{"id":13997,"date":"2009-11-23T14:53:03","date_gmt":"2009-11-23T14:53:03","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=2343"},"modified":"2009-11-23T14:53:03","modified_gmt":"2009-11-23T14:53:03","slug":"hakim-bey-taz-anarquismo-ontologico-e-outros-nomes-estranhos","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2009\/11\/23\/hakim-bey-taz-anarquismo-ontologico-e-outros-nomes-estranhos\/","title":{"rendered":"Hakim Bey, Taz, anarquismo ontol\u00f3gico e outros nomes estranhos"},"content":{"rendered":"
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\u00c0 primeira vista, nada indica que o senhor da foto acima, em trajes e barba que faria um mais desavisado crer que se est\u00e1 diante de um mendigo errante, \u00e9 um dos mais brilhantes e pol\u00eamicos pensadores da atualidade. Mas em quest\u00e3o de conhecimento apar\u00eancia n\u00e3o significa rigorosamente nada, n\u00e3o?<\/p>\n Hakim Bey \u00e9 o (codi) nome em quest\u00e3o usado pelo senhor de alcunha Peter Lamborn Wilson<\/strong>, nascido em Baltimore, Estados Unidos, em 1945, que ap\u00f3s estudar na tradicional Universidade de Columbia, em Nova Iorque, fez uma longa viagem \u00e0 \u00c1sia e Oriente M\u00e9dio\u00a0 em busca das ra\u00edzes e dos templos do sufismo<\/a>. Peter (ou Hakim) veio a se fixar por algum tempo no Ir\u00e3, onde atuou como consultor e pesquisador do sufi, ainda nos anos da d\u00e9cada de 1970 pr\u00e9-Revolu\u00e7\u00e3o Isl\u00e2mica, que, quando chegou em 1979, levou o Aiatol\u00e1 Khomeini ao poder e Hakim Bey de volta aos Estados Unidos.<\/p>\n \u00c9 em sua am\u00e9rica natal que Hakim se v\u00ea picado pelo mosquito revolucion\u00e1rio do anarquismo. Une seus novos conhecimentos aos j\u00e1 consolidados em rela\u00e7\u00e3o ao sufismo e da\u00ed surge uma estranha e original\u00edssima liga, auto-nomeada de anarquismo ontol\u00f3gico<\/a>, <\/em>uma, digamos, corrente<\/em> de anarquismo criticada at\u00e9 mesmo pelos anarquistas, que a visualizam de modo pejorativo como um anarquismo individualista e apol\u00edtico, que mistura elementos (misticismo, obscurantismo) que n\u00e3o caem nada bem aos anarquistas tradicionais.<\/p>\n A partir da inusitada mistura de elementos culturais\/ideol\u00f3gicos distintos \u00e9 que a lenda de Hakim Bey ganha for\u00e7a, na mesma propor\u00e7\u00e3o que os seus textos – sobre assuntos t\u00e3o distintos quanto m\u00e1fias chinesas descentralizadas conhecidas (tongs<\/em><\/a>), <\/em>comunalismo experimental de Charles Fourier<\/a>, conex\u00f5es entre o sufismo e a antiga cultura Celta, tecnologia e internet, terrorismo po\u00e9tico, ludismo, turismo e o uso ritualizado de subst\u00e2ncias alteradoras da consci\u00eancia, dentre outros – v\u00e3o sendo difundidos pelos submundos deste planeta, especialmente em meados dos anos 80 e 90.<\/p>\n **<\/p>\n Tudo isso sobre Hakim Bey seria por demais estranho em estar neste local se o senhor da foto que abre esta postagem n\u00e3o tivesse escrito o simp\u00e1tico livrinho da capa acima. Taz, Zona Aut\u00f4noma Tempor\u00e1ria, editado (e j\u00e1 esgotado) no Brasil pela Conrad<\/a>, \u00e9 nitroglicerina sequencialmente explosiva, e n\u00e3o somente para os (algo) deslocados\/escondidos anarquistas, comunistas ou simpatizantes de ambas (?) ideologias. Seu poder de comunica\u00e7\u00e3o e sua verborragia explicativa e revolucion\u00e1ria chegou aos altos (e baixos) escal\u00f5es da Cibercultura como uma tentativa de explica\u00e7\u00e3o pertinente ao mundo atual, ou pelo menos a uma parte dele, a que diz mais respeito a chamada rede (ou The Net, nas palavras de Hakim). Sua relativa aceita\u00e7\u00e3o<\/a> por parte de pesquisadores de comunica\u00e7\u00e3o n\u00e3o deixa de ser surpreendente, ainda mais quando se constata o quanto a ex\u00f3tica figura de Hakim em nada se parece com tantos outros te\u00f3ricos\/pensadores adotados pela rigorosa academia<\/em>.