComputing Machinery and Intelligence\u201d<\/a>, de 1950.<\/p>\n A principal raz\u00e3o para aquele primeiro inverno de IA foi a falta de capacidade de processamento do hardware na \u00e9poca. Pesquisadores de IA durante a d\u00e9cada de 1970 perceberam que era muito mais f\u00e1cil ensinar um aplicativo a jogar xadrez do que levantar uma caneta, em um fen\u00f4meno apelidado de Paradoxo de Moravec<\/a>. Habilidades mentais que s\u00e3o tidas como certas (como andar ou reconhecer um rosto) acabam exigindo um poder computacional muito maior do que calcular o pi, por exemplo. Isso torna os problemas dif\u00edceis f\u00e1ceis e os f\u00e1ceis dif\u00edceis. \u00c9 por isso que a pesquisa em vis\u00e3o computacional e rob\u00f3tica fez pouco progresso durante a d\u00e9cada de 1970.<\/p>\n Na d\u00e9cada de 1980, o hardware havia melhorado, com sistemas como m\u00e1quinas LISP<\/a> se tornando mais populares e sendo anunciados como capazes de simular as capacidades de tomada de decis\u00e3o dos humanos. No entanto, computadores pessoais menores de empresas como Apple e IBM come\u00e7aram a ganhar for\u00e7a entre a popula\u00e7\u00e3o, pois hardware especializado como as m\u00e1quinas LISP eram muito caros para manter e incapazes de lidar adequadamente com entradas incomuns. Isso trouxe o segundo inverno de IA em 1993, com a popularidade na \u00e1rea atingindo um novo ponto baixo.<\/p>\n Desde ent\u00e3o muita coisa mudou. O hardware continuou a melhorar (de acordo com a Lei de Moore<\/a>), com os computadores ficando menores e mais potentes a cada gera\u00e7\u00e3o. E com o crescimento da internet toda a capacidade computacional n\u00e3o precisava mais estar localizada em um \u00fanico lugar. Em vez disso, para empresas como o Google, ele pode ser distribu\u00eddo em todo o mundo<\/a>. Al\u00e9m disso, o aumento da popularidade da internet com o p\u00fablico em geral criou a oportunidade para mais pontos de dados do que nunca. Os aplicativos de IA mais recentes come\u00e7aram a utilizar o hardware em r\u00e1pido desenvolvimento, o software em evolu\u00e7\u00e3o e o aumento dos dados para florescer.<\/p>\n Em uma nova primavera para aplicativos de IA, podemos encontrar hoje aqueles que podem gerar arte (Dall-E 2<\/a>), criar textos de v\u00e1rios tipos (ChatGPT<\/a>) e traduzir com mais precis\u00e3o<\/a>, entre outros in\u00fameros usos. No entanto, a r\u00e1pida implanta\u00e7\u00e3o dessas ferramentas de IA est\u00e1 atraindo novos desafios. Existem preocupa\u00e7\u00f5es sobre o uso de obras protegidas por direitos autorais para treinar IA; nem todo mundo est\u00e1 feliz com o fato de que esses aplicativos podem repentinamente escrever livros infantis<\/a> ou ganhar competi\u00e7\u00f5es de arte<\/a>. Com o escrut\u00ednio dessas aplica\u00e7\u00f5es cada vez maiores, os legisladores e o p\u00fablico em todo o mundo come\u00e7aram a olhar para essas caixas misteriosas com maior interesse.<\/p>\n Gerado usando ChatGPT com o seguinte prompt: \u201cComo voc\u00ea escreveria \u2018A Dream of Spring for AI Copyright\u2019 no estilo de George R. R. Martin?\u201d<\/p><\/div>\n Enquanto alguns recepcionam com entusiasmo esses desenvolvimentos de IA, outros v\u00eaem isso com ceticismo, j\u00e1 entrando com a\u00e7\u00f5es judiciais contra aplica\u00e7\u00f5es de<\/b> IA de gera\u00e7\u00e3o de obras de arte nos EUA e no Reino Unido<\/b>. O cerne da quest\u00e3o \u00e9 se esses sistemas infringiram os direitos autorais dos artistas para gerar suas cria\u00e7\u00f5es. Um caso iniciado em solo americano tem como autores tr\u00eas artistas que iniciaram uma a\u00e7\u00e3o coletiva contra os aplicativos de IA Stability.ai<\/a> e Midjourney<\/a>, e contra o reposit\u00f3rio de imagens DeviantArt <\/a>alegando viola\u00e7\u00e3o direta e indireta de direitos autorais, viola\u00e7\u00f5es de DMCA e concorr\u00eancia desleal. A den\u00fancia pode ser encontrada aqui<\/a>. Especificamente, os artistas afirmam que os r\u00e9us \u201cpegaram bilh\u00f5es de imagens de treinamento extra\u00eddas de sites p\u00fablicos\u201d e as usaram \u201cpara produzir imagens aparentemente novas por meio de um processo de software matem\u00e1tico\u201d.<\/p>\n O caso do Reino Unido segue na mesma linha, com a Getty Images<\/a> processando a Stability.ai alegando que esta \u201cviolou direitos de propriedade intelectual, incluindo direitos autorais em conte\u00fado de propriedade ou representado pela Getty Images\u201d. O argumento \u00e9 semelhante ao caso dos EUA, em que o r\u00e9u \u201ccopiou e processou ilegalmente milh\u00f5es de imagens protegidas por direitos autorais e os metadados associados pertencentes ou representados pela Getty Images, sem uma licen\u00e7a, para beneficiar os interesses comerciais da Stability AI e em detrimento dos criadores de conte\u00fado\u201d.