{"id":1424,"date":"2009-03-14T13:59:59","date_gmt":"2009-03-14T13:59:59","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=1424"},"modified":"2009-03-14T13:59:59","modified_gmt":"2009-03-14T13:59:59","slug":"comentario-as-vantagens-financeiras-do-anticopyright","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2009\/03\/14\/comentario-as-vantagens-financeiras-do-anticopyright\/","title":{"rendered":"Coment\u00e1rio: As vantagens financeiras do anticopyright"},"content":{"rendered":"
\"Ah,

Sim! Por tr\u00e1s desta imagem h\u00e1 um conceito<\/p><\/div>\n

Por dizerem respeito a toda a sociedade, s\u00e3o\u00a0as novas pr\u00e1ticas de distribui\u00e7\u00e3o e consumo de cultura que t\u00eam estado\u00a0na parte mais vis\u00edvel\u00a0da demanda por\u00a0uma revis\u00e3o nas leis de direito autoral.\u00a0Afinal de contas, estes pontos da conversa\u00a0falam\u00a0de uma\u00a0intrincada cadeia econ\u00f4mica que inclui potencialmente qualquer pessoa. H\u00e1, no entanto,\u00a0um debate que corre paralelamente\u00a0 a este, e que trata de uma revis\u00e3o igualmente importante para o contexto cultural em que vivemos. A revis\u00e3o da ideia de autor, e do que consiste seu trabalho.<\/p>\n

A arte \u00e9 um campo cultural dos mais ideol\u00f3gicos,\u00a0permeado de ingenuidades e mitos que t\u00eam tudo pra parecerem perfeitamente naturais, mas que uma an\u00e1lise hist\u00f3rica mesmo superficial apontaria como\u00a0constru\u00e7\u00f5es recent\u00edssimas. \u00c9 poss\u00edvel usar como exemplo a id\u00e9ia de “novidade” na arte. Make it new<\/em>, o slogan preferido de Ezra Pound, um dos mais influentes poetas do modernismo norte-americano,\u00a0tem influenciado\u00a0gera\u00e7\u00f5es de criadores por muitas d\u00e9cadas. Original seria aquilo que apresenta certo grau de novidade, e o papel do autor seria introduzir informa\u00e7\u00e3o nova no tecido da cultura — informa\u00e7\u00e3o (arte<\/em>) que seria fruto do que os rom\u00e2nticos chamaram inspira\u00e7\u00e3o, posteriormente substitu\u00edda no imagin\u00e1rio art\u00edstico pelo trabalho.<\/p>\n

No entanto, historicamente a novidade \u00e9 um valor moderno —\u00a0da era moderna, da arte moderna. N\u00f3s aprendemos na escola que a cultura romana — sua poesia, seus deuses —\u00a0foi em boa medida uma adapta\u00e7\u00e3o da cultura grega. Da mesma forma, muito da tradi\u00e7\u00e3o japonesa \u00e9 heran\u00e7a da cultura chinesa. E nada disso \u00e9 dem\u00e9rito aos olhos de quem se insere ou inseria nestes sistemas culturais. A educa\u00e7\u00e3o art\u00edstica mais antiga passa pelo aprendizado das formas, e o bom artista \u00e9 quem as domina.\u00a0Quando a\u00a0modernidade instaura o “novo” como um valor art\u00edstico, a rela\u00e7\u00e3o do criador com as formas e g\u00eaneros passa a ser de supera\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Ser\u00e1 por acaso que essa mesma modernidade\u00a0\u00e9 a etapa hist\u00f3rica do desenvolvimento do capitalismo, e\u00a0ser\u00e1 que n\u00e3o h\u00e1 qualquer correspond\u00eancia entre o desejo de novidade da arte moderna e o desejo de novidade da economia de mercado, onde os produtos s\u00e3o cada vez mais velozmente substitu\u00eddos por outros com apar\u00eancia de novo? \u00c9 evidente que a arte moderna produziu obras grandiosas, como a do pr\u00f3prio Pound, e apontar suas ideologias n\u00e3o significa rejeitar sua vanguarda. Significa mostrar que, apesar do apego que a arte possui em rela\u00e7\u00e3o a suas pr\u00f3prias mitologias, uma simples mudan\u00e7a de perspectiva pode revelar o que h\u00e1 de ideol\u00f3gico em suas cren\u00e7as.<\/p>\n