<\/p>\n J\u00e1 a ado\u00e7\u00e3o dos textos de Hakim Bey – principalmente de Taz – entre os\u00a0 frequentadores de raves e adeptos do que se convenciona chamar de cultura rave n\u00e3o \u00e9 de todo surpreendente e at\u00e9 mereceu uma t\u00edpica resposta do pr\u00f3prio pensador: “Os frequentadores de raves est\u00e3o entre meus maiores leitores… Gostaria que eles pudessem repensar toda sua rela\u00e7\u00e3o com a tecnologia – eles deixaram de lado parte do que escrevi”. <\/em>(via Wikip\u00e9dia<\/a>) **<\/p>\n Mas, afinal, que diabos o misterioso Hakim Bey escreve, e o que teria a tal Zona Aut\u00f4noma Tempor\u00e1ria<\/em> de especial para que p\u00fablicos t\u00e3o distintos quanto ravers e\/ou comunic\u00f3logos a pensassem como aplic\u00e1vel para suas vidas\/estudos?<\/p>\n Bueno, eu n\u00e3o me atreveria a tentar responder estas perguntas em duas frases e\/ou um par\u00e1grafo, mas posso trazer o primeiro cap\u00edtulo do dito Taz aqui abaixo, intitulado “Utopias Piratas<\/strong>“,\u00a0 como uma amostra do que Hakim Bey diz e de como ele diz o que diz.\u00a0 O trecho \u00e9 retirado da digitaliza\u00e7\u00e3o do livro, realizada pelo coletivo Sabotagem<\/a>, e que pode ser lido na \u00edntegra aqui<\/a>. A tradu\u00e7\u00e3o para o portugu\u00eas \u00e9 de Patr\u00edcia Decia & Renato Resende<\/strong>. Antes da leitura um alerta: tanto o conte\u00fado quanto o estilo do texto s\u00e3o, digamos, pol\u00eamicos, al\u00e9m de algo herm\u00e9ticos. Podem incomodar – o que n\u00e3o duvido que seja a principal ideia do autor para com seus leitores.<\/p>\n .<\/p>\n<\/blockquote>\n UTOPIAS PIRATAS<\/strong><\/p><\/blockquote>\n OS PIRATAS E CORS\u00c1RIOS do s\u00e9culo XVIII montaram uma “rede de informa\u00e7\u00f5es” que se estendia sobre o globo. Mesmo sendo primitiva e voltada basicamente para neg\u00f3cios cru\u00e9is, a rede funcionava de forma admir\u00e1vel. Era formada por ilhas, esconderijos remotos onde os navios podiam ser abastecidos com \u00e1gua e comida, e os resultados das pilhagens eram trocados por artigos de luxo e de necessidade. Algumas dessas ilhas hospedavam “comunidades intencionais”, mini-sociedades que conscientemente viviam fora da lei e estavam determinadas a continuar assim, ainda que por uma temporada curta, mas alegre. <\/em><\/p>\n H\u00e1 alguns anos, vasculhei uma grande quantidade de fontes secund\u00e1rias sobre pirataria esperando encontrar algum estudo sobre esses enclaves – mas parecia que nenhum historiador ainda os havia considerado merecedores de an\u00e1lise. (William Burroughs mencionou o assunto, assim como o anarquista brit\u00e2nico Larry Law – mas nenhuma pesquisa sistem\u00e1tica foi levada adiante.) Fui ent\u00e3o em busca das fontes prim\u00e1rias e constru\u00ed minha pr\u00f3pria teoria, da qual discutiremos alguns aspectos neste ensaio. Eu chamei esses assentamentos de Utopias Piratas\u00b9. <\/em><\/p>\n Recentemente, Bruce Sterling, um dos principais expoentes da fic\u00e7\u00e3o cientifica cyberpunk, publicou um romance ambientado num futuro pr\u00f3ximo e tendo como base o pressuposto de que a decad\u00eancia dos sistemas pol\u00edticos vai gerar uma prolifera\u00e7\u00e3o de experi\u00eancias comunit\u00e1rias descentralizadas: corpora\u00e7\u00f5es gigantescas mantidas por seus funcion\u00e1rios, enclaves independentes dedicados \u00e0 “pirataria de dados”, enclaves verdes e\u00a0 social-democratas, enclaves de Trabalho-Zero, zonas anarquistas liberadas\u00a0 etc. A economia de informa\u00e7\u00e3o que sustenta esta diversidade \u00e9 chamada de\u00a0 Rede. Os enclaves (e o t\u00edtulo do livro) s\u00e3o Ilhas na Rede. <\/em><\/p>\n Os Assassins\u00b2 medievais fundaram um “Estado” que consistia de\u00a0 uma rede de remotos castelos em vales montanhosos, separados entre si por\u00a0 milhares de quil\u00f4metros, estrategicamente invulner\u00e1veis a qualquer invas\u00e3o,\u00a0 conectados por um fluxo de informa\u00e7\u00f5es conduzidas por agentes secretos,\u00a0 em guerra com todos os governos, e dedicado apenas ao saber. A tecnologia\u00a0 moderna, culminando no sat\u00e9lite espi\u00e3o, reduz esse tipo de autonomia a um\u00a0 sonho rom\u00e2ntico. Chega de ilhas piratas! No futuro, essa mesma