<\/p>\n Deixando de lado os aspectos t\u00e9cnicos de como \u00e9 feito o treinamento de uma aplica\u00e7\u00e3o de IA (veja aqui uma \u00f3tima explica\u00e7\u00e3o sobre o assunto<\/a>), o cerne n\u00e3o s\u00f3 dessas duas a\u00e7\u00f5es, mas do funcionamento dos aplicativos de IA como um todo, \u00e9 se a extra\u00e7\u00e3o de conte\u00fado de terceiros para ser utilizado como dados de treinamento de uma aplica\u00e7\u00e3o do tipo pode ser considerada fair use (uso justo)<\/b>. Conceitualmente, a minera\u00e7\u00e3o de dados<\/a> \u00e9 a digitaliza\u00e7\u00e3o de grandes quantidades de dados para uso em um software com o objetivo de analisar e extrair informa\u00e7\u00f5es dessas bases.<\/p>\n Nos EUA, este t\u00f3pico \u00e9 regulado pelo \u00a7107 da Lei de Direitos Autorais<\/a>, que estabelece como uso justo de uma obra protegida por direitos autorais – portanto, n\u00e3o viola\u00e7\u00e3o – a reprodu\u00e7\u00e3o para fins como cr\u00edtica, coment\u00e1rio, not\u00edcias, ensino, bolsa de estudos ou pesquisa. A lei estabelece quatro fatores para determinar se um uso seria considerado \u201cjusto\u201d: a finalidade e o car\u00e1ter do uso; a natureza da obra protegida por direitos autorais; a quantidade que foi copiada; e seu efeito potencial no mercado dessa obra. Esse tipo de exce\u00e7\u00e3o flex\u00edvel estabelecida pelo fair use tem sido a interpreta\u00e7\u00e3o usada pelos tribunais dos Estados Unidos para permitir alguns usos de minera\u00e7\u00e3o de textos e dados (em ingl\u00eas, TDM) necess\u00e1rios para aplicativos de IA poderem gerar imagens, como aponta Jonathan Band<\/a>.<\/p>\n Um caso marcante para o t\u00f3pico, Authors Guild, Inc. v. Google, Inc<\/a>., ouvido pelo Tribunal de Apela\u00e7\u00f5es do Segundo Circuito (Court of Appeals for the Second Circuit<\/i>) entre 2005 e 2015, chegou \u00e0 conclus\u00e3o de que a tentativa do Google de digitalizar livros para uso em seu buscador foi vista como um passo transformador para as bibliotecas – mesmo que a empresa n\u00e3o tenha solicitado autoriza\u00e7\u00e3o para este uso. Com este julgamento, que considerou tais pr\u00e1ticas de TDM como uso justo, abriu-se um precedente chave que atualmente \u00e9 invocado pelos fabricantes de aplicativos de IA para apoiar legalmente suas pr\u00e1ticas.<\/p>\n No entanto, essa decis\u00e3o \u00e9 cada vez mais questionada, com os ve\u00edculos de not\u00edcia agora mais cautelosos com a \u201cdieta de m\u00eddia\u201d dos chatbots do Bing<\/a> e o governo do Reino Unido restringindo a expans\u00e3o das exce\u00e7\u00f5es do TDM. Os casos mencionados acima desafiar\u00e3o esse entendimento? O entendimento de como essa tecnologia funciona \u00e9 incipiente e levar\u00e1 tempo at\u00e9 que os advogados consigam entender completamente o conceito para considerar propostas que n\u00e3o freiam o avan\u00e7o de tecnologias inovadoras como a IA.<\/p>\n Este \u00e9 apenas mais um exemplo de como o uso justo e as limita\u00e7\u00f5es e exce\u00e7\u00f5es s\u00e3o importantes para o avan\u00e7o de novas tecnologias. A doutrina de uso justo tornou-se um dos pilares legais dos quais os aplicativos de IA dependem. Sua defesa e amplia\u00e7\u00e3o s\u00e3o primordiais para que criadores e inventores possam continuar a recombinar conhecimentos existentes para criar novas e excitantes possibilidades, como faziam anteriormente com a c\u00e2mera e programas de edi\u00e7\u00e3o de imagens como o Photoshop<\/i>. Isso garantir\u00e1 uma longa primavera para as ferramentas de IA e as novas obras de arte e inova\u00e7\u00f5es que artistas, m\u00fasicos, pesquisadores e o p\u00fablico em geral criar\u00e3o utilizando-as.<\/p>\n *: Lukas Ruthes Gon\u00e7alves \u00e9 Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paran\u00e1 (UFPR), apresentando disserta\u00e7\u00e3o sobre Autoria de IA orientada pelo Professor Marcos Wachowicz e \u00e9 agora Doutorando pela mesma institui\u00e7\u00e3o. \u00c9 tamb\u00e9m membro do Grupo de Estudos em Direito Autoral e Industrial (GEDAI\/UFPR), liderado pelo Professor Marcos Wachowicz e LLM em Propriedade Intelectual e Tecnologia pela American University Washington College of Law.\u00a0 Texto originalmente publicado em ingl\u00eas no Projeto Disco<\/a>. Tradu\u00e7\u00e3o: Leonardo Foletto<\/em><\/p>\n **: Lighthill, J. (1973), \u201cArtificial intelligence: a general survey\u201d, Artificial intelligence: a paper symposium<\/i><\/p>\n A imagem de capa do post foi gerada usando DALL-E com o seguinte prompt: \u201cUm desenho realista de uma paisagem de primavera com um pequeno rob\u00f4 no meio olhando para o horizonte\u201d.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" As tecnologias de IA atingiram um n\u00edvel de popularidade nunca antes visto. Como essa nova onipresen\u00e7a afeta o uso justo e a cria\u00e7\u00e3o de novas obras? 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