Pol\u00edtico como todos os outros campos da cultura, o campo art\u00edstico cria seus mecanismos de defesa e preserva\u00e7\u00e3o.\u00a0Os questionamentos levantados nos par\u00e1grafos acima\u00a0t\u00eam sido abordados h\u00e1 mais de um s\u00e9culo por correntes mais radicais de artistas e pensadores, que v\u00eam apresentando propostas n\u00e3o apenas no campo conceitual, mas na pr\u00e1tica criativa,\u00a0introduzindo conceitos “malditos”, como por exemplo o pl\u00e1gio, no territ\u00f3rio da cria\u00e7\u00e3o. Boa parte destes pensadores, no entanto, passam longe dos holofotes da cultura, e embora por vezes seus nomes sejam conhecidos (os surrealistas, por exemplo, fazem parte desse grupo), a radicalidade de suas pr\u00e1ticas ainda n\u00e3o foi devidamente assimilada.<\/p>\n

\u00c9 a estes autores que o primeiro par\u00e1grafo de As vantagens financeiras do anticopyright<\/em> faz refer\u00eancia. E ao pr\u00f3prio Critical Art Ensemble, cuja obra se insere nesta longa tradi\u00e7\u00e3o de roubo e apropria\u00e7\u00e3o cultural. Embora eu tenha no \u00faltimo post esbo\u00e7ado uma reflex\u00e3o sobre outros aspectos do texto, me parece de alguma utilidade comentar antes estas quest\u00f5es. Artistas de rap e hip hop j\u00e1 foram processados por utilizarem samplers de outros artistas. A justi\u00e7a (ou as empresas, ou certo p\u00fablico) adotaria os mesmos procedimentos\u00a0diante de\u00a0cabe\u00e7\u00f5es do naipe de um\u00a0Walter Benjamin<\/a>, este grande adepto das t\u00e9cnicas de colagem\/montagem, e glorioso fumador de haxixe?<\/p>\n

\""Hmmm,

Walter Benjamin: "Hmmm, isso aqui d\u00e1 pra usar..."<\/p><\/div>\n

O pr\u00f3prio cinema, inclusive o milion\u00e1rio cinema hollywoodiano, n\u00e3o vive sem apropria\u00e7\u00e3o. O exemplo que me ocorre agora \u00e9 o daquela cena\u00a0em Be Cool<\/em> em que John Travolta e Uma Thurman repetem a dan\u00e7a que haviam protagonizado antes em Pulp Fiction<\/em>. A pr\u00f3pria m\u00fasica do Black Eye Peas que serve de trilha come\u00e7a com uma refer\u00eancia a Tom Jobim. Costuma-se chamar este tipo de procedimento de cita\u00e7\u00e3o<\/em>. Trata-se, no entanto, de um tipo muito peculiar de cita\u00e7\u00e3o, em que se omite a autoria do “original”. Outro nome para esta modalidade criativa seria pl\u00e1gio<\/em>.<\/p>\n

[youtube=http:\/\/www.youtube.com\/watch?v=rKHhbOaM5xs]<\/p>\n

[youtube=http:\/\/www.youtube.com\/watch?v=4Xwxce3ubK4]<\/p>\n

Mas o\u00a0pl\u00e1gio n\u00e3o \u00e9 <\/em>um fruto deliberado da\u00a0m\u00e1-f\u00e9 como\u00a0prega o senso comum.\u00a0A rigor, \u00e9\u00a0qualquer utiliza\u00e7\u00e3o de ideia ou linguagem que n\u00e3o remeta explicitamente ao original.\u00a0Note o detalhe da\u00a0linguagem<\/em>.\u00a0Isto quer dizer que, em certos meios (o acad\u00eamico, por exemplo), pegar uma express\u00e3o emprestada de algu\u00e9m sem mencionar explicitamente este algu\u00e9m j\u00e1 \u00e9 considerado pl\u00e1gio, ainda que n\u00e3o tenha havido roubo de ideia<\/em>. A cita\u00e7\u00e3o cinematogr\u00e1fica \u00e9 pl\u00e1gio porque n\u00e3o remete explicitamente ao original.\u00a0Ningu\u00e9m avisa l\u00e1 nos cr\u00e9ditos finais que determinada cena \u00e9 uma cita\u00e7\u00e3o de outra.<\/p>\n