tecnologia <\/em>– livre de todo controle pol\u00edtico – pode tornar poss\u00edvel um mundo inteiro de\u00a0 zonas aut\u00f4nomas. Mas, por enquanto, o conceito continua sendo apenas\u00a0 fic\u00e7\u00e3o cient\u00edfica – pura especula\u00e7\u00e3o. <\/em><\/p>\n Estamos n\u00f3s, que vivemos no presente, condenados a nunca\u00a0 experimentar a autonomia, nunca pisarmos, nem que seja por um momento sequer, num peda\u00e7o de terra governado apenas pela liberdade? Estamos reduzidos a sentir nostalgia pelo passado, ou pelo futuro? Devemos esperar\u00a0 at\u00e9 que o mundo inteiro esteja livre do controle pol\u00edtico para que pelo menos um de n\u00f3s possa afirmar que sabe o que \u00e9 ser livre? Tanto a l\u00f3gica quanto a\u00a0 emo\u00e7\u00e3o condenam tal suposi\u00e7\u00e3o. A raz\u00e3o diz que o indiv\u00edduo n\u00e3o pode lutar\u00a0 por aquilo que n\u00e3o conhece. E o cora\u00e7\u00e3o revolta-se diante de um universo t\u00e3o cruel a ponto de cometer tais injusti\u00e7as justamente com a nossa, dentre\u00a0 todas as gera\u00e7\u00f5es da humanidade. <\/em><\/p>\n Dizer “s\u00f3 serei livre quando todos os seres humanos (ou todas as\u00a0 criaturas sens\u00edveis) forem livres”, \u00e9 simplesmente enfurnar-se numa esp\u00e9cie\u00a0 de estupor de nirvana, abdicar da nossa pr\u00f3pria humanidade, definirmo-nos\u00a0 como fracassados. <\/em><\/p>\n Acredito que, dando consequ\u00eancia ao que aprendemos com\u00a0 hist\u00f3rias sobre “ilhas na rede”, tanto do passado quanto do futuro, possamos coletar evid\u00eancias suficientes para sugerir que um certo tipo de “enclave livre” n\u00e3o \u00e9 apenas poss\u00edvel nos dias de hoje, mas \u00e9 tamb\u00e9m real. Toda\u00a0 minha pesquisa e minhas especula\u00e7\u00f5es cristalizaram-se em torno do\u00a0 conceito de ZONA AUT\u00d4NOMA TEMPOR\u00c1RIA (daqui por diante\u00a0 abreviada por TAZ). Apesar de sua for\u00e7a sintetizadora para o meu pr\u00f3prio\u00a0 pensamento, n\u00e3o pretendo, no entanto, que a TAZ seja percebida como algo mais do que um ensaio (“uma tentativa”), uma sugest\u00e3o, quase que uma\u00a0 fantasia po\u00e9tica. Apesar do ocasional excesso de entusiasmo da minha linguagem, n\u00e3o estou tentando construir dogmas pol\u00edticos. Na verdade,\u00a0 deliberadamente procurei n\u00e3o definir o que \u00e9 a TAZ – circundo o assunto,\u00a0 lan\u00e7ando alguns fachos explorat\u00f3rios. No final, a TAZ \u00e9 quase\u00a0 utoexplicativa.Se o termo entrasse em uso seria compreendido sem dificuldades… compreendido em a\u00e7\u00e3o.<\/em><\/p>\n 1: Utopias Piratas: <\/em>Mouros, hereges e renegados, de Peter Lamborn Wilson. Publicado no Brasil<\/a> pela Editora Conrad.<\/p>\n 2: Assassins: antiga ordem secreta mu\u00e7ulmana do s\u00e9culo XI. Seu nome vem da palavra “Hashshashin” (usu\u00e1rios do haxixe).<\/p>\n<\/blockquote>\n Em tempo: outro texto que trata da web \u00e9 o intitulado “Sedu\u00e7\u00e3o dos Zumbis Cibern\u00e9ticos<\/em>“, escrito ainda em 1997 e dispon\u00edvel aqui<\/a>. E outro livro editado no Brasil de Hakim Bey \u00e9 o “Caos: Terrorismo Po\u00e9tico e outros Crimes Exemplares<\/em>“<\/a>, uma colet\u00e2nea de devaneios filos\u00f3ficos\/po\u00e9ticos\/anarquistas que tem sido respons\u00e1vel por uma certa “febre” Hakim Bey, como bem escreve Cl\u00e1udio Tognolli<\/a>. E para saber de mais textos do homem, v\u00e1 a este blog<\/a>, em portugu\u00eas, ou esta p\u00e1gina<\/a>, em ingl\u00eas; ambas cont\u00e9m boa parte da obra do autor e permitem o acesso gratuito \u00e0 ela gratuitamente.<\/p>\n [Leonardo Foletto<\/strong>.]<\/p>\n Cr\u00e9ditos fotos: 1<\/a>,2<\/a>,<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" . \u00c0 primeira vista, nada indica que o senhor da foto acima, em trajes e barba que faria um mais desavisado crer que se est\u00e1 diante de um mendigo errante, \u00e9 um dos mais brilhantes e pol\u00eamicos pensadores da atualidade. Mas em quest\u00e3o de conhecimento apar\u00eancia n\u00e3o significa rigorosamente nada, n\u00e3o? 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