{"id":13960,"date":"2008-10-11T04:07:30","date_gmt":"2008-10-11T04:07:30","guid":{"rendered":"https:\/\/baixacultura.org\/?p=135"},"modified":"2008-10-11T04:07:30","modified_gmt":"2008-10-11T04:07:30","slug":"a-historia-das-coisas","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/baixacultura.org\/2008\/10\/11\/a-historia-das-coisas\/","title":{"rendered":"A hist\u00f3ria das coisas"},"content":{"rendered":"
Prefiro a id\u00e9ia de provid\u00eancia \u00e0 de coincid\u00eancia e disso de modo algum resulta\u00a0que eu me furte a\u00a0apreciar a beleza narrativa da segunda, essa esp\u00e9cie t\u00e3o charmosa de sintaxe do acaso. Um post\u00a0que\u00a0come\u00e7a na\u00a0coincid\u00eancia, no coment\u00e1rio de um professor de teoria liter\u00e1ria concluindo um racioc\u00ednio, ‘na pr\u00f3xima vez em que forem comprar alguma coisa, lembrem que a mercadoria carrega uma hist\u00f3ria’.<\/p>\n Ele nem eu t\u00ednhamos id\u00e9ia de que convers\u00e1vamos sobre o tema do curta que eu havia baixado na noite anterior, esse aqui \u00f3<\/a>, e que s\u00f3 assistiria no dia seguinte \u00e0 aula, um pouco chateado por tratar-se de uma vers\u00e3o dublada, e pronto pra te dizer que, caso isso tamb\u00e9m te irrite, d\u00e1 pra assistir em ingl\u00eas no site oficial<\/a> do filme.<\/p>\n The Story of Stuff <\/strong>s\u00e3o 20 minutos de uma bem-fundamentada, acess\u00edvel\u00a0e cuidadosa explica\u00e7\u00e3o dos motivos b\u00e1sicos pelos quais \u00e9 poss\u00edvel dizer que vivemos num morto-vivo t\u00f3xico que gira sobre o pr\u00f3prio eixo e ao redor do sol. Um planeta condenado mesmo.<\/p>\n O argumento b\u00e1sico do filme se aproxima bastante do que vem dizendo h\u00e1 v\u00e1rias d\u00e9cadas o poeta, antrop\u00f3logo e ecologista (dos mais inteligentes) norte-americano Gary Snyder<\/a>, de que escolhemos pra chamar de nosso um sistema de produ\u00e7\u00e3o que, al\u00e9m da \u00f3bvia brutalidade\u00a0que s\u00f3 o cinismo nos leva a tomar por normal, possui uma caracter\u00edstica que nega o modo b\u00e1sico de funcionamento do planeta: ele nunca p\u00e1ra.<\/p>\n Enquanto a natureza opera atrav\u00e9s de ciclos (desde a respira\u00e7\u00e3o at\u00e9 a din\u00e2mica do plantio e da colheita), o capitalismo tende a resolver inclusive suas crises\u00a0por meio\u00a0do est\u00edmulo e da\u00a0intensifica\u00e7\u00e3o do consumo. Como bem resume\u00a0a mocinha de A Hist\u00f3ria das Coisas<\/strong>, \u00e9 a publicidade quem funda a sociedade americana moderna [e, acrescento, funda o modelo de democracia onde ‘iguais oportunidades’ equivale a ‘iguais oportunidades de consumo’, modelo que terrivelmente serve de base pros pa\u00edses latino-americanos], a publicidade que lustra\u00a0mercadorias estrategicamente constru\u00eddas pra durar apenas o suficiente para renovar a f\u00e9 no consumo.<\/p>\n N\u00e3o \u00e9\u00a0dif\u00edcil perceber o\u00a0car\u00e1ter totalizante da economia de mercado. Basta pensar que ela devora esferas aparentemente alheias \u00e0 economia, como a educa\u00e7\u00e3o (do prim\u00e1rio ao vestibular, da gradua\u00e7\u00e3o \u00e0s p\u00f3s-gradua\u00e7\u00f5es da vida, toda a genealogia do aprendizado \u00e9 organizada para culminar no famigerado Mercado de Trabalho) e a fam\u00edlia (o que significa se tornar ‘independente dos pais’ sen\u00e3o ganhar a pr\u00f3pria Grana, comprar o pr\u00f3prio carro, enfim, ser respons\u00e1vel por seu pr\u00f3prio consumo?).<\/p>\n No meio disso tudo, a ideologia do cinismo tem dado um cacete certeiro no pensamento ut\u00f3pico [eu pessoalmente me conven\u00e7o cada vez mais de que a utopia \u00e9 a \u00fanica vacina poss\u00edvel contra o cinismo i\u00fape], covardemente caricaturizado como ‘idealismo’, e a ecologia virou sin\u00f4nimo de ong ou\u00a0coisa de viajand\u00e3o, completamente destacada da esfera \u00e0 qual pertence: a vida cotidiana [Digress\u00e3o.<\/strong> \u00e9 Roberto Piva<\/a> quem lembra que o deus original da ecologia era o mesm\u00edssimo Dion\u00edsio da festa e do vinho, radicalmente diferente do Francisco de Assis cat\u00f3lico].<\/p>\n O pequeno triunfo do document\u00e1rio \u00e9 que se trata da apresenta\u00e7\u00e3o de uma proposta, da divulga\u00e7\u00e3o de uma pr\u00e1tica poss\u00edvel, de economia respons\u00e1vel e sustent\u00e1vel. D\u00e1 l\u00e1 uma olhada. No site d\u00e1 pra se aprofundar no tema tamb\u00e9m. Se n\u00e3o servir pra mais nada, que sirva pelo menos pra fazer com que nas pr\u00f3ximas compras tu te lembre que as coisas trazem todas uma hist\u00f3ria oculta, uma hist\u00f3ria em cujo fim haver\u00e1 sempre mais lixo do que podemos reciclar.<\/p>\n *<\/p>\n Em tempo<\/strong>: um dos enorm\u00edssimos cl\u00e1ssicos da pel\u00edcula brazuca, Ilha das Flores<\/strong> (primeiro filme do Jorge Furtado<\/strong>) acompanha a trajet\u00f3ria de um inocente tomate, do plantio \u00e0 mesa do consumidor e desta ao lix\u00e3o onde algu\u00e9m o catar\u00e1 numas de fazer uma refei\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Vale\u00a0MESMO<\/strong> a pena dar uma sacada, por\u00a0documentar os mecanismos do capitalismo\u00a0dum ponto de vista\u00a0mais pr\u00f3ximo de todos n\u00f3s\u00a0[embora o que se diz sobre a sociedade norte-americana em A Hist\u00f3ria das Coisas tenha se tornado absurdamente aplic\u00e1vel a qualquer lugar desse vasto mundo], mas principalmente por ser uma porrada, ponto. Linguagem maluca de v\u00eddeo, texto inteligent\u00edssimo, \u00e1gil, e o que \u00e9 melhor: d\u00e1 pra baixar aqui<\/a>.<\/p>\n [Reuben da Cunha Rocha.<\/strong>]<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" Prefiro a id\u00e9ia de provid\u00eancia \u00e0 de coincid\u00eancia e disso de modo algum resulta\u00a0que eu me furte a\u00a0apreciar a beleza narrativa da segunda, essa esp\u00e9cie t\u00e3o charmosa de sintaxe do acaso. 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