Por que isto n\u00e3o nos choca, enquanto p\u00fablico? Porque em geral, n\u00f3s conhecemos<\/em> a obra que deu origem \u00e0 segunda obra, ou temos algum amigo cin\u00e9filo que conhece e nos conta, todo exibido. Isto n\u00e3o acontece com a mesma frequ\u00eancia quando se trata de outras modalidades de cria\u00e7\u00e3o. Socialmente, lemos menos do que vemos filmes. Portanto a possibilidade de reconhecer um filme dentro de outro \u00e9 mais presente do que a de reconhecer um livro dentro de outro.\u00a0O risco que n\u00e3o podemos\u00a0correr \u00e9 o de\u00a0nos sentimos insultados ao n\u00e3o o reconhecermos. O\u00a0risco de\u00a0nos tornamos intolerantes.<\/p>\n

Guy Debord<\/a>, um dos maiores e mais criativos plagiadores que o s\u00e9culo 20 conheceu, chamou a aten\u00e7\u00e3o para isto no fim da vida. Debord ficou famoso\u00a0por sua atua\u00e7\u00e3o te\u00f3rico-pr\u00e1tica no Situacionismo\u00a0e sobretudo pelo livro A Sociedade do Espet\u00e1culo,<\/em> que abre com um caso cl\u00e1ssico de pl\u00e1gio. O primeiro par\u00e1grafo da obra\u00a0\u00e9 literalmente o primeiro par\u00e1grafo de O Capital<\/em>,\u00a0do famoso\u00a0atacante do\u00a0Vasco\u00a0Karl Marx, com apenas uma troca de palavra.\u00a0A t\u00e9cnica ficou conhecida como\u00a0detournement<\/a><\/em>, que seria algo como um desvio, uma cita\u00e7\u00e3o desviada.<\/p>\n

\"Os

Os usos de Marx<\/p><\/div>\n

Sem entrar em muitos detalhes, o objetivo era mostrar que a etapa do capitalismo em que viv\u00edamos pelo ac\u00famulo de mercadorias<\/em> havia passado, e chegara o tempo em que no lugar delas pass\u00e1ramos a acumular apenas imagens de mercadorias — espet\u00e1culos<\/em>. Da\u00ed que, ao inv\u00e9s de citar o par\u00e1grafo original e discorrer sobre ele at\u00e9 alcan\u00e7ar uma conclus\u00e3o, Debord julgou mais \u00fatil (por raz\u00f5es que n\u00e3o cabem discutir neste j\u00e1 longo texto) a substitui\u00e7\u00e3o direta do que j\u00e1 n\u00e3o servia.<\/p>\n

No fim da vida, em seu \u00faltimo livro<\/a>, ele desistiria do procedimento, e registraria que esse tipo de t\u00e9cnica seria adequada apenas a sociedades que fossem capazes de reconhec\u00ea-la. Esta \u00e9 a chave do roubo criativo. Ao contr\u00e1rio do pl\u00e1gio praticado por pura falta de talento, o pl\u00e1gio criativo funciona para revelar, n\u00e3o para ocultar suas origens.\u00a0Ele n\u00e3o pretende muito mais\u00a0do que\u00a0ser\u00a0uma forma mais direta de entrar no longo di\u00e1logo do conhecimento.<\/p>\n

[Reuben da Cunha Rocha.<\/strong>]<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Por dizerem respeito a toda a sociedade, s\u00e3o\u00a0as novas pr\u00e1ticas de distribui\u00e7\u00e3o e consumo de cultura que t\u00eam estado\u00a0na parte mais vis\u00edvel\u00a0da demanda por\u00a0uma revis\u00e3o nas leis de direito autoral.\u00a0Afinal de contas, estes pontos da conversa\u00a0falam\u00a0de uma\u00a0intrincada cadeia econ\u00f4mica que inclui potencialmente qualquer pessoa. H\u00e1, no entanto,\u00a0um debate que corre paralelamente\u00a0 a este, e que […]<\/p>\n","protected":false},"author":2,"featured_media":8258,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":[],"categories":[88,136,126],"tags":[199,226,227,228],"post_folder":[],"jetpack_featured_media_url":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-content\/uploads\/2012\/07\/situacionismo6-1.jpg","_links":{"self":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/1424"}],"collection":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/users\/2"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=1424"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/1424\/revisions"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/media\/8258"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=1424"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=1424"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=1424"},{"taxonomy":"post_folder","embeddable":true,"href":"https:\/\/baixacultura.org\/wp-json\/wp\/v2\/post_folder?post=1424"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}